PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus nº , da Comarca de Presidente Prudente, em que é paciente LUIZ EDUARDO CALDEIRA CARDOSO e Impetrante CLAUDIA ALICE MOSCARDI. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Concederam a ordem, nos termos do v. acórdão. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Presidente), LEME GARCIA E BORGES PEREIRA. São Paulo, 5 de abril de Guilherme de Souza Nucci RELATOR Assinatura Eletrônica

2 HABEAS CORPUS nº Comarca: Presidente Prudente Impetrante: Cláudia Alice Moscardi Paciente: LUIZ EDUARDO CALDEIRA CARDOSO VOTO Nº Habeas Corpus. Execução penal. Pedido de progressão para o regime semiaberto, deferido pela autoridade coatora. Ausência de previsão e vaga para a efetiva transferência a estabelecimento prisional condizente com o regime intermediário Descumprimento da ordem liminar. Constrangimento ilegal configurado. Ordem concedida para determinar que o paciente aguarde em regime aberto a disponibilização de vaga no regime semiaberto, oportunidade na qual deverá o magistrado a quo avaliar a necessidade da remoção, porquanto, do contrário, deverá permanecer sob o regime aberto até o término do cumprimento da pena. Extração de cópias dos presentes autos à Delegacia Geral para apuração do crime de desobediência. Trata-se de Habeas Corpus, com pedido liminar, em favor de LUIZ EDUARDO CALDEIRA CARDOSO contra ato do MM. Juiz de Direito, Dr. Luiz Carlos de Carvalho Moreira, da 1ª Vara de Execuções Criminais da Comarca de Presidente Prudente, responsável pelo processo nº Aduz o impetrante sofrer o paciente Habeas Corpus nº

3 constrangimento ilegal, consistente na continuidade do cumprimento de pena em regime fechado, malgrado decisão favorável promovendo-o ao regime semiaberto. Postula-se, ao final, a concessão de medida liminar e posterior confirmação desta, para assegurar ao paciente a transferência ao regime semiaberto ou, alternativamente, na hipótese de ausência de vaga, aguardar o surgimento desta em prisão albergue domiciliar. Indeferiu-se a liminar por falta de documentos (fls. 11/12). A autoridade coatora prestou as informações, esclarecendo que o paciente não foi, de fato, progredido para o regime adequado, em razão da falta de vagas. Ademais, argumentou que a alegada remoção não deve ser atribuída ao poder judiciário, mas à autoridade administrativa (fls. 15). A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pela denegação da ordem (fls. 17/18). É o relatório. Devidamente processado o presente writ, a ordem deve ser concedida. Consoante consulta ao sistema informatizado deste E. Tribunal, apurou-se que o paciente foi condenado ao cumprimento de pena de 2 anos e 6 meses de reclusão, em regime fechado, por incursão ao art. 33, 4º, da Lei /06. Atualmente, cumpre pena na Penitenciária de Martinópolis. Habeas Corpus nº

4 Consigne-se que, em decisão de 17 de setembro de 2015, a autoridade coatora decidira a favor do paciente, promovendo-o ao regime semiaberto, sob o argumento de que preenche os requisitos objetivos e subjetivos estabelecidos pelo art. 112 da Lei 7.210/84, visto que cumpriu 1/6 (três quintos) da pena imposta, no regime fechado, além de apresentar bom comportamento carcerário. Destarte, determinou a sua remoção, mas a autoridade administrativa não cumpriu a ordem, devido à falta de vagas em estabelecimento adequado. Com efeito, após consulta ao sistema informatizado deste E. Tribunal, constatouse que o paciente permanece custodiado em regime mais gravoso. Desta feita, evidente o constrangimento ilegal, pois o direito já foi reconhecido e deveria simplesmente ser cumprido. Conforme vimos defendendo: Não pode o indivíduo condenado ficar à mercê da inépcia estatal. À falta de vaga, outra alternativa não pode haver senão seguir para o regime aberto. E aí permanecer, se estiver integrado e cumprindo corretamente as regras 1. Em semelhante prisma, oportuno colacionar 1 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, 14ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2014, p Habeas Corpus nº

5 recentes julgados proferidos por esta C. Câmara, perfeitamente amoldáveis ao presenta caso, in verbis: Habeas Corpus. Paciente que teve deferida a progressão ao regime semiaberto Ausência de vaga Culpa do Estado - Reconhecimento de constrangimento ilegal Concessão da ordem, para determinar seja o paciente imediatamente transferido para estabelecimento onde possa cumprir a pena em prisão domiciliar até que surja a vaga esperada em estabelecimento adequado ao que lhe foi concedido, qual seja, o semiaberto. (HC nº , rel. Borges Pereira, , v.u.) HABEAS CORPUS. Execução Penal. Réu promovido para o regime semiaberto que é mantido no regime fechado aguardando a transferência. Cumprimento de pena em regime mais gravoso do que o devido por 120 dias. Constrangimento ilegal pelo excesso na execução por desarrazoado prazo. Exegese do art. 185, da LEP Precedentes do STF e deste E. TJSP - Jurisprudência do STJ Ordem concedida (HC nº , rel. Habeas Corpus nº

6 Newton Neves, , v.u.) Habeas Corpus. EXECUÇÃO PENAL. Regressão do regime aberto e superveniência de outra condenação que também estabelece o regime intermediário. Ausência de vaga. Manutenção no fechado com a permissão de saídas temporárias. Constrangimento ilegal configurado. Sentenciado aguardando vaga há mais de ano. Lapso que ultrapassa a razoabilidade. Colocação provisória em 'prisão albergue domiciliar'. Admissibilidade. Ordem concedida. (HC nº , rel. Almeida Toledo, , v.u.) Destarte, não se pode prejudicar interesse individual por descaso do Estado. Por isso, se o Executivo não concretiza a transferência, em lugar de aguardar no regime fechado mais severo deve-se inserir o sentenciado no regime aberto, até que se obtenha o lugar adequado. Nem se olvide que tal medida não configura progressão por salto, pois o juízo das execuções criminais não transferiu o reeducando do fechado para o aberto. Ao revés, agiu corretamente, determinando a sua passagem ao regime intermediário. No entanto, o Executivo insiste em desatender Habeas Corpus nº

7 ordem judicial, o que não se pode admitir. Há argumentos no sentido de que, eventual transferência do condenado, por força de ordem de habeas corpus, quebraria a igualdade, já que outros sentenciados aguardam seu lugar pacientemente. Essa tese representa a consagração da ilegalidade, simbolizando a cumplicidade do Judiciário diante de uma ilegalidade. Se um direito é menosprezado, qualquer pessoa tem livre acesso à Corte justamente para reparar o prejuízo sofrido; se alguém suporta um dano, sem se socorrer do Judiciário, não se pode pretender a padronização dessa inércia. O princípio da igualdade de todos perante a lei não pode, jamais, significar a igualdade diante do ilegal, pois consubstanciaria a própria contradição do referido princípio. Querse que o Judiciário assegure o mesmo tratamento a quem o procura e é exatamente isso que se deve respeitar. Motivos frágeis não faltam para negar o benefício de transferência do sentenciado ao regime a que tem direito não somente por força de lei, mas também por obra de decisão judicial. Outro desses motivos calca-se na prudência do Judiciário em não permitir que se desrespeite a tal fila para atingir o regime intermediário, pois, do contrário, poderia haver uma rebelião geral nos presídios. Nada mais pueril. Em primeiro lugar, os sentenciados que aguardam a vaga no semiaberto sabem, com perfeição, que o cometimento de falta grave como a aventada rebelião colocaria Habeas Corpus nº

8 fim à sua pretensão, mantendo-o no fechado. Em segundo, nunca se ouviu nem mesmo falar de qualquer manifestação rebelde no sistema carcerário por conta da concessão de habeas corpus para obrigar o Executivo a cumprir decisão judicial e várias ordens, inclusive dos Tribunais Superiores, já foram proferidas nesse exato sentido. Em terceiro lugar, nem mesmo os presos em regime fechado, em condições degradantes, avessas ao disposto em lei, fazem motim para reclamar disso como seria de se esperar. Outro ponto interessante a abordar diz respeito à determinação da prisão cautelar por ordem judicial ou em decorrência de flagrante. Por pior que sejam as condições da cadeia ou do presídio da região, inclui-se sempre mais um. Não cogita o Poder Executivo de oficiar ao Judiciário alegando haver uma fila de espera para incluir o sujeito no cárcere até que existam vagas decentes ou prisões adequadas à lei. Costuma-se dizer que há vários mandados de prisão para cumprir, o que não se faz por falta de vagas. Essa visão é turva, na exata medida em que não há dados concretos e oficiais a respeito e muito menos uma fila para cumpri-los, nos moldes claros da fila de espera para ingresso no regime semiaberto. Até mesmo no Diário Oficial do Estado já houve época em que tal lista de espera foi publicada para conhecimento geral do fracasso da política criminal estatal. O constrangimento ilegal é evidente, pois a ninguém é dado descumprir ordem judicial muito menos o Poder Executivo, que deveria dar o exemplo. Habeas Corpus nº

9 Ante o exposto, pelo meu voto, concedo a ordem em favor de LUIZ EDUARDO CALDEIRA CARDOSO, determinando que aguarde em regime aberto a disponibilização de vaga no regime semiaberto, oportunidade na qual deverá o magistrado a quo avaliar a necessidade da remoção, porquanto, do contrário, deverá permanecer sob o regime aberto até o término do cumprimento da pena. Extraiam-se cópias dos presentes autos à Delegacia Geral de Polícia, requisitando-se a instauração de inquérito por desobediência contra a autoridade do Poder Executivo que, ciente da liminar concedida, não a cumpriu. GUILHERME DE SOUZA NUCCI Relator Habeas Corpus nº