Mais Alguns Aspectos da Derivação Complexa META: Introduzir o conceito de funções holomorfas. OBJETIVOS: Ao fim da aula os alunos deverão ser capazes de: Definir funções holomorfas e determinar se uma dada função de variáveis complexas é holomorfa. PRÉ-REQUISITOS Aula03 de Variáveis Complexas e os conhecimentos básicos, da disciplina Cálculo II.
Mais Alguns Aspectos da Derivação Complexa.1 Introdução Caros alunos em nossa aula de hoje veremos mais alguns aspectos da derivação de funções complexas. Em particular funções holomorfas e mostraremos algumas funções holomorfas. Veremos também, a ligação de funções harmônicas com a derivação complexa. Para concluir veremos a forma polar das equações de Cauchy- Riemann..2 Funções Holomorfas Iniciaremos pela definição de função holomorfa. Definição.1. Sejam D C aberto, f : D C C uma função e z 0 D. Dizemos que f( ) é holomorfa em z 0 D se, somente se existe δ > 0 tal que f (z) existe para todo z B δ (z 0 ). e também, Definição.2. Sejam D C aberto e f : D C C uma função. Dizemos que f( ) é holomorfa em D se, somente se f (z) existe para todo z D. OBS.1. Para que uma função seja holomorfa em um ponto não é suficiente que seja derivável neste ponto. É necessário que seja derivável em uma vizinhança do ponto em questão. OBS.2. Dada uma função complexa f : D C C, z = x+yı, f(z) = u(x, y) + v(x, y)ı. Como z = x yı podemos escrever: x = z + z e y = z z. Dai, para f(z) temos: 2 2ı f(z) = u ( z + z 2, z z 2ı ) ( z + z + v 2, z z ) ı (.25) 2ı 5
Variáveis Complexas por outro lado, derivando as expressões para x e y em função de z e z temos: x z = 1/2 x z = 1/2ı y z = 1/2 i z = 1/2ı (.26) Derivando a equação.25 com relação a z, usando a regra da cadeia, as equações.26 e levando em conta que 1 = ı temos: ı x f(z) = z x z + ( y y z + x x z + ) y ı y z = 1 2 x 1 ( 1 2ı y + 2 x 1 ) ı 2ı y = 1 2 x + 1 2 y ı + 1 2 x ı 1 (.27) 2 y = 1 ( 2 x ) + 1 ( y 2 y + ) ı x Se f( ) for holomorfa satisfaz as equações de Cauchy-Riemann em todos os pontos de D i.e. x y = 0 e y + x = 0. Dai, da equação.27 concluímos que: se f( ) for holomorfa então f(z) = 0 em todo z D. Em outras palavras uma função é z holomorfa quando não depende de z. OBS.3. As equações de Cauchy-Riemann oferecem uma condição suficiente pa identificação de funções holomorfas i.e. se em f(z) = u(x, y) + v(x, y)ı, u(, ), v(, ) e suas derivadas são contínuas e satisfazem as equações de Cauchy-Riemann então f( ) é uma função holomorfa. Exemplo.1. A função f : C C dada por f(z) = z n, n N é uma função holomorfa. Senão vejamos: 55
Mais Alguns Aspectos da Derivação Complexa É fácil verificar que: z n z n 0 = (z z 0 )(z n 1 + z n 2 z 0 + + zz n 2 0 + z n 1 0 ) Dai, temos: z n z n 0 z z 0 = z n 1 + z n 2 z 0 + + zz0 n 2 + z0 n 1 Passando o limite z z 0 e usando a definição de derivada temos: f (z 0 ) = lim z z0 z n z n 0 z z 0 = lim (z n 1 + z n 2 z 0 + + zz n 2 z z0 0 + z0 n 1 ) = z0 n 1 + z0 n 2 z 0 + + z 0 z0 n 2 + z0 n 1 = z0 n 1 + z0 n 1 + + z0 n 1 + z0 n 1 }{{} n vezes = nz n 1 0 Daí, f(z) = z n é uma função holomorfa em C i.e. f (z) existe em todo o plano complexo. Por outro lado. z 2, z 0 Exemplo.2. A função f : C C dada por f(z) = z 0, z = 0 não é holomorfa em ponto nenhum de C. Pois, da observação acima temos: f z = 2 z z 0, z 0 Por outro lado no ponto z = 0 temos: f f(z) f(0) f(z) z 2 (0) = lim = lim = lim z 0 z 0 z 0 z z 0 z 2 Se a derivada existe em z = 0 ela terá que ser independente do caminho com que z 0. Vamos escolher três caminhos distintos: 56
Caminho 1: e z 0 equivale a x 0. Caminho 2: Variáveis Complexas ao longo do eixo real x. Daí, z = x + 0ı, z = x 0ı f z 2 (0) = lim z 0 z 2 = lim (x 0ı) 2 x 0 (x + 0ı) 2 = lim x 2 x 0 x 2 = 1 ao longo do eixo imaginário y. Daí, z = 0 + yı, z = 0 yı e z 0 equivale a y 0. f z 2 (0) = lim z 0 z 2 = lim (0 yı) 2 y 0 (0 + yı) 2 = lim y 2 x 0 y 2 = 1 Como a avaliação da derivada de f( ) no ponto zero seguindo os caminhos 1 e 3 são iguais temos que as equações de Cauchy- Riemann são satisfeitas em z = 0 pois, as equações de Cauchy- Riemann são obtidas de derivações seguindo os eixos real e imaginário. No entanto para o caminho 3 temos: Caminho 3: e z 0 equivale a x 0. ao longo da reta y = x. Daí, z = x + xı, z = x xı f z 2 (0) = lim z 0 z 2 = lim (x xı) 2 x 0 (x + xı) 2 = lim x(1 ı) 2 (1 ı)2 = x 0 x(1 + ı) 2 (1 + ı) 2 = 1 Vemos daí, que f( ) também não é derivável em z = 0. Vamos agora a mais uma definição. Definição.3. Seja f : C C uma função complexa. Dizemos que f é uma função inteira se holomorfa em todo C. OBS.. A função f(z) = z n, n N, conforme o exemplo acima é uma função inteira. Vamos encerrar esta seção com um teorema que será usado mais tarde. Teorema.1. Seja D C um aberto, f : D C C uma função holomorfa em D e z 0 D então: f(z) = f (z 0 )(z z 0 ) + η(z z 0 ) 57
Mais Alguns Aspectos da Derivação Complexa onde lim z z0 η = 0. PROVA: Definindo η por: η = f(z) f(z 0) z z 0 f (z 0) temos que: f(z) = f (z 0 )(z z 0 ) + η(z z 0 ) Por outro lado, como f( ) é holomorfa em D é, em particular, holomorfa em z 0 e: { } f(z) f(z0 ) lim η = lim f (z 0) = f (z 0 ) f (z 0 ) = 0 z z 0 z z0 z z 0.3 Forma Polar das Equações de Cauchy-Riemann Podemos expressar as equações de Cauchy-Riemann usando coordenadas polares (forma polar de números complexos). A saber: Teorema.2. As equações de Cauchy-Riemann, em coordenadas polares, são dadas por: r = 1 r θ r = 1 r θ (.28) PROVA: Em coordenadas polares temos: x = r cos(θ) e y = r sin(θ) e suas inversas: r = x 2 + y 2 e θ = tan 1 (y/x). derivando 58
temos: r x = r y = Variáveis Complexas x x 2 + y = r cos(θ) = cos(θ) 2 r y x 2 + y = r sin(θ) = sin(θ) 2 r θ x = x x 2 + y 2 = r cos(θ) r 2 θ y = y sin(θ) x 2 = r + y2 r 2 = cos(θ) r = sin(θ) r (.29) Usando a regra da cadeia para funções de duas variáveis reais e as equações eqn.29 para a função u(, ) temos: x = r r x + θ θ x = r cos(θ) + 1 r θ sin(θ) y = r r y + θ θ y = r sin(θ) + 1 r θ cos(θ) Do mesmo modo para a função v(, ) temos: (.30) x = r r x + θ θ x = r cos(θ) 1 r θ sin(θ) y = r r y + (.31) θ θ y = r sin(θ) + 1 r θ cos(θ) Da equação de Cauchy-Riemann x =, usando as equações y eqn.30.1 e eqn.31.2 temos: ( r 1 ) cos(θ) r θ ( r + 1 r ) sin(θ) = 0 (.32) θ Da mesma forma, da equação de Cauchy-Riemann y = x, usando as equações eqn.30.2 e eqn.31.1 temos: ( r 1 ) ( sin(θ) + r θ r + 1 ) cos(θ) = 0 (.33) r θ 59
Mais Alguns Aspectos da Derivação Complexa Fazendo o produto da equação eqn.32 por cos(θ) e da equação eqn.33 por sin(θ) e somando temos: r 1 r θ = 0 (.3) Fazendo o produto da equação eqn.32 por sin(θ) e da equação eqn.33 por cos(θ) e subtraindo temos: r + 1 r θ = 0 (.35) As equações eqn.3 e eqn.35 constituem-se a forma polar das equações de Cauchy-Riemann. OBS.5. Veremos aqui como derivar uma função complexa dada na forma polar. Seja f : D C C dada na forma polar: f(z) = f(r(cos(θ) + sin(θ)ı)) = u(r, θ) + v(r, θ)ı (.36) Derivando a equação eqn.36 com relação a r e usando em f( ) a regra da cadeia lembrando que (r(cos(θ) + sin(θ)ı)) = cos(θ) + r sin(θ)ı temos: f (r(cos(θ) + sin(θ)ı)).(cos(θ) + sin(θ)ı) = r (θ) + (r, θ)ı r Fazendo o produto da equação acima por cos(θ) sin(θ)ı e lembrando que (cos(θ) + sin(θ)ı).(cos(θ) sin(θ)ı) = 1 e cos(θ) sin(θ)ı = cos( θ) + sin( θ)ı temos: f (z) = (cos( θ) + sin( θ)ı). ( r ) (r, θ) + (r, θ)ı r (.37) Por outro lado, derivando a equação eqn.36 com relação a θ e usando em f( ) a regra da cadeia lembrando que θ (r(cos(θ) + sin(θ)ı)) = r( sin(θ) + cos(θ)ı) temos: f (r(cos(θ)+sin(θ)ı)).(r( sin(θ)+cos(θ)ı)) = (r, θ)+ (r, θ)ı θ θ 60
Variáveis Complexas Levando em conta que 1 = ı temos: r( sin(θ) + cos(θ)ı) = ı r(cos(θ) + sin(θ)ı).ı e a equação acima pode ser reescrita como: f (r(cos(θ) + sin(θ)ı)).(r(cos(θ) + sin(θ)ı))ı = (r, θ) + (r, θ)ı θ θ Fazendo o produto da equação acima por 1 (cos(θ) sin(θ)ı) e rı lembrando que (cos(θ) + sin(θ)ı).(cos(θ) sin(θ)ı) = 1 e cos(θ) sin(θ)ı = cos( θ) + sin( θ)ı temos: f (z) = 1 (cos( θ) + sin( θ)ı). rı ( θ ) (θ) + (r, θ)ı θ (.38). Funções Harmônicas Nesta seção veremos que as componentes de uma função complexa holomorfa são funções harmônicas. Começando pela definição Definição.. Seja u : D R 2 R uma função real. Dizemos que u(, ) é harmônica em D se, somente se suas derivadas parciais de primeira e segunda ordem são contínuas em D e satisfazem: 2 u x 2 + 2 u y 2 = 0 (.39) OBS.6. A equação eqn.39 é conhecida com equação de Laplace no plano. Seja f : D C C uma função complexa holomorfa em D. Veremos em uma aula mais adiante que neste caso tanto f(z) = u(x, y) + v(x, y)ı quanto suas componentes u(x, y) e v(x, y) possuem derivadas contínuas de qualquer ordem em D. Além de que satisfazem as equações de Cauchy-Riemann. A saber: x = y y = x (.0) 61
Mais Alguns Aspectos da Derivação Complexa Daí, derivando eqn.0.1 com relação a x e eqn.0.2 com relação a y temos: 2 u x 2 = 2 v x y 2 u y 2 = 2 v y x (.1) Levando em conta que as derivadas parciais de u(, ) e v(, ) são 2 v contínuas temos que x y = 2 v. Daí, somando as equações y x eqn.1.1 e eqn.1.2 temos: 2 u x 2 + 2 u y 2 = 0 (.2) Do mesmo modo podemos mostrar que: 2 v x 2 + 2 v y 2 = 0 (.3) E portanto, u(, ) e v(, ) são funções harmônicas. OBS.7. Se u(x, y) e v(x, y) são componentes de uma função f(z) = u(x, y) + v(x, y)ı holomorfa em algum domínio D C dizemos que u e v são funções harmônicas conjugadas. Veremos agora um exemplo, de como partindo de uma função harmônica u(x, y) determinar sua harmônica conjugada v(x, y) e reconstruir a função holomorfa f(z) cujos componentes são u(x, y) e v(x, y). Exemplo.3. Dada u(x, y) = 2x(1 y). Mostre que u(x, y) é harmônica, determine sua harmônica conjugada v(x, y) e a função holomorfa f(z) cujos componentes são u(x, y) e v(x, y). SOLUÇÃO: derivando parcialmente u(x, y) com relação a x e a 62
y duas vezes temos: Variáveis Complexas = 2(1 y) x 2 u x 2 = 0 y = 2x 2 u y 2 = 0 (.) Somando as equações eqn..2 e eqn.. temos: 2 u x 2 + 2 u y 2 = 0 Logo u(x, y) é uma função harmônica. Vejamos agora como utilizar as equações de Cauchy-Riemann para determinar a harmônica conjugada de u(x, y). Cauchy-Riemann em coordenadas cartesianas são: As equações de x = y y = x (.5) Das equações eqn.5.1 e eqn..1 e integrando temos: = 2(1 y) y v(x, y) = 2(1 y)dy (.6) = 2y y 2 + h(x) onde h(x) é uma função a ser determinada. Derivando a equação eqn.6.3 com relação a x temos: x = h (x) (.7) Substituindo as equações eqn.7 e eqn..3 em eqn.5.2 63
Mais Alguns Aspectos da Derivação Complexa e integrando temos: h (x) = 2x h(x) = 2xdx (.8) = x 2 Substituindo a equação eqn.8.3 em eqn.6.3 temos: v(x, y) = 2y + x 2 y 2 (.9) A equação eqn.9 é a harmônica conjugada de u(x, y). a função f(z) = u(x, y) + v(x, y)ı é portanto holomorfa e é dada por: f(z) = f(x + yı) = 2x(1 y) + (2y + x 2 y 2 )ı (.50) Fazendo em eqn.9 y = 0 temos: f(x + 0ı) = f(x) = 2x + x 2 ı Logo temos: f(z) = 2z + ız 2.5 Conclusão Na aula de hoje, vimos que derivação de funções complexas em alguns aspectos é semelhante à derivação de funções reais enquanto que em outros aspectos diferem sensivelmente. RESUMO No nosso resumo da Aula 0 constam os seguintes tópicos: Funções Holomorfas 6
Variáveis Complexas Definição de Função Holomorfa em um ponto. DEFINIÇÃO: Sejam D C aberto, f : D C C uma função e z 0 D. Dizemos que f( ) é holomorfa em z 0 D se,somente se existe δ > 0 tal que f (z) existe para todo z B δ (z 0 ). Definição de função holomorfa. DEFINIÇÃO: Sejam D C aberto e f : D C C uma função. Dizemos que f( ) é holomorfa em D se,somente se f (z) existe para todo z D. Definição de função inteira. DEFINIÇÃO: Seja f : C C uma função complexa. Dizemos que f é uma função inteira se holomorfa em todo C. Forma Polar das Equações de Cauchy-Riemann As equações de Cauchy-Riemann, em coordenadas polares, são dadas por: r = 1 r θ r = 1 (.51) r θ Derivação de Funções Complexas na Forma Polar Derivação com relação a r: ( ) f (z) = (cos( θ) + sin( θ)ı). (r, θ) + (r, θ)ı r r Derivação com relação a θ: f (z) = 1 ( ) (cos( θ) + sin( θ)ı). (θ) + (r, θ)ı rı θ θ PRÓXIMA Em nossa próxima aula vamos começar o estudo da extensão da definição de algumas funções do campo real para o campo com- 65
Mais Alguns Aspectos da Derivação Complexa plexo. Em particular as funções exponencial e sua inversa a função logaritmo. ATIVIDADES Deixamos como atividades as seguintes questões: ATIV..1. Dada u(x, y) = y 3 3x 2 y. Mostre que u(x, y) é harmônica, determine sua harmônica conjugada v(x, y) e a função holomorfa f(z) cujos componentes são u(x, y) e v(x, y). Comentário: Volte ao texto e reveja com calma e atenção os exemplos eles lhes servirão de guia. ATIV..2. Seja f : C C dada por f(z) = a n z n + a n 1 z n 1 + +a 1 +a 0, onde a n, a n 1,..., a 1, a 0 C. Mostre que f( ) é uma função holomorfa Comentário: holomorfa. Use o fato de que f(z) = z n, n N é uma função LEITURA COMPLEMENTAR SPIEGEL, Murray R., Variáveis Complexas, Coleção Schaum, Editora McGraw-Hill do Brasil, 1973. SOARES, Márcio G., Cálculo em uma Variável Complexa, Coleção Matemática Universitária, Editora SBM, 2009. BROWN, James W. and CHURCHILL, Ruel R., Complex Variables and Applications Editora McGraw Hill, 2008. 66
Variáveis Complexas FERNANDEZ, Cecília S. e BERNARDES Jr, Nilson C. Introdução às Funções de uma Variável Complexa. Editora SBM, 2006. 67