A EDUCAÇÃO FINANCEIRA NA PERSPECTIVA MULTIDISCIPLINAR: O EDUCANDO COMO CONSTRUTOR DE SEU CONHECIMENTO

Transcrição

1 A EDUCAÇÃO FINANCEIRA NA PERSPECTIVA MULTIDISCIPLINAR: O EDUCANDO COMO CONSTRUTOR DE SEU CONHECIMENTO Resumo Lúcia Miranda Gouvêa NEPED/UFJF Colégio Santa Catarina luciagouve@hotmail.com Todo o imediatismo do homem, em especial do jovem atual, o conduz a um consumismo exacerbado e a um experenciar de situações voltadas apenas para seus interesses e satisfações pessoais, em detrimento da coletividade da qual faz parte. A partir de uma solicitação feita por nossa Escola de que trabalhássemos em nossas disciplinas o servir ao próximo como conteúdo vinculado ao tema da Campanha da Fraternidade de 2015, as professoras de inglês, matemática financeira e religião, construíram o projeto multidisciplinar intitulado Transformando para Servir que em inglês recebeu o nome Transforming to Serve. Vários objetos que estavam abandonados pela falta de uso nas casas de nossos alunos foram trazidos para a escola, customizados e mediante toda transformação, tornaram-se interessantes e úteis novamente. Assim, destinaram-se à doação. O referido projeto desenvolveu noções de solidariedade, acolhimento do próximo, utilizou o idioma inglês através de apresentações orais, abordou e desenvolveu questões envolvendo economia doméstica, custo, lucro, consequentemente a utilização consciente do dinheiro em benefício de nós mesmos e do nosso próximo. Palavras-chave: solidariedade; inglês; matemática financeira; religião; educação. OS PRIMEIROS PASSOS... Vivemos em um mundo em que os avanços tecnológicos nos conectam em segundos com outros seres da mesma espécie, em que as relações se estabelecem muitas vezes, de forma superficial e efêmera, mas veloz. Todo esse imediatismo do homem, em especial do jovem atual, o conduz a um consumismo exacerbado e a um experienciar de situações voltadas apenas para a sua satisfação individual. A coletividade, melhor dizendo, as pessoas com as quais interage, possuem pouca ou até nenhuma representatividade, em meio a tantas informações que o impregnam no seu tempo e no seu espaço. Nós todos somos iguais na diversidade. Temos desejos, sonhos e voz. Necessitamos ser ouvidos e que nossas histórias de vida sensibilizem a todos. Ao nos fecharmos em nós mesmos, deixamos de perceber o outro, com tudo que possui de enriquecedor, na sua constituição singular em meio a tanta diversidade e pluralidade. Assim, a partir de uma proposta feita pela Escola em que trabalhamos, passamos a imaginar formas de provocarmos mudanças de paradigmas em nossos educandos e construirmos com eles, um trabalho mais humanizado. Somos professoras há alguns bons anos e lecionamos diferentes disciplinas em uma Escola da rede privada da cidade de Juiz de Fora, no Estado de Minas Gerais. A referida Escola prima por preocupar-se com a construção do conhecimento de seus alunos o que a coloca em posição de destaque em nossa cidade. No entanto, sua meta enquanto instituição educacional vai muito além de participar de um processo informativo de qualidade. Sua

2 postura voltada para os valores cristãos, a faz envolver-se e nos envolver em projetos responsáveis pela formação integral de seu aluno. Busca conduzi-lo à sensibilização em favor do seu próximo e, por conseguinte, levá-lo a participar de atividades elaboradas não só para beneficiar única e exclusivamente si próprio, mas o outro. O QUE CONQUISTAR... Os objetivos aqui propostos estão vinculados às três disciplinas envolvidas no projeto. Como objetivo geral, os alunos deverão produzir objetos interessantes e próprios para o uso, que serão doados a pessoas mais necessitadas. Como objetivos específicos, os alunos deverão: customizar objetos que estão em desuso em suas casas; apresentar os materiais e os produtos finais em inglês; listar os gastos com a compra do material para a customização; identificar que através da customização, conceitos como economia e finanças podem ser redimensionados; calcular o preço final dos produtos, após customização, simulando a comercialização dos mesmos; trabalhar conceitos de custo e lucro; desenvolver valores relacionados à solidariedade, sustentabilidade, economia doméstica, dignidade e respeito ao próximo. O QUE NOS INQUIETA... A partir de uma solicitação feita pela Escola de que trabalhássemos em nossas disciplinas o servir ao próximo como conteúdo vinculado ao tema da Campanha da Fraternidade de 2015, as professoras de inglês, matemática financeira e religião se mobilizaram e, em equipe, construíram o projeto multidisciplinar intitulado Transformando para Servir, que em inglês recebeu o título Transforming to Serve e apresentou a seguinte questão: De que maneira os conceitos matemáticos e o estudo de inglês podem possibilitar a ressignificação de valores pessoais relacionados à solidariedade, ao respeito, à dignidade, à economia doméstica e à sustentabilidade, em benefício do meio ambiente e do nosso próximo? O QUE NOS GUIA... Para desenvolvermos a presente pesquisa fez-se necessário definirmos a metodologia a ser seguida. Em função dos objetivos que intencionamos alcançar, nossa opção foi a realização de uma pesquisa com Abordagem Qualitativa por ser aquela cujas estratégias de pesquisa privilegiam a compreensão dos sentidos dos acontecimentos sociais, não se reduzindo à explicação com base apenas nas relações de causa e efeito. A pesquisa qualitativa representa uma forma de investigação do material teórico coletado, ou seja, dos conteúdos fornecidos pelos autores que alicerçam nosso conhecimento e ideias. Ao nos dedicarmos a uma investigação qualitativa, preocupamo-nos em ser bastante éticas, o que é, por assim dizer, uma exigência metodológica, pois: Mulheres e homens, seres histórico-sociais, nos tornamos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo isso, nos fizemos seres éticos. Só somos porque estamos sendo. Estar sendo é a condição, entre nós, para ser. Não é possível pensar em seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar

3 longe ou, ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens, é uma transgressão. É por isso que transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador. (FREIRE, 2013, 34) Nossa postura ética possibilitou que os resultados obtidos fossem autênticos, fator esse, que assegurou a fidedignidade do nosso trabalho. Consideramos pertinente também nos valermos do estudo no/do/com o cotidiano em termos de abordagem metodológica, por ele estar relacionado ao movimento de pesquisas no âmbito educacional. Assim, Pesquisar o cotidiano escolar é, assim, um trabalho de busca de compreensão das táticas e usos que os professores desenvolvem no seu fazer pedagógico, penetrando astuciosamente e de modo peculiar, a cada momento, no espaço do poder. Abdicando da busca de ver a totalidade - objeto e paradigma de uma ciência que traz, embutido em si mesma, um necessário esquecimento e desconhecimento das práticas cotidianas complexas, plurais, diversas - esta metodologia de pesquisa pretende assumir a complexidade das práticas ou suas trajetórias, ações, corpo e alma, redes de fazeres em permanente movimento. (OLIVEIRA, 2002, 49) Esse estudo apresenta, revela, desvenda uma subjetividade oculta ou por vezes não vista. Os sentimentos que nos movem, nossas formas de agir, nossas intenções e nossas expectativas de mudanças são tecidas no cotidiano escolar, nunca fora dele. A pesquisa no/do/com o cotidiano nos conduz à busca de humanização de nossos conhecimentos. Seguindo essa linha de raciocínio, nada mais viável que nossa pesquisa tenha sido realizada no tempo e no espaço vivenciado todos os dias, que é por assim dizer, o cotidiano de nossa escola. Nele, podemos refletir, discutir, concordar e discordar, pensar e repensar teorias e práticas e dessa forma, vivenciar criticamente situações criativas e enriquecedoras. A partir de uma solicitação feita pela direção da escola, de que realizássemos atividades envolvendo o tema gerador da Campanha da Fraternidade de 2015, intitulado Eu vim para servir, nós, professoras do nono ano, nos inquietamos acerca de que caminhos seguir, para desenvolvermos em nossas disciplinas, ações que contemplassem, de forma significativa, situações de solidariedade, respeito, dignidade e muito mais. Dessa forma: Com o tema Fraternidade: Igreja e Sociedade e lema Eu vim para servir (cf. Mc 10,45), a Campanha da Fraternidade (CF) 2015 buscará recordar a vocação e missão de todo cristão e das comunidades de fé, a partir do diálogo e colaboração entre Igreja e Sociedade, propostos pelo Concílio Ecumênico Vaticano II. O texto base utilizado para auxiliar nas atividades da CF 2015 já está disponível nas Edições CNBB. O documento reflete a dimensão da vida em sociedade que se baseia na convivência coletiva, com leis e normas de condutas, organizada por critérios e, principalmente com entidades que cuidam do bem-estar daqueles que convivem. (CAMPANHA DA FRATERNIDADE, 2015)

4 Depois de muitas reflexões e discussões, tivemos a ideia de pedir aos alunos que trouxessem de suas casas, objetos que não estavam sendo mais usados, porém se fossem customizados, seriam úteis e interessantes, novamente, como se fossem novos. A professora de religião encarregou-se de sensibilizar os alunos em benefício do outro, a quem os objetos customizados seriam destinados. Ela apresentou justificativas em prol da solidariedade, do acolhimento, da importância do servir ao próximo. Mostrou que somos seres que vivemos em sociedade e que necessitamos interagir, dialogar com os demais seres, eliminando o individualismo, o consumismo e até o egoísmo. Após a conscientização dos alunos feita pela professora de religião, a professora de inglês deu início à customização dos objetos trazidos para a escola. Para darmos início à transformação, necessitamos de alguns itens que foram adquiridos através de compra ou doação, tais como: botões, rendas, tintas, tecidos, cola para serem usados em inúmeros cadernos, camisas, porta-lápis, tênis, caixas de madeira e muito mais. Esses itens foram listados em inglês e os objetos finais, após a transformação também foram descritos em inglês, em apresentações orais realizadas em grupo, de acordo com os produtos finalizados. Essas apresentações contaram, por assim dizer, com língua inglesa manifestada através da linguagem, visto que esta última está mais próxima da ação. Então, Essa orientação da palavra em função do interlocutor tem uma importância muito grande. Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra se apoia sobre seu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor. (BAKHTIN,1999, 113) A culminância do projeto se deu com a professora de matemática financeira que trabalhou o preço dos itens e dos objetos antes e depois da customização. Dessa forma, conceitos relativos a custo, economia doméstica e lucro foram trabalhados, levando os alunos a refletir a respeito de valores em benefício da coletividade. A professora enfatizou a preocupação com o desperdício, o consumismo e a sustentabilidade, visto que esta última é uma decorrência dessas medidas protetoras do meio ambiente. Como nos mostra Ligocki: O dinheiro faz parte da nossa vida, e desenvolver a inteligência financeira das pessoas permite que usufruam do dia a dia, valorizem as coisas realmente importantes, superem desafios financeiros e aproveitem oportunidades com mais segurança e conforto ao longo da vida, possibilitando ainda, independência financeira a partir de atitudes simples e conscientes. (LIGOCKI, 2013, 5) Habitamos um tempo e um espaço controlado pelo dinheiro. Quanto mais soubermos lidar com as nossas necessidades e com as transações financeiras de forma inteligente, mais eficiente será o seu uso e melhor será a relação estabelecida com a sociedade de consumo. AO FINDAR ESSA CAMINHADA...

5 Nosso projeto pode ser considerado vitorioso, visto que os objetivos por ele propostos foram alcançados. Mais do que isso, recebeu destaque em nossa escola e ainda em nossa cidade. Foi matéria de um noticiário local, o qual pode ser assistido no site da globo Acreditamos que propostas simples, realizadas com amor e vontade podem ser transformadoras e enriquecedoras. Referências OLIVEIRA, I. Certeau e as artes de fazer: as noções de uso, tática e trajetória na pesquisa em educação. In: OLIVEIRA, I; ALVES, N. Pesquisa no/do cotidiano das escolas sobre redes de saberes. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, CAMPANHA DA FRATERNIDADE. Disponível em: fraternidade.html. Acesso em: 21 de Maio LIGOCKI, C. Educação financeira na escola: 9º ano Brasília: OMNI3, 2013.