PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIãO Gabinete do Desembargador Federal Marcelo Navarro
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- Irene Festas Ribas
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1 RELATÓRIO O Senhor DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO: Cuida-se de apelação criminal interposta por Alfredo de Oliveira Santos contra sentença (fls. 455/471) da lavra do MM. Juízo da 13ª Vara Federal de Pernambuco que julgou parcialmente procedente a acusação para absolver o apelante do crime previsto no art. 312 do CP e condená-lo como incurso no tipo penal do art. 89 da Lei 8.666/90. Nas razões do apelo, postula-se a absolvição do réu sob o argumento de atipicidade da conduta por ausência de dolo específico do tipo, bem como por inocorrência de dano ao erário (fls. 475/484). Apresentadas contrarrazões, às fls. 488/499v. 530/543). Parecer do Ministério Público pelo não provimento do recurso (fls. Dispensada a remessa ao revisor, nos termos do art. 29, IV, do Regimento Interno desta Corte. É o relatório. ACR nº PE 1 MACBCL
2 VOTO O Senhor DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO: A imputação que recai sobre o réu é a de ter ele recebido dinheiro público desviado da FUNAI por meio de procedimento administrativo fraudulento. O réu Alfredo de Oliveira Santos foi contratado pela FUNAI para executar serviços de transporte de indígenas no percurso Águas Belas/Brasília/Águas Belas. Entretanto, segundo a denúncia, apesar de os transportes não terem sido efetivamente executados, o réu recebeu o valor correspondente ao serviço, valor este, aliás, que ultrapassava o limite para a contratação direta, com dispensa de licitação. Diante desses fatos, o Ministério Público o denunciou pelo crime de peculato (art. 312 do CP) e requereu nas razões finais a condenação também pelo crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93. Na sentença, a acusação foi julgada parcialmente procedente para absolver o réu do crime de peculato e condená-lo à pena de 03 (três) anos de detenção pelo crime de dispensa de licitação. A defesa manifesta inconformismo com a condenação do réu pelo crime do art. 89 da Lei 8.666/93 e requer a absolvição sob o argumento de que não houve dano ao erário, em face da efetiva contraprestação pelo dinheiro recebido. Das provas dos autos, constato que o réu recebeu o valor de R$9.000,00 (nove mil reais), em , para realizar o transporte de 60 índios de Águas Belas para Brasília (fls. 288 do apenso). A inicial dúvida quanto ao efetivo transporte restou esclarecida, conseguindo o apelante demonstrar que levou os índios para Brasília e que não os trouxe de volta para Águas Belas porque o período de tempo em que eles iriam permanecer em Brasília prolongou-se. Resta analisar se o fato de o valor recebido pelo apelante (R$9.000,00) ultrapassar o limite legal para a dispensa de licitação ACR nº PE 2 MACBCL
3 (R$8.000,00 art. 24, II c/c o art. 23, II, a, ambos da Lei 8.666/93) é suficiente para imputar-lhe o e condenar-lhe pelo crime do art. 89 da lei de licitações. O comando constitucional relativo às contratações pelo Poder Público aponta para a necessária realização de procedimentos licitatórios, ressalvados os casos especificados na legislação, com o intuito de proteger o patrimônio público e assegurar a igualdade de condições a todos os concorrentes (art. 37, XXI, da CF). Ao excepcionar as hipóteses de contratação direta pela administração pública, o art. 24 da Lei 8.666/93 estabelece o limite máximo para os casos de dispensa da licitação. É justamente neste ponto que, segundo o Parquet, o réu concorreu para que as regras atinentes à licitação não fossem observadas, beneficiando-se com a contratação direta pela FUNAI, mesmo ciente de que o objeto do contrato ultrapassava o limite imposto no mencionado dispositivo legal. A princípio, a conduta do apelante amolda-se ao tipo penal previsto no art. 89 da Lei 8.666/93 já que houve a dispensa de licitação sem a devida atenção às regras legais pertinentes a este ato administrativo. Entretanto, consoante já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, os delitos da Lei de Licitações não são delitos de mera conduta nem delitos formais, são delitos de resultado. Por este raciocínio, não basta a mera desatenção às regras procedimentais pertinentes à licitação/dispensa de licitação para a caracterização do crime, pois, como em todo crime, é preciso que o dolo esteja presente e, neste caso, o dolo deve estar direcionado a provocar dano ao erário. Como sopesa o Ministro Luiz Fux em seu voto no Inq nº 2482/MG, Mas, o mais importante, é que o dolo, evidentemente, como é de sabença, manifesta-se por vontade livre e consciente de praticar um ilícito. Ora, quem consulta se pode fazer algo, não tem vontade de praticar o ilícito; e o que é pior, quem consulta e recebe uma resposta de um órgão jurídico no sentido de que a licitação é inexigível, evidentemente que não tem uma manifestação voltada à prática de um ilícito. Eventualmente, quem entende inexigível a licitação, quando muito, terá cometido algo que não é punível no Direito brasileiro, que é o crime de exegese Nesta ação penal, há um dado peculiar que repercute diretamente na suposta consciência do ato ilícito: trata-se de réu indígena. Por mais que muitos dos índios da tribo a que pertence o acusado já estejam mais familiarizados com os procedimentos de contratação pela administração pública não seria aceitável presumir que ele soubesse das especificidades da dispensa de licitação, ainda mais quando o valor por ele recebido era próximo ao limite legal admitido. ACR nº PE 3 MACBCL
4 Ademais, é relevante neste caso a constatação da efetiva prestação do serviço pelo apelante, de maneira que, ainda que para o valor contratado não fosse admissível legalmente a dispensa da licitação, não houve dano direto ao patrimônio público diante do cumprimento do objeto contratado. Com semelhante entendimento, aliás, decidiu a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, consoante ementa ora transcrita: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE LICITAÇÃO. DISPENSA DE LICITAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO E DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. NECESSIDADE DE CARACTERIZAÇÃO. ENTENDIMENTO FIRMADO PELA CORTE ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A Corte Especial deste Tribunal, quando do julgamento da Apn n.º 480/MG, em 29/03/2012, acompanhando o entendimento do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal (Inq n.º 2.482/MG, julgado em 15/9/2011), manifestou-se no sentido de que, para a caracterização do crime previsto no art. 89, da Lei nº 8.666/1993, é imprescindível a comprovação do dolo específico de causar dano à Administração Pública, bem como o efetivo prejuízo ao erário, não sendo suficiente apenas o dolo de desobedecer as normas legais do procedimento licitatório. 2. Na espécie, as informações contidas na inicial acusatória demonstram, em tese, o cometimento de irregularidades administrativas, a serem eventualmente apuradas em esfera própria. Entretanto, não vislumbro elementos mínimos aptos a atrair a incidência do tipo penal, não se justificando a condenação do recorrente pelas sanções do art. 89, da Lei n / Agravo regimental não provido. (AgRg no AgRg no REsp /SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, QUINTA TURMA, julgado em 18/03/2014, DJe 24/03/2014) Com estas considerações, DOU PROVIMENTO à apelação criminal da defesa para absolver Alfredo de Oliveira Santos do crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93. É como voto. Recife, 08 de maio de Desembargador Federal MARCELO NAVARRO RELATOR ACR nº PE 4 MACBCL
5 EMENTA: PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL DA DEFESA. ART. 89 DA LEI 8.666/93. VALOR DO SERVIÇO ACIMA DO LIMITE PREVISTO PARA AS HIPÓTESES DE DISPENSA DE LICITAÇÃO. OBJETO DO CONTRATO EXECUTADO. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO. RECURSO PROVIDO. 1. A acusação refere-se à contratação do réu pela FUNAI para a execução de serviços de transporte, sem a devida observância do limite legal previsto para as hipóteses de dispensa de licitação. 2. Para a caracterização do delito previsto no art. 89 da Lei 8.666/93 não basta a inobservância das regras procedimentais pertinentes à licitação/dispensa de licitação, sendo necessária a demonstração de efetivo dano ao erário. Precedente do STF (Inq nº 2.482/MG) e do STJ (REsp nº ). 3. Em que pese o valor do objeto contratado (R$9.000,00) exceda ao limite de R$8.000,00 disposto nos artigos 24, II c/c o 23, II, a, ambos da Lei 8.666/93, o apelante prestou o serviço de transporte para o qual fora contratado. Atipicidade da conduta. 4. Apelação criminal provida. A C Ó R D Ã O Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação criminal, nos termos do voto do relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes nos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 08 de maio de Desembargador Federal MARCELO NAVARRO RELATOR ACR nº PE 5 MACBCL
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