TRABALHANDO OS GÊNEROS, AVALIANDO A ESCRITA: ALGUMAS ESTRATÉGIAS

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Transcrição:

2485 TRABALHANDO OS GÊNEROS, AVALIANDO A ESCRITA: ALGUMAS ESTRATÉGIAS Marineuma de Oliveira Costa Cavalcanti UEPB Introdução Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) sugerem que o texto, o qual se organiza sempre dentro de certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, caracterizando-se como pertencente a este ou àquele gênero, seja a unidade de ensino. Cabe, dessa forma, aos teóricos da língua e da prática pedagógica pensar instrumentos didático-pedagógicos para a intervenção junto à escola, no sentido de transpor conhecimentos relativos a esses conteúdos, viabilizando, assim, uma efetiva aprendizagem. De acordo com Kleiman (2003), tal direção apontada pelos PCNs desencadeou uma intensa e significativa atividade de pesquisa no intuito de descrever uma diversidade considerável de gêneros, como também de apresentar sugestões didáticas para o uso de textos enquanto exemplares e fonte de referência de um determinado gênero. Segundo Dolz e Schneuwly (2004), é possível ensinar a escrever textos e a exprimir-se oralmente em situações públicas escolares e extra-escolares. Para isso, eles defendem que é preciso criar contextos de produção reais, efetuando-se atividades ou exercícios múltiplos e variados. Nesse contexto, como, depois, avaliar a produção textual dos alunos? A produção de textos na escola tem assumido relevante importância. É tanto que, em alguns vestibulares, a redação tem nota independente da própria prova de língua portuguesa. A produção textual deixou de ser mais uma atividade nas aulas de português para assumir o status de matéria em si, quase que desvinculada do viés literário e gramatical. Foram implantados nas unidades de ensino médio, principalmente, programas especiais de ensino-aprendizagem, visando um melhor desempenho dos alunos em relação à escrita. Sabe-se que o trabalho com a elaboração de textos é árduo e, algumas vezes, improdutivo. Em geral, os professores levam em conta apenas a questão formal da produção, apontando desvios que envolvem, principalmente, a estrutura formal do produto final e a aplicação de regras gramaticais. Na verdade, escrever na escola tem a ver com simulação, ou seja, simula-se uma eventual necessidade de comunicação e pede-se que o aluno redija um texto, de um determinado gênero. Com o foco do ensino voltado atualmente para a noção de gêneros e de sua presença em todas as situações e esferas comunicativas, faz-se necessário que a abordagem na avaliação leve em conta critérios que contemplem outros fatores, além dos citados. O objetivo deste trabalho é, pois, discutir o processo de avaliação utilizado pela maioria dos professores em sala de aula e sugerir algumas estratégias a serem levadas em consideração na hora de se avaliar uma redação. Revendo Conceitos Uma primeira questão que se nos aparece tem a ver com o para quê se escreve na escola. Em primeiro lugar, é preciso dar à produção do aluno um caráter utilitário, por mais que a atividade de escrita na escola seja artificial, uma simulação, um treino. É preciso fazer pressupor uma interlocução, pois não se escreve bem se não se tem para quem escrever. O aluno certamente buscará adequar sua linguagem à situação comunicativa, como também, sabendo-se lido, cuidará mais para que seu texto seja coeso e coerente. Outro fator diz respeito à resposta que todo aluno espera após entregar sua produção ao professor. É necessário que haja um retorno em relação ao que escreveu. Para alguns, os textos escritos na escola (ou para a escola) não são levados em consideração e, quando o professor não os devolve com indicações e comentários, é como se nem tivessem sido lidos. Daí, por que caprichar, por que pensar no que vai dizer e cuidar de escrever um bom texto, se isso não vai servir para nada?

2486 Para o aluno, escrever na escola é muito difícil, primeiro porque ele é obrigado a escrever dentro de padrões muito rígidos, previamente estipulados; seu desempenho será julgado e avaliado. Em segundo lugar, a língua tem sido vista e pensada, por muitos, como uma representação gráfica da fala, o que é um grande equívoco. Escrever nunca foi e nunca será a mesma coisa que falar: é uma operação complexa e que atua como complemento da oralidade, cumprindo certas atribuições que vão além das propriedades inerentes a esta. Cuidar para que elementos da oralidade, tão presentes no dia-adia das pessoas, não interfiram no processo da escrita, é uma atividade que exige muito esforço. A escrita, por sua vez, é profundamente marcada pela sua assimilação por parte de camadas sociais privilegiadas que a manipulam. Escrever é, dessa forma, ascender socialmente. Dá status. Escrever dentro de certa modalidade mais formal dá mais visibilidade ainda. O processo de construção de um texto é uma eterna disputa entre o que se sabe dizer, o que se pode dizer e como é possível fazêlo, tendo em vista a imagem que se constrói do interlocutor em que se transforma o professor, enquanto detentor de um saber que lhe confere o direito de julgar, de avaliar, de corrigir e de atribuir notas. Para Geraldi (2004:128), o caráter artificial da escrita em sala de aula dominará todo o processo de trabalhos com textos. Entretanto, é preciso acabar com a idéia de que na redação não há um sujeito que diz, mas um aluno que devolve ao professor a palavra que lhe foi dada pela escola. O texto do aluno precisa passar a ser produto de uma reflexão ou uma tentativa de, usando a modalidade escrita, estabelecer uma interlocução com um leitor possível. Infelizmente, não há como fugir do fato de que produzir textos na escola será sempre um exercício, um treino, um preparar-se para o efetivo exercício da comunicação através da escrita. O que se deve fazer é procurar tornar essa atividade menos penosa, deixando-se bem clara para o aluno a necessidade que todos têm de se tornar eficientes nessa empreitada. A correção também tem que levar em consideração o enunciado que foi proposto. O texto do aluno deve ser uma resposta ao que foi pedido pelo professor. Muitos alunos não conseguem entender o que está sendo pedido. É necessário, pois, todo um trabalho no sentido de capacitar o estudante para interpretar propostas e, assim, escrever em resposta ao que lhe está sendo sugerido. Isso faz parte do jogo em que se tem tornado a relação professor/aluno no processo ensino-aprendizagem da língua. Ao propor uma atividade de escrita, o professor deve, antes de tudo, ter cuidado redobrado ao escrever o enunciado do exercício de forma clara, concisa, completa e coerente. Às vezes, o problema não é exatamente de interpretação do aluno quando não entende o que lhe é pedido ou quando o faz de maneira inadequada, imprecisa, mas sim, de má elaboração da proposta. Ao professor, cabe ser um bom elaborador de textos, para que possa ter mais propriedade para julgar a produção de seus alunos. Como Corrigir Redações? Eis o ponto crucial do trabalho com a escrita de textos. Por um lado, cabe ao professor apontar desvios, corrigi-los e mostrar como deve ser. Por outro lado, como se sente um aluno que vê seu texto todo marcado, riscado, reduzido a uma nota? O que fazer? Ser flexível para conquistar e fazer com que o aluno passe a confiar e a ver no professor alguém que vai lhe ajudar? Ou ser exigente, inflexível e estar sempre mostrando que ele precisa melhorar para atingir um bom nível de escrita? De acordo com Therezo (2006), corrigir redações supõe não apenas o exercício mecânico de apontar falhas gramaticais, mas o de tornar claro em que sentido essas falhas podem interferir na coerência e na coesão, comprometendo a clareza do texto. Não basta ao professor contentar-se em sublinhar inadequações, apontá-las em códigos, deixando a cargo do aluno verificar o que está impreciso. É preciso ensinar a redigir e isso é um processo lento, que supõe, também, a correção. O novo professor de redação tem, hoje, uma nova tarefa, mais importante que a de verificar se as regras da gramática normativa foram observadas na escritura do texto: a de ensinar a pensar por escrito. E para pensar por escrito é preciso partir do que os outros pensam e observar como os outros escrevem (THEREZO, 2006:11). É papel fundamental do professor ensinar ao aluno como obter idéias, como selecioná-las e como ordená-las antes de escrever. O seu papel extrapola o âmbito da estruturação textual e vai até a

2487 aquisição do conteúdo, através da leitura, sobre o qual se vai escrever. A avaliação de um texto diz respeito não só à forma, mas ao conteúdo também. Os mecanismos de clareza do texto não são apenas as técnicas de encadeamento de idéias, mas a suficiência de dados, a eficácia da argumentação e a presença da informatividade. Por fim, algo que precisa estar bem definido para o aluno antes da atividade de produção textual: todas as noções sobre o processo de correção devem ser transmitidas, todos os critérios devem ser apresentados e esclarecidos para que possa compor seu texto a partir dessas indicações. Se o aluno sabe a partir de que critérios será avaliado e que conteúdos estão sendo cobrados, certamente cuidará de aprendê-los, não se sentindo injustiçado, caso cometa deslizes em procedimentos a serem dominados e idéias a serem desenvolvidas. Critérios de Avaliação Grosso modo, os critérios de avaliação devem ser determinados a partir da atividade que se pretende fazer, mas é possível lançar mão de um padrão mínimo aceitável tendo em vista o trabalho com gêneros textuais, tão em voga atualmente. Primeiramente, há de se detectar se o aluno escreveu dentro do gênero indicado, observando se utilizou todos os elementos por ele exigidos. Em seguida, é preciso identificar se o aluno escreveu sobre o tema proposto. Fuga total ou parcial ao tema significa que não houve satisfatória compreensão da proposta ou que faltaram ao aluno informações suficientes para desenvolvê-lo. Outro fator a ser observado diz respeito à coesão textual, ou seja, emprego adequado de recursos de referenciação e de seqüenciação/encadeamento, para relacionar termos ou segmentos de um texto. Cabe à coesão a estruturação, o esquema, a costura dos termos, a escolha das palavras e sua relação com as outras palavras do texto. Há de se observar, também, se houve coerência e se foram levados em consideração os fatores de textualidade pragmáticos, como a intencionalidade (percepção dos propósitos do autor, possíveis implicações para a organização do texto e sua adequação à situação comunicativa), a aceitabilidade, a situacionalidade, a informatividade e a intertextualidade (relações explícitas e implícitas entre textos). Por fim, não se pode deixar de observar se o aluno domina as convenções do sistema escrito, tais como pontuação, ortografia, acentuação gráfica, concordância, verbal e nominal, regência, verbal e nominal, colocação pronominal, entre outros. A partir da definição dos critérios de correção, cabe ao professor ler o texto produzido pelo aluno e averiguar se foram bem utilizados ou se será preciso indicar uma re-escritura do que foi produzido. Nenhum aluno aprende se apenas lhes forem apontados os desvios. É preciso que o professor os aponte e apresente possibilidades de reflexão sobre o que não se alcançou naquela produção, sempre dando abertura para que o aluno busque tirar suas dúvidas e possa, assim, melhorar sua produção escrita. Uma Proposta Para ilustrar essa questão, vamos analisar uma proposta de produção textual aplicada em sala de aula e sugerir alguns procedimentos de avaliação. A atividade sugerida foi a elaboração de um texto de gênero notícia, a partir de um texto em versos, mais precisamente, um poema. Antes de qualquer procedimento escrito, talvez nem seja preciso dizer, o professor deve ler e discutir o texto da proposta, provocar um debate, apreciar sua sonoridade, identificar que elementos constitutivos o justificam como poema, além de levar o aluno a elencar as características básicas de uma notícia, já que, enquanto pertencente a um determinado gênero, que mesmo tendo características mutáveis e flexíveis, tem uma certa estabilidade, ou seja, define o que é dizível e, inversamente, o que deve ser dito define ser o que são. Todo o processo de leitura deve ser no sentido de que haja uma compreensão satisfatória do texto como um todo, levando o aluno a interpretar, a associar o texto a outros antes lidos, a analisar e a identificar para quem e a que se destina, qual poderia ser a intenção do autor ao escrevê-lo. Um texto e o que ele diz, como diz, por que diz sempre deverá ser objeto de reflexão em uma aula de português. Ou seja: é preciso levar em conta, no trabalho com o texto, as

2488 condições de produção e de recepção do mesmo, como elementos essenciais em um processo de leitura. Veja a atividade que foi sugerida aos alunos: 1. Reescreva o texto dado abaixo em forma de notícia, fazendo as devidas adequações. Você deve dar um nome completo ao personagem, além de definir o tempo e pressupor, através de testemunhas, possíveis causas do acontecimento. Siga a estrutura do gênero sugerido. POEMA TIRADO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL Manuel Bandeira João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu Cantou Dançou Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado. Antes de proceder à análise da atividade e seu desenvolvimento, é preciso tecer algumas considerações acerca do que se espera do aluno em relação à proposta em pauta. O poema de Manuel Bandeira traz elementos ricos a serem observados. O texto está em verso livre, o que o aproxima, de certa forma, do texto que lhe motivou, e já deixa claro que foi escrito a partir de uma notícia vista em um jornal; assunto banal, corriqueiro, para o qual pouca importância se dá. A escolha das palavras, a disposição dos versos e o final aparentemente inesperado, com um quê de descaso, são marcas de um fazer literário que utiliza palavras comuns, transformando-as, transmutando-as, através de uma elaboração poética que busca chamar a atenção, provocar o estranhamento e/ou a indignação. Esse descaso, percebido nas entrelinhas do texto, talvez tenha o papel de mostrar a indiferença das pessoas diante da tragédia na vida de uma pessoa comum. É possível perceber uma ordem gradativa das ações de João Gostoso, que é citado pelo apelido no início do poema, sinal de desprestígio em uma sociedade que valoriza o status dado por um sobrenome de peso. Suas atitudes, uma a uma, vão lhe conduzindo a um clímax que, na verdade, não chega a impressionar. É como se, no ato máximo de desespero, fosse esperado mais dele. É como se alguém perguntasse: E aí? Só isso? Ele só morreu?. Ora, ao homem comum, só é dado notoriedade se ele for além das expectativas para ele criadas pelo meio em que vive. E o que se espera de uma notícia? Em primeiro lugar, é preciso que se obedeça à estrutura desse tipo de texto. Há um padrão formal a ser seguido, como também é exigida uma seqüência de elementos a serem citados, sob pena de não se estar produzindo o que se pediu. A notícia é um texto do gênero jornalístico, o que pressupõe que venha escrito em linguagem clara, concisa, objetiva e imparcial. Parte-se de uma informação central, já indicada na manchete, que responde às seguintes perguntas: O quê? Quem? Onde? Quando? E, se possível, por quê? A manchete, por sua vez, deve ser curta e conter o cerne do acontecimento, representando, no geral, pela presença de um sujeito, de um verbo no presente, mais complemento. A resposta a essas questões já delimita o tema a ser desenvolvido. Se qualquer uma dessas perguntas não apresentar resposta no corpo do texto, certamente prejudicará a coerência e o princípio da informatividade.

2489 No mais, é preciso que se cuide da articulação das frases, dos períodos e dos parágrafos, para que o produzido seja um todo significativo, com começo, meio e fim. O emprego correto dos elementos gramaticais também deve ser levado em consideração. Experimentando os Critérios Dentre os textos escritos pelos alunos, foi escolhido um que apresentou diversos desvios em relação à proposta apresentada. Veja: POBRE COM MORTE DE RICO João Carlos Neto, era um trabalhador braçal na feira-livre e residia na ponte Rio-Niterói no morro da Babilônia No dia 20 de Novembro ele chegou num bar Bebeu Cantou Dançou E depois se jogou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu de coma alcoólico. Como proceder a avaliação desse texto? É importante seguir os critérios definidos anteriormente e, assim, apontar os desvios ou aquilo que está em desacordo com o que foi pedido. Em primeiro legar, devemos analisar os elementos ligados ao gênero textual. O aluno deveria elaborar um texto jornalístico, em forma de notícia, a partir do poema de Manuel Bandeira. Qual é então a estrutura de uma notícia? Manchete e texto em prosa, predominantemente informativo, que responda às perguntas o quê, com quem, onde, quando e por quê. Em primeiro lugar, a manchete utilizada Pobre com morte de rico não obedece à estrutura de manchete, que deve ser o mais objetiva possível, sem subjetividades, seguindo o esquema sujeito, verbo no presente, complemento. O corpo do texto em si está também, como o poema dado, em versos livres, o que é inadequado ao gênero em foco. Em relação à linguagem jornalística, além da conotatividade e da figurativização do título, alguns aspectos podem aqui ser colocados como inadequados, como a expressão no dia 20 de novembro, que conota tempo passado bem anterior ao fato. Uma notícia deve ser o mais atual possível, no máximo ontem, hoje pela manhã, no último fim de semana, por exemplo. A imprecisão do termo num bar também é problemática, já que, em uma notícia, o espaço do acontecimento deve ser identificado e nomeado. Quanto ao tema desenvolvido, elemento dos mais importantes em um texto, que deveria ser o mesmo do texto dado, o aluno, ao trocar algumas palavras, desvirtuou alguns sentidos, modificandoos, o que provocou uma ligeira fuga temática, já que foram mudadas noções de tempo ( No dia 20 de novembro ) e espaço ( ponte Rio-Niterói ). O mais prejudicial no texto do aluno, entretanto, foi tornar incoerente a relação de causa e conseqüência ( se jogou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu de coma alcoólico ), pois ter se atirado na lagoa não provocaria, necessariamente, até onde se sabe, coma alcoólico. Tal estratégia, além de comprometer o texto quanto à temática, prejudicou a coerência do mesmo. Há também que se citar a incoerência informativa ao dizer que a ponte Rio-Niterói fica no morro da Babilônia. Em termos de coesão, vale notar que o aluno fez algumas substituições de palavras por sinônimos ou expressões mais ou menos equivalentes, como se isso fosse suficiente em uma recriação, como nos pares carregador/trabalhador braçal, lagoa Rodrigo de Fretas/ ponte Rio-Niterói, afogado/coma alcoólico. Não podemos, certamente, passar por cima das questões formais; não se deve, pois, dar relevância apenas a eles, mas faz parte do trabalho de escrita de um texto cuidar também dos componentes gramaticais. Poderíamos assinar alguns desvios em relação à pontuação, como, por

2490 exemplo, separar o sujeito do predicado por vírgula ( João Carlos Neto, era um trabalhador braçal na feira-livre... ), não colocar virgular antes da expressão circunstancial no morro da Babilônia e repetir o conectivo e na última frase, quando poderia tão-somente colocar o verbo no gerúndio, colocando uma vírgula antes do mesmo ( E depois se jogou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu de coma alcoólico / E depois se jogou na lagoa Rodrigo de Freitas, morrendo de coma alcoólico ). Dentre os textos escritos pelos alunos, um chamou a atenção pela objetividade e por ter, de certa forma, atendido ao que foi pedido na proposta. Vale citá-lo, então: HOMEM MORRE AFOGADO NA LAGOA RODRIGO DE FREITAS Foi encontrado, na madrugada de hoje, o corpo do carregador de feira-livre, João Roberto de Sousa, mais conhecido como João Gostoso, morador do morro da Babilônia, num barracão sem número, que se atirou, no início da noite de ontem, na lagoa Rodrigo de Freitas, após ter bebido, cantado e dançado, no bar Vinte de Novembro. O texto obedece à estrutura do gênero notícia (manchete objetiva, corpo do texto claro, conciso, em que encontramos respostas para as questões o quê, quem, onde e quando). Vale lembrar que nem sempre o jornalista consegue, em princípio, apresentar a causa dos acontecimentos, as razões que o suscitaram. O tema do poema (morte por afogamento de um homem, após ter bebido, cantado e dançado) também foi desenvolvido. O texto está coeso, as orações bem articuladas. Há coerência e não há nenhum desvio do ponto de vista gramatical. Ou seja: o aluno escreveu em resposta à proposta sugerida, atendendo, satisfatoriamente, aos critérios definidos para a correção. Considerações Finais Diante do exposto, sem ter a menor pretensão de esgotar o tema, mas apenas refletir sobre o mesmo, resta lembrar que, no fundo, o mais importante não é a nota que o aluno vai merecer ou deixar de receber por suas atividades. O que deve ser levado em conta é que é preciso, depois de todas as observações em torno da produção do aluno, dar um retorno a ele, permitindo que possa também refletir sobre os desvios cometidos e se sinta motivado a reescrever seu texto, até chegar a uma forma considerada ideal e suficiente. Não cabe ao professor julgar o aluno de forma a constrangê-lo, como se fosse dono da verdade, incapaz de cometer, ele próprio, deslizes outros. O processo de produção textual deve ser encarado como uma atividade de construção do saber rica e produtiva, já que pode levar o aluno a se tornar eficiente em leitura e competente em redação de textos de diversos gêneros. Referências DOLZ, J. e SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004. GERALDI, J. W. (org.). O texto na sala de aula. 3ª ed. São Paulo: Ática, 2004. KLEIMAN, A. Apresentação. In DIONÍSIO, A. P., MACHADO, A. R. e BEZERRA, M. A. (org.). Gêneros textuais e ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa Ensino Médio. Brasília, 1998. THEREZO, G. P. Como corrigir redação. Campina, SP: Editora Alínea, 2006.