CARTOGRAFIA TÁTIL E MAPAVOX: UMA EXPERIÊNCIA DE EXTENSÃO QUE DEU CERTO
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- Júlio César Marques Nobre
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1 CARTOGRAFIA TÁTIL E MAPAVOX: UMA EXPERIÊNCIA DE EXTENSÃO QUE DEU CERTO Thiago Bastelli GRAMASCO, Maria Isabel de FREITAS Thyago_gaucho@hotmail.com, ifreitas@rc.unesp.br Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) Rio Claro-SP Introdução Desde o início da década de 2000 temos desenvolvido estudos para o Projeto Cartografia Tátil e Mapavox: Uma alternativa para a construção de mapas táteis e jogos, no Centro de Análise e Planejamento Ambiental (CEAPLA - foi criado em 1989 como uma Unidade Auxiliar do Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE) da UNESP, Câmpus de Rio Claro SP) no IGCE / UNESP Rio Claro SP, Brasil. No ano de 2014 nós trabalhamos em parceria com o Centro Municipal de Serviço para Cegos de Rio Claro (CMAC), que lida com a reabilitação de cegos e pessoas com baixa visão. O objetivo deste artigo é apresentar experiências didáticas em Cartografia Tátil, incluindo a preparação de material cartográfico, atividades práticas de Geografia e sua aplicação nas aulas, a fim de estimular a participação de pessoas com deficiência visual. O fato de que as questões relativas à ordenação espacial, direta ou indiretamente, envolvem a todos os seres humanos, sejam eles pessoas com deficiência ou não, infelizmente, repercute na prática de maneira desigual e segregada. Devido a pouca disponibilidade de referenciais bibliográficos e de materiais sobre o ensino de Geografia com pessoas portadoras de deficiência visual, a percepção do cego perante o mundo que o cerca torna-se restrita. Nessa perspectiva, o principal objetivo deste projeto de extensão e, por conseguinte, do presente artigo, é desenvolver, divulgar e aplicar materiais didáticos capazes de incluir pessoas com deficiência visual (cegos e indivíduos com baixa visão) no processo ensino-aprendizagem da ciência geográfica, desenvolvendo nos participantes a compreensão do espaço e introduzindo as noções básicas do alfabeto geográfico de localização e orientação, adequando-as às condições especiais dos alunos. Entre as oito atividades educacionais realizadas quinzenalmente no CMAC, duas delas são apresentadas neste artigo, ou seja, os resultados relativos a construção da maquete do Lago Azul e a aplicação de uma prática de desenhos com figuras geométricas. Entre as considerações finais, destacaremos o valor de representações cartográficas, como modelos táteis, relativa a temas atraentes para estimular a aprendizagem em Geografia das pessoas com deficiência visual. Metodologia Os procedimentos metodológicos que nortearam o projeto e o desenvolvimento das maquetes têm como base a perspectiva não comparativa de resultados, ou seja, os resultados obtidos são avaliados a partir da própria cegueira, buscando deixar de lado o visuocentrismo; portanto, buscaram-se adequar as práticas metodológicas e as maquetes táteis do ponto de vista crítico dos próprios indivíduos com deficiência visual (FREITAS, 2013). O projeto desenvolvido considera a elaboração de materiais e procedimentos didáticos que promovam a inclusão de pessoas com deficiência visual focado na
2 metodologia qualitativa, com base em teorias sobre o objeto de estudo, principalmente em Huerta et al. (1993), Amiralian (1997), Caiado (2006), Ventorini (2009), que consideram a perspectiva de mobilidade e orientação para cegos de extrema relevância, principalmente na área de sua/seu espaço de vida e na assimilação de conceitos de aprendizagem escolar e compreensão do mundo. A produção de maquetes táteis, tendo como referência as bases teóricas da cartografia sistemática, temática e semiologia gráfica, possibilita o entendimento do espaço e beneficia a interação social por parte dos indivíduos cegos e de baixa visão, através do manuseio dos objetos que às compõem (FREITAS & VENTORINI, 2011). O tato, principal sentido utilizado pelas pessoas com deficiência visual, oferece um grande número de informações sobre o mundo e, no caso dos indivíduos cegos, trata-se da principal forma de percepção do espaço. No entanto, devido à dificuldade em ter acesso a material cartográfico que represente a amplitude altimétrica da área representada na maquete, percebemos que a dificuldade em localizar-se a partir do posicionamento dos objetos foi significativa e acentuada, principalmente para os indivíduos cegos. Ventorini (2007, p. 62) destaca que: Para as representações de distâncias devem-se considerar dois tipos: euclidiana e funciona. A distância funcional corresponde a real, aquela efetivamente percorrida para chegar de um ponto a outro. Neste sentido, esta distância envolve o deslocamento do corpo, considerando o tempo e os desvios mínimos necessários para se chegar de um ponto ao outro [...]. Geometricamente é como percorrer a menor distância sobre as quadriculas que formam as ruas de uma cidade planejada. Já a distância euclidiana corresponde a menor distância entre dois pontos, desconsiderando os obstáculos entre eles (VENTORINI, 2007, p. 62). Na maquete do Lago Azul, por exemplo, foi representada apenas a distância euclidiana entre um objeto e outro, trabalhando-se com a hipótese que durante a avaliação da maquete pelos próprios indivíduos cegos, estes teriam dificuldades para reconhecer a área devido à ausência da representação da distância funcional. Desta forma, visando o desenvolvimento de temas relacionados à ciência geográfica, as contribuições de Ventorini (2009), Freitas et al. (2006), Freitas & Ventorini (2011) e Freitas (2013) foram utilizados como uma base. Tais autores apresentam os procedimentos para a elaboração de materiais didáticos táteis, considerando-os como instrumentos de facilitação de ensino e aprendizagem. Resultados e discussões Para Carmo (2009), a Cartografia Tátil pode ser definida como a ciência, a arte e a técnica de transpor uma informação visual de tal maneira que resulte em um documento que possa ser utilizado por alunos com deficiência visual. Ventorini & Freitas (2011) destacam que a Cartografia Tátil é uma área especifica da Cartografia e tem como objetivo principal o estudo de procedimentos teórico-metodológicos para elaboração e utilização de documentos cartográficos táteis. Ventorini (2007) ressalta que a primeira experiência com desenho de mapas táteis foi realizada em 1837, nos Estados Unidos, onde Samuel Gridley publicou um Atlas Tátil. A autora afirma ainda que no Brasil a primeira tese de doutorado na temática foi defendida por Vasconcellos (1993), intitulada Cartografia e o Deficiente Visual: uma avaliação das etapas e uso do mapa. Este trabalho teve suma importância na divulgação
3 da Cartografia Tátil no Brasil, estimulando outros pesquisadores a iniciarem estudos na temática. Segundo os autores tidos como base da temática, para a elaboração de materiais táteis é necessário levar em conta três importantes características dos objetos que serão explorados com o tato que são: Textura, Tamanho e Forma. No caso da Textura são necessários que os materiais sejam macios, felpudos, emborrachados ou aveludados, possibilitando conforto e estimulo exploratório. O Tamanho dos objetos (maquetes, mapas) é fundamental para que o aluno tenha a noção do todo sem perder os detalhes. Para tanto, é preciso que os materiais estejam ao alcance de ambas as mãos quando da sua exploração. O cuidado com a Forma também é fundamental e na elaboração dos materiais devemos cuidar para que não sejam tão complexas a ponto de desestimular sua exploração (FREITAS, 2013). Nesse sentido devemos evitar objetos com diversas repartições, pontiagudos, com muitas peças distintas juntas, dentre outros. Portanto, para o objeto ser adequado à exploração deve conter textura, forma e tamanho adequado, pois, qualquer alteração nestas características pode atrapalhar e inibir o tato. A escolha dos materiais capazes de representar os objetos contidos nos ambientes, certamente, tenha sido a tarefa mais difícil (ver figura 1): Figura 1 - Fonte: Freitas. I. M. detalhe dos objetos contidos na maquete do Lago Azul. Todas as atividades desenvolvidas, incluindo as duas que compõem o presente artigo, só foi possível graças à parceria com o CMAC. De acordo com a Prefeitura Municipal de Rio Claro o Centro Municipal de Atendimento ao Deficiente Visual objetiva a reabilitação de pessoas cegas e de baixa visão, adultos, de ambos os sexos. A linha de trabalho seguida pela entidade é a Humanista, em que todo o processo é centrado na relação terapêutica tornando a relação o instrumento de trabalho principal. A organização é mantida pela Prefeitura de Rio Claro; atende, atualmente, aproximadamente 24 pessoas com deficiência visual, oferecendo alfabetização em Braille, treinamento de locomoção de bengala, biblioteca Braille escrita e falada, apoio
4 psicológico, música, equoterapia, educação física, vários cursos a fim de reabilitar e profissionalizar (site oficial: As atividades desempenhadas no Centro Municipal de Atendimento ao Cego do Município de Rio Claro (CMAC) proporcionaram o contato direto das pessoas com deficiência visual com os conjuntos táteis elaborados, maior socialização das ideias, aprimoramento do processo ensino-aprendizagem e grande satisfação por estarmos contribuindo com o bem estar daquelas pessoas, direta ou indiretamente. Dentre as oito atividades, como mencionado anteriormente, iremos nos atentar em duas: Maquete/ Lago Azul - Com o auxilio da maquete tátil do Lago Azul, explicamos sua importância ambiental e cultural para a cidade de Rio Claro-SP (ver figura 2): Figura 2 - Fonte: Freitas. I. M. maquete tátil do Lago Azul. A interação dos integrantes com a maquete contribuiu para que aprimorassem suas percepções espaciais, sem falar na avaliação que os próprios indivíduos fazem ao manusear o material, que nos ajuda a desenvolver outros materiais mais eficazes. O Lago Azul foi criado em 1971, com o objetivo de escoar as águas provenientes dos bairros vizinhos; atualmente é uma área de utilidade pública para fins paisagísticos, culturais, recreativos e ambientais (ver figura 3):
5 Figura 3 Fonte: Freitas I. M. interação com a maquete. Formas Geométricas - Com o auxilio de formas geométricas planas como triângulo, quadrado, retângulo, circulo, e tridimensionais como cubo, pirâmide, esfera e outros quadriláteros, foi possível explicarmos a relação do nosso cotidiano e as formas geométricas (ver figura 4): Figura 4 Fonte: Freitas. I. M. manuseio das formas geométricas Posteriormente, com o auxilio das pranchetas adaptadas para pessoas com deficiência visual, os integrantes do CMAC desenharam todas as formas geométricas, uns demonstrando maior facilidade, outros com o auxilio dos estagiários (ver figura 5):
6 Figura 5 Fonte: Freitas. I. M. desenhos de formas geométricas na prancheta adaptada. Conclusões Como conclusões do documento e, não menos importante, da prática desenvolvida, destacam-se: a) maquetes e modelos táteis são materiais fundamentais para a estimulação da aprendizagem por pessoas com deficiência visual; b) O tamanho destes modelos deve ser propicio para segurar com as duas mãos. No entanto, os modelos elaborados com diferentes texturas em áreas maiores são mais adequados ainda, propiciando o diferenciar das texturas; c) A experiência na compreensão das verdadeiras dimensões do Lago Azul indica como as pessoas cegas precisam dos dados espaciais de referência do seu próprio corpo ou de seus ambientes de vida diária para compreender a escala de objetos; d) apresentações orais longas não são recomendadas para ser realizado com grupos de heterogênea formação educacional, como no caso dos participantes da pesquisa. É mais apropriado para trabalhar com conceitos simples, bem explicado, associados à sua vida cotidiana. Agradecimentos Agradecemos primeiramente a Pró-Reitoria (PROEX), por financiar nosso projeto; bem como o CEAPLA / UNESP e os profissionais e coordenadores do CMAC por nos dar as condições e parceria para a realização deste estudo. Referências Bibliográficas
7 Amiralian, MLTM (1997) Compreendendo o cego: Uma Visão Psicanalítica de da Cegueira POR Meio de Desenhos-estórias. São Paulo: Casa do Psicólogo. Caiado, KRM (2006) Aluno deficiente visuais na Escola: Lembranças e Depoimentos. Campinas: Autores Associados. CARMO, W. R. Cartografia tátil escolar: experiências com a construção de materiais didáticos e com a formação continuada de professores. Dissertação (Mestrado em Geografia ) Departamento de Geografia -FFLCH, USP Freitas, MIC; Ventorini, SE; Rios, C.; Araújo, THB (2006) Os Desafios da Formação Continuada de Professores visando à Inclusão de Alunos com Necessidades Especiais. Revista Ciência em Extensão. v.3, n.1: Freitas, MIC (2013) Cartografia Integração do Conhecimento na Escola: Experiências em Cartografia Escolar no Brasil. In: 'Knowledge Sharing' Joint Symposium ICA, 2013, Dresden, Alemanha. Proceedings of Sharing Knowledge Joint Symposium ICA. Budapeste, Hungria: Associação Cartográfica Internacional (ICA); Eötvös Loránd University. v. 1: Freitas, MIC; Ventorini, SE (Org.). (2011) Cartografia Tátil: Orientação e Mobilidade Às PESSOAS com Deficiência visual. 1. ed. Jundiaí: PACO Editora. Gadotti, A.; Alves, Juízes (2014) Introdução Aspectos Físicos AOS e Sociais do Desenvolvimento do Pão de Açúcar e Bairro da Urca. Relatório do Trabalho final da Disciplina Cartografia Escolar e Inclusiva. 18p. Huerta; JA; Ochaíta, E.; Espinosa, MA (1993) Mobilidade y Conocimiento Espacial en ausencia de la Vision. Em Rosa, A.; Ochaíta, E. (Org). Psicologia de la Cegueira. Madrid: Alianza Editorial. Ventorini, SE (2009) A Como Fator Determinante Experiência na Representação espacial da Pessoa com Deficiência visual. São Paulo: Editora UNESP. VENTORINI, S. E. A experiência como fator determinante na representação espacial do deficiente visual. 2007, v. 2. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2007.
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