Repasse Cambial para Preços O cenário econômico mundial recene em sido caracerizado por processo de recuperação desigual das grandes economias. De um lado, a economia dos Esados Unidos mosra sinais mais sólidos de melhora nos seus fundamenos. De ouro, em países da Europa, além do Japão e de alguns países emergenes, a recuperação em sido mais lena, evidenciada por menores axas de crescimeno do Produo Inerno Bruo (PIB). A esse cenário de crescimeno heerogêneo, deve-se acrescenar os riscos decorrenes do início do processo de normalização das condições moneárias em imporanes economias maduras, noadamene nos Esados Unidos. Em conjuno, esses faores êm gerado focos de volailidade nos mercados inernacionais de moedas, com o foralecimeno do dólar americano frene às demais moedas. Considerando o período de doze meses aé o início do mês de março de 05, o dólar valorizou 7% ane o euro, % frene à libra eserlina, 8% em relação ao iene japonês e 3% ane o real. Nesse conexo, é naural que auoridades moneárias se preocupem com a inensidade de repasse das variações cambiais para preços. Dada a relevância do ema, ese boxe raa do repasse cambial, idenificando faores e condições que podem miigar seu efeio sobre os preços inernos. Em geral, a lieraura inernacional apresena evidências de redução na magniude do repasse cambial nas úlimas décadas na maioria dos países desenvolvidos e ambém em países emergenes (Gagnon e Ihrigh, 004; Campa e Goldberg, 00 e 005; Mishkin, 008). Vários faores são aponados para explicar esse recuo, como a melhoria da qualidade da políica moneária, a mudança na composição da cesa de imporações, com aumeno da paricipação de manufaurados, enre ouros. No caso do Brasil, esimaivas aponam redução inensa no coeficiene de repasse da variação cambial para os índices de preços ao consumidor após a adoção do regime de meas para a inflação (Belaisch, 003; Albuquerque e Porugal, 005; Nogueira Junior, 00). Essa redução Março 05 Banco Cenral do Brasil Relaório de Inflação 95
no repasse em sido ambém capurada pelos modelos de projeção do Banco Cenral, como reporado no boxe Modelos de Projeção: Aualização e Aperfeiçoamenos do Relaório de Inflação de junho de 0. As esimaivas de repasse êm se manido esáveis nas revisões mais recenes dos modelos, em níveis próximos à meade dos valores esimados para 004/005. Comporameno similar foi observado com relação ao repasse no grupo de preços adminisrados, inensamene afeado pelos movimenos da axa de câmbio no período inicial do regime de meas para a inflação. Mais recenemene, conforme divulgado no boxe Preços Adminisrados por Conraos e Moniorados: Aualização dos Modelos de Projeção e dos Coeficienes de Repasse Cambial do Relaório de Inflação de junho de 0, não se enconrou evidência de repasse cambial para os iens poencialmene mais impacados pela axa de câmbio. Gráfico Taxa de Câmbio Nominal,9,7,5,3,,9,7,5 80 006 007 008 009 00 0 0 03 04 05 Taxa de câmbio R$/US$ eixo esquerdo Taxa efeiva (índice, jan/000 = 00) eixo direio / Fone: Banco Cenral do Brasil e BIS. / Índice inverido em relação ao publicado pelo BIS, seu aumeno indica desvalorização do Real. 50 40 30 0 0 00 90 A lieraura empírica ambém repora que a magniude e a velocidade do repasse para os preços ao consumidor dependem de vários faores, incluindo expecaivas quano à duração da variação cambial, cusos de ajusameno de preços, condições de demanda e composição da cesa de imporados. Ao se considerar o ajuse recene nas coações do real frene às várias moedas, esse úlimo faor parece ser paricularmene relevane para a magniude do repasse. Noe que a ransmissão da variação cambial ipicamene ocorre em dois eságios. No primeiro, movimenos da axa de câmbio são ransmiidos aos preços dos produos imporados (finais e inermediários). No segundo eságio, mudanças nos preços dos imporados são ransmiidas para os preços no varejo. A magniude desse efeio sobre os índices de preços ao consumidor depende, enre ouros faores, da parcela de imporados na economia e de sua composição (quano ao ipo de produo e da moeda do país de onde o produo é imporado). Dessa forma, medidas de axa de câmbio efeiva podem ser mais represenaivas para a ransmissão de choques para a inflação do que axas de câmbio bilaerais (Klau e Fung, 006). O Gráfico apresena a axa de câmbio real/dólar americano (R$/US$) e uma medida de axa de câmbio efeiva para o Brasil, calculada pelo Bank for Inernaional Selemens (BIS). A axa de câmbio efeiva é calculada como uma média geomérica das axas de 96 Relaório de Inflação Banco Cenral do Brasil Março 05
Tabela Composição da cesa de moedas Moeda País Código Peso / Euro Área do Euro EUR,% Dólar EUA USD 8,9% Yuan China CNY 4,3% Peso Argenina ARS 0,6% Iene Japão JPY 4,9% Won Coréia do Sul KRW 3,9% Peso México MXN 3,% Libra eserlina Reino Unido GBP,% Peso Chile CLP,9% Demais moedas - - 8,9% Fone: BIS. / Pesos baseados no comércio do período 008-00. câmbio bilaerais, onde cada moeda é ponderada pelo peso de cada país na correne de comércio com o Brasil, conforme dados da Tabela. Noe-se que, embora haja elevada correlação enre as duas séries, há momenos de descolameno enre as duas medidas, como no período recene, e embora a depreciação frene ao dólar enha sido maior, a paricipação dessa moeda na correne de comércio é menor que 0%. Para esar a hipóese de repasse cambial menor em um conexo de descolameno da axa de câmbio bilaeral real/dólar americano em relação à axa efeiva, uilizouse um modelo de hreshold, al como adoado por Correa e Minella (00) para medir não-linearidades no repasse cambial. A curva de Phillips com hreshold é dada por: () π L = + [ αeπ + + ( α α ) π + α ( e m + π m )] I ( q < τ ) [ α E π + ( α α ) π + α ( e + π )] I ( q τ ) + α h 3 + j + θ ' x + ε, m m L em que π é a inflação de preços livres, h é a medida de hiao do produo, Eπ + é o ermo de expecaivas, π represena a inflação passada, e é a variação na axa de câmbio real/dólar, π mede a inflação exerna, e x são conroles para choques de ofera. Os parâmeros α e α medem o repasse cambial de curo prazo (um rimesre) em cada um dos regimes. Nesse modelo há dois regimes, e o repasse é maior ou menor dependendo se a variável q ulrapassa ou não o valor τ, que é esimado. A esimação do modelo é feia em dois eságios usando o méodo GMM. No primeiro eságio, o valor do hreshold é esimado. No segundo, condicional ao valor do hreshold, esima-se os ouros parâmeros do modelo. Nesse exercício, o descolameno enre a axa de câmbio efeiva e a axa bilaeral real/dólar americano foi uilizado como variável de hreshold. Foram esimadas duas especificações com dados rimesrais aé o período mais recene: uma uilizando o nível do descolameno como variável de hreshold e oura com a variação do descolameno. Nas duas esimações os parâmeros α e α foram esaisicamene / O BIS calcula axas de câmbio efeivas para 6 economias. A meodologia usada, assim como as séries hisóricas e os pesos das cesas de moedas podem ser enconradas em hp://www.bis.org/saisics/eer/. Março 05 Banco Cenral do Brasil Relaório de Inflação 97
significanes, e sugerem que, em siuações de descolameno como o observado aualmene, o componene de repasse de curo prazo é enre ponos percenuais (p.p.) e 3 p.p. menor. Carneiro, Moneiro e Wu (00) e Correa e Minella (00) ambém fornecem evidências de mecanismos não-lineares no repasse cambial no Brasil dependendo de ouros faores. Usando modelos semelhanes aos da equação (), Correa e Minella (00) argumenam que a magniude do repasse para os preços livres é menor quando a variação cambial é percebida como emporária e quando a economia esá mais desaquecida. Esse úlimo mecanismo é relevane no conexo aual da economia brasileira. Como já argumenado, ipicamene a variação cambial afea a inflação por meio dos preços de produos imporados. Conudo, mudanças na axa de câmbio ambém impacam os preços ao consumidor por meio de um canal adicional: a depreciação cambial que leva a preços mais alos dos produos imporados irá, por sua vez, aumenar a demanda pelos produos domésicos que compeem com os bens imporados. À medida em que a demanda aumena, haverá ambém pressões de ala sobre os preços domésicos e sobre salários. Todavia, essa pressão de demanda é reduzida num conexo de menor crescimeno econômico. Para esar esse mecanismo, a equação () foi esimada usando a medida de hiao do produo como variável de hreshold. Os resulados sugerem que, quando a economia enconra-se desaquecida, o repasse cambial de curo prazo é aproximadamene 3 p.p. menor do que quando a economia enconra-se crescendo a axas elevadas. Em resumo, na avaliação prospeciva da magniude do repasse cambial, devem-se levar em cona diversos faores, ais como o grau de uilização dos faores produivos, direção da variação cambial, percepção quano à duração da variação do câmbio, composição da cesa de produos imporados, comporameno da inflação inernacional e preços de commodiies. Paricularmene, na conjunura aual, desacam-se como elemenos que conribuem para miigar os efeios da desvalorização cambial sobre os preços domésicos a variação da axa de câmbio efeiva menor do que a axa bilaeral R$/US$, o desempenho da economia em 05 mais fraco do que o inicialmene anecipado, o comporameno mais benéfico / Sobre essa relação, ver boxe Influência dos Preços de Commodiies sobre o Repasse Cambial no presene Relaório de Inflação. 98 Relaório de Inflação Banco Cenral do Brasil Março 05
dos preços das commodiies nos mercados inernacionais e a posição mais resriiva da políica moneária. Referências ALBUQUERQUE, C. e PORTUGAL, M. (005). Pass- Through from Exchange Rae o Prices in Brazil: An Analysis using Time-Varying Parameers for he 980-00 Period. Revisa de Economia, Monevideo, nº (), p. 7-73. BELAISCH, A. (003). Exchange Rae Pass-Through in Brazil. IMF Working Paper n. 4. CAMPA, J. e GOLDBERG, L. (00). Exchange Rae Pass-Through ino Impor Prices: A Macro or Micro Phenomenon?. NBER Working Paper n. 8934. CAMPA, J. e GOLDBERG, L. (005). Exchange Rae Pass-Through ino Impor Prices. Review of Economics and Saisics, n. 87(4), p. 679-690. CARNEIRO, D., MONTEIRO, A. e WU, T. (00). Mecanismos Não-Lineares de Repasse Cambial para o IPCA. Deparameno de Economia PUC-Rio, Texo para Discussão nº 46. CORREA, A. e MINELLA, A. (00). Nonlinear Mechanisms of he Exchange Rae Pass-Through: a Phillips Curve Model wih Threshold for Brazil. Revisa Brasileira de Economia, vol. 64, nº 3, p. 3-43. GAGNON, J. e IHRIG, J. (004). Moneary Policy and Exchange Rae Pass-Through. Inernaional Journal of Finance and Economics, vol. 9(4), p. 35-338. KLAU, M. e FUNG, S. (006). The New BIS Effecive Exchange Rae Indices. BIS Quarerly Review, Bank of Inernaional Selemens. MISHKIN, F. (008). Exchange Rae Pass-Through and Moneary Policy. NBER Working Paper n. 3.889, Abril. NOGUEIRA JR, R. (00). Inflaion Environmen and Lower Exchange Rae Pass-Through in Brazil: Is There a Relaionship?. Revisa Brasileira de Economia, vol. 64(), p. 49-56. Março 05 Banco Cenral do Brasil Relaório de Inflação 99