PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Em Sentido Estrito nº , da Comarca de Praia Grande, em que é recorrente MÔNICA REGINA DE ARRUDA, é recorrido MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores LEME GARCIA (Presidente) e NEWTON NEVES. São Paulo, 6 de dezembro de Guilherme de Souza Nucci RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Recurso em Sentido Estrito nº Comarca: Praia Grande Recorrente: MÔNICA REGINA DE ARRUDA Advogado: Fabiano Cardoso Vinciguerra VOTO Nº Recurso em Sentido Estrito. Homicídio qualificado tentado. Pleito objetivando absolvição sumária ou impronúncia, alegando ausência de animus necandi. Possibilidade. Comprovada a materialidade, porém não demonstrado o dolo homicida. Mãe em quadro depressivo tentou suicídio. Ausência de prova de que também tenha ministrado veneno ao filho. Recurso provido. Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por MÔNICA REGINA DE ARRUDA contra sentença de primeiro grau (fls. 290/293), prolatada em 2 de fevereiro de 2016, pelo MM. Juiz de Direito, Dr. Vinicius de Toledo Piza Peluso, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Praia Grande, que a pronunciou para julgamento do Tribunal do Júri, como incursa no art. 121, 2º, inciso III, c.c. art. 14, inciso II, ambos do Código Penal. Irresignada, interpôs o presente recurso pleiteando, em síntese, absolvição sumária ou impronúncia, alegando ausência de animus necandi. Em suas contrarrazões o Ministério Recurso Em Sentido Estrito nº

3 Público bateu-se pelo acerto do decisum. A douta Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer, opinou pelo desprovimento ao recurso. É o relatório. Em que pesem os ponderáveis fundamentos expostos nas contrarrazões da acusação e no parecer da douta Procuraria Geral de Justiça, o pleito defensivo comporta provimento e a acusada deve ser impronunciada. Consoante descreve a exordial acusatória, no dia 23 de abril de 2014 por volta das 16h45min, na Rua Menoti Del Pichia, nº 828, Trevo, cidade de Praia Grande, MÔNICA REGINA DE ARRUDA, após ingerir veneno, ofendeu a integridade vítima da vítima M.T.A, de 3 anos, oferecendo a substância para ela também, somente não se consumando o delito por circunstâncias alheias à sua vontade, eis que o ofendido foi conduzido ao atendimento médico hospitalar, situação que possibilitou seu salvamento. A materialidade restou comprovada ante o auto de prisão em flagrante delito (fls. 2/5), boletim de ocorrência (fls. 7/10) e auto de exibição e apreensão (fls. 11/12). Por outro lado, não temos demonstrado o animus necandi da acusada, sendo a prova colhida até o momento insuficiente para a pronúncia. O policial Rodrigo, em juízo, afirmou que, no dia dos fatos, foi acionado para atender ocorrência de tentativa de suicídio, com envolvimento de criança. Ressaltou que a acusada e a vítima já haviam sido socorridas quando Recurso Em Sentido Estrito nº

4 chegou ao local, tendo conversado apenas com o marido da ré. Afirmou, por derradeiro, que realizou buscas pelo imóvel e encontrou resquícios de veneno chumbinho, além de um frasco vazio da mesma substância. A testemunha Cristiane, em juízo, disse que, no dia dos fatos, foi acionada para atendimento médico de emergência com ocorrência de parada cardiorrespiratória de adulto e, ao chegar ao local, encontrou também uma criança com quadro de insuficiência respiratória, hipersecreção salivar e pulmonar, com rebaixamento do nível de consciência. Afirmou que, segundo familiares, a mulher tinha ministrado veneno chumbinho à vítima, a qual apresentava quadro clínico compatível com envenenamento. Ressaltou que transferiu a criança para o hospital em razão do quadro grave e, salvo engano, lhe foi mostrado o frasco do veneno no local. A testemunha Wlademir, em juízo, relatou que foi responsável pelo laudo psiquiátrico da acusada, a qual apresentava quadro depressivo grave à época dos fatos. Ressaltou que o tratamento é feito com antidepressivos em tratamento ambulatorial. A testemunha Jhonns, em juízo, relatou que, no dia dos fatos, foi o responsável pelo atendimento médico das vítimas e, segundo notícias, a mãe havia ingerido veneno de rato e também oferecido à vítima. Ressaltou que a criança apresentava quadro clínico gravíssimo e já havia sido entubada pela equipe de emergência, sendo aplicadas técnicas médicas para vítimas de envenenamento. Relatou que a criança Recurso Em Sentido Estrito nº

5 sobreviveu ao tratamento, contudo, vai apresentar sequelas. A testemunha Nelson, em juízo, afirmou que, no dia dos fatos, antes dos acontecimentos, a acusada apresentava quadro depressivo e, no momento em que retornou para casa, encontrou-a deitada vomitando. Ressaltou que a vítima também estava vomitando, mas ainda estava consciente e dizia que a mãe estava morrendo. Afirmou ter ficado desesperado, pois ambos não paravam de vomitar, razão pela qual acionou o SAMU para socorrê-los, localizando, neste ínterim, um frasco vazio de veneno na mesa da cozinha. Relatou que, após os fatos, conversou com sua esposa, mas ela alega não se recordar do ocorrido e só pede perdão por algo que possa ter feito. Afirmou não saber como a vítima ingeriu o veneno, porém a criança disse que tomou um pouco de Toddy com bolinhas pretas e depois morreu e que viu o copo no sofá depois que a mãe estava mal na cama. As testemunhas de defesa, em juízo, igualmente narraram o quadro depressivo da acusada e relataram os fatos ocorridos, ressaltando que tomaram conhecimento da tentativa de suicídio por meio do esposo da ré. A acusada MÔNICA, em juízo, afirmou ter colocado veneno em um copo com leite e ingerido o líquido, na tentativa de suicidar-se. Ressaltou que chamou seu filho para deitar com ela, contudo, em nenhum momento ofereceu o líquido com veneno para o infante ingerir. Afirmou ter desmaiado e não sabe dizer o que ocorreu depois, mas acredita que seu filho tenha acidentalmente ingerido um pouco do leite com veneno. Recurso Em Sentido Estrito nº

6 Por derradeiro, alegou que sofria com transtorno depressivo profundo à época dos fatos. Para o juízo de pronúncia é indispensável haver nos autos provas seguras da participação do acusado, sem as quais tenho por inviável a submissão do caso ao Tribunal do Júri, cabendo ao Poder Judiciário impedir, sempre que possível, eventuais condenações indevidas. Sobre o assunto já me manifestei em obra própria: É preciso cessar, de uma vez por todas, ao menos em nome do Estado Democrático de Direito, a atuação jurisdicional frágil e insensível, que prefere pronunciar o acusado, sem provas firmes e livres de risco. Alguns magistrados, valendo-se do criativo brocardo in dubio pro societate (na dúvida, decide-se em favor da sociedade), remetem à apreciação do Tribunal do Júri as mais infundadas causas aquelas que, fosse ele o julgador, certamente, terminaria por absolver. Ora, se o processo somente comporta a absolvição do réu, imaginando-se ser o juiz togado o competente para a apreciação do mérito, por que o jurado poderia condenar? Dir-se-ia: porque até o julgamento em plenário, podem surgir provas mais concretas. Nesse caso, restaria sem solução a finalidade da instrução prévia. Esta perderia completamente a sua razão de ser. Melhor seria que, oferecida a denúncia ou queixa, instruída com o inquérito ou outras provas, o juiz designasse diretamente, o plenário do Júri. Não é a sistemática adotada pela Recurso Em Sentido Estrito nº

7 legislação brasileira. Demanda-se segurança e a essa exigência deve estar atrelado o magistrado que atua na fase da pronúncia. Somente deve seguir a julgamento pelo Tribunal Popular o caso que comporte, de algum modo, conforme valoração subjetiva das provas, um decreto condenatório. O raciocínio é simples: o juiz da fase da pronúncia remete a julgamento em plenário o processo que ele, em tese, poderia condenar, se fosse o competente. Não é questão de se demandar certeza de culpa do réu. Porém, deve-se reclamar provas suficientes. Havendo a referida suficiência, caberá ao Conselho de Sentença decidir se condena ou absolve (Tribunal do Júri, Forense, 5ª ed., p. 87). In casu, o que temos de fato é um quadro de depressão profunda e tentativa de suicídio. Não há qualquer elemento que sustente a tese de dolo da acusada em ceifar a vida da criança junto com a sua. Sequer laudo de lesão da vítima foi juntado aos autos. Pelo contrário, os próprios vizinhos e familiares narraram, de forma uníssona, o cuidado da recorrente com as crianças e, ainda, o perito médico concluiu que a criança poderia ter ingerido o resíduo deixado pela genitora. Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso defensivo para impronunciar MÔNICA REGINA DE ARRUDA das imputações que lhe são feitas, com fundamento no art. 414, do Código de Processo Penal. GUILHERME DE SOUZA NUCCI Recurso Em Sentido Estrito nº

8 Relator Recurso Em Sentido Estrito nº