Complicações neurológicas no paciente oncológico
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- Ágata de Abreu Vieira
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1 emergências oncológicas Complicações neurológicas no paciente oncológico Divulgação Divulgação Luiz Gustavo Torres * Médico oncologista do Centro de Tratamento Oncológico (CENTRON) Contato: torres.luizgustavo@gmail.com Simone Maradei * Hematologista do Centro de Tratamento Oncológico (CENTRON) e do Centro de Transplante de Medula Óssea (CEMO) INCA Contato: simaradei@gmail.com Daniel Tabak * Hematologista-oncologista; diretor médico do Centro de Tratamento Oncológico (CENTRON); membro titular da Academia Nacional de Medicina Contato: dantabak@terra.com.br Síndrome de compressão medular A compressão da medula espinhal é uma complicação comum em pacientes com neoplasia maligna avançada, sendo uma causa de morbidade muito importante. Os cânceres de mama, próstata e pulmão são responsáveis por mais de 60% dos casos. Aproximadamente 70% das síndromes de compressão medular (SCM) afetam a coluna torácica, sendo menos frequente o comprometimento da co - lu na cervical e sacra. Os pacientes geralmente apresentam deterioração aguda de funções neu - rológicas, tais como incapacidade de deambular, devido ao efeito de massa das doenças metastáticas na medula espinhal. Por isso, o diagnóstico precoce é de extrema importância para garantir a efetividade da terapêutica. A estratégia terapêutica tem evoluído ao longo dos anos, devido em parte aos avanços tecnológicos na instrumentação da coluna vertebral. Fisiopatologia A invasão pelo tumor altera a relação entre o plexo venoso epidural (plexo de Batson) corpo vertebral canal medular, provocando uma estase venosa e um edema medular que levam a uma diminuição do fluxo capilar e à liberação de prostaglandina, citocinas, neurotransmissores e mediadores da inflamação, responsáveis pelas alte rações associadas a hipóxia, isquemia e dano tissular neurológico. Outra forma de comprometimento do espaço epidural pode estar relacionada ao contínuo crescimento e expansão da massa tumoral, ou de retropulsão de fragmentos ósseos após o colapso de um corpo vertebral enfraquecido pelo tumor. Além disso, alguns tumores, especialmente linfomas e neuroblastoma, podem atingir o espaço epidural pelo crescimento direto do tumor para dentro do canal vertebral, através de um forâmen intramedular. Outro importante mecanismo pelo qual os tumores metastáticos podem prejudicar a medula espinhal é a desestabilização da coluna vertebral. Denise e colaboradores propuseram um modelo de três colunas para a avaliação da estabilidade da co - luna vertebral. Nesse modelo, a coluna anterior é composta pelo ligamento longitudinal anterior, pelo anel anterior e pela parte anterior do corpo vertebral. A coluna do meio inclui o ligamento longitudinal posterior, o anel posterior e a porção posterior do corpo vertebral. A coluna posterior inclui as estruturas da coluna vertebral que são posteriores ao ligamento longitudinal posterior. A interrupção de duas ou três colunas cria uma coluna instável. O colapso vertebral frequentemente envolvido é o que compromete as colunas anterior e média. Quadro clínico O quadro neurológico pré-tratamento é de longe o mais importante preditor de função após tratamento. Portanto, é desejável diagnosticar a SCM antes que o paciente desenvolva qualquer déficit neurológico. A maioria dos pacientes com SCM tem um diagnóstico de câncer conhecido. A dor é o sintoma mais frequente, ocorrendo em aproximadamente 83% a 95% dos pacientes, e geralmente antecede a disfunção neurológica. Inicialmente, a dor pode ser localizada e restrita à região de metástases da coluna vertebral. A dor radicular também é comum entre pacientes com SCM e pode ocorrer quando a massa tumoral comprime ou invade as raízes nervosas, sendo mais comum em lesões lombossacras. Ela geralmente piora com o decúbito e está relacionada com a distensão do plexo venoso epidural devido ao alongamento da coluna vertebral, ou com a manobra de Valsalva. A fraqueza é o segundo sintoma mais comum de SCM (60-85%), seguido por deficiências sensoriais (40-80%). As queixas do paciente relacionadas a esses sintomas muitas vezes são vagas. Esse déficit motor pode envolver neurônios motores inferiores e superiores. Quando acomete o neurônio motor superior, a fraqueza é mais simétrica, enquanto a fraqueza do neurônio motor inferior muitas vezes é assimétrica e afeta a extremidade distal dos mem- Onco& março/abril
2 bros. Nas lesões da cauda equina, a fraqueza está associada à depressão dos reflexos tendinosos profundos nas pernas. A maioria dos pacientes não é ambulatorial no diagnóstico, e a gravidade da fraqueza é maior em pacientes com metástases torácicas. Os déficits sensoriais manifestam-se como parestesias ou hipoestesias, que se iniciam nos pés e podem subir até o nível afetado com o avanço da doença. A disfunção do esfíncter é uma apresentação mais tardia de comprometimento medular e ocorre em torno de 40-60% dos casos. Geralmente é um resultado final que pode estar presente em até metade dos pacientes. A neuropatia autonômica se apresenta comumente como retenção urinária, e raramente é o único sintoma de SCM. Uma exceção é quando a metástase comprime a medula espinhal ao nível do cone medular, muitas vezes causando dor nas costas com disfunção urinária e intestinal. Diagnóstico O diagnóstico de SCM começa com a obtenção de uma história clínica, nos achados clínico-neurológicos que indicam o nível medular afetado. Imagens da coluna inteira devem ser feitas em qualquer paciente com suspeita de SCM, não apenas para definir o diagnóstico mas para auxiliar no planejamento do tratamento cirúrgico ou radioterápico. Atualmente, a ressonância nuclear magnética (RNM) é o método de imagem padrão-ouro na avaliação de doença metastática da coluna vertebral, em virtude de sua alta sensibilidade (93%) e especificidade (97%). Caso a RNM não possa ser utilizada, devido à presença de implantes metálicos, por exemplo, a tomografia computadorizada auxilia no diagnóstico. Outras modalidades de imagem são menos úteis. Um exemplo são as radiografias simples, que têm baixa sensibilidade e especificidade para fazer um diagnóstico e não devem ser usadas como procedimento de triagem. A cintilografia óssea e a tomografia por emissão de radionuclídeos de pósitrons podem detectar SCM, mas não são tão precisas quanto a RNM devido à sua resolução mais baixa. Tratamento Os objetivos fundamentais do tratamento são: a) controlar a dor; b) evitar complicações; c) preservar a função neurológica. Tratamento clínico Embora a compressão medular seja frequentemente de instalação insidiosa, ela deve ser tratada como uma emergência. A maioria dos pacientes com SCM apresenta dor de forte intensidade, por vezes incapacitante. Os glicocorticoides melhoram a dor em algumas horas, mas grande parte dos pacientes necessita de analgésicos opiáceos. O repouso é relativo e geralmente não há necessidade de manter o paciente na cama. Os pacientes são bastante hábeis em evitar manobras que desencadeiam a dor. Embora o valor da profilaxia contra o tromboembolismo venoso não tenha sido estudado especificamente em pacientes com SCM, a anticoagulação deve ser considerada se o paciente é imobilizado devido à SCM. É importante observar também se não há sangramento ativo ou outras contraindicações ao uso de anticoagulantes. Os corticosteroides são usados para atrasar a deterioração neuroló - gica, diminuindo edema da medula espinhal e podendo também ter um efeito antitumor em certos cânceres, como linfoma e mieloma múltiplo. Atualmente, ainda não existe um consenso sobre a dose dos esteroides. Porém, há regimes que preconizam doses elevadas, e outros, doses moderadas. Alguns grupos defendem o uso dos sintomas motores para titular a dose de esteroide, ou seja, pacientes com sintomas motores rapidamente progressivos, como a perda da capacidade de deambular, devem receber uma dose alta, enquanto os pacientes com fraqueza mí - nima ou não progressiva são tratados com doses moderadas. Radioterapia A radioterapia tem sido o tratamento mais usado na SCM. Sua eficácia na preservação ou melhoria da função neurológica em pacientes com SCM tem sido relatada em vários estudos retrospectivos. Entretanto, a dose ideal e o esquema de tratamento permanecem controversos. Em uma revisão sistemática de vários regimes posológicos, Sze e colaboradores não encontraram diferenças no alívio da dor entre as doses única e multifracionada de radioterapia. Atualmente, acredita-se que doses fracionadas (2,5-3,6 GY / 10 a 15 frações) de irradiação podem reduzir o risco de lesão medular. Alguns fatores devem ser considerados na escolha dessa terapia, tais como: (a) grau de limitações funcionais no início de radiação; (b) tipo de tumor; e (c) rapidez do início dos déficits neurológicos. Os tumores primários mais sensíveis à radiação são o linfoma e o tumor de células germinativas (seminomatoso). A maioria dos tumores sólidos, como os de mama, próstata e pulmão, apresentam sensibilidade intermediária à radiação. O melanoma, o osteossarcoma e o carcinoma de células renais geralmente são considerados radiorresistentes. Embora os pacientes com tumores radiorresistentes ainda possam se beneficiar da radioterapia paliativa, a chance de recuperação funcional e resposta de longo prazo é muito menor. Os pacientes que rapidamente desenvolvem déficits neurológicos são menos suscetíveis a me - lhora do que aqueles que desenvolvem déficits de forma mais gradual. 16 março/abril 2012 Onco&
3 Cirurgia O papel da descompressão cirúrgica no tratamento de pacientes com SCM tem evoluído ao longo dos anos. Historicamente, a radiação sozinha era o tratamento padrão para SCM, principalmente devido ao fato de a laminectomia ser insuficiente na descompressão da medula espinhal. Atualmente, com o avanço das técnicas cirúrgicas e da instrumentação da coluna vertebral, tornou-se possível descomprimir a medula espinhal e imediatamente estabilizar a coluna, com alívio da dor. A cirurgia é indicada quando o diagnóstico oncológico é duvidoso, perante a progressão da lesão na vigência do tratamento radioterápico, em pacientes previamente irradiados e quando existir instabilidade mecânica. Entretanto, a decisão pela cirurgia deverá levar em consi - deração a condição clínica do paciente e o prognóstico oncológico. A radiocirurgia estereotáxica espinhal (RES) e outras formas emergentes de radioterapia, como a radioterapia de intensidade modulada, permitem que a radiação seja mais precisa, convergindo sobre a lesão de interesse uma dose elevada, limitando a exposição do tecido normal. A vertebroplastia percutânea e a cifoplastia têm recebido atenção considerável devido à sua capacidade de invasão mínima. Houve alguma evidência de que esses procedimentos podem levar ao alívio da dor em pacientes com dor intratável secundária e fraturas patológicas do corpo vertebral. É de se esperar que essas técnicas, quando combinadas com radioterapia, possam proporcionar o alívio da dor mesmo para pacientes com SCM. Quimioterapia A quimioterapia raramente é utilizada no tratamento imediato da SCM porque, mesmo com tumores quimiossensíveis, a resposta é muito lenta e imprevisível. No caso de tumores quimiossensíveis, a quimioterapia pode ser usada em conjunto com a radioterapia. Conclusão Na maioria dos casos o prognóstico é sombrio. Porém, um número grande de pacientes apresenta uma razoável sobrevida a longo prazo, principalmente os que apresentam mieloma, linfoma e câncer de próstata. Pacientes selecionados se beneficiaram do tratamento cirúrgico. A escolha da modalidade para o tratamento definitivo depende de muitos fatores, incluindo a presença ou ausência de instabilidade da coluna, o grau de compressão da medula espinhal e a radiossensibilidade relativa do tumor. O diagnóstico precoce antes da instalação do dano neurológico grave e a instauração imediata do tratamento são fatores essenciais para evitar a paralisia. O prognóstico e a expectativa de vida, além da qua - lidade de vida, devem ser levados em conta para a tomada de decisão. Elevação da pressão intracraniana A elevação da pressão intracraniana (EPI) é uma complicação neuroló - gica comum e potencialmente grave em pacientes com câncer. É causada principalmente por doença metastática intraparenquimatosa, mas ou tras potenciais causas, como hidrocefalia e doenças infecciosas, normalmente associadas à imunodeficiência, devem ser lembradas como diagnósticos diferenciais. Neoplasia de pulmão e pele (melanoma) são os tumores que mais comumente se disseminam para o cérebro. O crescimento tumoral produz sintomas focais por invasão e compressão do tecido cerebral. Quadro clínico Sintomas gerais como cefaleia, náuseas, vômitos e depressão do nível de consciência são resultado da elevação da pressão intracraniana, provocada por edema vasogênico ou obstrução do fluxo do líquido cerebroespinhal. O edema resulta da disfunção da barreira hematoencefálica (aumento da permeabilidade capilar) e do acúmulo de líquido no espaço extravascular. O efeito de massa provoca EPI, compromete o suprimento sanguíneo e eleva o risco de herniação cerebral. A cefaleia está presente em cerca de metade dos pacientes com tumor cerebral (primário ou secundário), especialmente os de crescimento ace - lerado ou infratentoriais. Inicialmente leve, a cefaleia se torna mais intensa em dias ou semanas, e tipicamente está associada a outros sintomas de EPI (náusea, vômitos) e sinais focais. Outros relatos comuns são: acordar à noite com cefaleia, dor mais intensa pela manhã ou agravada com mudanças de postura ou manobras de Valsalva. Vômitos em jato, sem náusea, são frequentemente observados em pacientes com tumores de fossa posterior que evoluem com hidrocefalia obstrutiva. Outros sintomas relacionados à EPI secundária à doença neoplásica: - Disfunção neurológica focal: 20-40% - Disfunçao cognitiva (transtornos de humor e personalidade): 30-35% - Convulsões: 10-20% - Hemiparesia/plegia: 5-10% A história e o exame clínico podem detectar a presença de EPI, mas os exames de imagem são fundamentais para confirmar a impressão clínica e determinar a causa. O exame com maior capacidade de dar informações anatômicas detalhadas, que permita a distinção entre neoplasia, infecção, processo inflamatório ou isquêmico, é a ressonância magnética. Exames específicos para avaliação do fluxo liquórico, como a cisternagrafia cintilográfica, podem ser utéis nos pacientes com hidrocefalia. Na maioria dos casos, a elevação da pressão intracraniana em pacientes com câncer se desenvolve no decorrer de dias ou semanas. Na Onco& março/abril
4 medida em que identifica a EPI, medidas iniciais são adotadas para a redução da pressão, enquanto o planejamento para abordagem diagnóstica e terapia definitiva é realizado. A necessidade de abordagem cirúrgica de urgência é rara. Contudo, deve-se considerar a internação em unidade de terapia intensiva em caso de alteração do estado mental. Tratamento clínico a) Corticosteroides: a dexametasona é a principal droga no controle sintomático do edema cerebral vasogênico, sendo seu mecanismo de ação ainda não totalmente conhecido. A melhora sintomática ocorre em 70-80% dos pacientes e pode acontecer em poucas horas, com a melhora clínica máxima atingida após 24 a 72 horas. Quando a res - posta clínica não é alcançada após 48 horas, a dose pode ser dobrada a cada 48 horas até a dose diária de 100 mg. Corticoides sistêmicos estão indicados em todos os pacientes que apresentam edema peritumoral sintomático. A dexametasona, por seu baixo potencial mine - ralocorticoide e por estar menos relacionada a alterações cognitivas, é a droga de escolha. A dose recomendada em pacientes com sintomas mais significativos é de 10 mg como dose inicial e manutenção de 4 mg a cada 6 horas, ou 8 mg a cada 12 horas. Já para pacientes com sintomas leves, a dose inicial recomendada é de 4 a 8 mg por dia. Apesar de a dexametasona ser administrada tipicamente em quatro tomadas diárias, sua meia-vida permite o uso a cada 12 horas. A dose mantida deve ser a mínima necessária para manter o controle sintomático. Possui excelente absorção oral. b) Redução da pressão intracraniana: com a redução da pco2, ocorre a vasoconstrição, redução do volume sanguíneo cerebral e da pressão. Essa medida deve ser adotada para controle emergencial da pressão intracraniana, permitindo que outras medidas se tornem eficazes. c) Osmoterapia: agentes hiperosmolares são usados para reduzir o edema cerebral e a pressão intracraniana por ação osmótica, direcionando a água do espaço extracelular para o interior dos vasos. Manitol 20% é a droga mais usada (0,5-2g/kg IV, dose de ataque), com efeito em minutos. d) Outras medidas: o uso de antitérmicos para controle rigoroso da temperatura e a elevação da cabeceira a 30 graus são medidas que devem ser adotadas. Convulsão Convulsões são frequentes durante o curso clínico dos tumores cerebrais, ocorrendo em cerca de 40-60% dos gliomas, em 30-40% dos tumores metastáticos e em aproximadamente 13% de todos os pacientes com câncer. Tumores de crescimento lento ou íntimos ao córtex cerebral estão associados a maior incidência dessa complicação. Diagnóstico Usualmente o diagnóstico é realizado através da anamnese e do exame clínico, mas em algumas situações o EEG pode ser de fundamental importância (ex: status epitecticus não convulsivo). A tomografia computadorizada do crânio e o EEG devem ser considerados em todo paciente com história de crise convulsiva que chega para atendimento de emergência. Outros potenciais agentes etiológicos mais frequentes em pacientes com câncer são encefalopatia metabólica (ex: hiponatremia, hipoglicemia) e infecções oportunistas. Algumas causas podem estar associadas à terapia neoplásica específica, como a síndrome de leucoencefalopatia posterior relacionada especialmente ao uso da cisplatina. Tratamento Pacientes que já apresentaram convulsões secundárias a tumor cerebral devem iniciar terapia anticonvulsivante específica pelo elevado risco de recidiva. Sempre que possível, os anticonvulsivantes devem ter seus níveis séricos monitorados. Novas drogas, como topiramato e lamo - trigina, são preferíveis nesse contexto pelo perfil de toxicidade mais favorável e menor potencial de interação medicamentosa. A Academia Americana de Neurologia (AAN) não recomenda profilaxia com droga anticonvulsiva em pacientes com doença neoplásica primária ou metastática, quando não há antecedente convulsivo. Carcinomatose meníngea A carcinomatose meníngea (CM) pode ser identificada em 4-15% de pacientes portadores de tumores sólidos, leucemias e linfomas. Tumores cerebrais primários apresentam essa complicação em uma frequência bem menor. Adenocarcinomas representam a histologia mais habitual, e os tumores primários mais comumente identificados são mama, pulmão e melanoma. Fisiopatologia As células tumorais atingem as meninges por diversas vias: (1) dissemi - nação hematogênica, através do plexo de Batson ou por disseminação arterial; (2) extensão direta por depósitos contíguos; e (3) através da migração centrípeta a partir de tumores sistêmicos ao longo dos espaços perineurais e perivasculares. Uma vez dentro do espaço subaracnoide, as células neoplásicas são transportadas pelo líquido cere - broespinhal, resultando em comprometimento disseminado e multifocal do neuroeixo. A infiltração tumoral é proeminente na base do crânio (mais especificamente nas cisternas basilares) e na superfície dorsal da medula espinhal (em particular na cauda equina). Hidrocefalia pode resultar da obstrução do fluxo do líquor por nódulos tumorais depositados ao nível do quarto ventrículo. 18 março/abril 2012 Onco&
5 Quadro clínico A apresentação clínica da carcinomatose leptomeníngea consiste em manifestações pleomórficas que incluem sinais e sintomas em três áreas da função neurológica: (1) os hemisférios cerebrais; (2) os nervos cranianos; e (3) a medula espinhal e as raízes associadas. Os sinais no exame clínico geralmente excedem os sintomas relatados pelo paciente. As principais manifestações da disfunção dos hemisférios cerebrais são cefaleia e alterações do nível de consciência. Outros sinais incluem confusão, demência, convulsões e hemiparesias. O sinal mais comum de comprometimento é a diplopia, refletindo o comprometimento do sexto par craniano. Diagnóstico 1. Exame do líquido cerebroespinhal O exame do líquor representa o exame laboratorial mais adequado para o diagnóstico da CM. As anormalidades incluem: (1) pressão de abertura acima de 200 mm de água; (2) número de leucócitos > 4/mm 3 ; (3) concentração de proteínas >50 mg/dl); e (4) níveis de glucose abaixo de 60 mg/dl. Essas alterações são sugestivas, porém não são diagnósticas. Já a presença de células neoplásicas estabelece o diagnóstico, porém elas nem sempre são identificadas em uma única amostra. Cerca de 45% dos pacientes apresentam um exame inicial negativo. A natureza do tumor não pode ser estabelecida através do exame citológico. Embora o diagnóstico possa ser estabelecido em 80% dos pacientes através de uma segunda punção, o benefício é limitado com a realização de um número maior de procedimentos. Os níveis de proteínas, glucose e células malignas variam ao longo de diferentes pontos do neuroeixo, mesmo quando não existe obstrução do fluxo liquórico. Na presença de sinais e sintomas cranianos, uma amostra obtida por punção ventricular geralmente apresenta uma positividade maior que o líquor obtido por via lombar. Já na presença de sinais e sintomas espinhais, a amostra obtida por punção lombar é mais frequentemente positiva. 2. Estudos neurorradiográficos A ressonância magnética (RM) contrastada com gadolíneo representa a técnica de escolha para avaliar pacientes com suspeita de metástases leptomeníngeas. Como o processo envolve todo o neuroeixo, a análise completa do sistema nervoso central é essencial para a abordagem ade quada do paciente. A RM é mais sensível que a tomografia computadorizada contrastada, pois qualquer irritação das leptomeninges resultará em um aumento de sinal. A imagem revela uma fina camada que segue as circunvoluções e os sulcos cerebrais superficiais. A identificação de nódulos intradurais na RM espinhal (mais frequentemente na cauda equina) pode ser considerada diagnóstica de CM em pacientes com câncer. Raramente a própria punção lombar pode resultar em alterações na RM, indicando a necessidade de sua realização após o método de imagem. A RM pode resultar em exames falsamente negativos em até 30% dos pacientes. Entretanto, em casos típicos, o exame é suficiente para estabelecer o diagnóstico. A utilização de radionuclídeos (ácido penta acético dietilenotetramina DTPA - marcado com In 111 ou macroagregados de albumina marcados com Tc 99 ) constitui a técnica ideal para a avaliação da dinâmica do líquor. A circulação anormal do líquor é observada frequentemente, com bloqueios observados habitualmente na base do crânio, no canal espinhal e sobre as convexidades cerebrais. O bloqueio do fluxo liquórico representa um sinal de mau prognóstico e constitui uma indicação formal para o tratamento focal com radiote - rapia. O sucesso do tratamento é maior em pacientes com doença cerebral. O bloqueio liquórico resulta não apenas em nichos de células tumorais protegidos da ação dos quimioterápicos como também em áreas de acúmulo das drogas, determinando maior neurotoxicidade. Dessa forma, vários autores recomendam que um estudo do fluxo liquórico seja sempre realizado antes do início da quimioterapia intratecal, principalmente quando um reservatório de Ommaya for utilizado para o tratamento citotóxico. Prognóstico A sobrevida mediana de pacientes portadores de CM não tratada é de quatro a seis semanas, e o óbito é secundário à disfunção cerebral progressiva. A intenção do tratamento é melhorar ou estabilizar a condição neurológica, bem como prolongar a sobrevida. Déficits neurológicos fixos raramente regridem com o tratamento. Porém, a progressão das alterações funcionais pode ser interrompida e a sobrevida mediana ser estendida para quatro a seis meses. Nos tumores sólidos observa-se uma melhor resposta em pacientes portadores de carcinoma de mama, com uma sobrevida mediana de seis meses, sendo que de 11% a 25% dos pacientes sobrevivem mais de um ano após o diagnóstico. Vários fatores prognósticos foram relacionados com a sobrevida, como idade, sexo, duração dos sinais de CM, níveis de proteínas e de glucose. Seu significado, porém, é controverso. Geralmente a evolução é desfavorável em pacientes que apresentam comprometimento do estado geral, várias alterações neurológicas fixas, doença maciça no sistema nervoso central, encefalopatia carcinomatosa e várias anormalidades de fluxo observadas na ventriculografia por radionuclídeos. Pacientes com doença metastática sistêmica não responsiva aos tratamentos quimioterápicos dificilmente apresentarão um benefício da terapêutica intratecal. O tratamento precoce, antes do Onco& março/abril
6 aparecimento de déficits neurólógicos fixos, é crítico para impedir a progressão da doença uma situação semelhante àquela observada na compressão epidural da medula espinhal. Tratamento A avaliação da eficácia do tratamento da CM é complicada pela ausência de uma conduta padrão, pela dificulade na demonstração de uma resposta diante dos métodos de diagnóstico pouco sensíveis e pelo fato de a mortalidade estar frequentemente associada à progressão da doença sistêmica. Entretanto, o tratamento promove claramente uma paliação efetiva e, em várias situações, um aumento da sobrevida. Cirurgia A cirurgia é utilizada para a inserção de: (1) cateter intraventricular e um reservatório subgaleal para administração de quimioterapia; (2) derivação ventriculoperitoneal em pacientes com hidrocefalia sintomática. Os agentes citotóxicos podem ser administrados no espaço subaracnoide através de uma punção lombar ou por meio de um reservatório intraventricular. Esta última via representa o sistema ideal por ser mais simples, mais confortável para o paciente e mais seguro do que a realização de punções lombares repetidas. A utilização do cateter intraventricular promove uma distribuição mais homogênea da droga no espaço liquórico e níveis mais consistentes no líquido cérebroes - pinhal. Em cerca de 10% dos pacientes, a droga é administrada no espaço epidural quando injetada através de uma punção lombar, mesmo quando existe retorno do líquor após a introdução da agulha. Existem dois tipos básicos de reservatório: o Rickham Style, que consiste em um reservatório plano colocado sobre o orifício de trepanação, e o reservatório de Ommaya, com a superfície em forma de cúpula, mais fácil de ser palpado. O cateter é posicionado no corno anterior do ventrículo lateral ou próximo do forâmen de Monro através de uma punção ventricular. É fundamental que a ponta do cateter e os orifícios laterais estejam posicionados completamente dentro do ventrículo para evitar a instilação da droga no parênquima cerebral. Quando existe bloqueio do fluxo liquórico, a radioterapia focal deve ser utilizada no sentido de evitar o acúmulo do quimioterápico e a to - xicidade excessiva. Radioterapia A radioterapia é utilizada no tratamento da CM: (1) para a paliação de sintomas como a síndrome da cauda equina; (2) para a redução do volume tumoral secundário às metástases cerebrais coexistentes; e (3) para corrigir anormalidades do fluxo liquórico. Pacientes com dor e fraqueza das pernas, bem como alterações dos nervos cranianos, devem receber radioterapia craniana ou aplicada somente à base do encéfalo. A radioterapia de doença volumosa deve ser considerada, pois a penetração dos citotóxicos é limitada por uma capacidade de difusão de 2 a 3 mm nos nódulos tumorais. A irradiação de todo o neuroeixo é raramente recomendada em tumores sólidos devido à toxicidade sistêmica. Quimioterapia A quimioterapia é o único tratamento que pode tratar todo o neuroeixo. Ela pode ser administrada no espaço intratecal ou pela via sistêmica. Entretanto, a via intratecal representa a via utilizada por excelência. Três agentes são utilizados rotineiramente: metotrexato, citarabina (incluindo a preparação liposomal) e a trietilenotiofosforamida (tiotepa). Não existe diferença de resposta entre os diversos agentes, e a frequência de sua utilização é variável. Os níveis liquóricos do preparado lipossomal da citarabina podem permanecer por mais de dez dias e a sua utilização pode parecer mais vantajosa. Alguns estudos, entretanto, descrevem uma frequência maior de meningite química associada àquele agente. Infecções liquóricas ocorrem em cerca de 10% dos pacientes e resultam em cefaleia, febre e alterações do nível de consciência. O agente mais frequentemente identificado é o Staphylococcus epidermidis. Alguns autores recomendam a retirada imediata do reservatório e o tratamento da infecção com antibióticos sistêmicos. Mielossupressão pode ocorrer após o uso do metotrexato, e o resgate com ácido folínico é recomendado. A droga pode ser administrada via oral imediatamente após a injeção intratecal, uma vez que ela não penetra no espaço liquórico. A meningite química pode ser tratada com corticosteroides e repouso. O uso combinado de quimioterapia e radioterapia pode resultar em leucoencefalopatia tardia, frequentemente sintomática. Alguns estudos argumentam que a quimioterapia intratecal não contribui significativamente para o controle da doença meníngea quando comparada ao tratamento sistêmico. Entretanto, o tratamento intratecal permanece como a terapia padrão para esses pacientes. A avaliação de resposta, como mencionada, é limitada por uma análise citológica de difícil avaliação. Dos sintomas neurológicos associados à CM, a dor responde de uma forma mais consistente ao tratamento utilizado. Tratamento de suporte O tratamento agressivo deve ser reservado para pacientes com uma estimativa de sobrevida superior a três meses e um estado geral preservado. O tratamento de suporte deve ser oferecido para todos os 20 março/abril 2012 Onco&
7 pacientes e inclui a utilização de anticonvulsivantes, analgésicos e ansiolíticos, quando necessários. Corticosteroides possuem eficácia limi - tada no controle de sintomas determinados pela CM. A redução da atenção e a sonolência causadas pela irradiação craniana podem ser tratadas com neuroestimulantes. Síndromes paraneoplásicas As síndromes neurológicas paraneoplásicas (SNP) representam um grupo de desordens que ocorrem em pacientes portadores de câncer como um efeito remoto da neoplasia. As manifestações não podem ser atribuídas diretamente ao tumor ou às metastases, aos tratamentos utilizados, a infecções associadas, distúrbios vasculares ou da coa gulação, bem como anormalidades metabólicas ou déficits nutricionais. As SNP são observadas em 5% dos pacientes portadores de câncer de pulmão de pequenas células, em 15% a 20% dos timomas e em 3% a 10% dos portadores de linfomas e plasmocitomas. Apesar de não frequentes, elas devem ser prontamente reconhecidas, pois antecedem o diagnóstico de câncer em mais de 80% dos pacientes. Podem resultar em morbidade significativa devido à destruição, muitas vezes irreversível, do tecido neural. Algumas apresentações são típicas de SNP, embora não necessa - riamente diagnósticas. São identificadas neste grupo: síndrome mias - tênica da Eaton Lambert, degeneração cerebelar subaguda, encefalite límbica, neuronopatia sensorial, opsoclonus-mioclonus, dermato - miosite, síndrome da pessoa rígida, encefalomielite e pseudo-obs - trução gastrointestinal. O reconhecimento dessas síndromes pelo clínico é crítico, principalmente para aquele que trabalha nos serviços de emergência, pois a maioria dos pacientes não possui uma neoplasia diagnosticada. A apresentação e o curso da doença podem ser dramáticos quando comparados aos quadros não associados a neoplasias. Por definição, as síndromes paraneoplásicas neurológicas requerem a identificação de uma neoplasia associada, até cinco anos antecedendo o diagnóstico. Entretanto, na maioria dos pacientes a neoplasia se apresenta em quatro a seis meses. Os exames de imagem devem ser realizados para identificar a neoplasia associada. Embora vários anticorpos associados a antígenos onconeurais te - nham sido estudados, apenas alguns foram bem caracterizados, como o anti-hu (anticorpo antineuronal tipo 1 ou ANNA-1), anti-yo (anticorpo contra a célula de Purkinje tipo 1) e anti-ri (ANNA-2). Entretanto, mais de 50% dos pacientes portadores de SNP não possuem anticorpos onconeurais detectáveis. O exame do líquor revela apenas discreta pleocitose, elevação de proteínas e bandas oligoclonais. O exame histopatológico identifica apenas uma infiltração inespecífica de linfócitos T. A RM do cérebro é típicamente normal. Entretanto, nos casos de encefalite límbica pode ser documentada uma alteração característica nos lobos temporais. Alterações mais generalizadas podem ser documentadas nos casos de encefalite límbica. A atrofia cerebelar é um achado tardio nos casos de degeneração cerebelar subaguda. Não existem recomendações terapêuticas formais para as SNP. O tratamento da neoplasia pode ser uma estratégia eficaz para a estabilização do quadro. A terapia imunológica pode ser bem-sucedida nos processos que comprometem o sistema nervoso periférico, a junção neuromuscular e o sistema muscular. Frequentemente são utilizados corticosteroides, imunoglobulina intravenosa ou plasmaférese. Os processos que envolvem o sistema nervoso central são mais refratários ao tratamento, embora existam relatos de resposta aos corticosteroides, bem como de remissões espontâneas. Comumente, apenas o tratamento sintomático das convulsões, das manifestações psiquiátricas e dos distúrbios do movimento é empregado. Referências bibliográficas 1. Bartels RH, Feuth T, van der Maazen R, Verbeek AL, Kappelle AC, André Grotenhuis J, Leer JW. Development of a model with which to predict the life expectancy of patients with spinal epidural metastasis. Cancer Nov 1;110(9): Denis F. The three column spine and its significance in the classification of acute thoracolumbar spinal injuries. Spine (Phila Pa 1976) Nov- Dec;8(8): Sze WM,Shelley MD et al. Palliation of metastatic bone pain:single fraction versus multifraction radiotherapy- a systematic review of randomised trials.clin oncol (Rcoll Radiol) 2003;15: Sun H, Nemecek AN.Optimal management of malignant epidural spinal cord compression. Hematol Oncol Clin North Am Jun;24(3): Cole JS, Patchell RA. Metastatic epidural spinal cord compression. Lancet Neurol May;7(5): Onco& março/abril
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