Tumores neuroendócrinos são aqueles que se desenvolvem a partir de células
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- Fábio da Costa Bennert
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1 Tumores do Estômago O Que Mudou? Tumores Neuroendócrinos Osmar Kenji Yagi, Donato Roberto Mucerino, Fabio Pinatel Lopasso, Marcus Fernando Kodama Pertille Ramos, André Roncon Dias, Carlos Eduardo Jacob, Claudio José Caldas Bresciani, Marcelo Mester, Cynthia Maria Chiaradia de Melo, Ulysses Ribeiro Junior, Bruno Zilberstein, Ivan Cecconello INTRODUÇÃO Tumores neuroendócrinos são aqueles que se desenvolvem a partir de células do sistema endócrino difuso. Portanto, esta ampla família de tumores podem ser originários de vários epitélios e também em diferentes órgãos como o pâncreas, paratireóides, adrenais, hipófise, tireoide, etc. Embora sejam uma linhagem de tumores considerados raros, análises mostram progressivo aumento em sua detecção nas últimas décadas 1,2. A maioria desses tumores parece ser de origem esporádica, entretanto hábitos ou fatores ambientais de risco para o aparecimento dessas lesões não são conhecidos. Os tumores neuroendócrinos gástricos, descritos há mais de um século como sendo tumores biologicamente diferentes e de evolução mais indolente que os adenocarcinomas, vêm sofrendo recentemente grandes transformações conceituais e de manuseio clínico. Os tumores neuroendócrinos gástricos fazem parte de um grupo heterogêneo de neoplasias com origem nos vários tipos de células neuroendócrinas que compõe a glândula gástrica; no entanto, a célula enterocromafim-like é a célula que mais frequentemente da origem a esses tumores, em situação que há hipergastrinemia. Apesar da ampla variedade de possibilidades, esses tumores apresentam um fenótipo comum, que é a coloração no exame imunohistoquímico aos marcadores considerados pan-neuroendócrinos. A partir do desenvolvimento desse recurso técnico imunológico houve aumento da precisão, reduziu-se a ambiguidade, permitindo adequado diagnóstico e classificação deste grupo de doenças. Atualmente, na análise de biópsia ou peça cirúrgica em que haja suspeita de lesão neuroendócrina, são solicitados os exames imunohistoquímicos para Cromogranina A e Sinaptofisina. Outros marcadores como a neuron-specific enolase (NSE) e CD56 também podem ser úteis, pois são frequentemente positivos, sendo entretanto de baixa especificidade para esta entidade 3,4. Pode-se solicitar ainda análise para outros marcadores imunohistoquímicos, pois frequentemente tumores neuroendócrinos produzem substâncias vasoativas detectáveis neste exame. Entretanto, apesar de as produzirem e serem detectáveis através da coloração na histologia, a apresentação clínica como a síndrome carcinóide é incomum, pois estas células produzem e acumulam essas substâncias vasoativas no citoplasma, mas não as secretam para o extracelular 3, Gastrão 2013
2 Ainda com respeito ao exame histológico, a realização da imunohistoquímica para o Ki-67 (MIB-1) e a contagem do número de mitoses são mandatórios para se identificar e estadiar o grau do tumor de acordo com a Classificação TNM 7ª. Edição da Organização Mundial da Saúde (WHO) (Quadro 1). Quadro 1. Classificação histológica e estadiamento dos tumores neuroendócrinos (who 2010) Gastrão
3 Como apresentado acima, os tumores neuroendócrinos têm sua classificação histológica baseada em dois critérios: diferenciação e grau. Dessa forma podemos classifica-los em três categorias: - Tumor neuroendócrino bem diferenciado de baixo grau (G1) - Tumor neuroendócrino bem diferenciado de grau intermediário (G2) - Tumor neuroendócrino pouco diferenciado de alto grau (G3), também conhecido como carcinoma neuroendócrino de alto grau ou carcinoma de pequenas células. Estes são caracterizados por apresentarem elevados índices de mitose e comportamento biológico agressivo. Quadro 2. Classificação fisiopatológica dos tumores neuroendócrinos gástricos. A grande maioria dos tumores neuroendócrinos encontrados na câmara gástrica é classificada clinicamente como sendo do Tipo 1, ou seja, aproximadamente 75% dos casos são menores que 1 cm, são múltiplos e polipóides (Quadro 2). São tumores que se originam das células enterocromafins-like. Doenças autoimunes ou problemas ambientais podem levar à destruição das células parietais localizadas no corpo e fundo gástricos e, com isso, diminuir a produção local de ácido clorídrico. Na tentativa de estimular a produção ácida por mecanismo de feedback, esse regime de hipocloridria determina que as células G do antro e duodeno permaneçam em permanente estimulação, produzindo níveis elevados de gastrina. A hipergastrinemia estimula a proliferação das células enterocromafinslike e com isso, levar à hiperplasia e formação de pólipos. Essas lesões apresentam baixa probabilidade de levar a formação de metástases, menor que cinco por cento, e quase sempre apresentam bom prognóstico (5), pois a mortalidade relacionada a esse tipo de tumor é praticamente zero. É importante a confirmação de que estes pacientes apresentam gastrina sérica elevada, decorrente de gastrite crônica atrófica, que pode ser descrita macroscopicamente pelo endoscopista e confirmada pela biópsia dessa região. Em casos raros em que não há dados macroscópicos ou microscópicos de atrofia, a dosagem de ph intragástrico de jejum menor ou maior que quatro pode ser de ajuda na discriminação entre a hipergastrinemia como causa da hiperacidez gástrica (tumor produtor de gastrina) ou em consequência à hipocloridria. A gastrite crônica atrófica pode ser de origem autoimune e a coleta de exames específicos, como os anticorpos anti célu- 126 Gastrão 2013
4 las parietais e anti fator intrínseco podem ser úteis; eventualmente, baixos níveis séricos de vitamina B12 e de ácido fólico, por déficit de absorção e produção, respectivamente, pode ser causa de anemia megaloblástica. Cabe aqui lembrar ainda que a gastrite crônica atrófica autoimune pode fazer parte de um conjunto de sinais e sintomas raros denominada Síndrome Poliglandular Autoimune ou Síndrome de Schmidt, em que estão envolvidos, além de anticorpos contra as células do estômago, anticorpos contra a tireóide ocasionando hipotireoidismo, anticorpos contra o pâncreas ocasionando o Diabetes Mellitus tipo 1, e anticorpos contra as adrenais, sendo este último o limitante tardio mais importante para a qualidade de vida do paciente acometido. Esses pacientes são quase sempre do sexo feminino e em sua grande maioria apresentam como manifestação clínica alopécia e vitiligo 6-8. Os tumores Tipo 2 também se formam pelo aumento da gastrina sérica, a qual está elevada devido ao aparecimento de outro tumor neuroendócrino, o Gastrinoma e à consequente Síndrome de Zollinger-Ellison. Esses tumores Tipo 2 quase sempre aparecem quando a Síndrome de Zollinger Ellison faz parte da Neoplasia Endócrina Múltipla do tipo I. Cerca de cinco por cento dos tumores neuroendócrinos gástricos são do tipo 2, e embora apresentem aspecto endoscópico semelhante ao de Tipo 1, podem levar pouco mais frequentemente à formação de metástases, e assim apresentar pior prognóstico. É oportuno lembrar que o gastrinoma pode ser acompanhado de diarreia e úlcera péptica duodenal ocasionada pela hipersecreção ácida gástrica, e os aspectos macroscópico e microscópico da mucosa gástrica auxiliarão no diagnóstico. Como parte da Neoplasia Endócrina Múltipla do tipo 1, pode haver ainda tumores sincrônicos ou não, geralmente benignos na pituitária, paratireoide e pâncreas, e raramente córtex adrenal, e por isso devem ser investigados. Os tumores neuroendócrinos gástricos do Tipo 3, ocorrem em 15 a 25% dos casos, não estão relacionados à alteração da gastrinemia, são geralmente únicos e maiores que dois centímetros. Pode-se dizer que do ponto de vista de comportamento neoplásico apresentam-se semelhantes aos adenocarcinomas e são frequentemente pouco diferenciados e de alto grau (G3) pela classificação histológica da WHO 1. Há evidências de que esses tumores se disseminam mais precocemente que os adenocarcinomas, já que lesões menores que cinco, dez e vinte milímetros apresentam muito mais metástases que os adenocarcinomas de mesmo tamanho As células neuroendócrinas por estarem quase sempre na base das glândulas gástricas, faria com que rapidamente alcancem a muscular da mucosa e a submucosa, facilitandoa ocorrência de metástase (Quadro 3). APRIMORAMENTO DOS EXAMES DE IMAGEM Outra característica biológica que ganhou grande importância no manuseio do tumor neuroendócrino nos anos recentes reside no fato de apresentarem, em quase totalidade dos casos, aumentado número de receptores da somatostatina na superfície da membrana celular. Há uma variedade de subtipos de recep- Gastrão
5 tores, entretanto os mais frequentemente encontrados nos tumores neuroendócrinos do trato gastrointestinal são os subtipos 2 e 5. Para se ligar a esses receptores, vários análogos da somatostatina vêm sendo utilizados como ferramenta com finalidade diagnóstica e terapêutica. Com objetivos de diagnóstico e estadiamento já é corriqueira, como técnica de geração de imagem, a utilização da cintilografia conhecida como Octreoscan. Essa modalidade surgiu inicialmente como a cintilografia realizada após administração endovenosa do elemento químico radioativo Indio 111 ligado à molécula de octreotida, um análogo da somatostatina. Essa segunda substância se ligaria aos receptores da somatostatina presentes na membrana celular dos tumores neuroendócrinos e o elemento radioativo concentrado nesse local denunciaria a presença concentrada dessas células tumorais, através da captação da radiação emitida. Mais recentemente esse exame foi modificado, pois o emprego de outro elemento químico, o Tecnécio marcado com a octreotida apresentava maior acurácia, além de ser mais barato e necessitando menos tempo para sua realização. Uma grande inovação e aprimoramento, que já é realidade no exterior, está prestes a ocorrer no país na área de imagem dos tumores neuroendócrinos. Através da elaboração de novas moléculas ligantes e de novos equipamentos, os receptores da somatostatina presentes nos tumores neuroendócrinos têm sido ligados a outro tipo de elemento químico radioativo, o Gálio 68, que pode ser captado nos aparelhos de emissão de pósitrons acoplados a tomografia, os PET-CT 12. Ou seja, ao invés da captação ocorrer no sítio de maior metabolismo de glicose, como quando utilizamos o FDG do PET-CT, o exame acende nos locais onde há maior concentração de análogos da somatostatina marcada injetada de forma endovenosa. Trabalhos científicos têm demonstrado superioridade deste método com relação ao Octreoscan e provavelmente se tornará o padrão-ouro na detecção desse tipo de doença. APRIMORAMENTO DA RADIOTERAPIA A presença de receptores da somatostatina na membrana da células tumorais neuroendócrinas permite não apenas a marcação radioativa e sua identificação. Nos últimos anos os análogos da somatostatina foram ligados a outros elementos radioativos, porém não com o intuito de localização topográfica das lesões. O objetivo seria de radioterapia tópica e teleguiada. Como torpedos liberados por administração endovenosa e guiados para chegar e se acoplar ao alvo, via complexo de ligação análogo da somatostatina e seu receptor. Teríamos a destruição das células tumorais, com menos efeitos colaterais danosos sobre as células normais adjacentes ou de trajeto da radioterapia externa convencional. Os elementos químicos mais estudados e utilizados até o momento com essa finalidade são o Lutécio, Itérbio e o Ítrio Gastrão 2013
6 APRIMORAMENTO DOS MARCADORES TUMORAIS NEUROENDÓCRINOS Com relação aos exames complementares, o diagnóstico e principalmente o seguimento do paciente, bem como no pós-operatório, são auxiliados pela dosagem sérica dos marcadores genéricos dos tumores neuroendócrinos. A Cromogranina A é uma glicoproteína armazenada nos grânulos secretórios das células neuroendócrinas e sua dosagem sérica se eleva mais comumente nos casos dos tumores neuroendócrinos mais bem diferenciados, incluindo-se os não-funcionastes. Por outro lado, a Enolase sérica (NSE - neutron specific enolase) está mais frequentemente elevada nos tumores menos diferenciados e de comportamento mais agressivos. Desta forma, talvez seja possível indicar a realização dos exames pareadamente PET-CT com Gálio 68 e Cromogranina sérica nos tumores bem diferenciados e, no outro extremo, PET-CT com FDG e Enolase sérica (NSE - neutron specific enolase) nos tumores menos diferenciados(3). A cromogranina A pode estar falsamente elevada na insuficiência renal e na vigência de uso de IBPs 2. Ate recentemente a investigação laboratorial era feita pela dosagem dos marcadores séricos e urinários das substâncias produzidas pelos tumores como as baseadas no ácido 5-hidroxi-indol-acético (5-HIAA) ou a serotonina. Entretanto os marcadores séricos genéricos se mostraram superiores principalmente nos casos dos casos de localização gástrica. Há ainda o fato de que tumores de várias localizações podem produzir substâncias como o 5-HIAA, porém não secreta-las para a corrente sanguínea, ou mesmo não chegarem a apresentar valores séricos periféricos elevados por serem metabolizados antes de chegar aos vasos periféricos. Quadro 3. Fluxograma de tratamento Gastrão
7 REFERÊNCIAS 1. Delle Fave G, Kwekkeboom DJ, Van Cutsem E, Rindi G, Kos-Kudla B, Knigge U, Sasano H, Tomassetti P, Salazar R, Ruszniewski P; Barcelona Consensus Conference Participants. ENETS Consensus Guidelines for the management of patients with gastroduodenal neoplasms. Neuroendocrinology. 2012;95(2): Frilling A, Akerström G, Falconi M, Pavel M, Ramos J, Kidd M, Modlin IM. Neuroendocrine tumor disease: an evolving landscape. Endocr Relat Cancer Sep 14;19(5):R doi: /ERC Print 2012 Oct. 3. Öberg K, Knigge U, Kwekkeboom D, Perren A; ESMO Guidelines Working Group. Neuroendocrine gastro-entero-pancreatic tumors: ESMO Clinical Practice Guidelines for diagnosis, treatment and follow-up. Ann Oncol Oct;23 Suppl 7:vii O Toole D, Delle Fave G, Jensen RT. Gastric and duodenal neuroendocrine tumours. Best Pract Res Clin Gastroenterol Dec;26(6): Merola E, Sbrozzi-Vanni A, Panzuto F, D Ambra G, Di Giulio E, Pilozzi E, Capurso G, Lahner E, Bordi C, Annibale B, Delle Fave G. Type I gastric carcinoids: a prospective study on endoscopic management and recurrence rate. Neuroendocrinology. 2012;95(3): doi: / Epub 2011 Jul 30. PubMed PMID: Melcescu E, Hogan RB 2nd, Brown K, Boyd SA, Abell TL, Koch CA. The various faces of autoimmune endocrinopathies: non-tumoral hypergastrinemia in a patient with lymphocytic colitis and chronic autoimmune gastritis. Exp Mol Pathol Dec;93(3): Wei R, Chang A, Rockoff A. Polyglandular autoimmune syndrome disguised as mental illness. BMJ Case Rep Apr 29; Chakrabarti D, Mallik K, Bhattacharyya AK. Schmidt syndrome a rare polyendocrinopathy. J Indian Med Assoc Jun;110(6): Kubota T, Ohyama S, Hiki N, Nunobe S, Yamamoto N, Yamaguchi T. Endocrine carcinoma of the stomach: clinicopathological analysis of 27 surgically treated cases in a single institute. Gastric Cancer Jul;15(3): Soga J. Early-stage carcinoids of the gastrointestinal tract: an analysis of 1914 reported cases. Cancer Apr 15;103(8): Soga J. Carcinoids and their variant endocrinomas. An analysis of reported cases. J Exp Clin Cancer Res Dec;22(4): Haug AR, Cindea-Drimus R, Auernhammer CJ, Reincke M, Wängler B, Uebleis C, Schmidt GP, Göke B, Bartenstein P, Hacker M. The role of 68Ga-DOTATATE PET/CT in suspected neuroendocrine tumors. J Nucl Med Nov;53(11): Gastrão 2013
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