IDENTIFICAÇÃO DE PONTOS DE CONTAMINAÇÃO DO LEITE PRODUZIDO EM UMA PROPRIEDADE DE CAPRINOS NO MUNICÍPIO DE VIAMÃO-RS

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1 IDENTIFICAÇÃO DE PONTOS DE CONTAMINAÇÃO DO LEITE PRODUZIDO EM UMA PROPRIEDADE DE CAPRINOS NO MUNICÍPIO DE VIAMÃO-RS IDENTIFICATION OF MILK CONTAMINATION POINTS IN A GOAT FARM IN VIAMÃO, RIO GRANDE DO SUL, BRAZIL Renata Fernandes Murici 1 ; Alessandra Sella 2 ; Luis Eduardo da Silva²; Verônica Schmidt 3 ; Marisa de Itapema Cardoso³ RESUMO Este trabalho buscou verificar a ocorrência de mastite e associar com possíveis pontos de contaminação do leite em um capril no município de Viamão com histórico de condenação por acidez. Realizou-se o exame físico da glândula mamária e o Califórnia Mastitis Test (C.M.T.) em 20 animais. Amostras de leite de todos os animais, 3 amostras de leite de mistura dos tarros e 5 swabs de equipamentos foram submetidos a exame microbiológico. Nenhum animal apresentou alteração no exame clínico e 27 amostras foram positivas (reação 1) no CMT. Em três amostras de leite foi isolado Staphylococcus coagulase negativo e em uma Micrococcus sp. Nas 5 amostras coletadas de equipamentos foram encontrados Staphylococcus sp., Streptococcus sp., bem como bacilos gram-negativos na mangueira da ordenhadeira. As amostras de leite estocadas entre um e três dias apresentaram contagem variáveis de mesófilos totais (até 2,1x10 3 ufc/ml), coliformes totais (até 1,7x10 2 ufc/ml) e fecais (até 1x10 2 ufc/ml). Concluiu-se que os animais não apresentavam um índice elevado de infecção da glândula mamária, porém o leite sofria contaminação pós-ordenha, provavelmente pelo contato com a tubulação da ordenhadeira, não submetida à higienização adequada. Esta contaminação, associada ao longo tempo de armazenamento, pode ter sido responsável pela acidificação observada. Palavras-Chave: Mastite, Califórnia Mastite Teste e Staphylococcus spp. ABSTRACT The aim of this study was to determine the occurence of mastitis and possible points of milk contamination in a goat farm, located in Viamão, already known by its historical of 1 Mestranda, PPGCVET/UFRGS. remuricy@zipmail.com.br 2 Graduado em Medicina Veterinária. UFRGS. 3 Méd. Vet. Profª Dpto. Medicina Veterinária Preventiva. UFGRS.

2 Muricy, R.F. et al. 112 acidity condemnation. The physical exam of the mammary glands and the California Mastitis Test (C.M.T) were conducted in 20 animals. Milk samples of all animals, 3 samples of the mixtures from the pails and 5 swabs of the equipment were submitted to bacteriological tests. No animal showed alteration in the clinical examination, but 27 milk samples were positive (reaction 1) in the C.M.T. Coagulase negative Staphylococcus was isolated from three milk samples and Micrococcus sp. from one milk sample. In the 5 samples collected from equipments, Staphylococcus sp., Streptococcus sp. were found. Gram-negative bacilli were isolated from the milking machine hoses as well. Milk samples stored during one to three days showed a variable counting of total mesophiles (until 2.1x10 3 cfu/ml), total coliforms (until 1.7x10 2 cfu/ml) and fecal coliforms (until 1x10 2 cfu/ml). It was concluded that there wasn t a high level of mammary gland infection but, in this farm the milk might have been contaminated after the milking. This contamination probably occurred by the contact at the milk with the milking machine, hoses which have not been properly cleaned. This contamination associated to the milk storage for a long period may have been responsible for the observed acidification. Keywords: Mastitis, California Mastitis Test and Staphylococcus spp. As perdas na produção de leite de INTRODUÇÃO A mastite é considerada uma das doenças mais importantes que acometem os rebanhos de caprinos leiteiros. Atribui-se a cabra portadoras de mastite subclínica, de acordo com o grau de infecção, variam de 55 a 132 kg de leite/ano e uma perda de 3g de gordura/kg leite por animal (BAUDRY ela perdas na produção e, et al., 1997). conseqüentemente, prejuízos econômicos Existem vários fatores ao produtor e à indústria (FONSECA & SANTOS, 2000). predisponentes que levam o animal a ter mastite, entre esses, o leite que fica no Os prejuízos econômicos são úbere devido à ordenha incompleta, decorrentes da redução da produção de leite, redução do período de lactação, perigo de transmissão da mastite para outros animais, demanda de maior tempo no principalmente aquele que fica na cisterna do teto e que se constitui num excelente meio de cultura para a multiplicação de microrganismos. Da mesma forma, a manejo higiênico e substituição dos higiene na ordenha e a limpeza e antissepsia indivíduos cronicamente afetados. do úbere estão entre os principais fatores

3 113 Identificação de pontos... que colaboram para a instalação de mastites (KRUG et al., 1990). A mastite pode apresentar-se na forma clínica e subclínica. Esta última tem como característica provocar apenas alterações na composição do leite e aumento no número de células somáticas. A partir disso, dois métodos de diagnóstico, o Califórnia Mastite Teste (CMT) e a Contagem de Células Somáticas (CCS), têm sido utilizados no diagnóstico da mastite subclínicas. Para obtenção de um leite de qualidade deve-se observar alguns fatores, tais como: sanidade da glândula mamária, limpeza e sanitização dos equipamentos e armazenamento adequado. Leites produzidos com qualidade higiênicosanitária precária, por sua vez, caracterizam-se pelo aumento nas contagens de coliformes e mesófilos. O objetivo deste trabalho foi verificar a ocorrência de mastite em um rebanho caprino e determinar os pontos de contaminação bacteriana do leite, desde a ordenha até a chegada ao lacticínio, em uma propriedade que apresentava freqüente condenação por acidez. MATERIAL E MÉTODOS Este estudo foi realizado numa propriedade localizada no município de Viamão, onde o leite produzido estava sendo rejeitado por acidez na plataforma do lacticínio. Foram examinadas 20 cabras - Puras de Origem da raça Saanen, sendo analisadas amostras de leite de todos os animais e 3 amostras de leite de mistura colhidas diretamente dos baldes com 3, 2 e 1 dias de armazenagem; 5 swabs coletados dos equipamentos de ordenha e armazenagem do leite (mangueira, teteira, tampa da ordenhadeira, tarro e balde de armazenagem) e uma amostra de água. Foi realizado o exame físico da glândula mamária através de inspeção visual e palpação. As amostras de leite foram colhidas diretamente dos tetos, tendo-se realizado prévia anti-sepsia destes com álcool 70ºGL. O primeiro jato foi desprezado, e coletado aproximadamente 10mL de leite em frascos estéreis com tampa rosqueável. Paralelamente, foi realizado o C.M.T, sendo a interpretação realizada segundo SANTOS et al.,(1995). As amostras de leite de mistura foram coletadas com pipetas estéreis e armazenadas como já descrito anteriormente. As amostras dos equipamentos foram colhidas com swabs estéreis e acondicionadas em tubos de ensaio com tampa rosqueável, contendo meio de transporte Stuart, segundo LENNETTE et al., (1985). A água (100mL) foi colhida diretamente da torneira da sala

4 Muricy, R.F. et al. 114 de higienização dos equipamentos em frasco estéril. Todas as amostras foram transportadas em caixa isotérmica a 4ºC sendo analisadas no mesmo dia. No laboratório, com auxílio de alça de platina calibrada, as amostras de leite foram semeadas em Ágar Sangue ovino 5%, incubadas em estufa bacteriológica a 37ºC por até 48 horas. As colônias obtidas foram identificadas de acordo com QUINN et al., (1998). As amostras do leite de mistura foram diluídas em água peptonada 0,1%. As diluições 10-3 e 10-4 foram semeadas em Ágar Padrão para Contagem (PCA) para a contagem de mesófilos, e em Ágar Cristal Violeta e Bile Neutro (VRB), para a contagem de coliformes totais segundo SILVA et al., (1997). Colônias suspeitas de coliformes fecais foram confirmadas em caldo EC segundo SILVA et al., (1997). A pesquisa de coliformes totais e fecais na amostra de água foi realizada pela técnica dos tubos múltiplos, segundo MARTINS & SANCHEZ (1976). Os swabs de equipamentos foram semeados em Ágar Sangue ovino 5%, incubados a 37ºC até 48 horas; a identificação das colônias foi realizada segundo QUINN et al., (1998). RESULTADOS E DISCUSSÃO No exame físico da glândula mamária nenhum animal apresentou sinais clínicos de mastite. No C.M.T das 40 glândulas mamárias analisadas 11 resultaram negativas, 27 positivas e em 2 não foi realizado o C.M.T, pois o animal estava em final de lactação. Pelo critério de interpretação proposto por SANTOS et al., (1995) reações de C.M.T 1 são consideradas positivas. A partir disto, 67,5% das metades mamárias estariam com mastite subclínica. No exame bacteriológico, das 40 amostras analisadas, em 4 (10%) houve crescimento bacteriano sendo três identificadas como Staphylococcus coagulase-negativa e uma como Micrococcus sp. Todas as quatro amostras haviam sido positivas também no C.M.T. Os resultados encontrados são compatíveis com estudos realizados em mastite caprina, onde os agentes mais prevalentes encontrados tem sido os Staphylococcus coagulase-negativa seguidos de Staphylococcus aureus e Streptococcus sp., (POUTREL et al., 1997; CONTRERAS et al., 1997; WHITE & HINCKLEY, 1999; WINTER & BAUMGARTNER,1999; MOTA et al., 2000). Verificou-se que ocorreu um maior número de amostras positivas no C.M.T em relação ao bacteriológico, concordando com estudos encontrados por MOTA et al., (2000), onde 80 amostras de leite analisadas positivas ao C.M.T somente 59 (73,75%)

5 115 Identificação de pontos... foram positivas no exame bacteriológico, como também por WHITE & HINCKLEY (1999), que encontraram contagem de células elevada em 43,9% de amostras de leite com cultura negativa. Ao contrário, estudos realizados por NDEWA et al., (2000) encontraram um maior número de exames bacteriológicos positivos do que de C.M.T. A utilização do C.M.T. para o diagnóstico de mastite subclínica em caprinos tem sido controversa. Se por um lado o teste apresenta a vantagem do baixo custo, da fácil execução e da rápida leitura, por outro tem sido observada uma baixa correlação com os resultados do exame bacteriológico. A exemplo disto, SANTOS et al., (1995) apontam o C.M.T como o teste mais indicado para diagnóstico rápido de contagem de célula e consideram reação 1 como positivas para mastite. Entretanto, WINTER & BAUMGARTNER (1999) não consideram o teste como específico para infeções do úbere e sim como uma ferramenta acessória, a qual não deve ser superestimada, uma vez que diferentes fatores influenciam a contagem de células. Estudos realizados tem encontrado uma boa correlação entre a contagem de células somáticas e o C.M.T, parecendo que os resultados divergentes estão relacionados com a infecção da glândula mamária (PERRIN et al., 1997). Das 5 amostras dos equipamentos analisadas, em duas foram encontrados Staphylococcus coagulase negativa (teteira e tampa da ordenhadeira), em duas foram encontrados Streptococcus spp. (mangueira e tarro) em uma obteve-se resultado negativo (balde). Ainda na mangueira foram isolados bacilos gram-negativos oxidase negativos. Apesar do produtor obedecer ao protocolo de desinfecção proposto pela empresa de lacticínios, observa-se que foi possível isolar microrganismos após o processo de sanitização realizado. Principalmente o isolamento de Staphylococcus coagulase negativa nas teteiras, tem importância, pois, estas são um dos principais veículos de transmissão do agente entre os animais do rebanho. A persistência de bacilos gramnegativos na mangueira após a sanitização oferece um risco de contaminação do leite no momento da ordenha o que pode determinar um aumento dessas populações durante o período estocagem. Na análise da amostra de água foram encontradas 2 unidades formadoras de colônias (ufc) por 100mL de coliformes totais o que é considerado aceitável. No leite de mistura foi observada uma variação nos resultados das amostras que estavam armazenadas a um, dois ou três dias, entretanto não houve uma relação direta entre os dias em armazenamento e a

6 Muricy, R.F. et al. 116 população microbiana encontrada (Tabela 1). Esta variação pode estar relacionada com diferenças no rigor da sanitização realizada ou na variação dos procedimentos observados nas diferentes ordenhas. Ao lado disto, a rotina de coleta do leite pelo laticínio, realizada em dois dias da semana apenas, determina que o leite seja submetido a um prolongado tempo de armazenamento que, associado a possíveis variações na temperatura de refrigeração podem favorecer o aumento das populações microbianas presentes. TABELA 1: Valores médios da contagem, Mesófilos totais, Coliformes totais e Coliformes Fecais (ufc/ml) de leite caprino com diferentes tempos de armazenagem. Amostras A B C Tempo armazenamento (dias) Mesófilos 3,3x10 2 2,1x10 3 9,7x10 2 Totais(ufc/mL) Coliformes 42 2,6x10 2 1,7x10 2 Totais(ufc/mL) Coliformes Fecais(ufc/mL) CONCLUSÃO A contaminação bacteriana do leite na propriedade estudada ocorria durante o contato do mesmo com os equipamentos submetidos a um processo de sanitização deficiente. REFERÊNCIAS BAUDRY, C.; DE CREMOUX, R.; CHARTIER, C.; PERRIN, G. Impact of the cellular concentration of milk in goats on its production and its compositon. Veterinary Research, v.28, n.3, p , May/jun CONTRERAS, A.; CORRALES, J.C.; SANCHEZ, A.; SIERRA, D. Persistence of subclinical intramammary pathogens in goats throughout lactation. Journal Dairy Science, v.80, n.11, p , November FONSECA, L. F.; SANTOS, M. V. Qualidade do leite e controle de mastite. São Paulo: Lemos Editorial, 2000 pg.175 KRUG, E.E.B.; REDIN, O.; KODAMA, H.K.; CATTELAN, A.J; VECCHI, J.A.; ANDRADE, T.P.; PIANTA, C. Mamite Bovina. Porto Alegre, Cooperativa Central de leite Ltda. -CCGL p.85 LENNETTE, E.H.; BALOWS, A.; HAUSLER, W.J.; SHADOMY, H.J. Manual of Clinical Microbiology. Washington, D.C: American Society for Microbiology, 1985 p.1149.

7 117 Identificação de pontos... MARTINS, M.F.; SANCHEZ, P.S. Técnicas de exame bacteriológico da água. São Paulo: CETESB, 1976 MOTA, R.A.; DE CASTRO, F.J.C.; DA SILVA, L.B. G.; OLIVEIRA, A.A.F. Etiologia e sensibilidade antimicrobiana in vitro das bactérias isoladas do leite de cabras com mastite procedentes da Região Metropolitana do Recife, Pernambuco, Brasil. A Hora Veterinária, Porto Alegre, v.19, n.114, p.26-29, Março/Abril 2000 Animal Science, v.75, n.2, p , February QUINN, P.J.; CARTER, M.E.; MARKEY, B.; CARTER, G. R. Clinical Veterinary Microbiology. Spain: Mosby, 1998 pg.648. SANTOS, L.F.L.; CASTRO, R.S.; DA COSTA, E.O. California Mastitis Test e Whiteside Modificado como critério de triagem para mastite caprina. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v.30, n.2, p , Fevereiro NDEGWA, E.N.; MULEI, C.N; MUNYUA, S.J. The prevalence of subclinical mastitis in dairy goats in Kenya. Journal of South African Veterinary Association, v.71, n.1, p.25-27, March PERRIN, G.G.; MALLEREAU, M.P.; LENFANT, D.; BAUDRY, C. Relationships between California mastitis test (CMT) and somatic cell counts in dairy goats. Small Ruminant Research, v. 26, n.1-2, p , POUTREL, B.; DE CREMOUX, R.; DUCELLIEZ, M.; VERNEAU, D. Control of intramammary infections in goats: impact on somatic cell counts. Journal SILVA, N.; JUNQUEIRA, V.C.A.; SILVEIRA, N. F. A. Manual de métodos de análise microbiológica de alimentos. São Paulo: Varela, 1997, pg.295 WHITE, E.C.; HINCKLEY, L.S. Prevalence of mastitis pathogens in goat milk. Small Ruminant Research, v.33, p ,1999. WINTER, P.; BAUMGARTNER, W. Evaluation of the California mastitis test (CMT) reaction in goat milk and its interpretation. Dtsch Tierarztl Wochenschr, v.106, n.1, p.30-34, January 1999.