Terapia Fibrinolítica para Trombose de Próteses Valvares Cardíacas - Resultados Imediatos e Tardios
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- Benedito Canela Sá
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1 Arq Bras Cardiol Artigo Original Ramos e cols Terapia Fibrinolítica para Trombose de Próteses Valvares Cardíacas - Resultados Imediatos e Tardios Auristela I. O. Ramos, Rui F. Ramos, Dorival J. D. Togna, Antoninho S. Arnoni, Rodolfo Staico, Mercedes M. Galo, Zilda M. Meneghelo São Paulo, SP Objetivo - Avaliar os resultados imediatos e tardios do emprego da estreptoquinase (SK) no tratamento da trombose da prótese valvar cardíaca. Métodos - Dezessete pacientes, com trombose de prótese, diagnosticada pelo quadro clínico, ecocardiograma e pela radioscopia, submeteram-se a tratamento fibrinolítico, recebendo estreptoquinase em bolus de U, seguidos por U/hora. Os resultados imediatos e tardios foram avaliados pela radioscopia e pelo ecocardiograma. Resultados - Entre os 17 pacientes, 12 tinham prótese metálica de duplo disco (4 aórticos, 6 mitrais, 2 tricúspides), 4 de disco único (2 aórticos, 1 mitral e 1 tricúspide) e 1 bioprótese tricúspide. O índice de sucesso foi 64,8%, sucesso parcial 17,6% e insucesso 17,6%. Todos os pacientes com prótese de duplo disco responderam ao tratamento, completa ou parcialmente, e em nenhum, com prótese de disco único, houve resolução completa da trombose. O tempo de infusão de estreptoquinase variou de 6 a 80h (média 56h). A mortalidade decorrente do uso da estreptoquinase foi 5,8% secundária a sangramento cerebral. Houve três (17,6%) episódios embólicos, durante a infusão da estreptoquinase, um cerebral, um periférico e um coronariano. O índice de retrombose, em um seguimento médio de 42 meses, foi 33%. Conclusão - O emprego de fibrinolítico foi efetivo e relativamente seguro, em pacientes com trombose primária de prótese de duplo disco. Complicação hemorrágica fatal ocorreu em 1(5,8%) paciente e embólica em 3(17,6%). Em 42 meses de seguimento médio, 67% dos pacientes estavam livres de retrombose. Palavras-chave: fibrinolítico, estreptoquinase, trombose valvar, prótese cardíaca Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia Correspondência: Auristela Isabel de Oliveira Ramos Av. Miruna, 327/44 Cep: São Paulo, SP rafframos@uol.com.br Recebido para publicação em 2/9/02 Aceito em 10/2/03 Trombose de prótese valvar cardíaca é uma complicação rara, porém grave. Sua incidência varia de 0,5% a 6%, por paciente por ano, na posição aórtica e mitral, dependendo do grau de anticoagulação e do desenho da prótese 1.Em 1971 Luluaga e cols. 2 descreveram, pela primeira vez, a utilização de fibrinolítico, com sucesso, no tratamento de trombose de uma prótese Starr-Edwards em posição tricúspide. A partir daquela época, vários casos têm sido relatados 3-6. O objetivo deste trabalho foi analisar o uso do fibrinolítico estreptoquinase no tratamento da trombose de prótese. Métodos Foram analisados, prospectivamente, pacientes com trombose de prótese valvar, diagnosticada pela história e exame clínico, pelo Doppler-ecocardiograma, transesofágico e pela cinefluoroscopia. Foram incluídos no estudo pacientes com confirmação diagnóstica de trombose de prótese, hemodinamicamente estáveis, considerados de elevado risco cirúrgico ou com alguma contraindicação para cirurgia de troca de prótese, e excluídos os pacientes com controle inadequado da anticoagulação, por falta de aderência ao tratamento, ou por falta de condições de realizar os controles periódicos e pacientes com grandes trombos em cavidade atrial. A hipótese diagnóstica de trombose de prótese foi levantada quando o paciente referiu piora da sua classe funcional, aparecimento de sinais de baixo débito cardíaco, história sugestiva de embolia transitória ou notaram mudança na intensidade do clique da prótese. Os achados auscultatórios de abafamento do clique metálico, bem como o aparecimento ou a intensificação de sopros pré-existentes contribuíram para a suspeita diagnóstica. A fluoroscopia, realizada no laboratório de hemodinâmica, serviu de triagem em todos os pacientes com suspeita de obstrução de prótese. Pela fluoroscopia foram analisados o ângulo de abertura da prótese, formado entre o disco e o anel protético, e a mobilidade dos discos. Para que seja possível a análise dos discos é necessário que o hemodinamicista encontre uma incidên- Arq Bras Cardiol, volume 81 (nº 4), ,
2 Ramos e cols Arq Bras Cardiol cia em que os mesmos sejam filmados de perfil, e que se encontrem perpendiculares ao anel da prótese (figs. 1 e 2). A fluoroscopia foi realizada antes do início da infusão da estreptoquinase e repetida a cada 24h, para avaliar a resposta ao tratamento. O Doppler-ecocardiograma transesofágico complementou o diagnóstico clínico e fluoroscópico. Pelo ecocardiograma foi possível a análise da movimentação dos discos, a visibilização de possíveis trombos e suas características, como tamanho, localização e mobilidade, além do cálculo dos gradientes transprotéticos, da área valvar, da função ventricular e dos diâmetros das cavidades cardíacas. Os ecocardiogramas foram realizados antes e após o término da infusão da estreptoquinase. O diagnóstico foi feito pela associação do quadro clínico com os dados ecocardiográficos e fluoroscópicos. A estreptoquinase foi o agente fibrinolítico utilizado em todos os pacientes, administrada por via intravenosa em bolus de 250,000U em 30min, seguida de infusão de 100,000U/ hora, na unidade coronariana. A infusão interrompida com a normalização da movimentação dos discos da prótese, documentada pela fluoroscopia, na ocorrência de complicação hemorrágica, ou quando não houve nenhuma melhora da mobilidade dos discos após 72h da infusão da droga. Após a suspensão do fibrinolítico, foi iniciada heparina intravenosa, assim que o tempo de tromboplastina parcial (TTPa) estivesse menor que duas vezes o TTPa de controle. A anticoagulação oral, com femprocumona, foi reiniciada 24h após a interrupção da estreptoquinase. Os pacientes que responderam ao tratamento receberam alta hospitalar em uso do anticoagulante oral, com a dose ajustada de acordo com a relação normatizada internacional (RNI), entre 2,5 e 3,5, associado a 100mg de aspirina ao dia. O seguimento tardio foi realizado com a visita ambulatorial, controle fluoroscópico e ecocardiográfico a cada seis meses, ou quando surgiram sintomas sugestivos de recidiva de trombose. Fig. 1 - Radioscopia de prótese metálica de duplo disco, em posição mitral, préfibrinólise. Seta superior mostrando disco abrindo pouco e, inferior, o disco parado. Fig.2 - Radioscopia de prótese metálica de duplo disco, em posição mitral, pósfibrinólise. Setas mostrando discos abrindo normalmente. Foi definido como sucesso do tratamento, a melhora do quadro clínico associada à normalização da movimentação dos discos, e à diminuição do gradiente transprotético; como sucesso parcial, a melhora do quadro clínico, associada à diminuição do gradiente transprotético, porém pela fluoroscopia, ainda havia algum grau de redução na mobilidade dos discos; e como insucesso, quando não houve resolução da trombose, ou o paciente teve complicações fatais. Resultados De janeiro/1993 a julho/2002, 17 pacientes, não consecutivos, que preencheram os critérios de inclusão, receberam estreptoquinase para tratamento de trombose de prótese cardíaca. A média das idades foi 41(12 a 60) anos. Doze, eram do sexo feminino. Doze tinham prótese metálica de duplo disco (4 aórticos, 6 mitrais, 2 tricúspides), 4 de disco único (2 aórticos, 1 mitral, 1 tricúspide) e 1 tinha prótese valvar porcina, sendo que, 8 já haviam sido submetidos a 2 ou mais trocas valvares anteriormente. O RNI estava adequado, ou seja, entre 2,5 e 3,5, em apenas 6 (35%) pacientes. Onze (65%) apresentavam anticoagulação inadequada com RNI < 2, devido ao uso incorreto da medicação ou à suspensão do anticoagulante para realização de procedimentos cirúrgicos. O paciente com prótese porcina não estava recebendo cumarínico. Ao exame físico, foram encontrados sinais de insuficiência cardíaca congestiva, aparecimento ou intensificação de sopros de estenose e abafamento do clique metálico, na maioria dos pacientes. O sintoma mais freqüente, referido pelos pacientes, foi piora da capacidade física, com aparecimento de dispnéia, associado à percepção do abafamento do clique metálico da prótese. Um referiu dor precordial com características semelhantes à angina e outro teve um episódio sugestivo de isquemia cerebral transitória, com dislalia de curta duração. A duração dos sintomas relacionados à trombose protética variou de 3 a 90 dias. 388
3 Arq Bras Cardiol Ramos e cols As características demográficas, o modelo da prótese, o tempo entre seu implante e a trombose e o ritmo cardíaco dos pacientes, com prótese em posição aórtica e em posição atrioventricular, encontram-se nas tabelas I e II. Entre os 6 pacientes com prótese aórtica, 4 tinham prótese de duplo disco e 2 de disco único. A maioria dos pacientes apresentava ritmo sinusal. O tempo entre o implante da prótese e a trombose variou de 8 a 136 (média=72) meses. Entre os 11 com prótese em posição atrioventricular, (3 tricúspides e 8 mitrais), 2 tinham prótese de disco único, 8 de duplo disco, e 1 bioprótese. Três pacientes tinham fibrilação atrial, 6 tinham ritmo sinusal, 1 ritmo juncional e 1 ritmo de marcapasso. O intervalo entre o implante da prótese valvar e o diagnóstico da trombose variou de 1 a 120 (media=41) meses. Dois pacientes estavam no período hospitalar do implante da prótese; um deles, com cardiopatia congênita, átrio direito muito dilatado, com bioprótese tricúspide, complicado com infecção respiratória, insuficiência cardíaca e, o outro, com prótese metálica mitral e tricúspide, que evoluiu com bloqueio atrioventricular total, e teve a femprocumona substituída por heparina, para implante do marcapasso definitivo. Ambos considerados de alto risco para reoperação. Houve normalização da mobilidade dos discos, apreciada pela fluoroscopia, coincidente com a queda dos gradientes transprotéticos em 11 dos 17 pacientes, portanto um índice de sucesso de 64,8%. Houve queda dos gradientes, porém, os discos continuaram com algum grau de dificuldade de abertura em 3 pacientes, ou seja, sucesso parcial em 17,6%. A média dos gradientes máximos aórticos caiu de 67mmHg, préestreptoquinase, para 27mmHg, pós-estreptoquinase e a média dos gradientes médios atrioventriculares passou de 14,5mmHg, pré-estreptoquinase para 4,9mmHg pós-estreptoquinase. A incidência de insucesso foi 17,6%. O tempo de infusão da estreptoquinase variou de 6 a 80 (média 56) horas, sendo 34h nos pacientes que responderam parcialmente ao fibrinolítico, 44h nos que não obtiveram sucesso e 66h naqueles onde ocorreu resolução da trombose. (Tabelas III e IV). Entre os 4 pacientes, com prótese de disco único, apenas um deles (25%) se beneficiou, parcialmente, do tratamento com fibrinolítico. Um paciente faleceu por hemorragia intracraniana e os outros 2 foram encaminhados para troca da prótese, porém não houve confirmação diagnóstica, pelo cirurgião, sendo descrita a presença de formação de um tecido sugestivo de pannus em torno do anel da prótese. Entre os 12 pacientes com prótese de duplo disco, houve resolução completa da trombose em 10 (83%). Entre os dois com sucesso parcial, um foi mantido clinicamente e o outro foi encaminhado para tratamento cirúrgico, onde foi confirmada a trombose da prótese. A média do intervalo de tempo entre o implante da prótese e a sua trombose foi maior nas próteses de disco único do que nas de duplo disco (103 versus 33 meses). A mais comum das complicações hemorrágicas foi o hematoma, no sítio de punção venosa. Houve um sangra- Tabela I - Características dos pacientes com prótese em posição aórtica Nº Sexo Idade (anos) Tipo e diâmetro da Tempo entre o implante da prótese Ritmo cardíaco prótese trombosada e a trombose (meses) 1 F 60 ** Carbomedics Ao / 25 8 Sinusal 2 M 52 ** Carbomedics Ao / Flutter atrial 3 F 52 * Omniscience Ao / Sinusal 4 M 40 * Omniscience Ao / Sinusal 5 F 42 ** St Jude Ao / Sinusal 6 M 32 ** St Jude Ao / Sinusal F = feminino; M = masculino; ** = duplo disco; * = disco único; Ao = aórtica. Tabela II - Características dos pacientes com prótese em posição mitral e tricúspide Nº Sexo Idade (anos) Tipo e diâmetro da Tempo entre o implante da Ritmo cardíaco prótese trombosada prótese e a trombose (meses) 1 F 21 * M. Hall Tric / Junctional 2 F 24 ** TRI-technology Mi / 31 6 Sinus 3 F 37 ** CarboMedics Tric / Sinus 4 M 38 ** TRI-technology Mi / 31 7 Atrial fibril. 5 F 53 ** CarboMedics Mi / Sinus 6 F 59 ** CarboMedics Mi / 31 1 Atrial fibril. 7 F 12 *** Labcor Tric / 29 2 Sinus 8 M 35 * Omniscience Mi / Atrial fibril. 9 F 52 ** TRI-technology Tric / 29 1 TAVB 10 F 52 ** CarboMedics Mi / Sinus 11 F 38 ** ATS Mi / Sinus F = feminino; M = masculino; ** = duplo disco; * = disco único; Mi = mitral; Tric = tricúspide; BAVT = bloqueio atrioventricular total. 389
4 Ramos e cols Arq Bras Cardiol Tabela III - Próteses aórticas. Resultados imediatos e evolução tardia Nº Gradiente Transprotético Tempo de SK (hours) Resultado Evolução Tempo de Seguimento Máximo( mmhg) (meses) Pré- SK Pós- SK Parcial ** Retrombose Sucesso Normal * Insucesso Insucesso Cirurgia Sucesso **Retrombose Sucesso Normal 6 SK = estreptoquinase; * = óbito; ** = fibrinolítico. Tabela IV - Próteses mitrais e tricúspides. Resultados imediatos e evolução tardia Nº Gradiente Transprotético Tempo de SK Resultado Evolução Tempo de seguimento Médio(mmHg) (horas) (meses) Pré-SK Pós-SK Parcial **Retrombose Sucesso Normal Sucesso Normal Sucesso Normal Sucesso Normal Sucesso Sem evolução Sucesso Normal 36 meses Insucesso Cirurgia Sucesso Normal 22 meses Sucesso Retrombose 15 meses Parcial Cirurgia - SK = estreptoquinase; ** = fibrinolítico. mento craniano fatal (5,8%), no paciente já citado, com prótese de disco único na 36º hora da infusão da estreptoquinase. Ocorreram 3 (17,6%) fenômenos embólicos. Um paciente apresentou embolia periférica, para a artéria radial esquerda, resolvida com a manutenção da estreptoquinase; um 2º teve um acidente vascular cerebral isquêmico, tendo sido interrompida a infusão da estreptoquinase e afastado sangramento pela tomografia craniana, e após 2 semanas, encaminhado para cirurgia; o 3º teve dor precordial intensa com supradesnivelamento do segmento ST, na parede anterior, foi encaminhado para o laboratório de hemodinâmica, feito diagnóstico de embolia para artéria descendente anterior, tratado com angioplastia e implante de um stent. Duas horas após, apresentou novo episódio de dor e supradesnivelamento do segmento ST, na parede inferior, retornando para sala de hemodinâmica, onde foi confirmado o diagnóstico de embolia para coronária direita, e foi tratado com angioplastia e stent. Dos 13 pacientes que receberam alta hospitalar, um não voltou mais para controle e os outros 12 tiveram um seguimento médio de 42 meses. Quatro pacientes (33%), apresentaram recorrência clínica, fluoroscópica e ecocardiográfica de retrombose em um intervalo médio d e 16 meses: 2 tinham prótese de disco único e dificuldade residual na mobilidade do disco e os outros 2 tinham prótese de duplo disco, e haviam respondido com sucesso ao tratamento inicial. Um deles (prótese de duplo disco, mitral) não aceitou o tratamento cirúrgico e, como já havia recebido estreptoquinase há menos de 12 meses, foi medicado com heparina, U subcutânea, 2 vezes ao dia, 200mg de aspirina e mantido o anticoagulante oral, durante 3 meses; houve normalização da movimentação dos discos e queda nos gradientes transprotéticos, permanecendo inalterados após 7 meses de evolução. Nos outros 3 pacientes foi indicado novo tratamento fibrinolítico: o 1º (prótese de duplo disco, aórtica) respondeu com sucesso, porém 12 meses após, apresentou nova trombose da prótese e foi encaminhado para troca valvar, onde foi confirmado o diagnóstico; o 2º (prótese de duplo disco, aórtica) apresentou um episódio de embolia cerebral, e após estabilização do quadro foi encaminhado à cirurgia, onde foi confirmada a trombose, e o 3º (prótese de disco único, tricúspide) respondeu com sucesso à infusão de estreptoquinase e o controle realizado aos 17 meses de seguimento, mostrou prótese normo funcionante. O paciente com bioprótese, aos 36 meses de evolução, encontrava-se assintomático e o ecocardiograma apresentava gradiente transprotético baixo. Discussão O diagnóstico de trombose de prótese deve sempre ser lembrado nos pacientes com quadro clínico de insuficiência cardíaca de início recente, quadros embólicos, sin- 390
5 Arq Bras Cardiol Ramos e cols tomas de baixo débito cardíaco, especialmente, em pacientes com anticoagulação inadequada. Os cálculos isolados dos gradientes transprotéticos não são suficientes para fazer o diagnóstico, pois esses gradientes podem estar elevados por alterações de fluxo, em especial nas próteses com pequenos diâmetros e nas de disco único. Portanto, é fundamental que seja feita uma evolução ecocardiográfica seriada dos pacientes, para permitir uma comparação longitudinal dos gradientes e o diagnóstico diferencial entre disfunção aguda por trombose e desproporção prótese-paciente. Nos casos de desproporção prótese-paciente, o quadro clínico não é agudo e, em geral, a prótese foi implantada no paciente ainda jovem. Entretanto, o diagnóstico de trombose pode ser confirmado se imagens de trombo ou anomalias na movimentação dos discos forem visibilizadas, pelo ecocardiograma transeofágico ou pela fluoroscopia. A fluoroscopia tem ajudado muito no diagnóstico de obstrução de prótese por trombose, principalmente nas próteses de duplo disco, onde uma comparação pode ser feita, entre os dois discos, da mobilidade e dos ângulos de abertura. Mais complexa é a distinção entre pannus e trombo, porque ambos podem se apresentar como massas e dificultar a abertura e o fechamento de um ou dos dois discos. A antiguidade das próteses e a cronicidade do quadro clínico foram as principais características clínicas encontradas em uma série de 12 pacientes com pannus descritas por Sanchez e cols. 7. Trombose de prótese é um risco permanente em próteses cardíacas valvares, apesar da terapia anticoagulante e da melhora do seu desenho. O tratamento tradicional tem sido a cirurgia para troca da prótese, porém o risco cirúrgico varia de 0 a 69%, segundo algumas séries 8, 11, 12, motivando a busca de outras possibilidades terapêuticas. A terapia fibrinolítica tem sido descrita como uma alternativa ao tratamento cirúrgico e é considerada o tratamento de escolha na trombose de prótese, em posição tricúspide 8,9. O uso do fibrinolítico para trombose de próteses valvares em posição mitral e aórtica permanece controverso. Alguns autores o indicam apenas para tratamento de pacientes em estado crítico, em classe funcional III ou IV (NYHA), nos quais a intervenção cirúrgica é de alto risco, ou em pacientes com contraindicação cirúrgica A controvérsia para utilização do fibrinolítico, em pacientes em classe funcional I ou II, baseiase no fato do baixo risco cirúrgico observado nesse grupo, comparado ao risco tromboembólico, causado pela fibrinólise, que varia de 12 a 17% Por outro lado, alguns autores têm indicado terapia fibrinolítica, como a primeira opção terapêutica, em pacientes com próteses do tipo St. Jude, com baixo risco de complicações permanentes e excelente chance de sucesso 3. Em nosso meio, Campagnucci e cols. 5 publicaram os resultados da terapia fibrinolítica para tratamento de trombose de prótese em 8 pacientes, com índice de sucesso 100% sem complicações fatais. Mais recentemente, Baptista Filho e cols. 6 relataram o emprego da estreptoquinase, com sucesso, em uma paciente de 75 anos, com trombose de prótese metálica, em posição mitral, no 45º dia de pós-operatório de revascularização miocárdica. No presente estudo, foram selecionados os pacientes que se encontravam estáveis, mas que tinham risco cirúrgico elevado, por terem antecedentes de uma ou mais cirurgias prévias, ou pacientes que, por algum motivo, tiveram sua anticoagulação, temporariamente, suspensa ou mal controlada, ou melhor, tiveram uma razão transitória para a trombose da prótese. O uso de heparina subcutânea associado ao anticoagulante e ao antiagregante também tem sido indicado para os pacientes oligossintomáticos com trombose parcial de prótese 8. Nesta série, uma paciente com retrombose, respondeu com sucesso, a esta estratégia terapêutica. A mortalidade foi relativamente baixa, considerandose a gravidade do quadro de trombose de prótese, com um óbito (5,8%). O risco de embolia foi maior que o de sangramento (15% vs 5,8%). A embolia periférica foi resolvida com a manutenção do fibrinolítico, conforme a literatura 14. No paciente com acidente vascular cerebral, a estreptoquinase foi suspensa e o paciente submetido à tomografia craniana, para afastar sangramento, e encaminhado para cirurgia após duas semanas. Um paciente complicou com 2 embolias coronarianas tratadas com intervenção percutânea. Complicação hemorrágica foi fatal em um paciente. Embora o uso de fibrinolítico, após cirurgias de grande porte, seja considerado uma relativa contra-indicação ao seu uso, 2 pacientes, por serem considerados de alto risco cirúrgico, com prótese em posição tricúspide, receberam estreptoquinase na fase hospitalar, cerca de 30 dias após a troca valvar, e não desenvolveram complicações hemorrágicas. Nos portadores de prótese de disco único, não houve sucesso e o insucesso foi de 75%. Apenas um paciente obteve sucesso parcial, que evoluiu com retrombose da prótese aos 19 meses de evolução. O insucesso, provavelmente, se deve ao tempo de implante (média de 103 meses), e ao seu próprio desenho, fatores que propiciam a formação de pannus, fazendo com que o fibrinolítico resolva, parcialmente, a obstrução da prótese. Por outro lado, o índice de insucesso foi zero nas próteses de duplo disco, com menor intervalo de implante, onde a trombose foi a etiologia primária da obstrução. Baseado na média do tempo de infusão da estreptoquinase, também pode ser observado que o índice de insucesso foi maior nos que receberam estreptoquinase por um menor período de tempo. Embora o número de pacientes seja pequeno, concluímos que o diagnóstico de trombose nas próteses de disco único é dificultado pela formação de pannus, freqüente nas próteses antigas, as complicações tromboembólicas foram mais freqüentes que as hemorrágicas e os pacientes com sucesso parcial evoluíram para retrombose. O tratamento com estreptoquinase é uma alternativa ao tratamento cirúrgico, em casos selecionados, como os de trombose de prótese de duplo disco. 391
6 Ramos e cols Arq Bras Cardiol Referências 1. Edmunds LH. Thromboembolic complications of current cardiac valvular prostheses. Ann Thorac Surg 1982;34: Luluaga IT, Carrera D, D Oliveira J, et al. Successful thrombolytic therapy after acute tricuspide valve obstruction. Lancet 1971;1: Silber H, Khan SS, Matloff JM, Chaux A, DeRobertis M, Gray R. The St. Jude valve: thrombolysis as the first line of therapy for cardiac valve thrombosis. Circulation 1993;87: Vasan RS, Kaul U, Sanghvi S, et al. Thrombolytic therapy for prosthetic valve: a study based on serial Doppler-echocardiographic evaluation. Am Heart J 1992;123: Campagnucci VP, Sukuzi HY, Franken RA, Rivetti LA. Terapêutica trombolítica nas tromboses de próteses mecânicas. Arq Bras Cardiol 1994, 63: Baptista Filho MLA, Succi JE, Galantier M, et al. Terapêutica trombolítica em trombose de prótese mitral e átrio esquerdo. Rev Bras Cardiol Invas 2001;9: Sänchez Ramos JG, Diaz J, Moreno G, Navarrete A, Prades I, Martin P. Predictores clínicos de trombosis em prótesis valvulares mecânicas. Rev Soc Andal Card 1998;16:45 8. Lengyel M, Fuster V, Keltai M, et al. Guidelines for management of left-sided prosthetic valve thrombosis: a role for thrombolytic therapy. J Am Coll Cardiol 1997;15: Peterfly A, Henke A, Savidge GF, Landon C, Bjork VO. Late thrombotic malfunction of the Bjork-Shiley tilting disc valve in the tricuspide position. Scand J Thorac Cardiovasc Surg 1980;14: Birdi I, Angelini GD, Bryan AJ. Thrombolytic therapy for left-side prosthetic valve thrombosis. J Heart Valve Dis 1995;4: Roudat R, Labbe T, Lorient Roudaut MF, et al. Mechanical cardiac valve thrombosis: is fibrinolysis justified? Circulation 1992:86 (suppl II) II Witchitz S, Veyrat C, Moisson P, Scheinman N, Rozenstajn L. Fibrinolytic treatment of thrombus on prosthetic heart valves. Br Heart J 1980;44: Kurzrock S, Singh AK, Most AS, Williams DO. Thrombolytic therapy for prosthetic cardiac valve thrombosis. J Am Coll Cardiol 1987;9: Asante Korang A, Sreeram N, McKay R, Arnold R. Thrombolysis with tissue type plasminogen activator following cardiac surgery in children. Int J Cardiol 1992;35:
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