AÇÃO CRIMINAL Nº 231-PE (89.05.03003-3) APTE: JUSTIÇA PÚBLICA APDO: ANCILON GOMES FILHO RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA (CONVOCADO) RELATÓRIO O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA (Relator Convocado): Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença proferida pelo MM. Juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, que denegou requerimento formulado no sentido de que fossem seqüestrados os bens de ANCILON GOMES FILHO. Narra a peça ministerial de fls. 02-03 que o Sr. ANCILON GOMES FILHO é um dos principais envolvidos no desvio de recursos federais, constantes do Orçamento da União, oriundos do PROAGRO PROGRAMA DE GARANTIA DA ATIVIDADE AGROPECUÁRIA, instituído pela Lei nº 5.969, de 11.12.73, consoante denúncia de fls. 49-87 dos autos em apenso (ACR 2383-PE, Processo nº 2000.05.00.015139-9). Inconformado, o Ministério Público Federal ingressou com recurso de apelação e, em suas razões (fls. 238-243), sustentou, em síntese, que, na hipótese de crimes de que resulte prejuízo para a Fazenda Pública, como no caso dos autos, deve-se aplicar não os dispositivos do Código de Processo Penal, mas sim o disposto no Decreto-Lei nº 3.240/41, já que esse diploma, sendo lei especial, derroga ou complementa as disposições da lei geral. Sustentou ainda que, no caso, não exige o dispositivo mencionado que os bens tenham sido adquiridos necessariamente com os proventos da infração. Acrescenta que, com base na legislação pertinente, o seqüestro poderá recair sobre todos os bens do indiciado, tenham ou não sido adquiridos antes ou depois da infração.
Foram apresentadas contra-razões (fls. 250-256). Processado o apelo, subiram os autos ao ex-tribunal Federal de Recursos (fls. 312-314). Com a extinção do TFR, foram os autos encaminhados a esse TRF da 5ª Região. O membro do Ministério Público Federal que oficia perante esta 2ª instância opinou pelo conhecimento e provimento do recurso de apelação ministerial. É o relatório. À douta revisão.
AÇÃO CRIMINAL Nº 231-PE (89.05.03003-3) APTE: JUSTIÇA PÚBLICA APDO: ANCILON GOMES FILHO RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA (CONVOCADO) EMENTA PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SEQÜESTRO DE BENS DE RÉU ENVOLVIDO NO DESVIO DE RECURSOS FEDERAIS. SUFICIÊNCIA DE INDÍCIOS DE QUE TAIS BENS SERIAM FRUTO DA ATIVIDADE CRIMINOSA. ESCÂNDALO DA MANDIOCA. DECRETO-LEI Nº 3.240/41. NÃO REVOGAÇÃO DO MESMO PELO ADVENTO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRECEDENTES DO C. STJ. APELO MINISTERIAL CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1. No caso de crimes de que resulte prejuízo para a Fazenda Pública, o seqüestro de bens é disciplinado pelo Decreto-Lei nº 3.240/41 e pode recair sobre todos os bens do indiciado, a teor do art. 4º desse diploma. 2. A decretação do seqüestro de bens como medida cautelar no processo penal não exige prova plena de serem eles fruto da atividade criminosa, bastando a existência de indícios razoáveis de tanto. Precedentes deste E. TRF da 5ª Região. 3. Vigência do Decreto-Lei nº 3.240/41, no ponto em que disciplina o seqüestro de bens de pessoa indiciada por crime de que resulta prejuízo para a Fazenda Pública. Precedentes do C. STJ. 4. Apelo ministerial conhecido e provido. Sentença reformada.
VOTO O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA (Relator Convocado): Inicialmente, constatando estarem presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal. Outrossim, face aos judiciosos argumentos esposados pelo douto membro do MPF em seu parecer de fls. 337-343, adoto-os como minhas razões de decidir, verbis: O seqüestro dos bens do indiciado ANCILON GOMES FILHO foi requerido com fundamento no art. 153, 11, da Constituição Federal de 1969, no art. 125 e seguintes do Código de Processo Penal, no art. 2º do Decreto-Lei nº 3.415/41, no art. 1º e seguintes do Decreto-Lei nº 3.240/41, na Lei nº 3.164/57, além de Portarias expedidas pelo Ministério da Fazenda. Já no despacho preliminar de fls. 189, o Juiz a quo considerou que o seqüestro não mais teria suporte no Decreto-Lei nº 3.415/41, por ter sido intentado fora do prazo regular de noventa dias da duração da prisão administrativa. Admitiu, entretanto, o seu processamento com base no Decreto-Lei nº 3.240/41 e nos artigos 125 e seguintes do CPP. No mesmo despacho, considerou ser descabida a decretaçãodo seqüestro relativamente aos bens adquiridos pelo indiciado antes da prática da infração penal. Entendeu ainda que, com relação aos bens adquiridos em data posterior à prática do crime, devesse o Ministério Público Federal e seu assistente comprovar que efetivamente haviam sido os mesmos adquiridos com o produto da infração. Omissis. Não tendo as exigências sido atendidas, o Magistrado indeferiu, por sentença, o pedido de seqüestro.
A infração penal atribuída ao Apelado teve grande repercussão na época em que os fatos aconteceram, ficando conhecido como O escândalo da mandioca. O prejuízo que resultou para a Fazenda Pública foi considerável. Por isso mesmo, há que se concordar com o Apelante, quando afirma o equívoco do Juiz sentenciante na interpretação dos dispositivos legais aplicáveis à espécie. Com efeito, no caso de crimes de que resultasse prejuízo para a Fazenda Pública, como é o caso em análise, aplicável era o Decreto-Lei nº 3.240/41 que, sendo lei especial, prevalece sobre a legislação ordinária concernente ao seqüestro e constante dos artigos 125 e seguintes do CPP. Não há que confundir o seqüestro de bens previsto na legislação especial (Dec-Lei nº 3.240/41) com aquele traçado para os crimes em geral e previstos na legislação processual penal. O mencionado Decreto-Lei foi instituído especificamente para disciplinar o seqüestro de bens no caso de crimes de que resultasse prejuízo para a Fazenda Pública. Diferentemente do que se dá no caso do seqüestro previsto nos artigos 125 e seguintes do CPP, a legislação especial não exige que os bens do indiciado tenham sido adquiridos com os proventos da infração. Reza o art. 1º: Ficam sujeitos a seqüestro os bens de pessoa indiciada por crime de que resulte prejuízo para a Fazenda Pública, ou por crime definido no Livro II, Título V, VI e VII, da Consolidação das Leis Penais, desde que ele resulte locupletamento ilícito para o indiciado. Como se percebe, prevê a mencionada lei, tão-somente, que do crime tenha resultado enriquecimento ilícito para o indiciado. Nesse ponto, tenho como suficientes os argumentos invocados no presente recurso de apelação (...), que considero suficientes para o esclarecimento do assunto (fls. 241-242):
O seqüestro previsto no Decreto-Lei nº 3.240/41 tem por objetivo garantir outro efeito da condenação, qual seja, o de tornar certa a obrigação de indenizar o dano resultante do crime (art. 74, I, CP). Daí permitir a apreensão de TODOS OS BENS, decretada pela autoridade judiciária, sem audiência da parte, a requerimento do Ministério Público; e exigir que a ação pena tenha início dentro de noventa dias. É medida cautelar, preparatória da hipoteca legal, de iniciativa do Ministério Público, quando houver interesse da Fazenda Pública, conforme dispõe o art. 142 do Código Penal e o art. 2º do Decreto-Lei nº 3.240/41. Já o seqüestro autorizado pelo art. 125 pode ser ordenado em qualquer fase do processo ou, ainda, antes de oferecida a denúncia ou queixa, de ofício ou a requerimento de qualquer interessado. O Decreto-Lei nº 3.240/41, anterior à codificação processual, mas com ela compatível, estabelece procedimento especial, quando houver interesse da Fazenda Pública, para o seqüestro preparatório da hipoteca legal, que veio a ser previsto nos arts. 136 e seguintes do CPP. Para a decretação do seqüestro preparatório, basta que haja indícios veementes da responsabilidade e isso ocorre satisfatoriamente no presente caso os quais serão comunicados ao juiz em segredo, por escrito ou por declarações orais, reduzidas a termo, e com indicação dos bens que devem ser objeto da medida. Pertinente acrescentar que o seqüestro de bens disciplinado na legislação especial pode recair sobre todos os bens do indiciado. É o que prescreve o art. 4º, verbis: Art. 4º. O seqüestro pode recair sobre todos os bens do indiciado, e compreender os bens em poder de terceiros, desde que estes os tenham adquirido dolosamente ou com culpa grave. Portanto, no caso presente, poderia o Juízo a quo ter determinado o seqüestro de todos os bens do indiciado. Daí
concluir-se ser desarrazoada a distinção por ele feita entre os bens adquiridos antes e os adquiridos depois da atividade criminosa. E mais, com relação a estes últimos, descabia determinar que provasse o Apelante haverem tais bens sido adquiridos com os proventos da infração. Ora, apenas para argumentar, ainda que o Magistrado considerasse que somente os bens adquiridos pelo indiciado após o crime poderiam ser seqüestrados, tem-se como absolutamente desnecessária a exigência de efetiva comprovação de haverem eles sido adquiridos com o produto do crime. No caso, seriam suficientes os indícios dessa ocorrência. Omissis. Entretanto, o presente pedido de seqüestro, tal como requerido na inicial, deve seguir as regras contidas no Decreto-lei nº 3.240/41, incidindo, se for o caso, sobre todos os bens do indiciado. Pertinente esclarecer, por oportuno, que não há que se falar em inaplicabilidade do mencionado dispositivo legal, já que o próprio Superior Tribunal de Justiça, em decisões recentes, reconheceu a sua não revogação pelo Código de Processo Penal. Vejam-se: EMENTA. SEQÜESTRO DE BENS. CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. DECRETO-LEI Nº 3.240, DE 1941. APLICAÇÃO. - A teor da orientação já firmada na Sexta Turma do STJ, não está revogado, pelo Código de Processo Penal, o Decreto-Lei nº 3.240, de 1941, no ponto em que disciplina o seqüestro de bens de pessoa indiciada por crime de que resulta prejuízo para a Fazenda Pública. - Recurso Especial conhecido e provido. (STJ 6ª Turma REsp nº 132539-SC Rel. Min. William Patterson, DJ 09.02.1998, p. 48). Omissis.
Sobre o que foi acima relatado, confira-se o julgado a seguir transcrito: PENAL MEDIDA CAUTELAR SEQÜESTRO DE BENS IMÓVEIS HIPOTECA LEGAL ARBITRAMENTO DO VALOR DA RESPONSABILIDADE CIVIL ART. 135 DO CPP I - O MPF estimou, no caso, a responsabilidade civil dos requeridos no valor do débito fiscal apurado e imputado, com base no trabalho técnico levado a efeito por auditores fiscais do Tesouro Nacional, o qual, enquanto documento público, goza de fé pública, dispensado a designação de perito para o arbitramento da responsabilidade civil. II - O MM. Juízo a quo, com fulcro no 3º do art. 135/CPP, corrigiu o arbitramento, tendo em vista a ausência de estimativa relativa à multa incidente à espécie, nos termos dos arts. 8º e 10, da Lei nº 8.137/90, e determinou que a avaliação dos imóveis, levada a efeito pelo MPF, fosse substituída pela avaliação a ser realizada pelo oficial de justiça avaliador lotado na Secretaria do Juízo, com amparo no 2º do art. 135/CPP. III - Os pressupostos para a realização da medida de seqüestro prévio e posterior inscrição e especialização da hipoteca legal, são a materialidade do fato delituoso e a presença de indícios suficientes de sua autoria - art. 234/CPP. IV - Não procede o argumento de nulidade, à espécie, pela inobservância do devido processo legal, considerando que em nenhum momento os Apelantes lograram demonstrar prejuízo advindo da ausência de avaliação dos imóveis por perito e da intimação dos Réus anteriormente à decretação do seqüestro. V - Aplicável, ainda, em sua inteligência, os termos da Súmula 523/STF: "No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu". VI - Apelação conhecida, mas improvida. (TRF 2ª R. ACr 96.02.34222-6 4ª T. Rel. Des. Fed. Rogério Vieira de Carvalho DJU 01.09.2004 p. 196) (grifos nossos) Com efeito, é irrelevante o momento em que os bens submetidos a seqüestro, com base no Decreto-Lei 3.240/41, foram adquiridos, pois o dispositivo visa a alcançar tantos bens quantos forem
necessários para a satisfação do débito decorrente de crime que ocasionou prejuízos vultosos à Fazenda Pública. Isso posto, DOU PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal, forte nos fundamentos acima lançados. Sentença combatida que se reforma. É como voto.
AÇÃO CRIMINAL Nº 231-PE (89.05.03003-3) APTE: JUSTIÇA PÚBLICA APDO: ANCILON GOMES FILHO RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA (CONVOCADO) EMENTA PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SEQÜESTRO DE BENS DE RÉU ENVOLVIDO NO DESVIO DE RECURSOS FEDERAIS. SUFICIÊNCIA DE INDÍCIOS DE QUE TAIS BENS SERIAM FRUTO DA ATIVIDADE CRIMINOSA. ESCÂNDALO DA MANDIOCA. DECRETO-LEI Nº 3.240/41. NÃO REVOGAÇÃO DO MESMO PELO ADVENTO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRECEDENTES DO C. STJ. APELO MINISTERIAL CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1. No caso de crimes de que resulte prejuízo para a Fazenda Pública, o seqüestro de bens é disciplinado pelo Decreto-Lei nº 3.240/41 e pode recair sobre todos os bens do indiciado, a teor do art. 4º desse diploma. 2. A decretação do seqüestro de bens como medida cautelar no processo penal não exige prova plena de serem eles fruto da atividade criminosa, bastando a existência de indícios razoáveis de tanto. Precedentes deste E. TRF da 5ª Região. 3. Vigência do Decreto-Lei nº 3.240/41, no ponto em que disciplina o seqüestro de bens de pessoa indiciada por crime de que resulta prejuízo para a Fazenda Pública. Precedentes do C. STJ. 4. Apelo ministerial conhecido e provido. Sentença reformada.
ACÓRDÃO Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal, de modo a reformar a vergastada sentença a quo, na forma do relatório, voto e das notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 28 de abril de 2005 (data do julgamento). Desembargador Federal ÉLIO SIQUEIRA Relator Convocado