Nota de Investigação #4. Nota de Investigação #4 APTIDÃO PARA O INVESTIMENTO SOCIAL
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- Eric Caetano Aranha
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1 Nota de Investigação #4 APTIDÃO para O INVESTIMENTO Social Nota de Investigação #4 APTIDÃO PARA O INVESTIMENTO SOCIAL ABRIL
2 Esta Nota de Investigação foi desenvolvida em Abril de 2014 por Joana Cruz Ferreira e António Miguel, com a supervisão científica do Professor Filipe Santos do INSEAD. Tem o objetivo de apresentar a relevância que a capacitação para o investimento representa para a sustentabilidade do setor social e as principais abordagens possíveis. Esta nota contou com o importante contributo de Carlos Azevedo e Frederico Fezas Vital, a quem o Laboratório agradece. Laboratório de Investimento Social O Laboratório de Investimento Social é uma iniciativa promovida pelo IES e pela Fundação Calouste Gulbenkian em parceria com a Social Finance UK. Pretende ser um centro de conhecimento de referência na área do investimento social, procurando difundir as melhores práticas internacionais e instrumentos financeiros inovadores e estudando a sua aplicabilidade à realidade portuguesa. Nota introdutória da Fundação Calouste Gulbenkian O Programa Gulbenkian de Desenvolvimento Humano incentiva e facilita a inclusão dos grupos mais vulneráveis da população, através de uma aposta na inovação social, no empreendedorismo e na capacitação de pessoas e organizações como chaves de desenvolvimento. Existe em Portugal e no Mundo Lusófono um grande número de projetos com elevado impacto que enfrentam inúmeras dificuldades financeiras que não lhes permitem realizar todo o seu potencial. Felizmente, a inovação financeira dos últimos anos tem apresentado soluções e novos instrumentos adequados às necessidades específicas das organizações e empreendedores sociais, especialmente nos países anglo-saxónicos. Estes mecanismos financeiros inovadores têm como objetivo aumentar os montantes disponíveis e diversificar as fontes de capital para financiar o setor social. Os principais problemas sociais desde a institucionalização de crianças e jovens, desemprego, abandono escolar, pessoas sem-abrigo, reincidência criminal, isolamento social de idosos, entre outros representam um enorme custo económico e social. Se por um lado, temos a sorte de ter organizações e empreendedores sociais que dedicam o seu esforço, competências e trabalho à procura de soluções que mitiguem estes desafios sociais, por outro lado, faltam instrumentos financeiros adequados que apoiem estas entidades no longo prazo e que garantam sustentabilidade financeira, para poderem maximizar o seu impacto e melhorar a qualidade de vida dos seus beneficiários. O apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, através do Programa Gulbenkian de Desenvolvimento Humano, ao Laboratório de Investimento Social está completamente alinhado com a nossa missão e pretende propor soluções para que aqueles que trabalham com as populações mais vulneráveis, possam fazê-lo de uma forma cada vez mais eficiente, capacitada e com maior impacto. Este é um processo de aprendizagem conjunta, com o envolvimento dos principais atores dos setores social, público e financeiro, para propor soluções que melhorem a qualidade de vida das populações mais vulneráveis, reduzam o nível de pobreza e reforcem a coesão social. 2
3 Nota de Investigação #4 APTIDÃO para O INVESTIMENTO Social A Aptidão para o investimento social Um setor repleto de mitos e pressupostos enganadores A falta de aptidão que os empreendedores sociais têm para atrair e receber investimento contribui para o bloqueio que existe no fluxo de capital entre investidores e projetos de inovação e empreendedorismo social. Este problema é um reflexo de pressupostos errados e de mitos frequentemente associados a estes projetos, nomeadamente: Mito 1: Não é possível desenvolver modelos de negócios sociais, pelo que estes projetos não são um investimento atrativo em termos de retorno financeiro. Mito 2: Os projetos sociais precisam de menos investimento do que os projetos comerciais tradicionais. Mito 3: As iniciativas de inovação e empreendedorismo social não devem investir na própria estrutura os overheads são vistos como negativos e representam um aumento da estrutura de custos. O empreendedorismo social vem desafiar estes pressupostos ao mostrar que existem inovações no modelo de negócio que podem tornar projetos de impacto social sustentáveis mas que para codificar e escalar essas inovações é necessário investimento social - da mesma forma que projetos de empreendedorismo comercial de elevado potencial necessitam de capital de risco para crescerem. Esse capital é investido exatamente na capacitação organizacional, pois ter uma estrutura organizacional sólida é fundamental para possibilitar o crescimento das iniciativas e trazer economias de escala futuras. No entanto, os empreendedores sociais deparam-se regularmente com os mitos acima apresentados que bloqueiam o crescimento e desenvolvimento dos seus projetos: menos recursos disponíveis, montantes mais pequenos de investimento, maiores restrições de liquidez e dificuldade no acesso a ferramentas e capacitação. Nestas circunstâncias, a melhoria da aptidão para o investimento social serve para colocar os empreendedores sociais em pé de igualdade com os empreendedores tradicionais, permitindo-lhes aceder a financiamento de médio ou longo prazo para que possam desenvolverem os seus projetos de forma eficiente, inovadora e sustentável. No seu livro Why Nonprofits Fail, Stephen Block nomeia 7 razões que contribuem para a insustentabilidade das organizações do setor social: 1. Fundofobia: incapacidade de implementar processos de angariação de fundos, dependência excessiva de financiamento público e falta de clareza no modelo de negócio; 2. Infortúnio financeiro: culpabilização de entidades supra locais (ex. Estado) pela falta de estabilidade financeira; 3. Desorientação no recrutamento: contratação de recursos humanos em função de redes de proximidade e não da respetiva competência; incapacidade de atrair e reter talentos e competências, designadamente na área da gestão; 4. Síndrome do fundador: dependência excessiva de uma ou várias figuras paternalistas; 5. Depressão cultural: subexploração do capital social essencial para a coesão e sustentabilidade da rede de capilaridade na prestação de serviços; 6. Desempenho político autocentrado: criação de ciclos viciosos para a satisfação de interesses internos; 7. Confusão na estrutura organizacional: pouca clareza entre o papel da Direção Estatutária (na maior parte das organizações eleito como representante dos interesses da comunidade local e com funções iminentemente estratégicas) e a Direção Executiva (enquanto braço operacional dos representantes dos interesses dessa comunidade), o que leva à inexistência de gestores profissionais (falta de capacidade em áreas instrumentais - planeamento, organização e controlo, comportamentais, marketing, finanças, operações). 3
4 Porque faz sentido falar de Aptidão para o Investimento Social? O investimento social é um conceito que propõe formas inovadoras de financiar as iniciativas de inovação e empreendedorismo social, contemplando simultaneamente a obtenção de retorno financeiro e retorno de valor para a sociedade. 1 No Laboratório de Investimento Social, fizemos um diagnóstico inicial do potencial que existe para a criação de um mercado de investimento social em Portugal e identificámos diversas falhas de mercado que se refletem tanto no lado da procura como no lado da oferta: Do lado da oferta, existe a necessidade de criar produtos financeiros adaptados às necessidades do setor social. Exemplo disso são os títulos de impacto social (social impact bonds, na versão inglesa), que já foram tema de uma nota de investigação; 2 Do lado da procura do mercado, o aparecimento de novas fontes de financiamento e de uma nova lógica de financiar projetos sociais - que pressupõe o reembolso do capital investido - reforça a necessidade de melhorar a aptidão das organizações e empreendedores para atraírem e receberem investimento social. Esta nota de investigação é dedicada ao lado da procura do mercado, nomeadamente à necessidade enfrentada pelos promotores de iniciativas de inovação e empreendedorismo social de melhorar a aptidão para atrair e receber investimento. A aptidão para o investimento refere-se à capacidade de um projeto de inovação e empreendedorismo social atrair o tipo de financiamento adequado às suas necessidades específicas, de acordo com a fase de desenvolvimento em que se encontra. Ao construir esta capacidade, o promotor da iniciativa foca-se em diferentes aspetos, entre os quais a estratégia de negócio, as competências internas de gestão, o modelo de governance e os recursos humanos. Aprender com casos de sucesso Na década de 70, o crescimento do capital de risco ensinou-nos que investir em empresas que estão numa fase inicial do seu desenvolvimento requer um processo de tomada de decisão de investimento diferente dos modelos tradicionais. Como resposta, não só se desenvolveu uma nova indústria de capital de risco, como também os empreendedores adaptaram a forma de desenvolver os planos de negócio e as propostas de investimento. Tal como aconteceu com o capital de risco, a mesma alteração de paradigma é expectável de acontecer com o investimento social. Existem 3 variáveis no processo de tomada de decisão de um investimento social: risco, impacto social e retorno financeiro. A forma como estas variáveis interagem entre si altera o processo de investimento, resultando em novos modelos de análise que informam as decisões finais de investimento. Ciclo de desenvolvimento de uma iniciativa de Empreendedorismo e Inovação Social O ciclo de desenvolvimento de uma iniciativa de inovação e empreendedorismo social é o caminho percorrido desde a conceção de uma ideia inovadora até ao momento em que esta ideia se torna uma solução institucionalizada e disseminada pelos canais tradicionais. É um processo evolutivo estruturado que visa a construção de uma solução sustentável para um problema social negligenciado e que maximiza a criação de valor para a sociedade. 1- Investimento de Impacto ou Investimento Social (Impact Investing or Social Investment): aplicação de capital em atividades, organizações ou fundos com o objetivo de obter simultaneamente um retorno financeiro e um retorno de valor para a sociedade, sendo que ambos os tipos de retorno são monitorizados e influenciam a tomada de decisão do investidor. 2- Títulos de Impacto Social, Nota de Investigação #3, Laboratório de Investimento Social, Março
5 Nota de Investigação #4 APTIDÃO para O INVESTIMENTO Social Fase I - Foco no Problema e Solução Fase II - Modelo de Negócio Fase III - Crescimento Fase IV - Disseminação Figura 1: Ciclo de vida de uma iniciativa de inovação e empreendedorismo social Este percurso é composto por uma sequência de fases pelo qual uma iniciativa de inovação e empreendedorismo social passa naturalmente ao longo do tempo: I) foco no problema e na solução; II) modelo de negócio; III) crescimento; e IV) disseminação da iniciativa (figura 1). Cada fase representa um período de tarefas e desafios concretos. Em cada um destes momentos, os promotores das iniciativas são aconselhados a focarem-se em aspetos específicos das suas iniciativas, de maneira a prepararem uma solução sólida para que mais tarde seja adotada pela sociedade. As competências, a estrutura organizacional e os recursos também variam consoante a posição da iniciativa no processo evolutivo. Apesar do ciclo de desenvolvimento depender intrinsecamente das características da iniciativa e infraestruturas existentes, é importante definir alguns períodos temporais pelos quais os empreendedores passam: a fase do foco no problema e na solução demora tradicionalmente entre 6 a 18 meses; a fase do modelo de negócio tem normalmente uma duração entre 18 a 30 meses; para as restantes fases, o horizonte temporal pode ser ilimitado, dependendo do potencial de crescimento e disseminação. A tabela 1 apresenta uma descrição geral de cada uma das fases. O estudo do processo de desenvolvimento ajuda a esclarecer as características e resultados que uma iniciativa deve sinalizar em cada fase de modo a atrair a atenção de investidores sociais e melhorar a sua aptidão para receber investimento social. As próximas secções desta nota de investigação procuram descrever cada fase do ciclo de desenvolvimento, mencionando os pontos críticos de sucesso, os investidores interessados e os instrumentos financeiros adequados a cada uma. Fase I. Foco no problema e na solução II. Modelo de negócio III. Crescimento IV. Disseminação Descrição Dedicação quase em exclusivo à análise e entendimento profundo do problema a resolver Desenvolvimento de uma proposta inovadora como solução do problema Definição clara do segmento alvo para lançar o piloto Validação da solução desenvolvida Entendimento do modelo lógico do projeto (como o impacto acontece) Ajustamento do modelo de negócio e procura pela sustentabilidade Capacitação da organização e/ou do ecossistema Desenvolvimento do plano de crescimento que maximize a criação de valor Implementação da solução a uma escala maior Institucionalização da inovação social através do mercado, de políticas públicas ou do setor social Alteração de comportamentos dos membros da sociedade que minimize o problema ou que leve mesmo à sua resolução Tabela 1: Descrição das principais fases do ciclo de desenvolvimento de uma iniciativa de inovação e empreendedorismo social 5
6 Fase 1 - Foco no Problema e Solução Expectativas de investidores Potenciais investidores Instrumentos financeiros Importância do problema social e conhecimento/análise do mesmo Elemento inovador na solução proposta Clareza no piloto para validação da solução e aprendizagem Compromisso do líder com projeto e a sua dedicação Fundações Departamentos de Responsabilidade Social Corporativa Mecenas individuais (business angels sociais) Donativos via parceria com empresas Filantropia tradicional de fundações ou mecenas Crowdfunding Concursos de ideias com prémio monetário e acompanhamento O desenvolvimento de uma iniciativa inovação e empreendedorismo social começa com a identificação do problema social e com o desenvolvimento de uma solução inovadora que o previna, mitigue e, potencialmente, o resolva. Numa primeira fase, o promotor da iniciativa deve procurar conhecer profundamente o problema, identificando não só as suas consequências, mas principalmente, as causas e os fatores que o influenciam. O promotor deve estudar as intervenções existentes dedicadas a este problema e analisar a razão pela qual o problema persiste. Esta análise servirá para informar a decisão sobre a população alvo da iniciativa e para desenhar uma solução mais eficaz. Durante este período, a iniciativa evolui num ciclo interativo de experimentações, acompanhadas por feedback constante. Esta fase caracteriza-se por um ritmo acelerado de ação e pela flexibilidade na revisão da solução à luz de novas informações. A solução é trabalhada a baixo custo, para que as falhas representem pontos de aprendizagem e aconteçam tantas experimentações quanto necessárias. Nesta fase, os investidores procuram um promotor muito comprometido com a iniciativa e conhecedor do problema em questão. A solução deve apresentar já contornos claros e um caráter inovador bem como indícios de sustentabilidade, de modo a que exista um elevado potencial de impacto. Sendo uma fase de experimentação, os instrumentos financeiros não pressupõem necessariamente uma lógica de reembolso e o seu foco recai sobre ao potencial de criação de impacto. O financiamento é alocado à iniciativa para a validação da solução, toma formas de filantropia tradicional e os investidores interessados são fundações, mecenas individuais ou departamentos de responsabilidade social das empresas, sendo importante um alinhamento emocional e/ou estratégico com o financiador (ex. missão da Fundação, proximidade com o setor da empresa que se dedica a Responsabilidade Social Corporativa). A fase prolonga-se até a solução estar validada, após um ou mais projetos piloto serem testados e havendo já indícios concretos da sua eficácia e impacto. Neste momento, a iniciativa encontra-se pronta a codificar e melhorar o seu modelo de negócio. Fase II Modelo de Negócio Expectativas de investidores Potenciais investidores Instrumentos financeiros Solução validada e com potencial de sustentabilidade Noção de como medir o impacto que está a ser alcançado (resultados) Articulação do modelo lógico Fundações Mecenas individuais (business angels sociais) Filantropia estratégica (para a estrutura das organizações) Títulos de impacto social (em intervenções específicas) Depois da solução ser testada, dá-se a fase de sistematização do modelo de negócio. Se na primeira fase os investidores estão essencialmente à procura de validar o impacto isto funciona?, agora preocupamse essencialmente com a sustentabilidade - como se paga a solução em escala?. Durante este período, os elementos do modelo lógico são codificados define-se o encadeamento entre recursos, atividades, produtos e resultados - de maneira a que os custos sejam reduzidos e que o impacto potencial seja de facto alcançado. 6
7 Nota de Investigação #4 APTIDÃO para O INVESTIMENTO Social A solução deverá assim cumprir critérios de sustentabilidade alargados - garantindo o equilíbrio financeiro e de resultados. Soluções de sucesso são normalmente associadas a estratégias sustentáveis e inovadoras em que se cria valor para os beneficiários. O promotor esforça-se por diversificar as suas fontes de recursos e capacitar a iniciativa com vista a alcançar estes objetivos. A dependência da iniciativa perante o promotor deve ser gerida com inteligência para não comprometer o potencial de replicabilidade ou escala da solução. Assim, a sistematização da solução deve retirar alguma centralidade ao empreendedor, tanto ao nível do reforço da equipa como do redesenho da própria solução. No final desta fase, a iniciativa deverá apresentar um modelo de negócio claro, uma forte validação do impacto da solução proposta e um modelo de governance equilibrado e transparente. O exemplo da Terra dos Sonhos codificar o modelo de negócio A Terra dos Sonhos é uma organização que arrancou em 2007 com um modelo inspirado na realização dos sonhos mais impossíveis, como ferramenta de aumento dos níveis de esperança, autoestima e crença na vida e nas pessoas, para o segmento das crianças e jovens (entre os 3 e os 18 anos de idade) diagnosticados com doença crónica grave. O empreendedor social Frederico Fezas Vital lançou vários pilotos até chegar a uma solução para a realização de sonhos que gerasse o impacto desejado nos indicadores psicológicos das crianças e suas famílias. Nesta altura, a realização de cada sonho custava em média 800. O empreendedor passou os anos seguintes a sistematizar e aprofundar o modelo de negócio, codificando processos, estabelecendo parcerias, e tentando desenvolver uma equipa de implementação com as competências necessárias. Findo esse processo, foi possível reduzir o custo de cada sonho realizado para uma média de 200. Além disso, graças ao aprofundamento das relações de parceria e ao aumento de notoriedade e credibilidade da organização - em grande parte conquistado por um foco sistemático na comunicação de resultados -, conseguiu também alargar os apoios conseguidos, aplicando-os na expansão da actividade para outros pontos do País. Mais tarde, através de um estudo de investigação e da recolha sistemática de feedback dos beneficiários, apercebeu-se de que existiam de facto benefícios para a saúde mental e emocional das crianças e das suas famílias, bem como para o restante ecossistema, nomeadamente os prestadores de serviços médicos. No entanto, era necessário uma intervenção mais aprofundada, que garantisse um impacto de médio e longo prazo e uma efetiva mudança de vida. Daí nasceu o conceito da UCIF - Unidade de Cuidados Intensivos de Felicidade que, nos hospitais, num primeiro momento, e na Casa dos Sonhos, depois de testado o modelo, intervirá, junto do ecossistema dos beneficiários, no sentido de fornecer ferramentas psicológicas/ emocionais, que lhes permitam viver mais felizes com as realidades limitadas de vida que têm a nível físico e psicológico. Os potenciais investidores sociais são fundações e mecenas individuais com interesses pelo impacto criado e pelo retorno gerado. São utilizados instrumentos financeiros de filantropia estratégica, 3 que podem envolver donativos contratualizados em termos de objetivos claros e/ou créditos a longo prazo e com taxas reduzidas. Nesta fase, os instrumentos financeiros podem começar a assumir uma lógica reembolsável no caso de inciativas com um modelo de negócio mais comercial e são aplicados na estrutura das organizações que promovem as iniciativas. Nos casos de atuação mais próximos da esfera de serviço público, pode fazer sentido explorar os títulos de impacto social, 4 como um instrumento que pretende comprovar o impacto de soluções inovadoras e que permite o reembolso a investidores através de fundos públicos após poupanças comprovadas. Os investidores reconhecem o potencial da solução inovadora e sustentável, a capacidade de reembolso e a necessidade de financiar a estrutura organizacional que apoia a iniciativa. São valorizados aspetos como a apresentação de métricas simples de medição de impacto e a clarificação do modelo lógico. A monitorização direta e a transparência na comunicação são fatores que aproximam os investidores à iniciativa. 3- Glossário para a Economia Convergente, Nota de Investigação #1, Laboratório de Investimento Social, Janeiro Títulos de Impacto Social, Nota de Investigação #3, Laboratório de Investimento Social, Março
8 Fase III Crescimento Expectativas de investidores Potenciais investidores Instrumentos financeiros Validação da Teoria da Mudança Definição do plano de expansão Criação de estrutura de suporte ao crescimento Recrutamento de recursos humanos e liderança dedicados ao plano de expansão Fundos de investimento social Fundos de títulos de impacto social Investimentos de capital no crescimento de modelos comerciais Titulos de impacto social ou outros contratos com base em resultados para modelos de serviço público Possibilidade de usar modelos híbridos de capital, dívida, garantias e/ou donativos para capacitação ou medição de impacto É na fase de crescimento que, frequentemente, projetos com elevado potencial acabam por bloquear e ver as suas perspetivas de desenvolvimento e impacto não correspondidas. As dificuldades sentidas na fase de crescimento refletem a generalidade das falhas de mercado no financiamento de iniciativas de inovação e empreendedorismo social não existe um número elevado de potenciais investidores para esta fase específica, e é também aqui que se revelam as principais fraquezas de gestão dos promotores de iniciativas. Com o modelo de negócio codificado e o impacto validado, o foco desta fase é essencialmente orgânico: desenhar a organização, como estrutura eficiente e sustentável que se concentra em replicar e expandir os serviços que presta, e aumentar o valor criado para a sociedade. Ao mesmo tempo, e na componente externa, é necessário aprofundar o ecossistema de apoio à iniciativa as parcerias, processos de mobilização de recursos em escala e gestão do envolvimento das partes interessadas. Tudo isto aumenta o grau de complexidade de gestão e requer cuidado no planeamento estratégico do crescimento. Na escolha de uma estratégia de crescimento, o promotor pode decidir entre várias opções de acordo com os objetivos da expansão e caraterísticas da iniciativa. Em qualquer modelo, é importante que o promotor garanta sempre a existência de recursos humanos com as competências necessárias para o desenvolvimento das atividades. A figura 2 lista alguns dos modelos de crescimento disponíveis aos promotores de iniciativas de inovação e empreendedorismo social. Figura 2 Descrição de alguns modelos de crescimento e expansão para iniciativas de inovação e empreendedorismo social Por exemplo, um modelo centralizado pode trazer um processo de tomada de decisão mais eficiente, embora possa restringir a inovação a nível local. A cadeia de restaurantes Fifteen em Inglaterra, dinamizada pelo conhecido chefe Jamie Oliver, 5 é uma empresa social que adotou um modelo mais centralizado de forma a garantir a qualidade dos produtos, serviço e menu. O modelo consiste num programa de formação intensivo dado a jovens em situações de risco, e espera-se que os jovens posteriormente integrem a equipa do restaurante. Neste modelo, a qualidade da formação é fundamental para o sucesso do restaurante, outro motivo pelo qual o modelo de restaurantes próprios foi escolhido, contando já com três restaurantes. Um modelo descentralizado e mais autónomo pode apresentar desafios no controlo da qualidade de implementação mas oferecer um maior potencial de alcance e esfera de atuação. O movimento Make Sense, 6 criado em França em 2010, pretende promover o empreendedorismo social a nível internacional. Utiliza um modelo completamente 5- Fique a conhecer mais sobre o Restaurante Fifteen em 6- Saiba mais sobre o movimento Make Sense em beta.makesense.org 8
9 Nota de Investigação #4 APTIDÃO para O INVESTIMENTO Social autónomo, em que qualquer pessoa que se identifique com o movimento pode criar um hotspot na sua cidade e dinamizar eventos de promoção do empreendedorismo social local, potenciando assim a criação de um movimento social em torno do espírito e prática do empreendedorismo social. Num modelo híbrido, temos exemplos de micro-franchising, que permitem que indivíduos em nome individual possam desenvolver pequenos negócios integrados em marcas e/ou projetos existentes. Alguns exemplos deste modelo têm sido promovidos pela ADIE Association pour le droit a l initiative economique, 7 que oferece uma solução chave-na-mão para empreendedores que queiram ser representantes de um dos seus dois serviços: Chauffer&Go (serviço de motorista) e O2 Petit Jardinage (serviços de jardinagem). Há também modelos de licenças operacionais mais leves que permitem replicar uma solução localmente, alavacando marcas de credibilidade como por exemplo as licenças TEDx para realizar eventos TED locais, seguindo um conjunto simples de regras e princípios. Do crescimento (Scaling Up) ao aperfeiçoamento (Scaling Deep) A fase de aperfeiçoamento (scaling deep) refere-se ao processo de ampliar e aperfeiçoar a inovação social para melhor servir os beneficiários e para melhor responder ao problema social em questão. Este aperfeiçoamento pode refletir-se num reforço do modelo de negócio, desenvolvimento de respostas mais integradas ou num aumento das externalidades positivas geradas. Normalmente o scaling deep acontece após o alcançar de um certo patamar de crescimento, sendo necessária a establilização e reforço do modelo antes de continuar nova fase de crescimento. Os potenciais investidores sociais para a fase de crescimento são os mais difíceis de encontrar atualmente em Portugal, fruto da inexistência de fundos de investimento social que se dediquem a financiar a expansão de projetos validados. A equipa do Laboratório de Investimento Social acredita que o desenvolvimento do mercado de investimento social em Portugal vai resultar na criação de fundos de investimento social direcionados a iniciativas já validadas e que disponibilizem instrumentos financeiros diversificados, nomeadamente modelos de financiamento híbridos que combinem capital, empréstimos de longo prazo e/ou garantias, podendo existir ainda apoio à capacitação através de fundos dedicados à assistência técnica. Nos casos de intervenções mais próximas de serviços públicos, os títulos de impacto social podem ser ferramentas poderosas para escalar soluções já validadas. Fase IV Disseminação Expectativas de investidores Potenciais investidores Instrumentos financeiros Institucionalização da solução proposta via mercado ou adoção como serviço público Adoção generalizada: torna-se prática comum e muda comportamentos Financiamento público (dependendo da natureza do projeto) Investidores tradicionais (ex. banca ou private equity) Instrumentos de crédito tradicionais Financiamento público A fase de disseminação de uma iniciativa de inovação e empreendedorismo social consiste na institucionalização da solução proposta pela sociedade - a solução assume uma identidade que supera muitas vezes a própria organização social que a desenvolveu. Estes conceitos referem-se essencialmente à adoção generalizada da solução proposta, tornando-se uma solução instalada e que substitui ou complementa uma solução já existente. Alguns exemplos de inovações sociais que se institucionalizaram incluem o microcrédito, que passou de um serviço financeiro desenvolvido por organizações de missão social nos anos 80 para combater a probreza para uma nova classe de ativo financeiro adotada pelas principais instituições financeiras, gerando uma nova indústria global; a Wikipedia, que se tornou em apenas uma década numa enciclopédia global utilizada gratuitamente por 500 milhões de pessoas; a Khan Academy, que passou de um conceito inovador de conteúdos curriculares online para um sistema de lecionar aulas adotado por muitas escolas, estando agora a iniciar o seu processo de disseminação global através de crescimento do projecto e imitação pelo mercado. 7- Fique a conhecer mais sobre a ADIE em 9
10 A nível nacional, temos o Banco Alimentar contra a Fome e o Programa Escolhas como inovações sociais que atingiram uma dimensão nacional. Projetos inovadores como o ColorAdd têm potencial para vir a ser inovações sociais globais se forem bem-sucedidas no seu processo de crescimento e disseminação. Para que tal aconteça, a disponibilidade de investimento social é fundamental. O Laboratório de Investimento Social está consciente de que a par da institucionalização e disseminação de inovações sociais, surgem novos desafios, como aconteceu com o microcrédito e a sua adoção generalizada via mecanismos de mercado, levando algumas entidades desvirtuarem o conceito. No entanto, acreditamos que a institucionalização da inovação social é um dos objetivos dos promotores de iniciativas, com o fim último de ajudar a resolver os principais desafios da nossa sociedade. Em alguns casos, a solução proposta complementa ou melhora a prestação de serviços sociais pública. O primeiro título de impacto social do mundo, em Peterborough, no Reino Unido, serviu para testar um modelo de intervenção inovador com o objetivo de reduzir a taxa de reincidência criminal de reclusos. Atualmente, o Ministério da Justiça decidiu replicar este modelo a nível nacional, o que ilustra a sua disseminação. Nestes casos, o financiamento da fase de disseminação faz-se através de financiamento público, pela internalização da solução proposta na prestação de serviços públicos ou pela introdução desta intervenção nos Acordos de Parceria que o Estado celebra com as organizações do setor social. As iniciativas de inovação e empreendedorismo social que se disseminam através do mercado, apresentam uma robustez na sua capacidade de eficiência, inovação e geração de recursos. Nesse sentido, conseguem articular o seu modelo de negócio e apresentar uma proposta de investimento mais articulada a fontes de financiamento tradicionais como os bancos ou os fundos de capital de risco e financiar os seus projetos a um custo mais baixo, devido à redução do seu perfil de risco e ao aumento do potencial de retorno financeiro. Um setor social apto para o investimento é um setor mais resiliente O percurso de uma iniciativa de inovação e empreendedorismo social ao longo do seu ciclo de desenvolvimento - desde o foco no problema e solução até à disseminação da solução proposta- é acompanhado por diversas tarefas, desafios e tipos de financiamento. Durante este percurso, a forma como as iniciativas se financiam vai desde produtos financeiros à margem do setor financeiro tradicional até aos instrumentos mainstream e geralmente adotados por empreendedores, tal como descreve o relatório do World Economic Forum From the margins to the mainstream. A melhoria da aptidão para atrair e receber investimento social é um processo contínuo e interativo que exige um entendimento claro da estratégia da iniciativa de inovação empreendedorismo social a longo prazo. Enquanto processo, é um meio para atingir um fim: um setor social mais resiliente, eficiente e com capacidade de inovação. Existem exemplos internacionais que comprovam o impacto que a melhoria da aptidão para o investimento pode ter no financiamento de organizações sociais. Em 2012, no Reino Unido, foi criado o Investment and Contract Readiness Fund com o objetivo de apoiar as iniciativas de inovação e empreendedorismo social neste processo de capacitação. O financiamento inerente ao fundo é acompanhado por um apoio estratégico, organizacional e operacional. Este fundo, constituído com 10 milhões de libras, apoiou 8 organizações sociais entre Maio de 2012 e Dezembro de 2013, ao longo de todas as fases do processo de investimento, num total de 815 mil libras. O seu apoio permitiu que as 8 organizações, em conjunto, atraíssem cerca de 21 milhões de euros em investimento e 13 milhões de libras em contratos públicos para prestação de serviços sociais. 8 Assim, por cada libra investida, 43 libras foram alavancadas através de investimento/contratos públicos. Alguns resultados preliminares deste fundo também indicam um impacto positivo no aperfeiçoamento do modelo de intervenção e negócio das iniciativas, na criação de modelos financeiros para os seus projetos e na medição do impacto social dos mesmos. Esta página foi intencionalmente deixada em branco. 8- Ready, Willing and Able, The Boston Consulting Group
11 Nota de Investigação #4 APTIDÃO para O INVESTIMENTO Social Em Portugal, apesar da dimensão e maturidade do setor social serem diferentes, os desafios são semelhantes. O desenvolvimento do mercado indicia a necessidade da criação de uma plataforma de assistência técnica, que ajude as organizações e os empreendedores sociais a melhorarem a sua capacidade de atrair e receber investimento e que os prepare para se adaptarem a uma lógica de financiamento reembolsável. Neste domínio, as fundações, que fazem atualmente um trabalho exemplar de apoio financeiro e não financeiro a diversos projetos sociais, podem juntar esforços, partilhar experiências e gerar sinergias na criação de uma plataforma com este mesmo fim. Entretanto, o Laboratório de Investimento Social lança às organizações e empreendedores sociais um desafio materializado numa checklist que estes devem procurar seguir, no sentido de se prepararem para atrair, receber e aplicar investimento social. Seja com fundos comunitários, do orçamento de Estado, de fundações, ou de mecenas individuais, o investimento social está a chegar a Portugal, trazendo uma abordagem sustentável de financiamento da inovação social e catalisando a transformação e aumento da produtividade do setor. As organizações sociais melhor preparadas para estes desafios sairão beneficiadas podendo aumentar de escala, capacidade e impacto. Melhorar a aptidão para o investimento - checklist Em que fase de desenvolvimento está a iniciativa ou organização social? Que competências internas são necessárias de acordo com a fase de desenvolvimento do projeto? Que compromisso de capital humano é necessário assumir? Qual o tipo de financiamento mais adequado à fase em que o projeto se encontra e quais as expectativas dos investidores? Como e onde aplicar o capital recebido em cada fase de desenvolvimento? Que resultados têm de ser apresentados que permitem passar à fase de desenvolvimento seguinte? Como medir o impacto e qual o retorno do investimento para a sociedade, assumindo todos os custos de oportunidadde do uso de recursos? Esta página foi intencionalmente deixada em branco. 11
12 Esta Nota de Investigação faz parte de uma série desenvolvida pelo Laboratório de Investimento Social. Estes conteúdos pretendem chegar a organizações, empreendedores sociais, investidores e diferentes órgãos do setor público, ajudando a criar conhecimento de referência sobre o investimento social. Os objetivos das Notas de Investigação são identificar as necessidades do setor, introduzir novos conceitos e instrumentos, refletir no que já foi feito em outros países e promover a discussão sobre a potencial implementação do investimento social à realidade Portuguesa e ao Mundo Lusófono. Convidamos os leitores a colocarem questões, fazerem sugestões e partilharem ideias para o investimentosocial@ies.org.pt Promotores: Instituto de Empreendedorismo Social IES O IES é uma Associação sem fins lucrativos que tem como objetivo estimular a inovação, a eficiência e o crescimento do impacto de projetos transformadores que quebram ciclos de problemas na nossa sociedade. A visão do IES é ser a referência do empreendedorismo social para o mundo Lusófono, promovendo a inovação, o conhecimento, a aprendizagem e o impacto social. O trabalho do IES consiste na identificação, apoio, formação e promoção de iniciativas de alto potencial de empreendedorismo social, com organizações e indivíduos excecionais e comprometidos para mudar o mundo de forma mais eficiente e inovadora. A missão do IES é inspirar e capacitar para um mundo melhor, através do Empreendedorismo Social. Fundação Calouste Gulbenkian A Fundação Calouste Gulbenkian é uma instituição portuguesa de direito privado e utilidade pública, cujos fins estatutários são a Arte, a Beneficência, a Ciência e a Educação. Com mais de 50 anos de existência, a Fundação Calouste Gulbenkian desenvolve uma vasta atividade em Portugal e no estrangeiro através de iniciativas próprias, ou em parceria com outras entidades, e através da atribuição de subsídios e bolsas. O Programa Gulbenkian de Desenvolvimento Humano, criado em 2009, tem como missão incentivar e facilitar a inclusão dos grupos mais vulneráveis da população. Social Finance UK A Social Finance foi criada em 2007 e é uma organização sem fins lucrativos que trabalha com organizações sociais, investidores e setor público no desenvolvimento de mecanismos financeiros adaptados às necessidades do setor social. A Social Finance lançou a primeira Social Impact Bond, no estabelecimento prisional de Peterborough, angariando um investimento de 5 milhões de libras junto de 17 investidores com o objetivo de reduzir a taxa de reincidência de reclusos. A equipa da Social Finance é composta por especialistas dos setores financeiro, social, público e privado. Esta equipa apoiou desde o início a UK Social Investment Taskforce, a Commission of Unclaimed Assets e esteve na conceção da Big Society Capital, o banco social do Reino Unido. 12
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