Primeiro dia de vivência, apenas viajamos de Manaus para Itacoatiara, para depois irmos para Urucurituba, o destino final da equipe.

Transcrição

1 Portfólio Ver-SUS Urucurituba dia 8 sábado primeiro dia. Primeiro dia de vivência, apenas viajamos de Manaus para Itacoatiara, para depois irmos para Urucurituba, o destino final da equipe. Novas pessoas, diferentes áreas de formação, diferentes pensamentos. Porém, vários ideais em comum. Tiramos um tempo para conhecer melhor os colegas de vivência, no grupo de oito pessoas, uma era da área de educação. Apesar de diferente, notou-se o mesmo idea de querer fazer a diferença na sua futura área de trabalho. Saímos para conhecer a cidade, fomos a um arraial que estava acontecendo, foi o meu primeiro contato com pessoas que não fossem nos serviços que nos são prestados. As pessoas com as quais falei se mostraram bastante educadas e gentis. O dia foi curto, mas deu pra ter uma noção do que nos esperava e que havia muito a conhecer em Urucurituba. Portfólio Ver-SUS Urucurituba dia 9 domingo segundo dia. Esse foi um dia sem trabalhos predefinidos. Saímos atrás de condução para conhecermos os pontos turísticos. Conhecemos um rapaz chamado Edionison, que seria o nosso guia turístico sem querer. Visitamos um balneário; as pessoas da cidade nos olhavam bastante, por sermos gente diferente, nova. Nadamos no rio, foi uma experiência estranha, mas no geral, bastante divertida. Após sairmos da água, disseram que haviam jacarés ali, mas foi dito também que não aconteciam ataques. Voltamos para casa e tempos depois iniciamos uma conversa sobre a nossa visão do projeto Ver-SUS e os motivos que nos levaram a participar dele. Com essa discussão, percebi que, cada um do grupo, na sua futura área de atuação, tem expectativas e preocupações com relação ao mercado de trabalho. Mais tarde, o facilitador nos propôs uma dinâmica chamada Anjo, na qual fizemos um sorteio entre os nomes e, de acordo com o nome, teríamos que nos aproximar mais e cuidar da pessoa cujo nome tiramos, tudo em segredo. Então, continuamos conversando sobre a vida em geral, no âmbito acadêmico e pessoal, e muitas experiências foram compartilhadas. Portfólio Ver-SUS Urucurituba dia 10 segunda-feira terceiro dia. Primeiro serviço: fomos à Secretaria de Saúde conversar com o secretário sobre o nosso cronograma de atividades. Ele nos revelou ter a esperança de que nós podíamos fazer a diferença, dando apoio durante esse período que permaneceríamos ali. Foi dito que a cidade estava sem coordenador de atenção básica, por falta de profissionais aptos e disponíveis a trabalhar na função. Fomos à UBS Gerson Kettle, recém inaugurada na cidade, com a estrutura nos moldes previstos pelo Ministério da Saúde. Conversamos com as Assistentes Comunitárias de Saúde, que nos disseram que o médico responsável pela UBS só atende à tarde, pois ele vem de

2 Manaus e, por isso, não foi possível contatá-lo. Houveram relatos de falta de medicamentos e de profissionais. Usuários se queixaram da demora, de ter que chegar muito cedo na UBS para serem atendidos. As ACS comentaram que, apesar da deficiência de recursos, elas se esforçam e dão o seu máximo para que seus serviços atinjam toda a população da área delimitada à essa UBS pela territorialização. A UBS não conta com Fármacia Popular. Visitamos a outra UBS da cidade, onde conseguimos conversar com a enfermeira coordenadora do local. Ela relatou que a maior demanda da UBS era na área da odontologia, explicando-nos que a questão de educação em saúde ainda deixava muito a desejar. Ela disse ainda, que a organização melhorou bastante após a chegada do PMAQ (Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica). Durante a tarde, nas andanças pela cidade, passamos em frente à Escola Municipal Armando Kettle, e por termos uma participante da área da educação, decidimos parar e conversar com a diretora. Lá, o facilitador e mais uma vivente, estudante de odontologia, planejaram, junto à diretora, a nossa devolutiva. Além disso, ela pediu-lhes que ajudassem de alguma forma com a assistência psicossocial dos alunos. Enquanto isso, os demais viventes que não estavam em reunião com a diretora, conversavam com a pedagoga da escola, uma pessoa bastante extrovertida, educada, que nos disse que ali ela era praticamente o Severino da escola. Relatou suas dificuldades salariais, a necessidade de trabalhar os três turnos para poder ter uma renda boa, proeza que ela não conseguiu realizar, desistindo de uma vaga em um turno. Na volta pra casa, ouvindo relatos dos habitantes, o que mais se ouvia eram reclamações a respeito da administração municipal, sempre os mesmos relatos de que com o antigo administrador a situação era um pouco melhor. Portfólio Ver-SUS Urucurituba dia 11 terça-feira quarto dia. Bem cedo fomos ao Centro de Convivência do Idoso. Tantos idosos animados, de bem com a vida, felizes com tão pouco... Senti-me impulsionada a manter a alegria de uma alma jovem sempre em mim. Fizemos alongamento, dançamos e saímos para uma caminhada com eles. Eu fui conversar com uma senhora, perguntei sobre a situação da saúde e seu atendimento, ela então contou sua história. Durante 8 anos de sua vida, ela ficou sem poder andar direito porque um certo médico disse que ela tinha algum problema nos membros inferiores que não tinha cura. Depois disso, ela disse que apareceu um novo médico na cidade que diagnosticou então osteoporose e receitou os medicamentos necessários para que ela pudesse continuar levar uma vida ativa e normal. Ela disse exatamente que o segundo médico foi enviado por Deus, e isso me tocou profundamente. Eu, como futura médica, quero exatamente isso, que meus pacientes tenham em mente que eu fui enviada por Deus. Esse foi o meu chamado, essa é a minha vocação, e irei honrá-la acima de tudo, para o bem das pessoas ao meu redor. Durante a tarde, nos reunimos com os profissionais do NASF: uma nutricionista, uma farmacêutica, uma assistente social. Durante a conversa, percebemos vários conflitos de informação, uma imagem tinha sido nos passada anteriormente, que não sabíamos mais se era

3 a verdadeira. Foi nos dito que políticas públicas relacionadas à DST/AIDS e gravidez na adolescência acontecem apenas em semanas reservadas para o tema. Depois disso, fomos ao hospital da cidade, onde contamos apenas com a Enfermeira responsável e algumas Técnicas de enfermagem, que eram as responsáveis por levar o hospital pra frente, por fazer o que podiam pelas pessoas que precisavam do atendimento ali. O hospital não conta com desfibrilador, ou seja, em caso de necessidade de RCP, tudo será feito manualmente e pela enfermeira, já que não há médico no hospital. A enfermeira nos disse também que há uma parteira no hospital para casos de parto de emergência, comentando também que, muitas das vezes, as pacientes se sentem mais à vontade com uma parteira, devido à tradição que ainda se mantém. Depois disso, fomos ao conselho tutelar, onde primeiro conversamos com um policial. Ele nos disse ser formado em Filosofia. Tivemos uma conversa bastante produtiva, onde novamente ocorreram conflitos de informação. Ele nos disse que as maiores ocorrências na delegacia eram de violência à mulher e estupro de vulnerável. Comentou sobre a importância da lei Maria da Penha para a melhoria da saúde e segurança da Mulher. Comentou que sua função nesses casos era fazer a segurança biopsicossocial, pois isso se faz muito necessário depois do registro das ocorrências, já que são situações bastante complicadas para os envolvidos. Ainda no conselho tutelar, conversamos com dois conselheiros. Um deles, o mais velho, foi um dos fundadores da cidade, Hélio Marques. Além de tudo o falado sobre a profissão, sobre o processo de seleção dos conselheiros, que é por voto popular após uma prova de seleção, Hélio nos deu conselhos valiosos: devemos sempre escutar os mais velhos e fazer tudo com amor, pois com essas capacidades, aliadas, nós poderemos fazer a diferença seja lá onde estivermos atuando. Na volta para casa, encontramos com o Café novamente, ele nos falou de sua filha, que não estava muito bem de saúde, e comentou que estava bastante preocupado, pois não havia conseguido atendimento para ela. Além disso, nos convidou para a sua formatura do Ensino Médio, e disse que após se formar, iria embora de Urucurituba. Ao questionarmos os motivos, ele disse, com pesar, que sua cidade ainda não podia oferecer o crescimento que ele almejava. Portfólio Ver-SUS Urucurituba dia 12 quarta-feira quinto dia. A convite do médico Rafael di Tommaso, fomos convidados a ajuda-lo no mutirão de saúde a ser realizado em um bairro da periferia, para atendimento de crianças. Eu, em especial, por já ter cursado uma disciplina que ensina a propedêutica médica, auxiliei-o no exame físico das crianças. Isso durou o dia inteiro. Foi cansativo, sim, mas pra mim, foi uma experiência inesquecível e renovadora. Ali, eu pude sentir o que vai ser de mim na minha futura profissão, pois foi a primeira vez que atuei de verdade aplicando meus conhecimentos. A melhor sensação era a de receber a gratidão das mães das crianças, ouvir delas frases como quando eu soube que ia ter médico aqui, vim correndo para que atendesse meu filho, e era eu que estava lá, fazendo isso, ajudando. Ali também percebi um pouco de descaso de algumas mães, quando lhes era perguntado o porquê de não buscarem atendimento médico na UBS, muitas

4 respondiam que era muito longe e, por terem muitos filhos, ficava difícil conseguir dinheiro para locomoção de toda a família. Assim, percebi o quanto pequenas ações podem fazer toda a diferença para uma família, o quanto podemos ajudar, se decidirmos sair da nossa zona de conforto em prol do outro, porque afinal, a Medicina é/deveria ser isso. Acima de status, remuneração, deveria ser amor ao próximo, que é o que percebemos que ainda falta em muitos profissionais, de todas as áreas. À noite, em casa, começamos o planejamento da devolutiva na escola. Foi decidido que seria na sexta-feira na Escola Municipal Armando Kettle, um teatro de fantoches sobre higiene bucal, onde eu fiquei responsável pelo roteiro e entrega-lo no horário do almoço do dia seguinte. Portfólio Ver-SUS Urucurituba dia 13 quinta-feira sexto dia. Nosso dia de visita à comunidade do Itapeaçú. Uma viagem rápida de lancha, onde aproveitei para escrever o roteiro da peça de fantoche. E, claro, além disso, aproveitar a bela paisagem que nos foi proporcionada para pensar em toda a transformação que estava acontecendo em mim durante esses dias de vivência, tanto na vida profissional, do dia anterior com toda a atuação no mutirão, quanto na vida pessoal, melhorando a minha capacidade de lidar com as minhas emoções, de lidar com pesssoas diferentes de mim, situações difíceis para as famílias, situações difíceis de convivência em grupo. Ali sim, finalmente, eu percebi que sairia uma nova Laís do Ver-SUS Urucurituba Chegando em Itapeaçú, visitamos a UBS. Ali encontramos um SUS funcionando perfeitamente na questão da burocracia, a questão do SUS do papel, apesar da velha e comum falta de recursos. Parte da responsabilidade de estar tudo funcionando, eu colocaria para os médicos ali, Yanelis e Pedro. Dois cubanos atendendo pelo programa do governo federal, o Mais Médicos. Numa conversa pessoal que eu e mais uma estudante de Medicina tivemos com o Pedro, sanei meus preconceitos que eu tinha com os profissionais do Programa. Entendi que eles são objeto de uma politicagem externa entre Brasil e Cuba, e que sim, há muita injustiça com eles quanto ao que recebem pelos serviços que prestam, mas o próprio médico disse que isso é coisa deles com o governo. Ao questionarmos o que seria feito deles depois que o programa acabasse, ele disse Nós não fazemos a menor ideia, mas o que queremos é que vocês que estão estudando venham trabalhar onde estamos trabalhando. Nesse momento, me despertou um sentimento misto de tristeza, raiva e decepção. Com os médicos que se formam e não querem saber da atenção básica, focam em especializações, não vão trabalhar no interior alegando falta de recursos. Na clínica, 90% dos diagnósticos são fechados com uma boa anamnese e um bom exame físico (procedimentos realizados na consulta), e pra isso, não há necessidade de grandes recursos materiais, apenas paciência da parte do médico e a vontade de estar ali. No final da conversa, lhe pedi que nos desse conselhos para a nossa vida profissional, então ele disse Eu lhes digo apenas duas palavras: a primeira é VOCAÇÃO. Se você não tem vocação para ser médico, para cuidar de pessoas, para se importar com as queixas que ela vai ter, você não vai fazer o serviço bem feito. Tem que ter paciência, cada

5 paciente tem sua peculiaridade, mas todos gostam que o médico se importe com eles, eles gostam de ser tocados. A outra palavra é ESTUDO. Estudem, revisem, sempre que puderem aprimorem seus conhecimentos, não sejam limitados, porque se vocês sabem com o que estão lidando, vão saber tratar da forma correta. Claro que nesse momento, as lágrimas rolaram e eu, particularmente, tive orgulho de ter ali um profissional capacitado, humano e humilde. E acima de tudo, assim como nós, esperançoso na futura geração de médicos. Portfólio Ver-SUS Urucurituba dia 14 sexta-feira sétimo dia/último dia de vivência. Pela manhã, visitamos o CRAS do município, tivemos uma longa conversa com o coordenador, onde ele nos explicou sobre o atendimento do Centro. Eles fazem longas entrevistas socioeconômicas com os usuários, e ele comentou que cada pergunta respondida deve ser bem detalhada, para que não hajam erros na interpretação na hora de decidir quem recebe ajuda e quanto recebe. Nesse momento, me lembrei de um professor muito importante no meu amadurecimento acadêmico, pessoal e profissional, Dr. Miguel Ângelo, que dizia que de cada sintoma que o paciente se queixasse, devíamos tirar todos os detalhes possíveis, para justamente não haver erro de interpretação para o diagnóstico. Ele dizia Tem que esmiuçar, se não o Miguel vai te ferrar. Agora percebi que não se esmuiça apenas na Medicina, ou na Saúde Curativa. Além disso, o coordenador nos explicou como funcionava o processo de recebimento do Bolsa Família. Ao questionarmos se haviam famílias que dependiam apenas do auxílio, ele disse que a maioria era. Aí vimos mais uma situação complicada de comodismo à qual a população vem sendo submetida. Durante a tarde, fomos para a Escola Municipal Armando Kettle, para a execução da devolutiva. Estávamos bastante ansiosos e preocupados com a recepção das crianças. Era programação do dia do estudante na escola, então todas as crianças da escola foram para um pátio. Nós, observando de longe, ficamos com medo de elas não prestarem atenção, não responderem nossas perguntas. Então, a diretora deu seu boa tarde. Incrível e surpreendentemente, todas as crianças responderam num coro uníssono arrepiante! A animação tomou conta e então começamos a nos preparar, enquanto a maioria das crianças pensava que nós fôssemos aplicar algum tipo de vacina. Durante a apresentação, o microfone falhou. Nossa, dando tudo errado. Então teve que ser no grito. Eu era a personagem que dialogava com as crianças, na primeira pergunta que fiz, ouvi uma resposta estrondosa, unânime, e aquilo me alegrou bastante, por ter recebido um feedback melhor do que eu esperava! Caramba, foi impressionante. Depois do teatro, nossa estudante de Odontologia foi revisar com os alunos os ensinamentos passados na peça, e incrivelmente eles aprenderam mesmo. Foi maravilhoso. Voltando pra casa, tivemos a ideia de transformar nossa dinâmica do Anjo em um Amigo doce/amigo Oculto. Voltamos à casa de um casal que visitamos no começo da semana, apenas para deixarmos um bilhete de agradecimento pela recepção.

6 Voltamos para casa e começamos a árdua e triste despedida. Despedida do hotel, da comida, das pessoas... E então fomos revelar nossos amigos-ocultos. No final, na conversa sobre o projeto em si, fomos interrompidos pelo nosso querido amigo Café, que foi pegar um violão que ele havia nos emprestado, então ali mesmo, na beira do rio, começamos nosso luau Ver- SUS, depois de um belo e emocionante discurso que ele nos deu. Ele nos mostrou, com sua simplicidade, que por mais que ele esquecesse nossos oito nomes, jamais esqueceria da gente, da semana em que passamos ali. Ao cantarmos Tempo Perdido Legião Urbana, ele disse quando tocar essa música na minha formatura, eu vou me lembrar de vocês. E, obviamente, a cada momento da minha vida pessoal e profissional, eu me lembrarei dos ensinamentos passados a nós por ele. Enfim, participar do projeto Ver-SUS em Urucurituba foi gratificante, transformador, renovador, esclarecedor, emocionante, apaixonante, realizador. Com todas as experiências vividas, pude ter a certeza de que estou no caminho certo, seguindo a carreira certa. Espero que as amizades que fiz durante a vivência durem muito mais do que essa simples, mas verdadeira e intensa semana que passou. Agradeço principalmente a Deus, por ter me permitido passar por tudo isso, ver tudo isso, viver tudo isso. Sim, sou outra pessoa depois do Ver-SUS, e espero que essa chama não se apague, que a vontade de fazer diferente nunca passe. Valeu, Ver-SUS, até um próxima!