INICIAÇÃO CARTOGRÁFICA NO 1º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

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1 INICIAÇÃO CARTOGRÁFICA NO 1º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Ismail Barra Nova de Melo UFSCar, Eliane Pimentel Camillo B. N. Melo UFSCar, INTRODUÇÃO A Cartografia Escolar enquanto linha de pesquisa está consolidada no Brasil. No entanto, desde o diagnóstico feito por Oliveira (1977) referente as distorções do uso de mapas de adultos para crianças, enfatizando naquele momento a necessidade de uma Cartografia Infantil, muitos avanços podem ser constatados nas pesquisas, na formação inicial, na formação continuada e também nos livros didáticos, porém, ainda há um longo caminho a ser percorrido no ambiente escolar, principalmente nas séries iniciais. As atividades vinculadas à Cartografia Escolar estão relacionadas ao saber cartográfico ensinado, ou seja, aquele que está diretamente relacionado as práticas pedagógicas que ocorrem no ambiente escolar. Portanto, o mapa e demais representações cartográficas devem estar adequados para o ensino a quem se destina. Por outro lado, o aluno deve ser preparado para a sua leitura e interpretação. Esta preparação não ocorre de uma única vez, ao contrário, envolve muitas atividades que devem ocorrer ao longo do período escolar, pois: [...] historicamente, levou milhares de anos para levantar a questão da forma da Terra e estudar os problemas concernentes à projeção em um plano. Também o indivíduo, psicologicamente, necessita de vários anos para compreender o problema e chegar às suas soluções (OLIVEIRA, 1978, p. 35). Quando se leva em consideração o desenvolvimento cognitivo do aluno, as atividades, bem como os produtos, devem estar em sintonia com a sua faixa etária, suas

2 necessidades de acordo com o seu domínio espacial, principalmente nas primeiras séries do Ensino Fundamental (MELO, 2007). Levar em consideração o desenvolvimento cognitivo, em termos de construção do espaço, parece-nos algo relevante na interpretação da Cartografia Escolar e como ponto de partida na escolha das atividades em relação ao saber cartográfico ensinado (MELO, 2007). O mapa destinado ao ensino, sem as devidas considerações com o aluno, não é garantia de sucesso para o saber cartográfico ensinado (MELO, 2007). Temos sempre que ressaltar que o mapa é [...] um engenho feito por adulto e destinado aos adultos; que o mapa foi sempre concebido e executado segundo processos altamente sofisticados [...](OLIVEIRA, 1978, p. 17). Por isso, levar em consideração os fundamentos da construção do espaço pela criança no ensino e na aprendizagem é algo indispensável na iniciação cartográfica, quer dizer, se [...] as relações espaciais topológicas são as primeiras a serem estabelecidas pela criança, tanto no plano perceptivo como no representativo; e é a partir das relações topológicas que serão elaboradas as relações projetivas e euclidianas (OLIVEIRA, 2007, p. 17). Isso significa que os primeiros mapas que as crianças devem aprender são os topológicos e não os euclidianos. As relações espaciais topológicas estão bem próximas dos desenhos das crianças, que em termos de convenção cartográfica se assemelha aos pictogramas, em que se observa o ponto de vista frontal dos objetos e não há uma coordenação de ponto de vista e, muitas vezes, sem proporcionalidade. A passagem do ponto de vista frontal para o vertical deve ocorrer mediante atividades, pois, no cotidiano, estamos acostumados a ver: [...] as irregularidades da superfície terrestre do nível correspondente ao solo, e quando vamos interpretar um mapa vemos essas mesmas irregularidades representadas de um ponto de vista vertical, como se estivéssemos em um avião, observando diretamente, de cima para baixo, a paisagem (OLIVEIRA, 1978, p. 35). A iniciação cartográfica pode ser trabalhada desde as séries iniciais com atividades que permitam aos alunos mais tarde ter conhecimentos suficientes para realizar a leitura e interpretação do mapa, pois num [...] trabalho de iniciação

3 cartográfica, o fim de toda atividade realizada é chegar ao conceito de mapa [...] (ALMEIDA, 2001a, p.10, grifo da autora). As atividades que visam à iniciação cartográfica partem do nível simples para níveis mais complexos, do concreto para o abstrato (OLIVEIRA, 1978, 1985; ALMEIDA, 1994; SIMIELLI, 1996). Portanto, as atividades que compõem a iniciação cartográfica dizem respeito àquelas que trabalham com noções de referenciais de localização, escala, projeção e simbologia (ALMEIDA, 2001c). Cabe ressaltar, porém, que as atividades para a iniciação cartográfica não se resumem em realizar contornos de mapas ou de colori-los, mas em: [...] fazer o mapa para que, acompanhando metodologicamente cada passo do processo reduzir proporcionalmente, estabelecer um sistema de signos ordenados, obedecer um sistema de projeções para que haja coordenação de pontos de vista (descentralização espacial) -, familiarize-se com a linguagem cartográfica (ALMEIDA; PASSINI, 2000, p. 22). No entanto, a familiarização da linguagem cartográfica não se desvincula do ensino e aprendizagem do espaço geográfico, quer dizer, toda e qualquer atividade cartográfica deve ser feita por meio da problematização no qual o aluno está inserido. Neste contexto, o aluno assume o papel de mapeador, no qual deve registrar o que considera importante a partir de sua visão, do seu espaço vivido e dos valores atribuídos a esse espaço. Esse mapeamento deve ser entendido como processo (SEEMANN, 2002). Entendemos que o mapeamento deve ocorrer no âmbito do lugar, entendido como o meio no qual os alunos tem algum vínculo, que faz parte da sua realidade, pois compreender o [...] lugar em que vive, permite ao sujeito conhecer a sua história e conseguir entender as coisas que ali acontecem (CALLAI, 2002, p. 84). OBJETIVOS Elaborar atividades que permitam a construção de noções e conceitos referentes ao domínio espacial dos alunos do 1º ano do Ensino Fundamental relacionados ao seu ambiente escolar e entorno.

4 METODOLOGIAS A primeira atividade realizada com os alunos foi o diagnóstico para identificar o domínio espacial dos mesmos. Para esta avaliação foi solicitado que os alunos desenhassem a sala de aula com todos os objetos: carteiras, mesas e armários. Esta avaliação serve como parâmetro para verificar o avanço da turma ao final das atividades. Foi aplicado também um questionário junto aos pais com o intuito de realizar uma caracterização das famílias, bem como compreender os principais problemas que ocorrem no bairro no qual a escola está inserida. Após a identificação dos principais problemas, foi eleito o tema principal, de acordo com a opinião dos pais, que afeta de forma significativa o bairro. O problema principal foi a questão dos resíduos sólidos espalhados pelo bairro. Frente a este problema, foi desenvolvido um roteiro do estudo do meio no qual o tema passou a ser estudado. A iniciação cartográfica, portanto, está vinculada a este estudo do lugar. Já foi aplicado, até o momento, atividades para identificar os diferentes pontos de vista: frontal, vertical e obliquo. Nesta atividade foram usados os objetos vinculados a reciclagem, visto que se está associando a iniciação cartográfica ao estudo do meio de forma problematizadora. Foi mostrado para as crianças, por meio de fotos na lousa digital, como fica cada visão de alguns objetos, em seguida, cada criança escolheu um objeto e visualizou e desenhou cada visão. As atividades de iniciação cartográfica adotadas estão de acordo com Almeida (2001b) em seu livro Do desenho ao mapa, iniciação cartográfica na escola, no qual fornece fundamentos de como se interpretar os desenhos das crianças e identificar a fase em que elas se encontram. Apresenta, também, atividades de iniciação cartográfica, mapa do corpo, localização e orientação, exploração da maquete, projeção no plano, que contribuem com uma formação cartográfica dos educandos de forma gradativa e participativa. Compara como se dá a localização, a redução proporcional, a projeção e a simbologia no desenho do espaço e no mapa. Chama a atenção que as atividades propostas não possuem um significado em si mesmas, por isso, o professor deve saber os porquês das atividades. Para facilitar esse entendimento de cada atividade, apresenta um quadro com as atividades e os conhecimentos relativos à representação do espaço. Outra referência para a iniciação cartográfica são as atividades propostas por Simielli (2007), que englobam visão oblíqua e visão vertical, imagem tridimensional e imagem bidimensional, alfabeto cartográfico, construção de legenda, proporção e escala, lateralidade, referências e orientação espacial. RESULTADOS PRELIMINARES

5 O problema principal verificado no bairro, segundo os pais, é a questão dos resíduos sólidos espalhados por todos os lugares. Diante desta constatação foi elaborado um projeto de estudo do meio para problematizar as discussões. A iniciação cartográfica, portanto, está alinhando suas atividades com este projeto em andamento. O primeiro ano tem 25 alunos, participaram desta atividade 20 alunos, 5 faltaram. A distribuição de idades dos participantes compõe: 6 anos e 6 meses, 6 alunos; 6 anos e 11 meses, 12 alunos; 7 anos e 1 mês, 2 alunos. Os resultados obtidos com a aplicação do desenho livre da sala de aula, com base na literatura e considerando o desenvolvimento cognitivo, os desenhos foram agrupados em três categorias: a) representações topológicas de transição, ou seja, desenho em que se caracteriza pelo não reconhecimento dos objetos representados, predominando os rabiscos e poucas formas, típico da incapacidade sintética, conforme pode ser observado na Fig. 1; b) representações tipicamente topológicas, caracterizando-se pelo isolamento dos objetos, os objetos não guardam uma posição real, possui várias perspectivas, apresenta rebatimento e os objetos aparecem sobre um plano que não é o chão, típico do realismo intelectual, conforme pode ser observado na Fig. 2; c) representações com início de relações projetivas e euclidianas, que apresentam localização correta dos objetos, há diferentes perspectivas, possui rebatimento e guarda certa proporcionalidade entre os objetos, possuem traços do realismo visual, conforme pode ser observado na Fig.3. Resultados: representações topológicas de transição, 2 (10%); representações tipicamente topológicas, 11 (55%); representações com início de relações projetivas e euclidianas, 7 (35%). Fig. 1. Representação topológica de transição 1

6 1 Todos os desenhos forma posicionando na horizontal para aproveitamento de espaço, no qual a lousa está a direita. A melhor visualização é na vertical. Fig. 2. Representação tipicamente topológica Fig. 3. Representação com início de relações projetivas e euclidianas

7 As atividades para verificar as diferentes visões proporcionou aos alunos a experiência de manipular objetos que foram selecionados para a reciclagem. Cada um dos 20 alunos realizou as três visões: frontal, obliqua e vertical, além de registrarem cada visão em forma de desenho. A Fig. 4, mostra a visão frontal do aluno, foto, em relação ao objeto e o seu desenho. As figuras 5 e 6 mostram as visões vertical e obliqua, respectivamente. Fig. 4. Foto da vista frontal do objeto e o desenho da mesma vista

8 Fig. 5. Foto da vista vertical do objeto e o desenho da mesma vista Fig. 6. Foto da vista obliqua e o desenho da mesma vista

9 Verificou-se por meio da primeira atividade que os alunos estão dentro do desenvolvimento cognitivo esperado, quer dizer, relações espaciais topológicas, alguns mais avançados outros menos, o que é perfeitamente normal. Ressalta-se que a idade não é o único fator que explica as diferenças entre os alunos em relação ao domínio espacial, deve-se considerar o ambiente familiar e as atividades escolares anteriores e atuais. A sequência das atividades de iniciação cartográfica, vinculadas ao estudo do meio, deve proporcionar ao final do ano um avanço significativo no domínio da representação cartográfica aos alunos. Tais atividades não devem estar desvinculadas com a prática pedagógica do professor e muito menos ser algo pontual. Entendemos que cartografia, enquanto linguagem, tem um papel importante a desempenhar na formação do cidadão, pois, conforme nos lembra Lacoste (1997, p. 55), muito se aprende na escola, como ler, escrever e a contar, e ele indaga porque não aprender a ler uma carta. Por que não para compreender a diferença entre uma carta em grande escala e uma outra em pequena escala e perceber que não há nisso apenas uma diferença de relação matemática da realidade, mas que elas não mostram as mesmas coisas? BILBIOGRAFIA ALMEIDA, R. D. de. Uma proposta metodológica para o ensino de mapas geográficos. 1994, 289 f. Tese (Doutorado em Educação) Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, Atlas municipais escolares: integrando universidade e escola por meio de uma pesquisa em colaboração. 2001a Tese (Livre Docência em Educação) Faculdade de Educação, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro: UNESP, 2001a.. Do desenho ao mapa: iniciação cartográfica na escola. São Paulo: Contexto, 2001b.

10 . Os colóquios e a área de estudos em cartografia para escolares. In: COLÓQUIO DE CARTOGRAFIA PARA ESCOLARES, 4,. FÓRUM LATINOAMERICANO, 1,. 2001, Maringá. Anais... Maringá: DGE/Pós- Graduação/UEM, 2001c. p.5-6. ALMEIDA, R. D. de; PASSINI, E. Y. O espaço geográfico, ensino e representação: a importância da leitura de mapas o domínio espacial no contexto escolar propostas de atividades. São Paulo: Contexto, CALLAI, H. C. Projetos interdisciplinares e a formação do professor em serviço. In: PONTUSCHKA, N. N.; OLIVEIRA, A. U. (Org.). Geografia em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2002a. p LACOSTE, Y. A Geografia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. Tradução Maria Cecília França. Campinas: Papirus, MELO, I. B. N. de. Proposição de uma cartografia escolar no ensino superior f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, OLIVEIRA, L. Estudo metodológico e Cognitivo do mapa, 1977, Tese (Livre Docência) Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, Estudo metodológico e Cognitivo do mapa. São Paulo: USP, A construção da noção de descentração territorial por alunos do 1º grau. São Paulo, Orientação, Separata. Instituto de Geografia, Estudo metodológico e Cognitivo do mapa. In: ALMEIDA, R. D. Cartografia Escolar. São Paulo: Contexto, SEEMANN, J. Mapas e mapeamento como Geografia cultural em ação: convite à discussão. In: ENCONTRO NACIONAL DOS GEÓGRAFOS, XIII., João Pessoa. Anais... João Pessoa, ENG, SIMIELLI, M. E. R. Cartografia e ensino: proposta e contraponto de uma obra didática Tese (Livre Docência) - São Paulo: Universidade de São Paulo, O mapa como meio de comunicação e a alfabetização cartográfica. In: ALMEIDA, R. D. Cartografia Escolar. São Paulo: Contexto, 2007.

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