ORIGEM, APOGEU E CRISE DO TAYLORISMO / FORDISMO Reestruturação produtiva: Uma resposta à crise do taylorismo / fordismo
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1 CAPITULO II ORIGEM, APOGEU E CRISE DO TAYLORISMO / FORDISMO Reestruturação produtiva: Uma resposta à crise do taylorismo / fordismo Prof. Dr. Silvio Cesar Silva
2 O termo reestruturação produtiva tem sido empregado por diferentes autores com o objetivo de definir o conjunto das inovações organizacionais e tecnológicas que incidem sobre o modelo taylorista-fordista de gestão da mão de obra e do trabalho. Esse processo de mudanças tem início no Japão, nos anos 1950, alcança a Europa e os EUA, nos anos 70 e, finalmente, chega ao Brasil nos anos 90. Várias são as denominações para esse processo: póstaylorismo, neotaylorismo, especialização flexível, acumulação flexível etc. Todavia, a denominação pouco importa, o essencial é percebermos que existe uma relação de bicausalidade entre esse processo iniciado no mundo do trabalho e as mudanças em todas as esferas da vida nas sociedades contemporâneas. Cabe lembrar que as organizações de tipo taylorista / fordista surgiram em um determinado contexto social, conforme foi demonstrado no primeiro capítulo, refletindo a correlação de forças na sociedade, refletindo também uma forma de organizar a sociedade e distribuir a riqueza que ficou conhecida como Estado do Bem Estar Social. A reestruturação produtiva, por sua vez, é decorrência de uma mudança nas relações sociais e na economia causada, principalmente, por uma crise macroeconômica que atingiu as diferentes partes do mundo em períodos diferenciados. A reestruturação produtiva faz um caminho oposto ao que foi feito pelo taylorismo / fordismo. Este último surgiu nos EUA (mais precisamente, em Detroit), depois foi se expandido para o Oriente até chegar ao Japão. A reestruturação produtiva, por outro lado, teve início no Japão e avançou em direção ao ocidente, conquistando a Europa Ocidental e os EUA, nos anos 1970, e avançou sobre o Brasil e todo o planeta, nos anos Você deve estar se perguntando: mas por que o processo de reestruturação produtiva teve início no Japão? Pois bem, na década de 50, o Japão apresentava um mercado para a indústria automobilística semelhante ao que o Ocidente veio enfrentar apenas na década de 70. Além do mercado interno extremamente reduzido, os administradores japoneses enfrentaram, na década de 50, uma situação em que seu atraso técnico e industrial proibia toda perspectiva de exportação. Nos anos 1950, o Japão, recém saído da Segunda Guerra Mundial, enfrentava uma série de restrições macroeconômicas que forçaram uma empresa chamada Toyota e o seu engenheiro chefe, cujo nome era Ohno, a procurarem soluções novas e criativas para a crise econômica. Se uma das características fundantes do taylorismo / fordismo era a produção em quantidades cada vez maiores, em que a oferta dos produtos gerava a demanda 1, no Japão dos anos 1950 o processo se inverte, era a demanda que controlava a oferta. Como assim? Havia poucos compradores, fato que impôs a necessidade de agradar a esses compradores e, ao mesmo tempo responder à seguinte questão: como aumentar os lucros e a produtividade quando a produção diminui? Essa restrição comercial a falta de consumidores para os produtos da Toyota levará à proposição de um conjunto de inovações 1 A tal ponto que o Ford costumava brincar: o consumidor pode escolher a cor do carro que quiser, desde que seja preto. 2
3 organizacionais e tecnológicas conhecidas como modelo japonês, Toyotismo ou Ohnoismo. Também não podemos nos esquecer que ele não foi desenvolvido a partir do nada, sem nenhuma conexão com o taylorismo (Ohno considera Taylor e Ford seus predecessores). A seguir, abordaremos as principais inovações organizacionais e tecnológicas que concebidas na Toyota, nos anos 50, caracterizam o processo de reestruturação produtiva que se encontra em pleno vapor no século XXI, em todo o mundo. Começaremos pelas inovações organizacionais. Ohno implementou sete inovações organizacionais: unificação entre concepção e execução, multifuncionalidade, salário por antiguidade, emprego vitalício, a terceirização, sistema just in time / kan ban, fábrica enxuta e produção de trás para a frente. As duas primeiras inovações organizacionais ( unificação entre concepção e execução e multifuncionalidade ) são articuladas entre si. Como vimos em nossa aula passada, a característica fundante do taylorismo / fordismo era a rígida divisão entre concepção e execução, isso porque a preocupação era como tornar os trabalhadores de ofício altamente qualificados em meros operários desqualificados. A preocupação de Ohno é outra: como tornar o operário que só realiza uma única tarefa simples em um trabalhador multifuncional, que realize várias funções operando várias máquinas simultaneamente, que não só execute o trabalho material, mas que também pense sobre o que está fazendo, que planeje, enfim que conceba o trabalho a ser realizado. Nesse sentido, modelo de administração desenvolvido por Ohno busca envolver os operários na engenharia industrial, nesse ponto ele se afasta dos dois principais pressupostos tayloristas / fordistas de eliminar qualquer atividade de concepção do chão da fábrica e intensificar a divisão técnica do trabalho. A proposta de reunificar concepção e execução é bem aceita. Os trabalhadores gostam de refletir sobre o que fazem, gostam de opinar, de sugerir e, principalmente de ter visão global sobre as diferentes etapas do trabalho. Entretanto, essa aceitação inicial esbarrou em um problema social: ao atribuir diferentes tarefas manuais e intelectuais a um único trabalhador, Ohno desempregou os outros operários, uma vez que essa inovação organizacional não veio acompanhada da redução da jornada de trabalho. Além disso, o trabalhador que se manteve no emprego ficou muito atarefado tanto do ponto de vista físico quanto mental. Ao implementar essas duas inovações organizacionais (unificação entre concepção e execução e multifuncionalidade), Ohno enfrentou uma violenta greve na Toyota que durou 55 dias. Deste conflito surgiram outras duas outras inovações organizacionais propostas por Ohno para diminuir a resistência dos trabalhadores: o salário por antiguidade e o emprego vitalício. O salário por antiguidade foi a terceira inovação organizacional implementada com dois objetivos. O primeiro objetivo foi agradar os trabalhadores após a realização da greve de 55 dias. O segundo foi elevar a qualidade dos produtos, uma vez que a implementação 3
4 do salário por antiguidade está baseada em uma percepção segundo a qual o trabalhador é quem melhor conhece o trabalho que executa, logo um trabalhador mais antigo possui um saber fazer consolidado ao longo dos anos de exercício profissional, o que garante uma elevada qualidade do produto do seu trabalho. A adoção do emprego vitalício foi a quarta inovação organizacional implementada por Ohno e a segunda após a greve de 55 dias. O sentido dessa inovação organizacional fica claro quando levamos em consideração que a metade dos trabalhadores da Toyota foram demitidos após a greve de 55 dias. Mas como Ohno conseguia garantir aos trabalhadores emprego por toda a vida? A resposta a essa questão nos remete à quinta inovação organizacional implementada por Ohno: a terceirização, que no Japão recebe o nome de keiretsu (família) pois, diferentemente do Ocidente, as empresas são vistas como co-irmãs, pertencentes a uma mesma família. Caso o trabalhador não encontrasse emprego na empresa matriz, a montadora de automóveis Toyota, poderia ser aproveitado na fábrica de motores. O trabalhador que não tivesse espaço na fábrica de motores, encontraria emprego na fábrica de parachoques, por exemplo. O processo de terceirização, quinta inovação organizacional de Ohno, foi fundamental como inovação organizacional. Ele permitiu adotar uma flexibilidade no número de trabalhadores empregados na empresa e assim externalizar os custos salariais que são remetidos para as empresas co-irmãs. Ao mesmo tempo, a formação da keiretsu deu à Toyota uma vantagem que nós não conhecemos no Ocidente. A concepção do produto (um automóvel) passa a envolver todas as empresas pertencentes à keiretsu. A relação entre empresa principal e empresa subcontratada, no Japão, define-se por quatro características: 1) a subcontratação é uma relação de longo prazo, cuja duração depende do ciclo de vida dos produtos; 2) constitui uma relação institucionalizada e hierarquizada; 3) tendo por base contratos que são objeto de processos particulares; 4) e favorece e internaliza a inovação. As regras de continuidade da relação são complexas e, geralmente, sobrevivem à retirada de um produto do mercado e são reconduzidas na geração seguinte do produto. Como destaca Coriat, o fim de um produto marca apenas a abertura de um novo período de negociação entre empresa subcontratada e empresa principal porque, na prática, as empresas subcontratadas estão reagrupadas em torno de um construtor principal, denominado de keiretsu. O contrato de subcontratação é essencialmente dinâmico, sendo concebido para favorecer a mudança. Uma outra característica importante na relação de subcontratação japonesa seria o número reduzido de fornecedores. Vejamos o exemplo comparativo utilizado por Coriat: a Toyota possui 170 fornecedores principais; 4000 de segunda linha; e de terceira. Ela fabrica 70% do valor do veículo fora da empresa principal, contra 30% da GM. Do ponto de vista da teoria das organizações, Coriat (1994) afirma existir uma 4
5 escola japonesa de gestão da produção distinta da escola americana, perfeitamente ajustada às exigências de qualidade e flexibilidade. Embora mantendo-se afastado das interpretações culturalistas, o autor busca explicar a formidável competitividade das empresas japonesas a partir da história do Japão que, após a Segunda Guerra Mundial, se viu na situação de ter de inovar áreas associadas da organização do trabalho e da gestão da produção. O Japão tinha um mercado restrito para o setor automobilístico no pós-guerra e enfrentava a resistência dos trabalhadores à racionalização do trabalho. A busca de novas alternativas era uma questão de sobrevivência econômica. Os empresários japoneses enfrentaram a resistência dos trabalhadores de modo diferente dos EUA, que partiu da desespecialização dos trabalhadores qualificados por meio da instalação de uma certa polivalência e multifuncionalidade dos homens e máquinas. Sem sermos pretensiosos, gostaríamos de fazer uma crítica a Coriat, uma vez que o autor professa se afastar das interpretações culturalistas. Do nosso ponto de vista, a tomada de decisões sobre a melhor forma de gestão da produção e do trabalho, expressa tendências postas no âmbito da sociedade nas quais atuam diferentes atores sociais: Estado, empresários, sindicatos, imprensa, etc. Wood (1993), por exemplo, chama a atenção para o fato das leituras do modelo japonês partirem da abordagem das relações humanas, ou da gestão da produção - JIT, CQT etc. - deixando de enfocar o que existe de mais importante, ou seja, as explicações culturais da bem sucedida experiência japonesa. (idem: 52) Nesse sentido, são extremamente esclarecedoras as conclusões de Magaud e Sugita (1993) sobre a importância das redes relacionais nas atividades produtivas. Segundo esses autores, as redes relacionais desempenham um papel central na organização da empresa e da economia japonesa. Comparando uma empresa japonesa a uma francesa, demonstram como as pessoas se relacionam de maneira diferente com a tecnologia nos dois países que se expressa na organização espacial das fábricas. Assim, na empresa francesa, cada espaço possui uma função diferente (devido a ruptura entre concepção e execução), de tal modo que a relação entre as funções só pode se dar com dificuldades. Na empresa japonesa, a situação é quase inversa. O escritório fica no interior da fábrica, onde se encontra a maior parte dos documentos técnicos que podem ser consultados por todos. Segundo os autores essa prática demonstra que a técnica não é um domínio reservado, como na França. Os operadores japoneses quando se encontram diante de uma situação nova, partem de seus conhecimentos empíricos para enjambrar uma lógica que os ajudará a agir. Essa lógica enjambrada vem antes da gestionária ou tecnicista (Magaud & Sugita, 1993: 210). A relação mais participativa com a técnica mostrase fundamental no Japão para aquilo que Afonso Fleury (1993) chama (utilizando a tipologia de Freeman) de inovações incrementais, ou seja, aqueles esforços cotidianos para aperfeiçoar produtos e processos já existentes. 5
6 Outra diferença cultural importante, que singulariza o modelo japonês e dificulta sua transferência, diz respeito à circularidade das informações. No Japão, as relações interpessoais são mais institucionalizadas que no Ocidente sendo que a capacidade de encontrar uma informação e passá-la adiante é altamente valorizada. Tal envolvimento possui relação direta com as inovações tecnológicas que abordaremos mais a frente. Antes disso, vejamos a sexta inovação organizacional de Ohno. A sexta inovação organizacional que Ohno implementou na Toyota é o sistema just in time / kan ban. O just in time é a eliminação dos estoques e o kan ban é o sistema de comunicação visual adotado na fábrica. No sistema kan ban, o trabalhador do posto de trabalho posterior ( cliente ) se abastece quando necessita de peças ( produtos comprados) no posto de trabalho anterior ( a seção ). Assim, o lançamento da fabricação do posto anterior só se faz para alimentar a loja ( seção ) em peças ( produtos ) vendidos. Coriat (1994) considera o Kan ban a maior inovação organizacional da segunda metade o século vinte. As duas principais consequências do kan ban, segundo o autor, são: descentralização de parte do controle de fabricação antes centralizado no Departamento de Métodos e a integração das tarefas de controle de qualidade às próprias tarefas de fabricação (idem: 78). Em um período em que o dinheiro ficou muito caro (após a Segunda Guerra Mundial, a Toyota tinha uma dívida altíssima com os bancos norte-americanos), Ohno reduziu o custo financeiro da sua produção diminuindo os estoques. Imagine a seguinte situação para compreender melhor a importância da redução dos estoques: se uma montadora de automóveis tem seiscentas laterais de carro paradas em seu estoque, isso significa que ela gastou para comprar matéria prima e para produzir, está pagando juros sobre o dinheiro investido na produção das seiscentas laterais que estão paradas. O just in time permitirá à montadora de automóveis não só eliminar essas seiscentas laterais, como também eliminar os estoques de toda a cadeia produtiva reduzindo brutalmente os custos financeiros da produção. É interessante observar que Ohno inspirouse nos supermercados norte-americanos para criar o just in time. Segundo Ohno, a idéia surgiu quando ele comprou um iogurte em uma grande rede de supermercados nos EUA. Ele percebeu que somente após ele comprar o iogurte o supermercado iria comprar outro iogurte para repor. É o caminho oposto ao que se fazia (e ainda se faz) em grande parte das fábricas tayloristas / fordistas e, até mesmo em setores do comércio como veremos mais adiante) nas fábricas de automóveis. Nelas, primeiro se produzem as peças dos carros (como, por exemplo, as laterais), que se avolumam nos pátios (estoques intermediários), independentemente de os carros que elas comporão já terem sido vendidos: just in time (JIT). Uma estratégia que visa capacitar a empresa para responder às flutuações de mercado, através de instrumentos e técnicas que buscam atingir elevados padrões de qualidade, associada a uma significativa redução no custo 6
7 do produto e grande elevação da produtividade. Partindo da premissa que por trás do estoque há um excesso de pessoal e um excesso de equipamentos, Ohno conseguiu localizar as vias de aplicação e os pontos onde os ganhos de produtividade podem ser obtidos. Dispensando estoques, dispensa-se excesso de equipamentos e pessoal. Wood (1993) elege o just in time como cerne e o elemento distintivo do modelo de administração japonesa,... pois, é um conceito demasiadamente amplo que se refere ao processo de difusão de um novo paradigma organizacional. Ohno, ao eliminar os estoques intermediários por meio do sistema just in time, implementa a sétima inovação organizacional: a fábrica enxuta. A eliminação das gorduras, ou seja, do excesso de estoques intermediários, permite visualizar todo o fluxo de produção da fábrica pelo olhar ( Ohno chega até mesmo a falar em administração pelos olhos ). A fábrica enxuta consegue se adaptar às demandas, ao gosto de cada consumidor. Nesse sentido, se surge um novo nicho de mercado composto por mulheres que, por exemplo, gostam de certos acessórios mais delicados nos carros como espelho no quebra-sol e, se você não tem um grande estoque, você consegue rapidamente responder a essa demanda do mercado produzindo carros adequados às mudanças nos gostos dos consumidores. Essa é uma inovação organizacional que se tornou paradigmática para os mais diversos setores da produção, do comércio e dos serviços. Para finalizar o conjunto de inovações organizacionais implementadas por Ohno na Toyota, falta falar da oitava e última delas: a produção de trás para frente. Ela está intimamente relacionada ao just in time. No JIT, o impulso da produção parte do fim da linha de montagem para o começo (pull system). Por isso, permitiria adequar-se à diversificação dos mercados estagnados ou com lento crescimento. Assim, vincula qualidade, produtividade, custo e evidentemente circulação mais rápida do capital. Uma eventual desvantagem do JIT seria a maior vulnerabilidade de todo o sistema a uma greve parcial porque, sem estoques de reserva, uma greve isolada pode paralisar todo o sistema. Não é por acaso que o sistema JIT é implementado, no Japão, após uma esmagadora derrota do movimento sindical japonês. Passemos a tratar agora das inovações tecnológicas, mais precisamente da principal delas: a introdução da microeletrônica aplicada à produção. São os microprocessadores, os sistemas de informação, os microcomputadores integrados ao processo produtivo. Nós já estamos acostumados a refletir sobre a forma como os computadores, os sistemas de inteligência, a internet alteram o nosso cotidiano. Aliás, altera tanto que neste nosso curso, prezado(a) aluno(a), a principal ferramenta de aprendizado é justamente uma Plataforma Virtual de Aprendizagem (Moodle) via internet. Mas nos anos 1950 a utilização da microeletrônica no trabalho, feita por Ohno, foi uma verdadeira revolução. A utilização de sistemas de informação permitiu controlar o 7
8 fluxo de toda a cadeia produtiva. Trouxe a possibilidade de trocar informações sobre a produção entre diferentes empresas da keiretsu, de forma a permitir que se evitasse excessos e desperdícios de mercadoria. Em suma, permitiu viabilizar o princípio organizacional do just in time da eliminação dos estoques intermediários. A principal virtude da introdução da microeletrônica aplicada à produção foi, no entanto, utilizá-la nas máquinas-ferramenta, as chamadas máquinas ferramenta com controle numérico computadorizado (MFCN), o que permitiu utilizar a mesma ferramenta para realizar diferentes atividades. Vejamos um exemplo para compreender melhor o impacto das MFCN. Imagine um operário cuja função é apertar parafusos de uma roda de automóvel em uma linha de produção de tipo taylorista / fordista. Este operário utiliza uma ferramenta específica, que possui um certo torque para apertar os parafusos da roda da Variant (automóvel que era produzido pela Volkswagen). Caso passasse uma Kombi na linha de produção, o operário necessitaria trocar de ferramenta, ou então deveria existir uma linha específica que só produzia Kombi. A partir do momento em que o Ohno instalou na máquina ferramenta um microcomputador, basta o operário digitar no punho da ferramenta um código numérico que, automaticamente, o torque da máquina, o quanto ela tem de apertar, é reprogramado. Qual é a consequência disso? Um mesmo trabalhador consegue apertar diferentes parafusos utilizando a mesma máquina. Essa inovação tecnológica trouxe flexibilidade ao processo produtivo. Flexibilidade é a habilidade do sistema para levar ou passar entre estados diferentes sem os significativos custos presentes ou futuro (Salerno, 1995: 251) A flexibilidade aplicada ao sistema produtivo significa poder produzir elementos diferentes, talvez ao mesmo tempo, poder aceitar mudanças ou até variantes diversas em proporções diferentes, tudo isso sem exigir mudanças físicas no sistema. Esse último, além do mais, deveria ser reutilizável em sua maior parte e (sem intervalos excessivamente longos de readaptação), no caso de mudanças radicais no produto (Leite, 1994: 86). Sendo programáveis, os equipamentos de base microeletrônica, adaptam-se às flutuações do mercado. O maior controle da produção é garantido pela automação de base microeletrônica, quando ela rompe a barreira do conteúdo do trabalho dos antigos postos de trabalho, utilizando o trabalhador polivalente. Além disso, ela tenta se apropriar do saber do operário, incorporando-o ao programa das máquinas. Os equipamentos com controle numérico computadorizado permitem uma maior independência das empresas em relação aos operários, uma vez que a velocidade de produção e a qualidade do trabalho é garantida pelo programa. Cabe aqui fazer uma ressalva: uma vez que o conhecimento tácito do trabalhador não é totalmente incorporado ao programa, essa questão torna-se central na luta cotidiana no chão de fábrica porque permite o surgimento de várias estratégias de resistência dos trabalhadores. Aliás, não só resistência, mas também negociação. 8
9 A redução do tempo necessário de produção é obtida através dos ritmos mais elevados alcançados pelas máquinas de base microeletrônica. É eliminada uma série de tempos mortos, de gastos com regulagem e de alimentação. Segundo Coriat, a microeletrônica permite inclusive a produção de um tempo oculto, que consiste no fato de obter a execução simultânea de duas ou mais operações anteriormente realizadas sucessivamente. As inovações tecnológicas permitiram uma modificação dos sistemas produtivos tradicionais e das relações do homem com seu objeto de trabalho. Segundo Alves (1994: 62), hoje já se fala em microeletrônica como tecnologia de base. Carvalho (1987: 80) destaca que a microeletrônica alia flexibilidade à automação, através do acoplamento às máquinas de microprocessadores eletrônicos (controladores programáveis), que detém as informações necessárias ao seu comando. Os controladores programáveis podem receber novos programas para variação dos produtos a serem fabricados, sem alterar a mecânica do equipamento. Cumpre ressaltar que as inovações organizacionais e tecnológicas são complementares e elas refletem um novo estado de relações de força na sociedade e nos ambientes de trabalho. Por um lado, o consumidor passa a ganhar uma importância maior, justamente, pela escassez de dinheiro que existia no Japão dos anos 1950 que fez com que o poder de barganha dos consumidores aumentasse, uma vez que havia mais produtos a venda do que pessoas dispostas a comprá-los. Por outro lado, o modelo japonês de organização do trabalho e gestão da produção transforma os operários especializados em profissionais polivalentes, trabalhadores multifuncionais. Assim como outras formas de racionalização do trabalho, a desespecialização dos operários atacou diretamente o saber dos trabalhadores qualificados a fim de diminuir seu poder sobre a produção. Por isso Ohno, assim como Ford, enfrentou a resistência dos operários. As inovações organizacionais e tecnológicas propostas inicialmente por Ohno no Japão nos anos 1950 chegaram ao Ocidente apenas nos anos Isso por que, nos anos 1970, na Europa Ocidental e nos Estados Unidos da América ocorreu um forte crise econômica conhecida como Segunda crise do Petróleo. Após um conflito entre Israel e Palestina, os países árabes (organizados na OPEP - Organização dos Países Exportadores de Petróleo) decidiram aumentar o preço do petróleo em represália aos Estados Unidos da América, que havia apoiado Israel. A ação da OPEP teve como consequência uma recessão econômica mundial. Ao entrar na Europa e nos Estados Unidos da América, esse modelo de reestruturação produtiva foi sofrendo alterações no sentido de se adaptar à realidade de cada país. E, o que é mais importante, os impactos causados pelas inovações tecnológicas e organizacionais não estão restritos ao interior das fábricas, os efeitos das mudanças podem ser percebidos também no mercado, nas regras de negociação coletiva e nas políticas econômicas. Por isso, alguns autores afirmam que estamos diante de um novo 9
10 modelo de desenvolvimento, baseado em um novo regime de acumulação em substituição ao modelo taylorista/fordista. Kern e Schumann 2 afirmam estar se desenvolvendo um novo modelo de produção que se opõe ao modelo taylorista por uma nova forma de utilização do trabalho. As consequências desse novo modelo seriam, de um lado, a supressão do emprego, de outro lado, uma transformação radical na utilização da mão de obra que permanece empregada. As empresas passam a se preocupar com a qualificação do operário, rompendo a relação estabelecida por Taylor entre crescimento da produtividade e desqualificação da mão de obra. Piore e Sabel acreditam que esse modelo de reestruturação produtiva teria suas bases firmadas na descentralização do sistema produtivo, que se apoiaria na flexibilidade da produção propiciada pela tecnologia microeletrônica. O novo modelo seria marcado pela horizontalização da produção e pela proliferação das pequenas e médias empresas integradas entre si. Segundo os autores, os novos padrões de gestão do trabalho seriam definidos pela reintegração da execução e da concepção, pela polivalência dos trabalhadores que devem realizar tarefas diversificadas e multiqualificadas. Teríamos, assim, uma nova divisão do trabalho em um novo segmento de trabalhadores polivalentes e com perspectivas de mobilidade social. Para Harvey (1992) a flexibilização dos processos de trabalho e de produção implica uma acentuada e generalizada potenciação da capacidade produtiva da força de trabalho. A reestruturação produtiva é marcada por um confronto direto com o fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. De acordo com o autor, a acumulação flexível implica em níveis relativamente altos de desemprego estrutural, rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos modestos (quando há) de salários reais e o retrocesso do poder sindical - uma das colunas políticas do regime fordista (Harvey, 1992:143). No próximo capítulo, abordaremos o processo de reestruturação produtiva no Brasil. REFERÊNCIAS ALVES, Paulo Jorge Marques. Crise e Mudança em Portugal - Dilemas sindicais Face a Inovação Tecnológica e Organizacional ( ) - Tese de Mestrado; Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa; Lisboa, mimeo. BEYNON, Huw. Trabalhando para Ford: Trabalhadores e sindicalistas na Indústria Automobilística. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, CORIAT, Benjamin. Automação programável: Novas formas e conceitos de organização da produção, in Hubert Schimitz e Ruy de Quadros Carvalho (org.). Automação, competitividade e trabalho: A experiência internacional. São Paulo, HUCITEC, CORIAT, Benjamin. Pensar Pelo Avesso: O Modelo Japonês de Trabalho e Organização. 2 citados por Leite (1994) e Alves (1994). 10
11 Rio de Janeiro, Editora da UFRJ / Reavan, HARVEY, David. Condição Pós-Moderna (uma pesquisa sobre a origem da mudança cultural). São Paulo, Ed. Loyola, HIRATA, Helena. Recursos japoneses, realidade brasileira. Novos Estudos CEBRAP. 2, São Paulo, HIRATA, Helena. Alternativas sueca, italiana e japonesa ao paradigma fordista: elementos para uma discussão sobre o caso brasileiro, S. Paulo, Abet, Abril de HIRATA, Helena. (org.) Sobre o Modelo Japonês: Automatização, Novas Formas de Organização e de Relações de Trabalho. São Paulo, EDUSP, HUMPHREY, John. Métodos japoneses e operários de produção: evidências a partir da América Latina, Cadernos de sociologia, vol. 4, n 4, UFRGS, LEITE, Marcia de Paula. Reestruturação produtiva, novas tecnologias e novas formas de gestão da mão de obra. in Mattoso, Jorge E. L. et al. (org.) O Mundo do Trabalho: Crise e Mudança no Final do Século. São Paulo, Ed. CESIT / Scritta / MTb, 1994 b. Trabalho: Um Estudo de Caso na Indústria Automobilística Brasileira. Dissertação de Mestrado, PUC, São Paulo, SUGITA, K. e MAGAUD, J., A propósito de uma comparação franco-japonesa: o retorno das redes in HIRATA, H. (org.), Sobre o modelo japonês. S. Paulo, EDUSP,
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