Polinômios de Legendre
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- Fernanda Sílvia Casado
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1 Seção 5: continuação do método de resolução por séries de potências Na Seção foi exposto informalmente, através de exemplos, o método de resolução de equações diferenciais ordinárias por séries de potências. Enunciamos agora o teorema que fundamenta o método. Precisamos primeiro de uma definição. Definição: x é um ponto ordinário da equação y + P x y + Qx y = se P x e Qx são funções analíticas no ponto x. Caso contrário dizemos que x é um ponto singular. Teorema: Seja x um ponto ordinário da equação, com P x = p n x x n e Qx = q n x x n com raios de convergência respectivamente R e R. Então qualquer problema de valor inicial para a equação { y + P x y + Qx y = tem solução única yx = R min{r, R }. yx = a, y x = a a n x x n, que é analítica no ponto x e tem raio de convergência Exemplo: Equação de Chebyshev x y xy + α y =, α = const. Para colocar a equação em forma normal, devemos dividir por x. Portanto P x = α x x e Qx = x. Logo e são os únicos pontos singulares. Considerando x =, o teorema nos diz que vamos encontrar soluções da forma yx = a n x n com raio de convergência R. Polinômios de Legendre Vamos estudar a equação de Legendre x y xy + pp + y =,
2 onde p é um parâmetro real a ser escolhido. Vamos ver adiante que esta equação é muito importante nas aplicações. O ponto x = é ordinário, pois as funções P x = x x e pp + Qx = x são analíticas neste ponto. Suas séries têm raio de convergência R =. São séries geométricas de razão x, por exemplo, Logo, a solução é da forma P x = x + x + x 4 + = x x 3 x 5. y = a n x n, 3 com raio de convergência R. Substituindo 3 na equação de Legendre, temos n= n= nn a n x n nn a n x n na n x n + pp + a n x n =. Fazendo a mudança de índice k = n no o somatório, ele se transforma em k + k + a k+ x k. k= Podemos usar qualquer outra letra no lugar da letra k, inclusive a letra n novamente. O o e o terceiro somatórios podem ser começados em n = fazendo isto entram mais duas parcelas para a soma, mas são ambas nulas. Feito isto, podemos reunir todos os termos em um único somatório [ ] n + n + a n+ nn + pp + a n x n =. Obtemos, daí, a fórmula de recorrência n + n + a n+ nn + pp + a n =, para n =,,,... que pode ser reescrita como a n+ = nn + pp + n + n + a n. 4 Como vamos aplicar esta fórmula repetidas vezes, convém fatorar o numerador, com vistas a uma possível simplificação. Considerando n como variável e p como constante, o trinômio nn + pp + = n + n pp + tem raízes n = p e n = p e, portanto, se fatora como n p n + p +. Finalmente, a fórmula de recorrência 4 toma a forma a n+ = n pn + p + n + n + Escolhendo, primeiro a = e a = e depois a = e a =, obtemos y = pp +! x + pp p + p + 3 4! a n. 5 x 4 6
3 e p p + y = x x 3 p p 3p + p x 5, 7 3! 5! que são duas soluções linearmente independentes com raio de convergência R. Uma observação extremamente importante é que se p = n =,,, 3,..., então uma das soluções 6 ou 7 é um polinômio de grau n. Por exemplo, para n =, y = para n =, y = x para n =, y = 3 x para n = 3, y = x 5 3 x3 para n = 4, y = x x4. É fácil ver que estes polinômios e seus múltiplos são as únicas soluções polinomiais da equação de Legendre. Para padronizar uma maneira de escolher esses múltiplos, multiplicamos por constantes convenientes de modo a ter que o polinômio assume sempre o valor para x =. Normalizados desta maneira, são chamados de polinômios de Legendre e denotados por P n x. Assim, P x = e P x = x. 8 Para n =, y = 3x satisfaz y =. Logo, P x = 3x Para n = 3, y = x 5 3 x3 satisfaz y = 3 = 3 x. 9 e, portanto, P 3 x = x 5 3 x3 3 = 5 x3 3 x. Analogamente, se deduz que P 4 x = 8 35 x 4 3 x + 3. Podemos encontrar outra solução linearmente independente para a equação de Legendre pelo método D Alembert. Para n =, procuramos outra solução na forma Q x = vx P x. É fácil ver que vx deve satisfazer x v xv =, que, pondo z = v, se reduz à equação separável de a ordem para a qual encontramos a solução z = dz dx = xz x, x. Segue que v = ln + x x. Como estamos interessados em resolver a equação no intervalo,, podemos dispensar os módulos e escrever Q x = ln + x + x x = ln. x 3
4 Vemos que lim Q x = + e lim Q x =. x x + Como já tínhamos, pelo teorema, que R, concluímos então que, para Q x, R =. Conclusão: Para n =, a equação de Legendre tem duas soluções linearmente independentes, uma delas o polinômio P x = e a outra a função Q x ilimitada no intervalo,. Logo, as únicas soluções limitadas no intervalo, são os múltiplos de P x. Aqui Para n =, de maneira análoga, duas soluções linearmente independentes são P x = x e Q x = x ln + x x. 3 lim Q x = lim Q x = +. x x + Vale, portanto, a mesma conclusão, isto é, para a equação de Legendre com n = as únicas soluções limitadas no intervalo, são os múltiplos do polinômio de Legendre P x. Continuando este mesmo procedimento, para n =, temos e, para n = 3, P x = 3 x e Q x = 4 P 3 x = 5 x3 3 x e Q 3x = 4 3x ln + x x 3 x 4 5x 3 3x ln + x x 5 x Em geral mostra-se, mas isto não será feito aqui, que uma segunda solução da equação de Legendre é Q n x = P nx ln + x s x + n 4j j + n j P n j x, j= [ ] n onde s = é o maior inteiro que é menor ou igual a n. Conclusão: Qualquer que seja p = n =,,, 3,..., as únicas soluções limitadas no intervalo, da equação de Legendre são os múltiplos do polinômio de Legendre P n x. OBS. Um fato verdadeiro, mas que não vamos justificar aqui é que para outros valores de p, que não os da forma p = n =,,, 3,..., a equação de Legendre não tem solução limitada no intervalo,, além da trivial. Consequência. As únicas possibilidades de obter soluções não triviais que sejam limitadas no intervalo, para equação de Legendre x y xy + pp + y = são para p = n =,,, 3,.... Neste caso, as soluções limitadas no intervalo, são da forma y = CP n x. Fórmula de Rodrigues: Vale a seguinte expressão para os polinômios de Legendre: P n x = n! n d n dx n 4 [ x n ]. 6
5 Não demonstraremos este fato aqui, apenas diremos que ele pode ser provado em 3 etapas. Seja R n x = d n [ ] n n! n dx n x. n a Como x tem grau n, Rn x tem grau n. a Mostrar que R n x satisfaz a equação de Legendre. 3 a Mostrar que R =. Como P n x é o único polinômio que satisfaz a equação de Legendre e assume o valor para x =, ficaria então provado que Rx = P n x. Exemplo: Use a fórmula de Rodrigues para mostrar que P 5 x = 8 63x 5 7x 3 + 5x. Solução: Tomando n = 5 na fórmula de Rodrigues 6, começamos aplicando o Binômio de Newton Derivando 5 vezes, temos x 5 = x C 5x 8 + C 5x 6 C 3 5x 4 + C 4 5x d 5 dx 5 Finalmente, dividindo por 5! 5 = 384, obtemos = x 5x 8 + x 6 x 4 + 5x. [ ] 5 x = 34x 5 336x 3 + 7x. P 5 x = 8 63x 5 7x 3 + 5x. Observação. Mostraremos mais adiante, na parte de leitura opcional, uma maneira muito mais eficiente de obter os polinômios de Legendre, utilizando a fórmula de recorrência. Ortogonalidade dos polinômios de Legendre. A propriedade mais importante dos polinômios de Legendre é a ortogonalidade: P n x, P m x = P n x P m x dx =, para n m, 7 isto é, os P n x são ortogonais em relação ao produto interno fx, gx = Demonstração: Escrevendo a equação de Legendre para P n x, temos x P n x xp nx + nn + P n x =, fx gx dx. ou ainda, x P nx + nn + Pn x =. Multiplicando por P m x e integrando, temos nn + P n x P m x dx = P m x d x P dx nx dx. 5
6 Integrando por partes, com u = P m x e v = x P nx, temos nn + isto é, P n x P m x dx = x P nx P m x + x P nx P mx dx, nn + P n x P m x dx = x P nx P mx dx. Trocando os papéis de n e m que equivale a começar com a equação de P m x e multiplicar por P n x, temos, analogamente, que Segue daí que Portanto, mm + P n x P m x dx = x P nx P mx dx. nn + P n x P m x dx = mm + P n x P m x dx. P n x P m x dx =, se n m. Desenvolvimento em Série de Fourier Legendre. Vimos acima que {P n x} forma um sistema ortogonal no intervalo [, ]. Usando esse fato, dada uma função f : [, ] R contínua por partes e tendo uma derivada f contínua por partes, vamos querer expandi-la como fx = α n P n x série de Fourier Legendre. 8 Como em qualquer expansão em série de funções ortogonais, os coeficientes são dados por onde f, P n = α n = f, P n P n, P n, 9 fx P n x dx e P n, P n = Precisamos obter o valor dessa última integral. Note que Pn x dx. P, P = P, P = P, P = P x dx = dx = P x dx = x dx = 3 P x dx = 4 3x dx = 5 Os resultados resultados obtidos em acima ilustram o fato que P n, P n = Pn x dx =, para todo n =,,, 3,... n + 6
7 Mais adiante, como leitura opcional, daremos uma demonstração rigorosa de. Juntando os resultados de 8, 9, e temos o seguinte teorema. Teorema Expansão em série de Fourier Legendre. Seja f : [, ] R uma função contínua por partes e tendo uma derivada f contínua por partes. Então, f pode ser expandida na forma fx = α n P n x, 3 com os coeficientes α n dados por α n = n + fx P n x dx. 4 Exemplo: Expandir em série de Fourier Legendre a função f : [, ] R, fx = x. Como fx é uma função par, α n+ =, pois, sendo P n+ x ímpar e fx par, segue que fxp n+ x é ímpar e, portanto, para todo n. Analogamente, de 4, segue que α n = n + Mas fx = x = x, para x. Portanto, fx P n+ x dx =. Segue que 4 que α n+ =, fx P n x dx = 4n + α n = 4n + fx P n x dx. x P n x dx. 5 Por integração podemos calcular os primeiros coeficientes, tantos quanto quisermos, α = α = 5 α 4 = 9 x P x dx = x P x dx = 5 x dx = 3 x3 x dx = 5 8 x P 4 x dx = x5 3x 3 + 3xdx = 9 8 Mais adiante vamos ver que, utilizando resultados apresentados abaixo, é possível obter uma expressão genérica para os coeficientes dados por 5. Segue que a expansão procurada em série de Fourier Legendre é fx = P x P x 9 8 P 4x + = x x x Complementos leitura opcional Função Geradora: A função Gx, t = x t + t satisfaz Gx, t = = P n xt n, para x e t <. 3 xt + t 7
8 Não daremos propriamente uma demonstração deste fato. Apenas notamos que substituindo u = t xt na série binomial correspondente a α = obtemos + u = u u u3 + Gx, t = t xt t xt t xt 3 + = t xt t 4 4xt 3 + 4x t 5 t 6 6 xt 5 + 4x t 4 8x 3 t Agrupando os termos e colocando em evidência as potências de t obtemos 3 Gx, t = + xt + x 5 t + x3 3 x t 3 + = P n x t n. A função geradora encerra várias propriedades da família dos polinômios de Legendre. Muitas outras famílias de polinômios ou funções que são úteis nas aplicações da Matemática também possuem a sua função geradora. Abaixo vamos mostrar como várias dessas propriedades podem ser deduzidas a partir da função geradora. O mesmo tipo de raciocínio se aplica a outras famílias de funções. Propriedades. Fórmula de Recorrência. n + Pn+ x n + x P n x + n P n x =, n =,, 3,... 3 Demonstração: Na demonstração vamos novamente usar a função geradora Gx, t = Derivando em relação a t, temos xt + t = P n x t n. G t x, t = xt + t x + t. Logo, xt + t G t x, t = x t Gx, t. 3 Uma igualdade como 3 costuma encerrar alguma propriedade interessante da família de polinômios. No presente caso, de 3 segue que Multiplicando, obtemos xt + t np n x t n = x t P n x t n. np n xt n nxp n x t n + nxp n x t n+ = xp n x t n P n x t n+. 8
9 ou seja, n + P n+ x t n nxp n x t n + n xp n x t n Agrupando os termos, obtemos, finalmente, P x xp x + = x P n x t n P n x t n. n + P n+ x n + xp n x + np n x t n =. Igualando a o coeficiemte de cada t n, segue a conclusão. Obs: Conhecendo dois polinômios de Legendre consecutivos, a fórmula de recorrência nos permite calcular o próximo. Por exemplo, vimos acima que P 3 x = 5 x 3 3 x e P 4 x = 35 x 4 3 x Fazendo n = 4 na fórmula de recorrência, vamos obter P 5 x = 9xP 4 x 4P 3 x = 63x 5 7x 3 + 5x. 5 8 Tendo agora as expressões de P 4 x e P 5 x, usando novamente a fórmula de recorrência, podemos obter P 6 x, e assim por diante. Este método é muito mais simpes do que utilizando a fórmula de Rodrigues 6. Em particular, a recorrência se presta para escrever um programa de computador para calcular os polinômios de Legendre.. Norma. Acima foi verificado, para os primeiros valores de n, que P n x, P n x = P n x dx = n Vajamos agora a demonstração para o caso geral. Esta propriedade foi importante para estabelecer a expansão em série de Fourier-Legendre 8. Demonstração: Multiplicando a identidade = xt + t P n x t n por si própria, obtemos xt + t = xt + t xt + t = P n x t n Integrando em relação a x, obtemos m= xt + t = n,m= P m x t m = n,m= P n x P m x t n+m. t n+m P n x P m x dx. 9
10 Usando a ortogonalidade dos P n x, na soma acima sobram só as parcelas em que m = n e, portanto, xt + t = t n P n x dx. Por outro lado, xt + t = ln xt + t t x= x= = t ln + xt + t ln xt + t = ln + t ln t = [t t t t + t33 t t + t + t33 + t44 ] + = + t3 + t45 + = n + t n. Comparando os coeficientes de t n nas duas séries, obtemos, finalmente, P n x dx = n P n = esta propriedade foi usada já na própria definição dos polinômios de Legendre. O objetivo agora e ver, como ilustração que ela poderia ser obtida alternativamente, como uma conseqüência da função geradora. Demonstração: Fazendo x = na função geradora, Portanto G, t = P n t n = = t + t P n t n. t = t = Comparando os coeficientes dos t n nos dois lados da igualdade, obtemos finalmente P n =. 4. P n x = n P n x, isto é, se n for par, então P n x é função par só envolve potências de x com expoente par e analogamente para n ímpar. Novamente, da maneira como os polinômios de Legendre foram construídos, fica claro que esta propriedade é válida. O objetivo aqui é ver, como exercício, que a propriedade também poderia ser deduzida da função geradora. t n. Demonstração: A função geradora Gx, t = xt + t satisfaz Gx, t = G x, t. Logo, P n x t n = P n x t n = n P n x t n. Comparando os coeficientes dos t n nos dois lados da igualdade, obtemos P n x = n P n x.
11 5. P n = n n n! n e P n+ =. 34 Demonstração: Fazendo x = na função geradora, Usando a série binomial G, t = = + t P n t n. + s a = + as +! aa s + 3! aa a s3 +, com s = t e a =, obtemos + t = t + 3! t ! 3 t6 +. Comparando as duas expressões para + t, obtemos P n = n n n! n e P n+ =. Se quisermos, podemos ainda reescrever P n = n n 4 6 n = n n! = n n! n! 4 6 n n. 6. n n 3 P n x dx = n! n, para n 35 e P n x dx =, para n. 36 Demonstração: Integrando Gx, t = xt + t t n P n x dx = = = P n x t n xt + t [ + t ] t = [ t + t t! = + t! em relação a x, temos dx = t ! 3 t5 x t + t t ! 3 t6 t ] x= x=
12 Comparando os coeficientes de t n nos dois lados, obtém-se a conclusão. Exemplo: Retomando o exemplo visto acima de expandir em série de Fourier Legendre a função f : [, ] R, fx = x, vamos obter a expressão genérica do coeficiente 5 α n = 4n + x P n x dx. Da fórmula de recorrência 3, substituindo n por n, segue que Integrando, temos x P n x = n + P n+ x + n P n x, para n. 4n + x P n x dx = n + 4n + Mas utilizando 35 provado acima, obtemos de onde segue ou seja, P n+ x dx + n xp n x dx = [ n n n + 4n + n +! n+ α n = P n x dx. n n 3 + n n! n n+ n n n 3 + n n n + n! n, n n 3 α n = n +! n+ 4 n +, para n. 37 Temos que os valores de α e α não estão incluídos da igualdade 37 e, portanto, precisam ser calculados separadamente. Mas já foi feito acima em 6 e 7. Obtemos, assim, a expansão fx = x = P x + n n 3 n +! n+ 4 n + P n x, 38 n= para todo x [, ]. Note que a expansão 38 apresenta de modo genérico os primeiros termos da expansão obtida em 9. ],
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