TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo

Transcrição

1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº , da Comarca de Tatuí, em que é apelante LIA ANTUNES DE MORAES (JUSTIÇA GRATUITA), são apelados REJANE APARECIDA GARCIA VENDOVATTO (JUSTIÇA GRATUITA) e EDINALDO DE JESUS VENDOVATTO (JUSTIÇA GRATUITA). ACORDAM, em 32ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento em parte ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FRANCISCO OCCHIUTO JÚNIOR (Presidente) e KIOITSI CHICUTA., 30 de abril de 2015 RUY COPPOLA RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Apelante: Lia Antunes de Moraes Apelados: Rejane Aparecida Garcia Vedovatto e outro Comarca: Tatuí - 1ª Vara Cível Relator Ruy Coppola Voto nº EMENTA Obrigação de fazer. Direito de vizinhança. Construção irregular de janela próxima à linha divisória que não impede o proprietário do imóvel vizinho de construir muro divisório dentro dos limites da sua propriedade, ainda que venha a vedar a claridade do outro imóvel. Ausência de previsão legal de direito de servidão de iluminação e ventilação para o prédio com construção irregular. Exegese do artigo do Código Civil. Precedentes do STJ. Danos morais não comprovados. Procedência parcial da ação. Recurso parcialmente provido. Vistos. Trata-se de ação de obrigação de fazer, cumulada com indenização, ajuizada por Lia Antunes de Moraes contra Rejane Aparecida Garcia Vedovatto e Edinaldo de Jesus Vedovatto, que a respeitável sentença de fls. 237/240, cujo relatório se adota, julgou improcedente. Apela a autora (fls. 249/250) sustentando, em suma, que não obstante o laudo pericial inconclusivo, a edificação do muro divisório é a única solução viável para individualizar os imóveis, garantindo um mínimo de privacidade entre os vizinhos litigantes. Pede a procedência da ação. Recurso tempestivo e isento de preparo, diante da gratuidade deferida a fls. 26. Contrarrazões a fls. 255/256 e 258/261. Apelação nº Tatuí - VOTO Nº 2/8

3 É o Relatório. A autora-apelante ajuizou a presente ação cominatória sustentando, em síntese, que é proprietária de imóvel vizinho ao dos réus, sendo que as propriedades não possuem muro limítrofe, o qual se faz necessário para regularização e melhor utilização dos imóveis. Afirma que os réus, mesmo depois de notificados, não permitem a entrada de pedreiros e ajudantes na sua propriedade, a fim de que seja levantado o muro divisório, o que tem gerado uma série de conflitos entre as partes, inclusive com injúrias e ameaças registradas perante a autoridade policial. Os réus, por sua vez, informam que as partes chegaram a cogitar a possibilidade de se fazer um muro divisório entre os imóveis, o que, no entanto, não se mostra viável, posto que tal muro iria retirar toda a luminosidade do seu prédio. O artigo do Código Civil dispõe que o proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas. Sobre o direito de tapagem, Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes ensinam que: O preceito regula o direito de tapagem, que consiste na faculdade do proprietário de cercar e vedar seu terreno, independentemente da vontade dos Apelação nº Tatuí - VOTO Nº 3/8

4 confinantes. Assegura-se, com isso, ao titular da propriedade evidenciar os limites de seu prédio, a evitar intervenções de terceiros em seu domínio (Humberto Theodoro Júnior, Terras, p. 536). O termo 'prédio' utilizado pelo legislador refere-se ao terreno em si, não já às edificações porventura existentes. Pouco importa, portanto, a espécie de acessão presente, referindo-se o CC tão somente ao solo (Tito Fulgêncio, Direitos, p. 11). Desse modo, quando não pairarem dúvidas acerca da delimitação do espaço físico da propriedade, faculta-se ao proprietário exercer o direito de tapagem de modo a cercar, murar, valar ou tapar o terreno. Tais construções encontram-se compreendidas no amplo conceito de tapume, o qual indica construção utilizada pelo proprietário para cercar e vedar seu imóvel (Humberto Theodoro Júnior, Terras, pp ) (in Código Civil Interpretado, Volume III, Renovar, 2ª ed., 2014, p. 632). Na espécie dos autos, verifica-se que o perito judicial considerou inviável a construção do muro divisório entre as propriedades, uma vez que entre elas há um reduzido espaço livre, no qual foram abertas janelas de forma irregular, posto que não respeitado o espaço mínimo permitido pela legislação (cf. fls. 156/157). Em que pese tal consideração, o certo é que o proprietário que tolera a construção de janela a uma distância menor que a permitida da linha divisória, e deixa correr o lapso de ano e dia, suporta a decadência do direito de exigir que se desfaça essa janela (artigo do Código Civil), porém não está obrigado a respeitar essa distância para o levantamento do muro divisório, a ser executado nos limites da sua propriedade, tal qual preceitua o supramencionado artigo 1.297, devendo apenas edificar obedecendo ao disposto no artigo 1.301, sem impedir, ou dificultar, o escoamento Apelação nº Tatuí - VOTO Nº 4/8

5 das águas da goteira, com prejuízo para o prédio vizinho. Com efeito, o vizinho que não impugna a construção de janela que desrespeita a distância regular da sua linha divisória, conserva, a todo o tempo, a faculdade de levantar sua casa, muro ou parede, desde que dentro dos limites da sua propriedade, ainda que a edificação vede a claridade de janela, vão ou abertura irregularmente existentes no imóvel contíguo. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ainda sob a égide do Código Civil de 1916, já se manifestou nesse sentido. Confira-se: Nunciação de obra nova. Abertura de janela. Não se opondo o proprietário, no prazo de ano e dia, à abertura de janela sobre seu prédio, ficará impossibilitado de exigir o desfazimento da obra, mas daí não resulta seja obrigado ao recuo de metro e meio ao edificar nos limites de sua propriedade (REsp /MA, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, 3ª Turma, j. 14/10/1999, DJ 06/12/1999, p. 90). No voto condutor do referido aresto, o eminente ministro relator deixou consignado que: A autora construiu edifício, cujas janelas se abrem sobre o imóvel vizinho. Alienado esse, o novo titular do domínio está construindo na linha limítrofe, sem obedecer ao recuo de metro e meio previsto no artigo 573 do Código Civil, razão pela qual a autora propôs a presente ação. Tanto a sentença quanto o acórdão recorrido julgaram procedente o pedido. Entendeu o tribunal de origem que, ainda houvesse erro da autora, ao fazer a construção, a ré deveria recuar a sua obra, a fim de não obstruir a luz e a ventilação. A respeito do tema, há antiga divergência, no direito brasileiro, resultante da dúvida na interpretação do artigo 576 do Código Civil. Respeitáveis opiniões Apelação nº Tatuí - VOTO Nº 5/8

6 inclinam-se pelo entendimento de que, decorrido ano e dia da construção da janela, sacada ou goteira sobre o prédio, constitui-se servidão, não podendo mais seu proprietário levantar construção que prejudique a utilidade daquelas. Essa a orientação adotada pelo aresto recorrido. Não se me afigura, no entanto, a melhor. O decurso daquele prazo impede o proprietário do prédio vizinho de pretender o desfazimento do que foi feito, mas não o inibe de construir em seu imóvel, ainda que importando cortar a claridade, vez que o artigo 572 assegura ao proprietário levantar em seu terreno as construções que lhe aprouverem, salvo o direito dos vizinhos. Esse veda apenas que se invada área contígua, deite-se sobre ele goteiras ou que, a menos de um metro e meio, abra-se janela, eirado, terraço ou varanda. Nada disso ocorreu. Em outra oportunidade, aquela mesma Corte Superior de Justiça já deixara assentado que o titular do prédio dominante não pode fazer valer sobre o serviente direito próprio, posto que ilegítimo, quando assentado em atos contrários às normas do direito de construir, tais as que versam sobre os limites e as posturas atinentes a edificação (REsp /SP, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, 3ª Turma, j. 18/12/1991, DJ 17/02/1992, p. 1378). E, ainda: A abertura de janelas no prédio vizinho, construído na divisa há mais de quarenta anos, mas sem obediência ao necessário afastamento, não constitui servidão aparente capaz de obrigar o recuo de metro e meio do prédio nunciado edificado nos limites do respectivo lote (STJ - REsp 1.749/ES, Rel. Ministro GUEIROS LEITE, 3ª Turma, j. 03/04/1990, DJ 28/05/1990, p. 4731). E, uma vez reconhecido o direito da autora de murar a sua propriedade, cumpre destacar que o artigo 1.313, I, do Código Civil determina que proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a Apelação nº Tatuí - VOTO Nº 6/8

7 tolerar que o vizinho entre no prédio, mediante prévio aviso, para: I - dele temporariamente usar, quando indispensável à reparação, construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório. Diante desse quadro, procede o pleito cominatório, cabendo observar, no entanto, que o pretenso muro divisório deverá ser construído exclusivamente dentro dos limites da propriedade da autora-apelante, não podendo invadir o imóvel dos réus. No que se refere aos alegados danos morais, cumpre observar que a autora-apelante não logrou demonstrar que os aborrecimentos e dissabores decorrentes das divergências entre as partes quanto à construção do muro divisório, tenham constituído agressão que exacerbasse a naturalidade dos fatos da vida em sociedade, causando fundadas aflições ou angústias no seu espírito. Na lição de Rui Stoco: "Significa dizer, em resumo, que o dano em si, porque imaterial, não depende de prova ou de aferição do seu quantum. Mas o fato e os reflexos que irradia, ou seja, a sua potencialidade ofensiva, dependem de comprovação, ou pelo menos que esses reflexos decorram da natureza das coisas e levem à presunção segura de que a vítima, face às circunstâncias, foi atingida em seu patrimônio subjetivo, seja com relação ao seu vultus, seja, ainda, com relação aos seus sentimentos, enfim, naquilo que lhe seja mais caro e importante." (Tratado de Responsabilidade Civil, Ed. RT, 5ª Edição, pág. 1381/82). Não houve a demonstração de qualquer sofrimento anormal ou abalo psíquico da autora que tenha ultrapassado os limites da normalidade nas relações humanas. Desta forma, de todo improcedente o pedido de condenação dos réus por danos morais. Com efeito, deve a presente ação ser julgada Apelação nº Tatuí - VOTO Nº 7/8

8 procedente em parte para determinar que os réus, mediante prévio aviso, permitam a entrada da autora, ou pessoa por ela indicada, para a construção do muro divisório, sob pena de pagamento de multa diária, no valor de R$100,00, observando mais uma vez que o referido muro deverá ser levantado exclusivamente dentro dos limites da propriedade da apelante. E, considerando a sucumbência recíproca, cada parte deverá arcar com metade das despesas processuais, além dos honorários dos respectivos patronos, respeitada a gratuidade que lhes fora deferida. Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, nos termos acima alinhavados. RUY COPPOLA RELATOR Apelação nº Tatuí - VOTO Nº 8/8