*veio para Lisboa com 1 ano Entrevista é interrompida 1 vez

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1 1 Identificação FL06 Duração da entrevista 28:24 Data da entrevista Ano de nascimento (Idade) 1974 (38) Local de nascimento/residência Moçambique*/Lisboa Grau de escolaridade mais elevado Licenciatura, pós-graduação Estado civil Casada 2 filhos (9 e 8 anos) Local da entrevista Casa da entrevistada Comentários *veio para Lisboa com 1 ano Entrevista é interrompida 1 vez P1 (4:26) E: ok, então podemos começar com a primeira pergunta. ã: podemos dizer que, o nosso mundo em geral ã: em termos globais, mas se calhar e particular cá em portugal mudou bastante nos últimos-- trinta anos. (hum) não é? ã: na maneira como as pessoas vivem, como se relacionam em termos tecnológicos e-- (FL06: sim) muita coisa. acha que a vida das mulheres mudou também? FL06: sim (E: sim?) sim. E: e em que aspetos. FL06: ( 2.0) a vida das mulheres mudou também em que aspetos. ora, depende claro, que depende sempre de caso para caso. mas por exemplo. eu acho que há uma série de mulheres, ( 3.0) ã: eu vejo por exemplo na escola, [interrupção 5:09 5:20] eu lembro-me de andar na escola, por exemplo, a minha mãe trabalhava, mas havia muitos miúdos da minha idade que os pais não trabalhavam. (hum) que as mães não trabalhavam. (hum) e ainda somos de uma geração em que muitas mães estavam em casa e tal. o que é que mudou. a maior parte das mulheres hoje trabalha, eu também fui escolher um exemplo péssimo, porque os meus filhos andam numa escola de gente que há muitas mães que não trabalham, mas por outros motivos. (hum) porque têm imenso dinheiro. (E: [riso]) [riso] podem não trabalhar. [riso] (E: [riso] hum) ã: mas aquilo que eu vejo é, a maior parte das mulheres passou a trabalhar, (hum) passou a contribuir de uma maneira quase igual para o[2:2] bolo do agregado familiar, se calhar passou a ã: eu acho que passou a ser muito mais independente começou a ser muito mais indepen-- muito-- os próprios homens começaram a contribuir muito mais em ca-- quer dizer também depende porque eu também conheço pessoas que se queixam imenso porque os maridos não fazem isto e aquilo, eu não tenho que me queixar, (hum) ã: quer dizer tenho ali a loiça há um dia para lavar, (E: [riso]) porque é um

2 trabalho que ele faz, e eu ontem disse-lhe eh pá deixa estar não laves. e agora tenho eu que ir lavar aquilo. (E: [riso]) que também fico sinto-me um bocado mal (ele) chegar a casa e olhar para aquilo e estar ali há não sei quanto tempo. (E: [riso]) [riso] (hum) mas por exemplo dividimos muito bem esse género de coisa, apesar (hum) de eu estar momentaneamente sem trabalhar, não-- (hum) acho qu-- acho que há[:2] um, há um equilíbrio maior. por um lado, por outro lado, não sei também é um equilíbrio assim tão maior, porque acabamos por ter como encargo uma série de outras tarefas de organização. acho que tem mais a ver com organização (hum) da casa que é um bocado puxadote. E: hum e quem é que vai-- faz esta organização é-- FL06: sou eu mais. E: é a mulher. (FL06: sim) que faz, (FL06: sim) em geral, hum. FL06: sim acho que sim. E: hum, então podia-se dizer que hoje em dia a vida das mulheres é mais difícil? do que antigamente? ou será mais fácil? pode-se dizer a coisa de uma ou de outra forma? FL06: pois não sei. acho que se calhar numas coisas seria melhor-- (hum) não sei. acho que é capaz de ser melhor porque quer dizer tem mais escolhas tem mais perspetivas qu-- digo isto e depois temos uma conjuntura de país um bocado-- ã: acho que há muito mais liberdade, há muito mais possibilidade de escolha da mulher, há uma palava muito mais afirmativa da mulher e muito mais valorizada, (hum) do que se calhar havia há trinta anos. (hum) sem dúvida nenhuma. (hum) aliás há trinta anos aquilo que eu via era os meus pais por exemplo rompiam um bocado certos modelos, (hum) (...3.0) e hoje em dia se calhar aquilo que eu vejo no[:2] meu casamento, vejo em montes de casais assim também. (hum) seja uma coisa muito mais igualitária, muito mais-- (hum) como no outro dia se explicava aos meus filhos. que me perguntavam quem é que manda cá em casa é o pai ou é a mãe. (E: [riso]) achei imensa piada à pergunta. E: perguntaram isso é? FL06: perguntaram [riso] E: engraçado. FL06: deviam estar baralhados. [riso] (E: [riso]) mas quem é que manda? is-- isto que nós somos como uma espécie de um pássaro com duas asas. (hum) portanto mandamos da mesm-- da mesma forma, e[:] estamos muito equilibrados. (hum) claro que as grandes decisões têm que[:] conversar entre ambos, (hum) mas a partir daí decide-se em conjunto e é tudo muito igualitário.

3 E: hum, e se olhar-- quando olhar por exemplo para a vida de sua mãe, assim mais em particular, acha que a vida da sua mãe foi muito diferente da sua? ( 3.0) daquilo que é a sua vida hoje em dia? FL06: ( 4.0) em casa? ou[:] f-- ou fora? E: em todos os aspetos. FL06: eu acho que em casa se calhar foi[:] similar apesar do meu pai não [riso] não colaborar muito, mas não colaborar por culpa dela. (hum) inteiramente. (E: hum, ok) não sei que é que ela disse mas-- [riso] (E: [riso]) mas por culpa dela. porque ele tentou sempre imenso colaborar e[:] cá está. tinha a tal perspetiva muito igualitária e tal[2:2], mas ela estava sempre deixaste uma pinga não sei onde. fizeste não sei o quê. e ele às tantas, então não faço mais. ã: de resto, acho que teve uma vida melhor noutro aspeto tinha traba-- tinha emprego, (hum) havia trabalho, havia[:] perspetiva. não é? (hum) eu acho que eu própria cresci com essa sensação de perspetiva, de hoje pode não estar assim tão bem mas isto vai melhorar e conseguimos fazer tal e tal[2:2]. nesse aspeto acho que a minha vida tem sido muito mais difícil. (hum) e muito mais difícil do ponto de vista económico. porque ( 2.0) pronto. porque tenh-- temos tido bastantes dificuldades, (hum) que cá está. se não fosse esta geração, a suportar determinadas coisas, (hum) já estávamos debaixo da ponte há uma série de tempo. (hum) sem dúvida nenhuma. (hum) ã: mas pronto. isto é uma questão de: d-- do que funciona. n-- de como esta sociedade está a funcionar agora. (hum) e de como a precariedade do trabalho agora se tem (hum) refletido bastante na[:] vida das pessoas. (hum) se bem que essa precariedade no meu caso é desde há dez anos. portanto-- E: hum, não é só agora mas agora tem[:] vindo a-- FL06: sim, a piorar. E: a piorar pois. P2 (10:16) E: hum ã: e em termos de igualdade. pode-se dizer em termos gerais que existe igualdade entre homens e mulheres hoje em dia? FL06: ( 4.0) não sei. eu quero acreditar que sim. há uns estudos feitos em que dizem que as mulheres ganham-- nos mesmos cargos ganham menos, (hum) eu quero acreditar que sim. E: que existe. (FL06: sim) igualdade. hum. FL06: sim. acho que a realidade é um bocadinho aquilo que nós temos. a realidade de cada um é[:] aquilo que cada um vive. (hum) por exemplo eu tenho dois filhos rapazes. ( 2.0) e se calhar não noto, se calhar faço coisas-- hum sei lá. mas acho que não os

4 educo como rapazes. ou não tenho-- (hum) não tenho nada essa perspetiva. no outro dia uma amiga estávamos cá em casa e estavam a brincar e eles tiraram uma[:] das caixas que têm no quarto com brinquedos que é só coisas de comidas[2:] e de pratos e não sei quê. mas os teus filhos têm isso? sim. (E: [riso]) sim é normal que tenham mais carros porque eles pedem. porque começaram a pedir. mas quer dizer têm coisas de raiz, e brincam aos restaurantes se for preciso (hum) e n-- não há uma educação para rapaz. E: hum, mas faz questão disso ou é uma[2:] coisa mais natural? FL06: foi uma coisa que eu acho que foi natural no início, (hum) e faço questão-- e[:] penso nisso agora, e faço questão quando se começa-- quando começarem a chegar à adolescência, que não tardará muito, faço questão. (hum) por exemplo do ponto de vista sexual, que seja assim. por exemplo. (hum) ou seja que seja uma coisa pensada uma coisa-- e uma coisa completamente de igual para igual. (hum) porque é uma coisa que sempre me irritou e que[:] me irrita e que não faz sentido nenhum aquela questão que os rapazes têm que ser mais experientes e têm que isto e têm que aquilo às tantas muito (hum) eu acho que até foram habituados e noutras gerações a viver a sexualidade como uma coisa muito: nem sei, quer dizer. de olhar se calhar para a mulher como um objeto de[:] prazer eventualmente, (hum) digo eu. não sei, (hum) que eu também não[:] (hum) e por exemplo nesse caso acho que é muito importante passar outro género de valores. (hum) acho que é uma coisa que é demasiado importante para se dar assim. (hum) ou seja que-- (hum) e nesse caso acho que educaria uma miúda de uma da mesma maneira que um rapaz. (hum) aliás, acredito nisso. e acredito que[:] esta geração se calhar é um bocadinho uma geração charneira, uma geração de:-- porque ainda fomos educados com valores em alguns casos. (hum) como dizia daniel sampaio, somos educados por uma geração que por sua vez foi educada por uma geraç-- ou seja estamos a ser educados com valores de há sessenta anos. supostamente. (hum) ou de há cinquenta. E: hum, sim[:] ou[:] mais FL06: ou mais. E: mas algumas coisas vão-se perdendo, outras[:] não (FL06: sim[:]) hum, pois. P3 (12:55) [ ] P4 (15:59) E: ok. ã: outra questão. acha que a vida da mulher muda com a maternidade?

5 FL06: sim. E: e o que é que muda? FL06: hum //que é que muda\ E: /muda a vida,\\ muda a mulher, muda o que. FL06: muda a mulher. (E: é?) e com a mulher muda a vida. [riso] (E: hum [riso]) sim. (E: ok) sim. ou seja não é a vida por fora, é mesmo-- eu acho que é-- eu fiquei muito mais caseira. (hum) muito mais-- não me apetece fazer uma data de coisas, acho que fiquei até um bocado mais-- não sei, não me apetece ir para os copos para o bairro alto. não me apetece-- as vezes penso pá era giro, mas depois não (E: [riso]) [riso] não sei, fiquei mais mole acho eu, mais-- (hum) ã: não sei, acho que fiquei um bocadinho (.) há um processo muito estranho. que aconteceu comigo. (hum) durante a primeira gravidez comecei-me a lembrar de montes de coisas da infância que eu não tinha consciência delas. (hum) e depois porque penso imenso nestas coisas. ã: houve uma dada altura (.) e agora ainda agora o que me acontece é. coisas que eu, enquanto adolescente me confrontava e achava um disparate. por exemplo via determinadas coisas com os meus pais e achava um disparate via isto ou aquilo ou mesmo a maneira de educar achava que não se devia fazer assim devia-se fazer assado, "eu quero ser de determinada maneira, eu vou-me construir como um ser humano assim[:2]" e de repente percebo que tenho uma carga muito maior e só percebo isso agora, com quase tri-- com quase quarenta anos. que é uma carga muito maior daquilo que eu vivenciei na infância ou daquilo que me foi passado não sei bem como? não sei se foi por exemplo-- (hum) se foi por experiência-- (hum) tenho muito mais essa matriz em mim, (hum) ou seja fiquei muito mais parecida com a minha mãe numa série de coisas, (E: [riso]) do que eu alguma vez achei que fosse ficar ou que fosse ser. (hum) e eu acho que isso muda. e isso muda se calhar com a maternidade. (hum) efetivamente. E: porque percebe-se que-- percebe-se o funcionamento ou o comportamento da mãe? na altura? FL06: se calhar, não sei não consigo perceber (hum) porquê. (E: [riso]) mas tenho[:] a sensação que houve aqui uma espécie de regressão. (hum) não é de regressão, é-- E: hum, sim ã: ok. ã: o que é que havia mais, ã: ah a experiência de ser mãe será igual, será equivalente à experiencia de ser pai? (.) também com estas mudanças, não é? que[:] acabou de explicar de dizer. FL06: não sei! hum ã: não sei. acho que os pais hoje em dia-- a experiência de ser pai hoje em dia é mais parecia com a de ser mãe. (hum) do que era. não é? (hum) ã: eu lembro-me daqueles casos que as crianças só quando sabiam comer é que iam para a mesa com os adultos, e-- (hum) não é (hum) isso era a geração dos meus avós. [riso]

6 (E: hum [riso]) e que os pais não[:] participavam daquilo. ã: (...2.0) não, acho que no nosso caso mudou mesmo tudo. E: hum para os dois. FL06: para os dois. E: igual-- de igual forma. FL06: sim. (hum) o [nome do marido] dava biberons o [nome do marido] levantava-se a meio da noite com cólicas, ã: dava banhos, (E: hum, e--) acredito que haja uma transformação mais forte na mulher porque é uma coisa corpórea, não é? é uma coisa que vem completamente de dentro, e então há uma determinada altura (.) que nós estamos muito mais ligados àquilo. eu lembro-me por exemplo do [nome do marido] ao fim de[:] depois do primeiro filho-- ao fim de sei lá quatro ou cinco meses do primeiro bebé ele dizer "é pá tenho imensa necessidade de sair à noite ir ter com os meus amigos." (hum) "sim então vai." eu não tinha nada essa necessidade. (hum) ã: (...2.0) mas acho que aquilo-- ou seja, foi tão marcante para ele como para mim, claro que sim, (.) mas depois enquanto ele se calhar tinha algumas-- alguma necessidade de escapar daquilo de vez em quando, e fazer outra coisa qualquer, eu não tive essa necessidade. (hum) ou se calhar tinha. morria era de inveja por não poder fazer (E: [riso]) [riso] E: e as mulheres que decidem não ser mães, como é que vê isso? FL06: é uma opção. (hum) normal. E: há alguém-- há pessoas que dizem que vai-lhes[:] faltar alguma coisa. ou vão-se arrepender mais tarde. ou qualquer coisa desse género. (.) também há quem diga que a maternidade é que realiza uma mulher, não é? que é aquela coisa que realiza a mulher. o que é que acha disso? FL06: eu acho que o que pode realizar as pessoas é a ideia de perpetuar. ã: de se perpetuar e de se deixar aqui. é engraçado eu estava a pensar lembrei-me de dois casos. um deles é a pessoa sobre quem eu estou a fazer a tese, (hum) que foi uma cenógrafa que morreu há três anos, (hum) vai fazer três anos, que não tinha filhos, (.) e que a obra dela enquanto cenógrafa e[:] aquilo que fez ficou a perpetuar. tenho outra amiga que é realizadora, q-- aliás até por opções sexuais porque nem sequer é heterossexual nem sequer põe a hipótese de ter filhos, não quer ter filhos, está muito bem como está, (.) é engraçado, no caso dela também deixou a obra portanto tem uma série de filmes que realizou, (hum) e há uma obra. portanto ela está perpetuada. (hum) de alguma maneira. (hum) acho que essas pessoas não sentem necessidade nenhuma de ter filhos, nem vão ter. e acho que as pessoas que são intelectualmente-- mais como é que eu hei de dizer. ou seja que têm outras escolhas e por ai fora, não sentem a necessidade, (hum) porque se calhar viveram a sua vida em consciência e

7 as opções de não ter filhos (hum) não lhes empata nada. (hum) acredito que se calhar uma pessoa que não tenha filhos, e que não tenha esse género de visão ou de escolha ou que não tenha um trabalho artístico que não tenha um trabalho que deixe (hum) se calhar pode vir a sentir isso mais tarde. E: hum, portanto, há mulheres que são realizadas em outros campos e-- FL06: precisamente. (hum) que não precisam disso. (hum) quer dizer não é prec-- pois sim. [riso] (E: [riso]) mas que são opções! pronto, acredito, quer dizer, eu como desde muito miúda me via sempre a ter filhos e queria ter filhos, (hum) enquanto não tivesse filhos (.) [riso] (E: [riso]) queria mesmo, era uma questão quase de curiosidade. ã: para mim sempre foi uma coisa muito natural. mas quer dizer tenho n amigos que não têm e que não[:] (hum) acho que isso não lhes-- E: hum, não lhes in-- não influencia (FL06: não) ã: ok. está bem. P5 (22:27) [ ] P6 (25:41) [ ]