Processo de Institucionalização da Controladoria em Empresas Familiares Brasileiras
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- Alícia de Lacerda Mangueira
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1 Processo de Institucionalização da Controladoria em Empresas Familiares Brasileiras Autoria: Ilse Maria Beuren, Elza Terezinha Cordeiro Müller Resumo A implantação ou reestruturação da controladoria implica em mudanças, porque ambas instituem regras e rotinas que alteram total ou parcialmente o sistema de funcionamento da organização e das pessoas envolvidas. O objetivo do estudo é na analisar o processo de institucionalização da controladoria mediante hábitos e rotinas em empresas familiares brasileiras. A pesquisa foi realizada por meio de um estudo multicasos em três empresas familiares brasileiras, com análise de conteúdo. Os resultados da pesquisa mostram, com base nas entrevistas realizadas em novembro de 2007 com o controller das empresas do estudo multicasos, que o processo de institucionalização da controladoria tem seu próprio procedimento e tempo de aplicação e se consolida com a repetição das novas práticas implantadas. Para cada caso as normas e regras foram institucionalizadas e, as mudanças, tanto nas práticas como no comportamento dos envolvidos, acabaram por incorporar novos hábitos e novas rotinas. Conclui-se que, a institucionalização de regras e rotinas em empresas familiares brasileiras ocorre depois das mudanças serem implementadas e incorporadas ao comportamento dos envolvidos no processo e, mediante os novos hábitos e rotinas, passam a ser aceitas e adotadas como norma na controladoria, assim se instituem como regra. 1 Introdução As mudanças nas empresas podem decorrer de fatores naturais, como envelhecimento dos fundadores e gestores, ou impostos pelo ambiente externo, como acirramento da concorrência, mudanças tecnológicas. Porém, independente dos fatores que as motivaram, influenciam e propiciam a criação de novas normas, regras e rotinas nos sistemas organizacionais, que tendem a ser institucionalizadas. No contexto empresarial, os processos de mudanças envolvem os diversos sistemas e subsistemas da empresa. Mosimann e Fisch (1999) reportam que a empresa como sistema é formada por pessoas, cujas ações estão presentes nos vários subsistemas. Nas empresas familiares, que são objeto do presente estudo, há situações em que parte dos membros da família está envolvida nos negócios e no sistema empresa. São geralmente membros da família que participam na política, na sociedade local e, até mesmo, em outros negócios. Conseqüentemente, existem também outros interesses, o que torna complexo o relacionamento dos sistemas família-empresa. A empresa familiar, segundo Lethbridge (1997, p. 1), ocupa um espaço importante em economias industrializadas e emergentes. Todavia, é inegável que a empresa familiar tradicional, avessa a sócios e executivos externos, dificilmente sobreviverá pressionada pela abertura de mercados e pela globalização e regionalização. Porém, estas pressões podem ser percebidas como um desafio, quando focados na continuidade, e apresentam novas oportunidades, pois estão relacionadas com a sobrevivência e expansão do negócio. Na perspectiva da continuidade da empresa familiar, o estudo atem-se à controladoria como órgão responsável pelo suporte de informações nas decisões, reformulações de atividades e implantação de novas regras e rotinas organizacionais. Mosimann e Fisch (1999) ressaltam que nem todas as empresas têm um órgão definido para executar as funções da controladoria e a ausência deste órgão é suprida por um gestor com uma visão generalista. Sob essa perspectiva considera-se importante a implantação da controladoria ou uma eventual reestruturação quando a controladoria já está formalizada na estrutura da empresa. Pressupõe-se que quando as empresas passam por processo de implantação ou reestruturação da controladoria, ocorrem mudanças e, a partir dessas, são instituídas regras e rotinas que alteram total ou parcialmente o sistema de funcionamento da organização e das
2 pessoas envolvidas. Pressupõe-se ainda que as novas normas instituídas, tanto no ambiente interno, quanto no ambiente externo da controladoria, afetam as crenças e valores da organização e moldam o comportamento dos envolvidos nos processos de mudanças. A institucionalização em organizações é tema de diversos estudos com enfoque em três vertentes da teoria institucional: nova economia institucional (New Institutional Economics NIE), nova sociologia institucional (New Institutional Sociology NIS) e velha economia institucional (Old Institutional Economics OIE) (MACHADO-DA-SILVA e FONSECA, 1993; BARLEY e TOLBERT, 1997; TOLBERT e ZUCKER, 1999; MACHADO-DA-SILVA et al,. 2001; DIMAGGIO e POWELL, 2005; MACHADO-DA- SILVA, FONSECA e CRUBELLATE, 2005; MACHADO-DA-SILVA e AMARAL FILHO, 2006). Nesta pesquisa particulariza-se a abordagem da teoria institucional na ótica da velha economia institucional (OIE) com foco no órgão administrativo denominado controladoria. Com esse enfoque vislumbra-se viabilizar a averiguação das mudanças que ocorrem quando a controladoria é formalizada ou suas funções são implementadas na organização. O objetivo do estudo é na analisar o processo de institucionalização da controladoria mediante hábitos e rotinas em empresas familiares brasileiras. O estudo se justifica por buscar compreender como ocorre a institucionalização de regras e rotinas na controladoria de empresas com características familiares, dada sua importância na economia mundial e também brasileira. 2 Teoria Institucional Independente da abordagem, a teoria institucional tem despertado interesse em pesquisas nas áreas da Ciência Política, Sociológica e Econômica, como elementos que propiciam conhecer a realidade social. Para Carvalho, Silva e Vieira (2004, p. 2), a abordagem institucional, tanto sob os adjetivos de velho ou de novo institucionalismo, tem sido explorada em diferentes vertentes, a política, a econômica e a sociológica, que tem, cada uma, oferecido subsídios para o entendimento de fenômenos sociais em seus respectivos âmbitos do conhecimento. Machado-da-Silva et al. (2001, p. 2) reportam que estudos institucionais recentes vêm prestando maior atenção aos mecanismos miméticos e normativos na análise do fenômeno da estabilidade e da transformação organizacional. No entanto, a importância desses mecanismos depende da situação específica que se pretende investigar e do contexto institucional circundante. Burns e Scapens (2000), ao abordar a teoria institucional na contabilidade gerencial, enfocam-a sob a nova economia institucional (New Institutional Economics NIE), a nova sociologia institucional (New Institutional Sociology NIS) e a velha economia institucional (Old Institutional Economics OIE). A vertente da teoria institucional na Ciência Política é baseada no direito constitucional e na filosofia moral. Neste sentido há atenção em especial aos aspectos legais e à ordenação administrativa das estruturas governamentais. A abordagem institucional na vertente política despertou maior interesse por pesquisadores da Europa e da América desde a última metade do século XIX até às primeiras décadas do século XX (CARVALHO; SILVA; VIEIRA, 2004, p. 3). Guerreiro e Pereira (2005) reportam que a NIE foca o ambiente institucional como um conjunto de regras sociais, legais e políticas que estabelecem bases para produção, troca e distribuição. Nessa acepção, o ambiente institucional influencia o comportamento nas organizações. Para Carvalho, Silva e Vieira (2004), as instituições cresceram e tornaram-se mais complexas, e também mais eficazes. E o crescimento e mudanças nas formas de instituições tem origem no interesse da perspectiva institucional da ciência política. Citam como exemplo a democracia política que se configura como instituições políticas 2
3 Dimaggio e Powell (2005) se referem à vertente política sob duas tendências de perspectiva institucionalista: a teoria positiva, que focaliza a análise dos processos de tomada de decisões políticas e a relação entre estrutura e produtos ou resultados políticos nas instituições políticas domésticas; e a teoria dos regimes, que se interessa pelas relações internacionais, em particular pelas formas de cooperação internacional e as instituições que as promovem. Nas duas tendências destacam a importância da cultura, da valorização do campo político, e do desenvolvimento de autonomia nas instituições políticas e sociológicas. A vertente sociológica traz a análise sobre as relações da organização e do ambiente, primeiramente focada nas interações informais, em relações de poder e no processo constitutivo das instituições, com ênfase na heterogeneidade do universo organizacional. Em sua retomada, no final da década de 70, relações de poder são postas em segundo plano e evidenciam requisitos de conformidade a padrões institucionalmente legitimados. (CARVALHO; SILVA; VIEIRA, 2004). Segundo Machado-da-Silva e Fonseca (1993), a evolução na teoria institucional de base sociológica, do velho para o novo institucionalismo, ocorre com certos cuidados, pois muito do velho está incorporado no novo. A abordagem sociológica tende a definir institucionalização no sentido de conformidade e legitimidade, mudança e manutenção de padrões culturais. A vertente econômica, em sua origem, contrapôs-se aos fundamentos da economia clássica, e introduz a estrutura social para determinar processos econômicos. Carvalho, Silva e Vieira (2004, p. 4-5) afirmam que a origem da teoria institucional é marcada pela publicação do artigo de Thorstein Veblen em 1898 com o título: Por que a economia não é uma ciência evolutiva?. Os autores referenciam a recusa de Veblen ao conceito de homo economicus, pois, não considerava o homem como determinante para o desenvolvimento do sistema econômico, e sim os costumes e as convenções, sendo que estes determinariam o comportamento econômico e a ação individual. E a ação individual seria influenciada por circunstâncias e relações de natureza institucional. De acordo com Guzmán (2003, p. 4), o uso da teoria institucional na contabilidade gerencial tem como objetivo analisar os processos desenvolvidos, a adoção de práticas novas ou elementos do sistema de informação e controle de administração. Estas análises devem ser fundamentadas na explicação formal dos processos e na influência do comportamento na ação dos envolvidos, assim exercitam-se as instituições, porém com mecanismos diferentes do isomorfismo institucional. O isomorfismo acontece como mecanismo de proteção e legimitidade das atividades das organizações. Burns e Scapens (2000) explicam que os mecanismos coerção, mimetismo e normatização, acontecem, dependendo se a fonte do isomorfismo é derivada de uma obrigação ou de condicionamento. Por exemplo, do desejo de imitar uma certa prática ou estrutura que é percebida como melhor ou de uma norma ou um padrão estabelecido com resultado considerado positivo. Burns e Scapens (2000) citam que a instituição se relaciona a uma forma lógica e social imposta sobre uma atividade, através da produção e reprodução de hábitos e ação. Para analisar a incorporação da ação individual, os autores propõem um modelo enfocado na base teórica da velha economia institucional (OIE), que fundamenta estudos analíticos e elementos que dimensionam a instituição e mudanças nas rotinas. O enfoque dos estudos de Burns e Scapens (2000) analisa mudanças nas rotinas que envolvem a contabilidade gerencial. 3 Avaliação do Processo de Institucionalização Barley e Tolbert (1997) apresentam um modelo geral de institucionalização, com a integração da teoria institucional e a teoria da estruturação. O modelo de Barley e Tolbert teve como fonte principal os trabalhos de Giddens (1989) que apresenta um modelo mais estático. 3
4 Barley e Tolbert, com a inserção dos conceitos de campo institucional e campo de ação, transformaram o modelo de Giddens em um modelo dinâmico. Os dois campos, instituição e ação, interagem numa dimensão de tempo e modificam os papéis dos envolvidos, através dos processos de codificação, incorporação, replicação ou revisão, exteriorização e objetivação. A estrutura do modelo de Barley e Tolbert (1997) é apresentada nos estudos de Tolbert e Zucker (1999) em três estágios: pré-institucional, semi-institucional e total institucionalização. O processo é caracterizado em três seqüências: habitualização, objetificação e sedimentação. Burns e Scapens (2000) utilizaram base teórica que fundamenta estudos analíticos e elementos que dimensionam a instituição e mudanças nas rotinas, e modificaram o modelo de Barley e Tolbert (1997). A modificação se deu pela incorporação de conceitos fundamentais da OIE, que se referem aos hábitos, às rotinas e às regras. Guerreiro e Pereira (2006) observam que a noção de papéis que estava presente no modelo de Barley e Tolbert (1997) dá lugar aos conceitos de rotinas e regras no modelo de Burns e Scapens (2000). Guerreiro e Pereira (2006, p. 3) reportam que a instituição envolve identificar categorias e atividades de pessoas e relacionamentos apropriados de acordo com as tarefas e rotinas que envolvem o relacionamento. Para Burns e Scapens (2000, p. 7), a partir do momento que as práticas se constituam como regras organizacionais e rotinas inicia-se o processo institucional. Os autores entendem que as práticas de contabilidade e de administração podem ser consideradas como rotinas, e que da forma que são ordenadas e reproduzidas, com o tempo, podem ser institucionalizadas. E concebem o processo institucional em dois campos: campo da instituição e campo da ação. Guerreiro e Pereira (2005) descrevem quatro processos fundamentais do modelo de Burns e Scapens (2000) que envolvem hábitos e rotinas: codificação, incorporação, reprodução e institucionalização. Estes quatro processos ocorrem entre o campo da instituição e o campo de ação de maneira sucessiva, como mostra a Figura 1. Campo Institucional a d a d rotinas rotinas regras regras b b b b b b c c c c c c Campo da Ação Legenda: a = codificação b = incorporação c = reprodução d = institucionalização Figura 1 O processo de institucionalização Fonte: adaptado de Burns e Scapens (2000, p. 9 apud GUERREIRO e PEREIRA, 2005, p. 5). Tempo A Figura 1 mostra numa seqüência de cada momento do processo e a ligação entre o campo institucional e o campo da ação. Guerreiro e Pereira (2005, p. 4-5) descrevem a 4
5 seqüência dos processos: primeiro momento, o campo institucional codifica princípios institucionais em regras e rotinas e, na seqüência, os atores através de suas ações e interações no campo da ação, incorporam as regras e rotinas que codificam os princípios institucionais. O comportamento repetitivo dos atores provoca a repetição de regras e rotinas e finalmente essas rotinas e regras se tornam institucionalizadas, constituindo novos elementos do campo institucional. Para Guerreiro e Pereira (2006), a institucionalização ocorre quando hábitos e rotinas de contabilidade gerencial são convertidos em instituições. O processo institucional não implica somente instituir regras e implantar práticas. Kostova (1998, p. 2) descreve que o processo institucional continua após a implantação das práticas, indo até quando os funcionários valorizarem as novas práticas. Existem dois elementos que compõem o processo das práticas organizacionais, a difusão de um conjunto de regras e a transmissão ou criação de um significado para estas regras. 4 Institucionalização da Controladoria em Empresas Familiares Encontram-se na literatura específica autores que compreendem a controladoria como um órgão administrativo e como área do conhecimento humano ou ciência. Para Mosimann e Fisch (1999) a controladoria pode ser visualizada sob dois enfoques: a) como órgão administrativo, com uma missão, função e princípios norteadores definidos no modelo de gestão do sistema empresa; b) como uma área do conhecimento humano com fundamentos, conceitos, princípios e métodos oriundos de outras ciências. Borinelli (2006, p. 198) define a controladoria como órgão do sistema formal da organização responsável pelo controle do processo de gestão e pela geração e fornecimento de informações de ordens operacional, econômica, financeira e patrimonial demandadas. Concebe a controladoria sob três aspectos: conceituais (ramo do conhecimento, que se materializa nas organizações), procedimentais (elementos relativos ao seu funcionamento) e organizacionais (estruturação na unidade organizacional). A posição da controladoria na estrutura organizacional pode ser definida a partir da função do controller. Figueiredo e Caggiano (2004, p. 27) reportam que, embora o delineamento da função e da posição do executivo possa variar de uma empresa para outra, existe um conceito que é comumente observado quanto ao controller. Explicam que suas funções não são restritas à contabilidade, espera-se que ele tenha conhecimento e visão ampla em relação à contabilidade gerencial; que participe no desenvolvimento de atividades como planejamento, controle, informações, entre outras funções voltadas para administração e supervisão de cada atividade que tenha impacto no desempenho da empresa. Cada empresa apresenta uma cultura individual, mas, com influência do país e da região onde está estabelecida. Srour (1998) cita que, pequenas e médias empresas, que geralmente são familiares, espelham a cultura do país ou da região em que se estabelecem. A cultura da empresa também é influenciada pelos que a administram. Mosimann e Fisch (1999, p. 22) citam que as crenças e valores dos proprietários irão impactar nas crenças e valores de toda a organização, porque, somadas às expectativas de seus investidores, se converterão em diretrizes-mestras, que nortearão os demais subsistemas do sistema da empresa. Para ser considerada familiar a empresa deve ter sido fundada por um membro da família, sendo que este deve ter vínculo de propriedade e estar na direção da empresa, administrando interesses e objetivos da família. E quando ocorrer a sucessão deve prevalecer a hereditariedade (DONNELEY, 1987). Longenecker et al. (1997) conceituam empresa familiar como organização produtiva, caracterizada pela presença de duas ou mais gerações da família, e os valores e o histórico da empresa estão vinculados à família, e esta busca transferir o patrimônio para sucessores hereditários. O conceito de empresa familiar, conforme Ussman (2004, p. 17), vai ao encontro da teoria dos sistemas e resulta da inter-relação entre dois sistemas distintos, a família e a 5
6 empresa, cada qual com objetivos e regras próprias para cada sistema, gerando com demasiada freqüência problemas, conflitos, confusão, etc. Assim é relevante conhecer e entender a cultura dessas organizações, como funcionam e são gerenciadas. Devido a interrelação desses dois sistemas o processo de institucionalização da controladoria mediante hábitos e rotinas deve ter particularidades e complexidades, o que tem despertado interesse e motivado o desenvolvimento dessa pesquisa. 6 Método e Procedimentos da Pesquisa Na presente pesquisa foi realizado um estudo multicasos, tendo como premissa que é o mais adequado para avaliar o processo de institucionalização da controladoria mediante hábitos e rotinas em empresas familiares. Foram selecionadas três empresas com característica familiar cujas respostas dadas a um questionário aplicado entre os meses de maio e junho de 2007, em uma pesquisa sobre o tema com escopo mais amplo, melhor atenderam aos objetivos específicos deste estudo. Ao controller dessas empresas foi aplicada em novembro de 2007 uma entrevista com roteiro estruturado. O estudo de caso, segundo Yin (2001) permite uma investigação para apreender as características significantes e holísticas de eventos da vida real, tais como ciclos de vida individuais, processos organizacionais e administrativos, relações internacionais e a maturação de setores. E tecnicamente utiliza múltiplas fontes de evidências. O estudo multicasos oportuniza o conhecimento mais aprofundado sobre a realidade atingida pela pesquisa, sem necessariamente fazer comparações entre os casos. Com o intuito de analisar o processo de institucionalização da controladoria nas empresas, foi elaborado um roteiro de entrevistas baseado nos seguintes questionamentos: a) As empresas passaram por processo de institucionalização por meio de implantação ou reestruturação da controladoria no período de 2001 a 2006? b) Foram instituídas normas na controladoria, e com a instituição das normas foram alterados procedimentos? c) Como foi a aceitação interna e externa em relação à institucionalização da controladoria? Nas entrevistas buscou-se investigar atributos que possibilitassem a avaliação do processo de institucionalização na controladoria, com o método de estudo de caso múltiplo. Visando resguardar a identificação legal dos entrevistados, bem como das empresas, na análise e interpretação dos dados foram tratadas como empresas A, B, C. Os dados coletados nas entrevistas foram analisados com foco no modelo proposto por Burns e Scapens (2000) exposto na Figura 4 dessa pesquisa. Para análise de conteúdo, com base no modelo proposto por Burns e Scapens (2000), foram estabelecidas quatro categorias: codificação, incorporação, reprodução e institucionalização. Análise de conteúdo, de acordo com Bardin (1977, p.42), é um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos, relacionadas às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. As limitações identificadas para esta pesquisa estão relacionadas à entrevista. Há possibilidade do entrevistado no momento da entrevista não ter lembrado de detalhes sobre ocorrências relevantes para a pesquisa, por exemplo, possíveis alterações de procedimentos no período estabelecido para esta pesquisa. Ou ainda, não ter compreendido a pergunta, respondendo sobre o planejamento para mudanças e não sobre as ocorrências de fato realizadas. Observa-se que as limitações decorrem da estratégia definida para a pesquisa. 7 Análise e Interpretação dos Dados Nesta seção expõem-se os dados da pesquisa realizada por meio de um estudo multicasos, com utilização da técnica da análise de conteúdo. Inicialmente apresenta-se o 6
7 perfil das empresas do estudo multicasos e comenta-se sobre o seu departamento de controladoria formalizado. Em seguida descrevem-se a análise e interpretação dos dados das entrevistas, enfocando as categorias estabelecidas para a análise de conteúdo. 7.1 Perfil das Empresas do Estudo Multicasos No Quadro 1 apresenta-se sinteticamente o perfil das três empresas do estudo multicasos, relatando-se o início das atividades, tipo de organização societária, mercado de atuação, Estado em que se localiza a sede ou matriz das empresas e o ramo de atividades. Em relação à controladoria, apresenta-se o ano de implantação, estrutura do departamento e o responsável pelo departamento. Empresas A B C Início de atividades Organização societária S.A. capital aberto S.A. capital fechado S.A. capital fechado Mercado de atuação Interno e externo Interno e externo Interno Estado de localização São Paulo Paraná Rio Grandedo Sul Ramo de atividade Ano de implantação do departamento Controladoria Estrutura do departamento Controladoria na empresa Responsável pelo departamento Controladoria Produção de papéis e cartões para embalagens, embalagens de papelão ondulado, sacos industriais madeira em toras Quadro 1 Perfil das empresas pesquisadas Fonte: dados da pesquisa. Transformação e fabricação de plástico antes de Rede varejista de produtos eletroeletrônicos, eletrodomésticos e móveis órgão de linha órgão de linha órgão de staff Controller Controller Gerente de Finanças e Controladoria Verifica-se no Quadro 1, que das três empresas pesquisadas, a empresa A está em atividades desde o ano de Sua organização societária é sociedade anonima de capital aberto. Atua no mercado interno e externo. A sede da empresa está localizada no Estado de São Paulo. O ramo de atividades que atua é produção de papéis e cartões para embalagens, embalagens de papelão ondulado, sacos industriais e madeira em toras. Quanto ao departamento de controladoria, foi implantado antes do ano de Segundo o controller desta empresa não tem uma data registrada, mas desde que ele iniciou suas atividades na empresa no ano de 1979 a controladoria já existia. O departamento é órgão de linha e conforme relata o controller, a empresa passou por processo de mudança na controladoria no período de 2001 à 2006, porém não foram elaboradas novas normas e sim a conclusão das implementações nas demais unidades. A empresa B iniciou suas atividades no ano de 1963, é sociedade anônima de capital fechado, também atua no mercado interno e externo. Sua sede está localizada no Estado do Paraná e o ramo de atividades que atua é transformação e fabricação de plástico. O departamento de controladoria na empresa B foi implantado no ano de 2000, como órgão de linha. Conta com um controller como responsável pelo departamento, e segundo ele o departamento passou por processo de mudanças no período de 2001 à A empresa C está em atividades desde o ano de 1959, sua organização societária é sociedade anônima de capital fechado. Atua no mercado interno, mais especificamente na região sul e sudeste do Brasil, sua sede está localizada no Estado do Rio Grande do Sul. O ramo de atividade que atua é rede varejista especializada em produtos eletro-eletrônicos, eletrodomésticos e móveis. 7
8 Com relação ao departamento de controladoria na empresa C, foi implantado no ano de 1995 e é órgão de staff. Esta empresa tem como responsável pelo setor um Gerente de Finanças e Controladoria. De acordo com as respostas dele a empresa passou por processo de mudanças no período de 2001 a 2006, foram elaboradas e implementadas normas, mas não foram alterados procedimentos. 7.2 O Processo de Institucionalização da Controladoria As categorias utilizadas para analisar o conteúdo das entrevistas tiveram como suporte o modelo proposto por Burns e Scapens (2000) para avaliação do processo institucional: codificação, incorporação, reprodução e institucionalização. Essas categorias compõem os campos de ação e de institucionalização no processo institucional. No Quadro 3 apresenta-se uma síntese das variáveis relacionadas às categorias do processo institucional. Categorias Empresa A Empresa B Empresa C Codificação - as mudanças são - foi implantado um freqüentes para estar se sistema de gestão de adaptando ao processo qualidade e iniciado a operacional; - foram criadas rotinas com certificação ISO; - treinamentos passaram a maior proporção para os ser periódicos em todas as níveis operacionais; - as normas criadas foram com proporção maior para os níveis de gerência. unidades; - auditoria de qualidade com objetivo de melhoria continua. Incorporação Reprodução Institucionalização - todas as unidades foram representadas, - primeiro foi analisado o que impacta nas unidades e em outros departamentos e depois implantadas em todas as unidades; - conforme o impacto para departamentos e unidades, principalmente nos níveis operacionais; - tanto as rotinas como as normas são implantadas em todas as unidades. - nos níveis operacionais a aceitação é automática, não sabem; - com a auditoria interna observa-se a aplicação correta das rotinas, nos níveis operacionais principalmente. - sempre que é necessário mudar rotinas ou normas, são mudadas para todas as unidades; - a utilização do sistema de informação é obrigatória; - as normas são parte dos processos e em constantes modificações, e instituídas conforme a necessidade - a diretoria, controller e empregados com cargo de gerente participaram das reorganizações de trabalho; - reuniões periódicas para adaptação ao sistema de gestão; - treinamentos para conscientização sobre as mudanças nas instruções de trabalho e procedimentos de controle de qualidade; - na reorganização das instruções de trabalho. - a aceitação é normal, e consciente sobre a participação nos resultados; - o cumprimento das rotinas e normas favorece para atingir as metas préestabelecidas no plano de participação nos resultados. - o uso do sistema de gestão e a auditoria de qualidade; - tanto o uso do sistema de gestão como da auditoria de qualidade foram adicionados nas instruções de trabalho. - a descentralização de alguns controles da matriz; - a rotina é treinamento constante, tanto para gerentes como para vendedores; - as normas estão na própria configuração das características da empresa. - gerentes participaram na ampliação da metodologia usada na matriz para outras lojas; - depois da configuração da empresa como um todo iniciou-se a descentralização das metodologias; - os gerentes de vários níveis e vendedores estão em constante treinamento, para entenderem as metodologias; - a resistência é até a compreensão dos conceitos e metodologias necessárias para o desempenho de cada um; - na avaliação do desempenho ocorre uma seleção natural e as normas e regras são cumpridas. - a metodologia, conceitos e controles usados na matriz devem ser usados também nas demais lojas; - a ampliação do uso das normas da matriz para as outras lojas foram institucionalizadas na configuração das características da empresa 8
9 das demais unidades. Quadro 3 Processo de institucionalização da controladoria Fonte: dados da pesquisa. para agilizar os trabalhos. Verifica-se no Quadro 3 as categorias estabelecidas e os dados coletados que possibilitam identificar elementos que oportunizam a avaliação do processo de institucionalização da controladoria nas empresas do estudo multicasos. Em suma, as três empresas apresentam normas institucionalizadas na controladoria. Na empresa A as mudanças são freqüentes e sempre que ocorrem mudanças que provoquem impacto em outras unidades de negócio, são instituídas para todas as unidades de negócio, sendo antes em outras áreas, depois na controladoria. A empresa B institucionalizou suas normas com a reorganização das alterações de trabalho, com foco no sistema de gestão e auditoria da qualidade. Esse fato pode ser devido a certificação ISO, sendo que as modificações ocorreram na controladoria ou com a sua participação. A empresa C descentralizou alguns controles e metodologias que eram utilizados na empresa matriz para outras unidades, assim instituiu na controladoria da empresa matriz a nova configuração. Nas empresas A e B a controladoria é órgão de linha, e tanto as mudanças como as análises da necessidade e do impacto das possíveis mudanças, ocorrem antes em áreas paralelas e externas à controladoria. Assim depreende-se que nessas duas empresas o controller tem autonomia para decisões e participa nas atividades e decisões em outras áreas além da controladoria. Os dois casos mostram que de fato a controladoria ocupa a posição de órgão de linha. Enquanto que na empresa C as implantações e mudanças ocorrem de forma mais restrita no departamento de controladoria, que é órgão de staff, depois, conforme a aceitação e necessidade de suas funções, são estendidas a outras áreas. A seguir, confrontando-se os dados coletados com a base teórica desse trabalho, analisa-se a seqüência do processo institucional, conforme as categorias que foram estabelecidas para análise do conteúdo das entrevistas. As categorias codificação, incorporação, reprodução e institucionalização são analisadas separadamente, em cada empresa do estudo multicasos Codificação A codificação é o primeiro momento do processo de institucionalização, faz parte do campo institucional onde são identificados e codificados os princípios institucionais em regras e rotinas. Para identificar as regras e rotinas nas empresas foram analisadas as respostas do controller respondente de cada empresa. No caso da Empresa A as mudanças são consideradas freqüentemente necessárias e tanto as normas como as rotinas são estabelecidas como regra para todos os níveis, porém com proporção diferente. Segundo o controller, as mudanças são freqüentes, para estar se adaptando ao processo operacional e, principalmente, pelas necessidades externas (unidades que fazem parte da empresa). Quanto às rotinas, o controller destacou que foram criadas rotinas para todos os níveis com maior proporção para os níveis operacionais do que para outros que envolvem gerência, pois necessitam da rotina operacional dos processos. Enquanto que as normas criadas foram com proporção maior para os níveis de gerência do que para os níveis operacionais, com vistas à gerenciarem conforme as normas estabelecidas para as unidades. Com a análise desses dados foram codificadas as regras e rotinas do caso A conforme segue: a) as mudanças freqüentes; b) as rotinas foram criadas com maior proporção para os níveis operacionais; c) as normas foram criadas com proporção maior para os níveis de gerência. No caso da Empresa B, as respostas que oportunizaram verificar as regras e rotinas que codificam o processo de institucionalização, focalizam implantação de sistemas, 9
10 aperfeiçoamento e melhoria contínua. De acordo com o controller dessa empresa, no período de 2001 a 2006 foi implantado um sistema de gestão da qualidade e foi dado início à certificação ISO, também foram implantadas novas linhas de produção. Entende-se que com essa implantação houve mudança na controladoria e em outras áreas. Confirma-se isso com a resposta do controller, de que foi normatizado que o aperfeiçoamento e treinamento para todas as linhas de produção deve ser periódico. [...] foi estabelecida também, a norma de auditar a qualidade com objetivo de melhoria contínua. Com essas mudanças foram criadas rotinas na controladoria que estabelecem a utilização do sistema de qualidade e a organização para o desenvolvimento da auditoria de qualidade. Assim, no caso B a codificação das regras e rotinas se deu com: a) a implantação de um sistema de gestão de qualidade e o inicio da certificação ISO; b) o aperfeiçoamento e treinamento para todas as linhas de produção periódico; c) a regra de auditar qualidade com objetivo de melhoria contínua. No caso da Empresa C as mudanças foram na configuração da empresa, e houve a troca do controller. Essa empresa estendeu normas e procedimentos que eram utilizados na matriz para as demais unidades de negócio. Segundo o controller, não foi mudado nada na controladoria e sim o controller aplicou a metodologia que já vinha sendo usada, como orçamento, margem de contribuição, controles, de uma forma mais ampla. Relata ainda que a controladoria e as metodologias eram concentradas na matriz, tudo consolidava-se na matriz, então foram ampliadas as metodologias para as outras lojas, descentralizado-se. Quanto às normas estabelecidas como regra, nessa empresa foi descrito pelo controller que as normas estão na própria configuração das características da empresa, como demonstrativo geral da empresa. Depois da configuração e caracterização da empresa foi apresentado um demonstrativo geral para o conselho e a partir dessas mudanças foram necessários treinamentos. Com relação às rotinas, de acordo com o controller a rotina estabelecida para todos é o treinamento constante, [...] pois alguns conhecem um pouco das metodologias e conceitos, outros não conhecem ou tem dificuldade para entender. Tanto gerentes como vendedores precisam entender margem de desempenho, por exemplo. A partir do exposto foram codificadas as regras e rotinas do caso C, que em suma são: a) a descentralização de alguns controles que eram realizados somente na matriz; b) a exigência de treinamento constante, tanto para gerentes como para vendedores; c) a configuração das características da empresa. Assim foram identificadas as mudanças que permitiram a elaboração de normas e regras nas empresas, que posteriormente, ao serem implementadas e utilizadas nas tarefas, são incorporadas como rotina. Neste sentido, compreende-se o que reportam Guerreiro, Frezatti e Casado (2004), de que as rotinas envolvem uma pré-disposição ou tendência para se engajar em formas de ação anteriormente adotadas ou adquiridas mediante hábitos, que depois de formalizados, orientados por regras, são incorporados aos comportamentos Incorporação A incorporação conforme disposto no modelo de Burns e Scapens (2000), é o segundo momento do processo institucional, porém no modelo, o processo é dividido em dois campos, o da ação e o da instituição, sendo que a incorporação faz parte do campo da ação. A ação de incorporação das regras e rotinas nas empresas em estudo ocorreu de maneira similar. Na Empresa A, conforme a codificação, as mudanças são freqüentes e em todos os níveis, e as regras e normas são estabelecidas para esses níveis. É perceptível que a incorporação ocorre em todos os níveis com a participação de todas as unidades. Verifica-se a incorporação conforme reportou o controller: a) todas as unidades foram representadas, a participação foi maior na definição de controles que poderiam impactar nas unidades em que os envolvidos atuam; b) primeiro foi analisado o que impacta nas unidades e em outros 10
11 departamentos e depois implantadas gradativamente em todas as unidades; c) conforme o impacto para os departamentos e unidades, principalmente nos níveis operacionais; d) tanto as rotinas como as normas são implantadas em todas as unidades. Na Empresa B as respostas do controller apontam para a incorporação das regras e rotinas com a participação da diretoria e gerentes envolvidos nos processos: a) participação da diretoria, do controller e dos empregados com cargo de gerente, em reuniões e reorganizações de trabalho; b) realização de reuniões periódicas e adaptação ao sistema de gestão; c) treinamentos para conscientização sobre as mudanças nas instruções de trabalho e nos procedimentos de controle de qualidade; d) foram alteradas e reorganizadas as instruções de trabalho. Na Empresa C, também se observa a participação de gerentes, vendedores e o conselho de administração: a) alguns gerentes participaram na ampliação da metodologia usada na matriz para as outras lojas; b) depois da configuração da empresa como um todo iniciou-se a descentralização (ampliação das metodologias) para as outras lojas; c) os gerentes de vários níveis e vendedores estão em constante treinamento, para entenderem as metodologias; d) foi apresentado um demonstrativo geral para o conselho. Observa-se nas três empresas o envolvimento de todos os níveis hierárquicos da estrutura formal na incorporação das práticas novas. Entende-se que este é o momento em que ocorre ou deveria ocorrer a mudança no comportamento dos envolvidos. Porém, também é o momento em que são expostas certas resistências às mudanças. No caso A não foi percebido resistência, mas não foi medido se há resistência na incorporação de regras e rotinas. No caso B não foi percebido resistência, mas foram percebidas dificuldades para adaptação em alguma sistemática de controle. E, no caso C, a partir da dificuldade reportada pelo controller, foi percebido resistência na compreensão de como utilizar os conceitos e metodologias, como o orçamento que ficou mais aberto, as margens de contribuição, distribuição e controles de desempenho das lojas, da loja e individualmente. O controller dessa empresa reporta também que, para isso, tanto em outras áreas como nas outras lojas, além da matriz, os gerentes de vários níveis e vendedores estão em constante treinamento, já aproximadamente 3 a 4 anos, para entenderem as metodologias. Neste sentido compreende-se a necessária ação e reprodução das regras e rotinas para que haja mudança no comportamento dos envolvidos até instituírem-se como práticas Reprodução A reprodução das regras e rotinas é o terceiro momento do processo institucional, porém o segundo no campo da ação, isto é, só acontece depois da incorporação das novas práticas. Assim, intui-se que para identificar a reprodução das práticas estabelecidas como regras e rotinas, além de observar a forma de incorporação delas, é necessário averiguar a aceitação das novas práticas, pois, após aceitas são incorporadas, e serão reproduzidas até sua instituição. Isto depende também do ritmo de repetição e do tempo para adaptação até que passem a fazer parte do campo de institucionalização. No caso da controladoria da Empresa A, segundo o controller, existe adaptação com relação às mudanças, pois quando ocorrem é porque são necessárias e a necessidade é principalmente externa (nas unidades). Em outras áreas, nos níveis operacionais a aceitação é automática, não sabem o porquê da rotina ou norma, mas usam de acordo com suas necessidades. Não conhecem por que estão fazendo, mas aprendem fazer e fazem. Infere-se do exposto que nessa empresa a reprodução das regras e rotinas ocorre em todos os níveis e o acompanhamento para verificação dessa ação é com a realização de auditoria interna nas unidades. O controller relata que, com a auditoria interna observa-se a aplicação correta das rotinas, nos níveis operacionais principalmente. 11
12 Analisando-se o comportamento na Empresa B, percebe-se a aceitação das novas práticas, tanto na controladoria como em outras áreas. O controller dessa empresa destacou que a aceitação das regras e normas ocorre normalmente e de forma consciente, pois os empregados, independente da função que exercem, conhecem o código de conduta e o plano de participação nos resultados (PPR). Comentou que, ao serem cumpridas as normas e regras, não existe recompensa diretamente, mas as normas e regras estão alinhadas com o sistema de remuneração variável adotado na empresa e são estabelecidas metas no PPR (programa de participação nos resultados), de modo que quanto maior o comprometimento e atingir as metas melhor o recebimento do variável. O acompanhamento para averiguar se as metas foram atingidas é realizado através de um controle no programa de participação nos resultados e com a auditoria da qualidade. Na Empresa C observa-se um comportamento um pouco mais resistente às mudanças, mas verifica-se que na controladoria a aceitação é mais natural. Isto ocorre porque as maiores mudanças foram para outras áreas. De acordo com o controller, as maiores mudanças foram nas lojas que passaram a usar a metodologia usada na matriz, e a controladoria é na matriz. Com essas mudanças foi observada certa resistência na empresa. A resistência foi até a compreensão dos conceitos e das metodologias necessárias para o desempenho de cada um. Essa empresa também utiliza-se de plano de cargos e salários com avaliação do desempenho individual, assim não estabelece recompensas nem especifica punições no cumprimento das tarefas e metas. Porém, conforme explica o controller, quanto melhor o desempenho melhor a remuneração, por exemplo. Já é norma do plano de remuneração e cargos [...] pela forma de trabalho e na avaliação do desempenho ocorre uma seleção natural. Diante do exposto, subentende-se que ocorre a reprodução das regras e rotinas estabelecidas nessa empresa. O acompanhamento dessa reprodução é através de um demonstrativo geral conforme o desempenho de todos os níveis, gerentes, vendedores, consultores. Conforme o contrato de trabalho deve existir a prática. Observa-se que nos três casos foram estabelecidas regras aparentemente flexíveis às novas mudanças. Porém, cada empresa procurou incorporar as normas e regras em todos os níveis e em todas as áreas. Assim se instituem como rotina, mas cada empresa com seus hábitos e costumes. Scott (2001) explica que instituições são hábitos estabelecidos do pensar comum generalizado pelas pessoas. Scapens (1994) destaca que uma instituição é um modo de pensar ou agir predominante e que está inculcado nos hábitos e costumes de um grupo. Segundo Barley e Tolbert (1997), as instituições são regras compartilhadas e tipificações que identificam categorias de atores sociais e suas atividades próprias como rotinas. A partir do exposto, analisando-se a ação de repetição das práticas nos três casos, verifica-se que ocorre a reprodução das normas e regras estabelecidas com grau diferente entre elas, em relação ao envolvimento, aceitação, treinamentos. Enfim, cada uma com a sua forma e seu ritmo próprio, e isso possibilita avaliar no campo da institucionalização as regras e rotinas Institucionalização A institucionalização se relaciona a uma forma lógica e social imposta sobre uma atividade, através da produção e reprodução de hábitos e ação. Assim, os campos instituição e ação interagem numa dimensão de tempo, nesse tempo modificam-se os papéis dos envolvidos e o comportamento, e através dos processos de codificação, incorporação e reprodução, ocorre a institucionalização. Na Empresa A, a institucionalização ocorreu com a definição de uma norma geral, que é de sempre que for necessário mudar rotinas ou normas deverão ser mudadas para todas as unidades. Outra norma é o uso obrigatório dos sistemas de informação. 12
13 Observa-se que houve a incorporação e reprodução das regras e normas estabelecidas nessa empresa. Depreende-se que houve mudança no comportamento dos envolvidos. Confirma-se isto com o relato do controller, de que não existe padrão de substituição de normas, pois as alterações acontecem de forma rotineira, fazem parte do processo. Portanto, a necessidade de alterações está institucionalizada, assim como a adaptação a elas. Ao questionar como ocorreu a institucionalização de novas normas, o controller respondeu que o que se observa é se estão funcionando, dando certo. Como são parte dos processos e em constantes modificações, são instituídas conforme a necessidade das demais unidades. Na questão sobre alteração de procedimentos, o controller destaca que foi a utilização do sistema de informação que passou a ser mais rígida e obrigatória, e a auditoria interna que passou a ser feita com acompanhamento em todas as unidades. Explica que não foram substituídos procedimentos, mas sim modificados conforme as necessidades, principalmente as operacionais. O controller cita ainda que os procedimentos foram modificados conforme as necessidades das demais unidades, para todas as unidades. Assim, verifica-se que o processo institucional não ocorreu diretamente na controladoria, mas reflete-se na controladoria e nas funções da controladoria. Na Empresa B, as normas instituídas como regra foram o uso do sistema de gestão e a auditoria da qualidade. Segundo o controller dessa empresa, não foram substituídas normas e tanto o uso do sistema de gestão como a auditoria de qualidade foram adicionadas nas instruções de trabalho. Porém, ele relata que alguns procedimentos foram alterados, como a implantação de um sistema de qualidade de alta tecnologia de controles de qualidade com objetivo de otimizar os custos de produção e melhoria contínua, e a apuração de resultados passou a ser por linha de produção. Com esse relato e a análise dos três primeiros momentos do processo institucional, deduz-se que as alterações realizadas foram institucionalizadas como novas normas. Para a pergunta sobre como ocorreu a institucionalização dos novos procedimentos, o controller respondeu que foi com o uso periódico do sistema de gestão e aperfeiçoamento para a total adaptação ao sistema, à nova tecnologia. Observa-se que, quase de forma obrigatória, há mudança no comportamento, aceitação das normas e procedimentos que foram alterados, e automaticamente a institucionalização. Na Empresa C, o controller relata que foi instituída a norma de que a metodologia, conceitos e controles usados na matriz devem ser usados também nas demais lojas. Segundo o entrevistado, não foram substituídas normas, todas que já estavam sendo aplicadas e usadas na matriz permanecem, só que mais descentralizadas. Na questão sobre como ocorreu a institucionalização das novas normas, a resposta do controller foi: não temos novas normas e a ampliação do uso das normas da matriz para as outras lojas foram institucionalizadas na configuração das características da empresa para agilizar os trabalhos. O controller explica que os procedimentos não foram alterados diretamente na controladoria, não houve substituição de procedimentos e os procedimentos utilizados não são novos na controladoria, e sim, nas demais unidades de negócio. Na reprodução das novas práticas que foram estabelecidas como normas, observou-se nessa empresa um comportamento um pouco resistente às mudanças, e que, as maiores mudanças foram em outras áreas. Mesmo assim o processo institucional ocorreu na controladoria, porém, indiretamente. Verifica-se que nos três casos, mesmo que em diferentes áreas e para níveis diversos, as normas e regras foram institucionalizadas e com reflexos na controladoria ou envolvimento de algumas das funções da controladoria. Foi possível averiguar também que, ao tornar-se necessário o uso das normas e rotinas estabelecidas, depois de serem compreendidas, é o momento em que o comportamento dos envolvidos se molda ao processo institucional. Assim, 13
14 por meio de novos hábitos e rotinas, com o passar do tempo, geram-se novos elementos para institucionalização, dessa forma visualizam-se os campos da instituição e da ação no estudo multicasos. Analisando-se conjuntamente o estudo multicasos, à luz do modelo de Burns e Scapens, verifica-se isomorfismo, mais especificamente o mimetismo, no processo de institucionalização da controladoria, apesar da forma aparentemente diferente. Nos três casos, a controladoria está formalizada como departamento, sendo que em dois dos casos a missão da controladoria é similar; o plano de participação nos resultados; a participação na incorporação das mudanças estabelecidas; e a forma de acompanhamento da realização das normas e regras instituídas. 8 Conclusões O estudo objetivou analisar o processo de institucionalização da controladoria mediante hábitos e rotinas em empresas familiares brasileiras. A pesquisa foi realizada por meio de um estudo multicasos em três empresas familiares brasileiras, com análise de conteúdo, tendo como referência as quatro categorias do modelo proposto por Burns e Scapens (2000). Os dados foram coletados em novembro de 2007, através de entrevista com o controller das empresas pesquisadas. Na Empresa A, os elementos do processo de institucionalização foram codificados com destaque à mudanças freqüentes, com as rotinas criadas para os níveis operacionais e as normas criadas para os níveis de gerência. Essas rotinas e normas foram incorporadas pelos envolvidos no processo, com a representação de todas as unidades, e as implementações foram gradativas, conforme o impacto provocado em cada unidade. Este fato demonstrou que, a reprodução das novas práticas na controladoria ocorreu com a adaptação e aceitação às mudanças necessárias nas outras áreas. O acompanhamento da utilização das normas e práticas deixa explícito que, com a realização de auditoria interna, houve mudanças nos hábitos e rotinas e as novas normas foram institucionalizadas, pois estão sendo utilizadas como práticas. Entretanto, as normas institucionalizadas não foram na controladoria, mas se refletem e envolvem as funções de controladoria. Na Empresa B a codificação das regras e rotinas se deu com a implantação de um sistema de gestão de qualidade e com o início da certificação ISO. Essas regras foram incorporadas com a participação da diretoria, do controller e dos empregados envolvidos diretamente no processo. Foram realizadas reuniões até que todos se adaptassem ao novo sistema de gestão, treinamentos para que todos compreendessem as mudanças nas instruções de trabalho e nos procedimentos de controle de qualidade. Observou-se que a reprodução das regras e normas foi a partir da aceitação das mudanças, tanto na controladoria como em outras áreas. Para avaliação da utilização das normas e regras estabelecidas é feito um controle conforme o plano de participação nos resultados e na auditoria da qualidade. Observou-se também nesse caso que a institucionalização das normas e regras ocorreu antes ou talvez de forma paralela na controladoria com outras áreas. Na Empresa C verificou-se que foram estabelecidas novas regras e rotinas para descentralização de alguns controles da empresa matriz para outras unidades, com isso foi definida nova configuração de acordo com as características da empresa. Para incorporar as novas regras e normas, alguns gerentes participaram da ampliação da metodologia que era usada somente na matriz para as outras lojas. Neste caso a institucionalização das novas regras ocorreu na controladoria, depois foi estendida às demais áreas e unidades. Pela análise de conteúdo das entrevistas nas empresas A, B e C confirmam-se ambos os pressupostos. O primeiro pressuposto, quando as empresas passam por processo de implantação ou reestruturação da controladoria ocorrem mudanças e, a partir dessas mudanças, são instituídas regras e rotinas que alteram total ou parcialmente o funcionamento 14
15 da organização e das pessoas envolvidas. O segundo pressuposto, que as novas normas instituídas, tanto no ambiente interno quanto no ambiente externo da controladoria, afetam as crenças e valores e moldam o comportamento dos envolvidos nos processos de mudanças. Observou-se que nas três empresas familiares brasileiras que passaram por processo de implantação ou reestruturação da controladoria que houve mudanças nos hábitos e rotinas dos envolvidos. Assim conclui-se com base no estudo multicasos realizado que se confirma o exposto na fundamentação teórica, que por meio da institucionalização de regras e rotinas, a partir da ação de repetição adquirem-se novas práticas. Essas, com o tempo, mesmo com relativa resistência, modificam o comportamento individual, bem como do grupo e, mediante os novos hábitos e rotinas, passam a ser aceitas e adotadas como normas na controladoria. Referências BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, BARLEY, S. R.; TOLBERT, P. S. Institutionalization and structuration: studying the links between action and institution. Organization Studies, v. 18, n. 1, p , BORINELLI, Marcio. Estrutura conceitual básica de controladoria: sistematização à luz da teoria e da práxis. São Paulo, f. Tese (Doutorado em Ciências Contábeis) Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis, Departamento de Contabilidade e Atuária, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, BURNS, John; SCAPENS, Robert W. Conceptualizing management accounting change: an institutional framework. Management Accounting Research. Kidlington, v. 11, n. 1, p. 3-25, Mar CARVALHO, Cristina Amélia Pereira de; SILVA, Sueli. M. Goulart; VIEIRA, Marcelo Militão Falcão. A inflexão conservadora na trajetória histórica da teoria institucional. In: ENANPAD, 28., 2004, Curitiba. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, DIMAGGIO, Paul J.; POWELL, Walter W. A gaiola de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais. Revista de Administração de Empresas, Rio de Janeiro, v. 45, n. 2, p , jun DONNELEY, Robert G. A empresa familiar. Harvard Business Review. São Paulo: Nova Cultural, v.13, p , FIGUEIREDO, Sandra; CAGGIANO, Paulo César. Controladoria: teoria e prática. 2. ed. São Paulo: Atlas, GUERREIRO, Reinaldo; FREZATTI, Fábio; CASADO, Tânia. Em busca do entendimento da formação dos hábitos, rotinas e instituições da contabilidade gerencial. In: CONGRESSO USP DE CONTROLADORIA E CONTABILIDADE, 4., 2004, São Paulo. Anais... São Paulo, FEA/USP, GUERREIRO, Reinaldo; FREZATTI, Fábio; LOPES, Alexsandro Broedel; PEREIRA, Carlos Alberto. O entendimento da contabilidade gerencial sob a ótica da teoria institucional. Organizações & Sociedade, Salvador, v. 12, n. 35, p , out./dez GUERREIRO, Reinaldo; PEREIRA, Carlos Alberto. Avaliação do processo de mudança da contabilidade gerencial sob enfoque da teoria institucional: o caso do Banco do Brasil. In: ENANPAD, 29., 2005, Brasília. Anais... Rio de Janeiro, ANPAD,
16 GUERREIRO, Reinaldo; PEREIRA, Carlos Alberto. Aplicação do modelo de Burns e Scapens para avaliação do processo de institucionalização da contabilidade gerencial. In: ENANPAD, 30., 2006, Salvador. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, GUZMÁN, Cristina Aibar. Algunas reflexiones acerca de la reforma de la contabilidad de gestion en el sector público desde la perspectiva de la teoria institucional. Universidad de Santiago de Compostela Disponível em: < Acesso em: 08 de mar KOSTOVA, Tatiana. Success of the transnational transfer of organizational practices within multinational companies. International Business Program Area. University of South Carolina, South Carolina, LETHBRIDGE, Eric. Tendências da empresa familiar no mundo. Revista BNDES, n. 7, jun Disponível em: Acesso em: 22 fev LONGENECKER, Justin Gooderl; MOORE, Carlos W.; PETTY, J. William; STANCATTI, Sidney. Administração de pequenas empresas: ênfase na gerência empresarial. São Paulo: Makron Books, MACHADO-DA-SILVA, Clovis Luiz; FONSECA, Valéria. Homogeneização e diversidade organizacional: uma visão integrativa. In: ENANPAD, XXIII, 1993, Salvador. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, MACHADO-DA-SILVA, Clóvis Luiz; GUARIDO FILHO, Edson Ronaldo; NASCIMENTO, Maurício Reinert do; OLIVEIRA, Patrícia Tendolini. Formalismo como mecanismo institucional coercitivo de processos relevantes de mudanças na sociedade brasileira. In: ENANPAD, 25., 2001, Florianópolis. Anais Rio de Janeiro: ANPAD, MACHADO-DA-SILVA, Clóvis Luiz; FONSECA, Valéria da Silva; CRUBELLATE, João Marcelo. Estrutura e interpretação: elementos para uma abordagem recursiva do processo de institucionalização. Revista Administração Contemporânea. Curitiba, ANPAD, v. 9, 1 ed. Especial, p. 9-39, MACHADO-DA-SILVA, Clóvis Luiz; AMARAL FILHO, Ricardo G. Estratégia e teoria institucional: uma proposta discursiva de integração. In: ENANPAD, 30., 2006, Salvador. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, MOSIMANN, Clara Pellegrinello; FISCH, Silvio. Controladoria: seu papel na administração de empresas. 2. ed. São Paulo: Atlas, SCAPENS, Robert W. Never mind the gap: towards an institutional perspective on management accounting practice. Management Accounting Research. n.5, p , SCOTT, Richard W. Institutions and organizations. 2. ed. London: Sage Publications, SROUR, Robert Henry. Poder, cultura e ética nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, TOLBERT, Pamela.S.; ZUCKER, Lynne.G. A institucionalização da teoria institucional. In: CLEGG, S.; HARDY, C.; NORD, W. (org.). CALDAS, M.; FACHIN, R.; FISCHER, T. (org. brasileiros). Handbook de estudos organizacionais, modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais. v. 1. São Paulo: Atlas, USSMAN, Ana Maria. Empresas familiares. Lisboa: Sílabo, YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman,
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