PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA São Paulo

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de Santa Isabel, em que é apelante JOETE TENORIO DE OLIVEIRA NETO, é apelado O JUIZO. ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MAIA DA CUNHA (Presidente sem voto), NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA E ENIO ZULIANI., 19 de setembro de Carlos Henrique Miguel Trevisan RELATOR Assinatura Eletrônica

2 VOTO Nº APELAÇÃO Nº COMARCA: SANTA ISABEL (1ª VARA) APELANTE: JOETE TENORIO DE OLIVEIRA NETO JUIZ DE PRIMEIRO GRAU: JAIR ANTONIO PENA JUNIOR USUCAPIÃO Ação fundada no artigo 550 e seguintes do Código Civil de 1916 Posse exercida em parte específica de imóvel em condomínio Sentença de improcedência Apelo da autora Usucapião de parte de área em condomínio Pretensão admissível quando se trata de condomínio pro diviso Precedentes da jurisprudência Requisitos para aquisição da propriedade pela prescrição aquisitiva caracterizados Justo título, boa-fé, posse contínua e incontestada Apelação provida A sentença de fls. 594/600, cujo relatório é adotado, julgou improcedente a ação de usucapião ao entendimento de que a área pretendida sequer está demarcada e constitui parcela ideal de imóvel de maior extensão sobre o qual há condomínio entre a autora e terceiros, razão pela qual, pretendendo a individualização de sua quota-parte, deve a postulante se valer de demanda visando a divisão (artigo do Código Civil). Apela a autora (fls. 606/614) alegando que a prova dos autos indica que sua pretensão não está voltada a usucapir imóvel que necessita ser desmembrado, mas sim área certa e determinada, que se encontra individualizada, não havendo dúvidas quanto às suas medidas e confrontações, sendo incabível o ajuizamento de ação divisória, a despeito de a área usucapienda se originar de área maior. Apelação nº

3 Afirma que os confinantes não se opuseram ao pedido, não havendo desrespeito aos limites da área. A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 625/627). É o relatório. O juízo monocrático julgou improcedente o pleito inicialmente proposto por Felipe Natal e sua esposa Maria Emireine do Nascimento Natal, sucedidos pela apelante Joete Tenório de Oliveira Neto, ao fundamento de que se trata de pedido de desmembramento da área de terra adquirida em relação à área maior, impondo-se a retificação da matricula ou a demarcação, sendo inviável a ação de usucapião. Os autores originários formularam pedido voltado a obter a declaração de usucapião de uma área de terras com 6.086,40 m2, situada no Bairro da Cachoeira, Município de Santa Izabel, fazendo frente para a Estrada do Porto, ressaltando que, embora o imóvel conste da matrícula como parte ideal, a posse é exercida sobre parte certa e determinada da área maior, conforme planta topográfica carreada aos autos e memorial descritivo. Os autores Felipe Natal e Maria Imireine do Nascimento Natal adquiriram de Antonio Salvador Leão, Alcindo Estevam Cabral e Maria da Glória Leão Cabral os direitos possessórios sobre o imóvel por meio de contrato particular celebrado em 21 de maio de 1988 (fls. 11/13). Anteriormente a isso, os vendedores supra aludidos haviam adquirido os direitos possessórios por meio de contrato particular celebrado com Raul Pires de Almeida em 30 de julho de 1981 (fls. 14/15), que, por sua vez, adquirira os mesmos direitos possessórios de Aparecida Hipolito, por meio de inscrição lavrada em 15 de julho de 1970 (fl. 16). Falecidos no curso do feito (fls. 518/519), os autores Felipe Natal e Maria Imireine do Nascimento Natal foram substituídos no polo ativo pela apelante Joete Tenório de Oliveira Neto (fl. 521), que adquiriu os direitos possessórios sobre o imóvel em 21 de maio de Apelação nº

4 2008, de Milton Goulart de Oliveira e Rosilda Aparecida de Oliveira (fls. 508/513), que, por sua vez, haviam adquirido o imóvel dos autores Felipe Natal e Maria Imireine do Nascimento Natal em 4 de setembro de 1992 (compromisso de venda e compra de fl. 507). Respeitado o entendimento do MM. Juiz prolator da sentença, não é impossível a usucapião de parte certa e determinada de imóvel em condomínio, desde que o postulante comprove que exerce a posse exclusiva sobre área certa da totalidade. Trata-se aqui de condomínio pro diviso, onde cada um dos coproprietários ocupa uma parte certa e determinada do imóvel. Conforme leciona Benedito Silvério Ribeiro, A princípio, o que se tem de considerar é que ao condômino está vedado usucapir bem objeto de condomínio. Como cediço, não pode a posse recair sobre pars incerta, devendo a coisa ser hábil e certa, descabendo possuir-se coisa incerta incerta partem possidere nemo potest. Todavia, como se verá à frente, o condômino, malgrado esteja vinculado a uma comunhão de domínio, poderá usucapir a sua quota-parte no imóvel comum, desde que tenha a sua parte ou posse sobre área localizada e demarcada. Igualmente, poderá usucapir contra todos os comunheiros, excluindo as partes destes. Deverá, contudo, comprovar posse sobre o todo. Não há causa de suspensão da prescrição entre compossuidores e nem entre a herança e o herdeiro. O autor da herança, podendo exercer a sua ação contra o herdeiro eventual, desde que falecido, passaria esse direito de agir ao espólio, que muito bem pode interromper a prescrição. O espólio ou herdeiros negligentes não poderiam ser beneficiados e nem ter suspensa a prescrição em seu favor, tanto que a lei civil não abarcou tal situação. Quanto aos compossuidores, a lei não conferiu benefício, pois, nascida a ação para qualquer deles contra um ou os demais, a partir de sua promoção corre o prazo de prescrição da mesma. Dessa forma, entremostra-se plenamente possível que o titular de fração certa e localizada no condomínio se valha do processo de usucapião para o reconhecimento do domínio de sua quota-parte. Poderá buscar o seu reconhecimento por via de usucapião de menor prazo, tendo título que lhe sirva de base. Egrégio Tribunal: Nesse sentido também os seguintes julgados deste Usucapião. Bem em condomínio. Parte ideal certa e determinada de condômino. Possibilidade de ser a área objeto de usucapião, com a observância dos demais requisitos a ser analisada no curso da ação, o que demanda a realização de prova pericial para a sua aferição. Sentença de improcedência da ação que utilizou os mesmos fundamentos quando da prolação de sentença que extinguiu o processo, que restou afastada pelo acórdão de fls. 160/163. Recurso provido para anular a r. sentença e determinar o seu processamento em cumprimento ao acórdão já referido (Apelação nº , 3ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador João Pazine Neto, ) USUCAPIÃO. Sentença que reconheceu a impossibilidade jurídica do pedido, em razão da falta de especificação e registro do condomínio. Inadmissibilidade. Admissível usucapião quando se trata de posse em condomínio pro diviso. Aplicação do Apelação nº

5 disposto no art. 515, 3º, do CPC para decidir o mérito. Ausência do lapso temporal necessário à concessão do pedido. Posse originada em compromisso de compra e venda rescindido no mesmo ano da propositura da ação de usucapião. Período de ocupação em virtude do contrato não pode ser considerado para fins de prescrição aquisitiva, por se tratar de posse precária. Precedentes. RECURSO PROVIDO PARA AFASTAR A EXTINÇÃO DO PROCESSO, PELO RECONHECIMENTO DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO E, COM FUNDAMENTO NO DISPOSTO NO ART. 515, 3º, DO CPC, EXAMINAR O MÉRITO PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO (Apelação n , 6ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Paulo Alcides, ) A prova trazida ao processo autoriza concluir ainda que há justo título a dar sustentação ao pedido de usucapião ordinária. Como decorre da leitura do artigo 551 do Código Civil de 1916, vigente ao tempo da propositura da ação, a usucapião ordinária exigia, além da posse ad usucapionem, de forma contínua e incontestada, o justo título e a boa-fé do possuidor. Acerca da existência do justo título e da boa-fé, dúvida não remanesce uma vez que o demandante originário e sua esposa comprovaram ser cessionários, por instrumento particular (fls. 11/13), dos direitos relativos ao imóvel. Do mesmo modo, há nos autos comprovação das cessões anteriores (fls. 14/16), documentos que não foram impugnados. Quanto ao exercício da posse, era o artigo 552 do Código Civil de 1916 que previa a possibilidade da contagem do tempo do antecessor para o fim da obtenção do título aquisitivo originário. Logo, no caso dos autos, exercendo os antecessores a posse desde 1970 (fl. 16), os autores a partir de junho de 1988 e a sucessora, ora apelante, desde maio de 2008 (fls. 507/513), conclui-se ter sido completado o lapso temporal. A prova oral também foi conclusiva no sentido de indicar o exercício da posse por parte dos antecessores e dos autores, com ânimo de proprietários e sem oposição (fls. 99/101). As Fazendas do Município e do Estado não se opuseram ao pedido (fls. 49 e 52). A União, contudo, interveio no feito manifestando interesse na causa, tendo em vista a possibilidade de parte da área objeto Apelação nº

6 da ação ser oriunda de terras indígenas. Em razão disso, o processo foi remetido à Justiça Federal em setembro de 1991 (fl. 219 verso), que, no entanto, excluiu a União da lide (fls. 247/250, 282/288 e 301/307), o que acarretou o retorno dos autos à Justiça Estadual em julho de O laudo pericial de fls. 172/184 concluiu que a posse dos autores e de seus antecessores soma vinte anos, que há conservação das divisas pelos autores e pelos confrontantes e manutenção das construções, pomar e hortaliças, e que a localização do imóvel, suas medidas e área são as constantes na planta e memorial descritivo que acompanharam a petição inicial. Determinada a realização de nova perícia para apuração dos exatos contornos da área usucapienda, das medidas precisas e do tamanho seguro da propriedade (fls. 468/469), o laudo de fls. 534/575 também concluiu que o imóvel está individualizado e caracterizado, tendo apenas o tamanho sido retificado, com indicação da área total de 5.974,29 m2. A ressalva trazida no laudo, referente a confrontantes não citados (fl. 544, item 3), ficou superada em face da constatação (fl. 590) de que foram citados o Município de Santa Isabel, que declarou não se opor à pretensão (fl. 50) e os confrontantes Eduardo Marques Rosa e seu cônjuge e Raul Pires de Almeida Filho (fl. 61 verso). A ação é procedente. Ensina Benedito Silvério Ribeiro que se a coisa, para completar o lapso de tempo necessário à prescrição aquisitiva, tiver sido possuída por duas ou mais pessoas, bem como se o atual possuidor quiser valer-se do tempo de permanência na posse do que lhe antecedeu, ocorrerá aquilo que se chama acessão da posse (accessio possessionis) (Tratado de Usucapião, vol. 1, 1ª edição, Editora Saraiva). As relações entre transmitentes e adquirentes foi comprovada, o que resulta na continuidade das posses, todas livres de vícios e aptas à prescrição aquisitiva. Além disso, o Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Santa Isabel informou que há possibilidade de descerramento da matrícula da área objeto da presente ação (fl. 465). Assim, presente o justo título e a boa-fé dos sucessivos ocupantes, bem como o exercício por estes e pelos sucessores da posse, mansa pacífica e contínua por período superior a vinte anos ação, de rigor é o provimento do recurso de apelação, com a Apelação nº

7 procedência da ação de usucapião, ficando declarado o domínio da autora apelante da área descrita no laudo de fls. 534/575. Ante o exposto, o voto é no sentido de se dar provimento à apelação. CARLOS HENRIQUE MIGUEL TREVISAN Relator Apelação nº