PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de Barueri, em que é apelante CAMIL CURI NETO, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso, nos termos do v. acórdão. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Presidente), LEME GARCIA E NEWTON NEVES. São Paulo, 21 de junho de Guilherme de Souza Nucci PRESIDENTE E RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Apelação criminal nº Comarca: Barueri Apelante: Camil Curi Neto Apelado: Ministério Público VOTO Nº Apelação. Violação sexual mediante fraude. Alegada falta de provas. Não ocorrência. Versão acusatória comprovada pelas palavras da vítima e duas testemunhas. Relevantes indícios de haver o réu praticado atos semelhantes contra outras vítimas, uma deles ouvida nestes autos. Acusado que responde a processo disciplinar perante o Conselho Regional de Medicina por conduta antiética. Condenação mantida. Penas corretamente dosadas. Elevação da pena-base por haver se valido de sua profissão para a conduta criminosa. Fixado o regime aberto e substituída a privativa de liberdade por penas alternativas. Apelo improvido. Pela sentença de fls. 442/451, proferida em 06/02/2015 pela MM. Juíza de Direito, Dra. Cyntia Menezes de Paula Straforini, da 1ª Vara Criminal de Barueri, CAMIL CURI NETO foi condenado à pena de 3 anos de reclusão, em regime inicial aberto, dando-o como incurso no art. 215, caput, do Código Penal. A privativa de liberdade foi substituída por uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, e mais 10 dias-multa. Irresignada, a defensoria do réu maneja o Apelação nº

3 presente recurso de apelação alegando serem as provas carreadas insuficientes para a condenação (fls. 466/485). O Ministério Público se bateu pelo acerto do decisum (fls. 488/491) e a Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do apelo (fls. 500/502). É o relatório. Segundo consta, a vítima trabalhava como recepcionista no mesmo posto de saúde em que o apelante exercia a atividade de ginecologista. Em 26/04/2010, a ofendida passou por atendimento junto ao acusado, ocasião na qual o réu, aproveitando-se da posição ginecológica, acariciou o clitóris da vítima e introduziu o dedo em sua vagina de forma lasciva, dizendo que mostraria o ponto para atingir o orgasmo. Indignada com tal conduta, a vítima vestiuse e deixou a sala de consulta, relatando o ocorrido às suas superioras hierárquicas. Nas duas oportunidades nas quais foi interrogado, o acusado negou os fatos a ele imputados. Relatou que, em primeira consulta, solicitou exame de papanicolau à vítima, tendo a mesma retornado na data dos fatos para análise do resultado. Durante a segunda consulta, além de verificar o laudo trazido, realizou exames de rotina, sendo indispensável a manipulação da região vulvar para tanto. Nega ter praticado qualquer ato para satisfação de sua lascívia. Durante a consulta a vítima não teria reclamado de nada, ao final, despediu-se, agradeceu e deixou o local normalmente. Acredita que a vítima Apelação nº

4 possa ter interpretação os fatos de forma equivocada em virtude da tensão pré-menstrual. A vítima, por sua vez, confirmou os fatos descritos na denúncia. Relatou ter solicitado ao réu que olhasse seu exame papanicolau, tendo o acusado respondido que não bastava verificar o laudo, sendo necessário realizar exames clínicos, pois, por vezes, o laudo pode errar. Por esta razão, a vítima despiu-se e deitou-se na cama ginecológica. O apelante, então, passou a indagar se a depoente mantinha relações sexuais com seu marido e se alcançava o orgasmo, dizendo, ainda, que lhe mostraria o ponto G. Simultaneamente, o réu passou a manipular seu clitóris de forma lasciva e introduziu o dedo em sua vagina, chegando, inclusive, a tocar seus seios. Ao perceber a inadequação do procedimento, a depoente disse que não precisava mais ser examinada, vestiu-se e saiu do consultório. Logo em seguida, relatou os fatos à sua chefe e outras colegas de trabalho. Michelle, superiora hierárquica da vítima, disse ter sido procurada por esta, aos prantos, dizendo ter sofrido assédio sexual pelo réu, o qual tocava seu clitóris e seios de forma desnecessária. A depoente relatou que aproximadamente 70% das pacientes reclamavam do comportamento antiético do apelante, sendo os casos relatados ao diretores do estabelecimento de saúde. Contou, ainda, não costumar o acusado atender as pacientes acompanhado de enfermeiras ou auxiliares de enfermagem, sendo o local de atendimento uma sala fechada. Apelação nº

5 Caroline, testemunha do juízo, relatou ter sofrido semelhante situação. Durante uma consulta a depoente percebeu que o réu tentava estimulá-la em seu clitóris, perguntando se sentia prazer com aquela manipulação. O acusado dizia que muitos homens, tais como o marido da depoente, não sabiam dar prazer às mulheres. A testemunha, então, disse ao acusado que não queria prosseguir com a consulta, tendo o acusado pedido para não contar o ocorrido a seu esposo, o qual poderia interpretar os fatos de forma equivocada. Acrescentou que, através de uma página de facebook, descobriu existirem outras vítimas da mesma conduta do apelante. José Carlos, diretor do posto médico, ao tomar conhecimento dos fatos, conversou pessoalmente com a vítima, tendo-a orientado a registrar boletim de ocorrência. Luiz Antônio, também médico ginecologista, afirmou não haver enfermeiras para acompanhar os exames clínicos. Quanto ao local dos fatos, disse tratar-se de sala pequena, formada por uma divisória vazada na região próxima ao teto, sendo possível ouvir o que se falava em seu interior. Em acareação entre a funcionária Michelle e o diretor José Carlos, a primeira asseverou, com inabalável convicção, que reportou diversos casos semelhantes ao segundo. Tales, secretário de saúde do município, relatou que ao tomar conhecimento do ocorrido, aconselhou Apelação nº

6 fosse o apelante mudado de posto. Por fim, registre-se que dois procedimentos administrativos foram instaurados perante o Conselho Regional de Medicina para apuração do comportamento atécnico e antiético do apelante. Do conjunto probatório coligido, entendo inexistirem dúvidas quanto à autoria e materialidade. A versão apresentada pela vítima encontra respaldo em uma pluralidade de evidências. Primeiramente suas palavras foram corroboradas pela testemunha Michelle, que afirmou existir muitas reclamações contra o apelante, todas apontado a inadequada aproximação sexual quando dos exames clínicos. Ademais, Caroline afirma ter sido pessoalmente assediada pelo réu, tendo agido consigo tal como agiu contra a ofendida tudo a evidenciar não se tratar de versão fantasiosa por parte da vítima. Incluisve, Caroline declara ter tomado conhecimento da existência ainda de outras mulheres tratadas da mesma forma pelo acusado. E tanto assim o é, que houve a instauração de dois procedimentos disciplinares perante o Conselho de Medicina. E ao contrário do quanto quer fazer crer a combativa defesa, o fato de não ter o réu sofrido sanções perante a prefeitura municipal de Barueri, não o isenta de responsabilidade penal. Em verdade, apenas evidencia a má administração pública e corporativismo. Também não convence a alegação Apelação nº

7 defensiva no sentido de ser possível ouvir toda e qualquer palavra pronunciada no interior da sala de consultas. Isto porque, não se tratando de crime praticado mediante violência ou grave ameaça, não tendo havido gritos e discussões, por certo o acusado teria se utilizado de baixo tom de voz a fim de não ser flagrado durante a conduta ilícita. Isto posto, não se há falar em fragilidade do conjunto probatório. Anoto por fim, tratar-se de conduta típica, consistindo a fraude em afirmar à vítima cuidar-se de procedimento médico de rotina, sendo normal ao ginecologista mostrar às pacientes a localização do ponto G. Outrossim, a fraude também é evidenciada na afirmação de ser necessária a submissão a exames clínicos em uma consulta de retorno, que tinha por objetivo apenas a análise do exame papanicolau já realizado. A condenação, assim, é medida de rigor. Passo à análise das reprimendas. Na primeira fase da dosimetria, agiu com o acerto o magistrado a quo ao entender como desfavorável a circunstância de haver o réu se valido de sua atividade médica para a prática dos atos libidinosos, merecendo maior reprovação. Desta feita, a básica foi posta em 3 anos de reclusão. Inexistindo agravantes ou atenuantes e causas de aumento ou diminuição, a reprimenda tornou-se assim definitiva. No mais, foi fixado o regime inicial aberto Apelação nº

8 e substituída a privativa de liberdade por penas alternativas, tudo a desmerecer reparos. Ante o exposto pelo meu voto, nego provimento ao apelo ministerial, mantendo-se, na íntegra, a r. sentença atacada. GUILHERME DE SOUZA NUCCI Relator Apelação nº