FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA: SABERES E PRÁTICAS DE PROFESSORES FORMADORES
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- Marco Antônio Barros Pinhal
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1 FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA: SABERES E PRÁTICAS DE PROFESSORES FORMADORES Resumo MANRIQUE, Ana Lúcia PUC/SP manrique@pucsp.br Área Temática - Educação: Profissionalização Docente e Formação Agências Financiadoras: FAPESP e CNPq No atual contexto de reformas do Ensino Superior, questões relativas ao papel do professor, características de seu trabalho e direções a serem impressas à sua formação ganham relevância. Reflexões também existem a respeito do papel dos cursos de Licenciatura, que se destinam a formar professores para atuarem no Ensino Fundamental e Médio e a articulação das disciplinas específicas e pedagógicas com a realidade concreta das escolas. Ao considerar as possibilidades e condições de formação em diferentes modalidades de cursos hoje propostos, em particular para formar o professor das disciplinas específicas para a Educação Básica, cada vez mais se impõe a necessidade de estudos mais aprofundados sobre os cursos de Licenciatura. Este trabalho apresenta uma discussão sobre o papel desses cursos no contexto atual das reformas educacionais do Ensino Superior, na perspectiva da atuação do professor formador. Questiona-se até que ponto as atividades propostas nesses cursos são propícias para a reflexão e a investigação de experiências pedagógicas vivenciadas, para a articulação de conhecimentos específicos e pedagógicos e para o processo de construção do conhecimento profissional docente. Realizamos uma pesquisa em uma instituição privada de ensino superior que oferece curso de Licenciatura em Matemática e investigamos, por meio de entrevistas com o coordenador e professores formadores, saberes e práticas ocorridas nesses cursos. Esses professores formadores valorizam suas experiências profissionais na educação básica e lecionam em mais de uma instituição e nível de ensino. A formação em Educação Matemática, mestrado e doutorado, também é apontada como aspecto fundamental para compreensão de seu papel de formador de professores, principalmente para refletir sobre saberes e práticas de sala de aula. Os desafios enfrentados para formar futuros professores são principalmente os relacionados à defasagem cultural e intelectual dos alunos ingressantes, à duração atual dos cursos de Licenciatura e ao número de alunos por sala de aula. Palavras-chave: Formação inicial de professores; Licenciatura em Matemática; Formadores de professores. Doutora em Educação: Psicologia da Educação pela PUC/SP. Professora e Pesquisadora do PPGE/PC.
2 11482 Introdução A motivação para o desenvolvimento dessa pesquisa decorre do engajamento ao grupo de pesquisa cadastrado no CNPq Professor de Matemática: formação, profissão, saberes e trabalho docente, vinculado ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da PUC-SP, sob liderança das professoras Laurizete Ferragut Passos e Ana Lúcia Manrique. Além disso, este trabalho é um dos produtos do projeto de pesquisa Formadores de Professores de Matemática: Concepções, saberes e práticas docentes, financiado pela FAPESP, sob coordenação da Profa. Ana Lúcia Manrique. A formação inicial, considerada como um começo da socialização profissional, pode favorecer a formação de uma imagem do magistério como sendo um trabalho assistencial e voluntarista, ou, ao contrário, favorecer a aquisição de conhecimentos, de práticas e de atitudes que permitam ao futuro professor exercer sua profissão com a responsabilidade social e política que o ato educativo implica. Além disso, a formação inicial deve dotar o futuro professor de uma bagagem sólida nos âmbitos científico, cultural, contextual, psicopedagógico e pessoal que deve capacitá-lo a assumir a tarefa educativa em toda sua complexidade, atuando reflexivamente com a flexibilidade e o rigor necessários, isto é, apoiando suas ações numa fundamentação válida (IMBERNÓN, 2002, p.60). Parece essencial, então, refletir sob que princípios e orientações estão concebidos os cursos de Licenciatura e em que condições são implementados, pois como afirma Imbernón (2002, p.63): Essa formação, que confere o conhecimento profissional básico, deve permitir trabalhar em uma educação do futuro, o que torna necessário repensar tanto os conteúdos da formação como a metodologia com que estes são transmitidos, já que o modelo aplicado (planejamento, estratégias, recursos, hábitos e atitudes...) pelos formadores dos professores atua como uma espécie de currículo oculto da metodologia. Pretender falar de formação inicial de professores implica refletir, em primeiro lugar, a respeito de formação acadêmica e pedagógica, porque os professores exercem funções docentes em salas de aula e trabalham com um conteúdo específico, também significa pensar sobre o ato de ensinar. Para Tardif (2005, p.31), ensinar é trabalhar com seres humanos, sobre seres humanos, para seres humanos. Esta impregnação do trabalho pelo objeto humano merece ser problematizada por estar no centro do trabalho docente. Ao considerar as possibilidades e condições de formação inicial em diferentes modalidades de cursos hoje propostos, em particular para formar o professor das disciplinas
3 11483 específicas para a Educação Básica, cada vez mais se impõe a necessidade de estudos mais aprofundados sobre os cursos de Licenciatura. Diversas são as questões que nos colocamos, principalmente, quando refletimos sobre o trabalho realizado na instituição escolar. Tardif (2007) coloca o saber da experiência no ensino como o saber central da formação docente, pois é a experiência concreta no trabalho que constitui sua principal fonte de saber profissional e de competência. Salienta que o trabalho na instituição escolar exige do futuro professor um aprendizado progressivo e contínuo das situações vivenciadas, além de chamar a atenção para o fato de que essa experiência é individual e subjetiva, envolvendo a pessoa do aluno e sua história. Para esse autor, aprender a trabalhar como professor envolve uma atitude de adaptação constante ao trabalho desenvolvido em uma instituição real de ensino, em que o aluno não encontra normalmente elementos e ferramentas que o ajudem a enfrentar essas situações em sua formação. A reflexão e a investigação de experiências vivenciadas na escola podem permitir que o aluno realize sua própria interpretação do contexto do trabalho, procurando se descobrir como professor e compreender como se insere nesse trabalho, constituindo assim sua identidade docente. Para Tardif (2007), esse saber da experiência no ensino envolve um autoconhecimento, a descoberta de seus limites como profissional e como pessoa, a percepção de sua incapacidade para resolver determinados problemas, ou seja, é muito mais do que adquirir uma bagagem de conhecimentos e habilidades para o ensino. O saber da experiência no ensino remete a uma experiência de si diante dos outros e com eles. Tornar-se professor é viver todo dia essa experiência. A Formação de Professores frente às mudanças na sociedade atual O Conselho Nacional de Educação, por meio da Resolução CNE/CP n 0 1 (18/02/2002), resolve que toda formação de professores deverá observar alguns princípios norteadores, tais como: concepção nuclear baseada na competência; existência de coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro professor; e a pesquisa como foco do processo de ensino e aprendizagem. As exigências para a formação inicial dos professores contemplam ainda a cultura geral e profissional; conhecimentos a respeito da criança, do adolescente, de jovens e adultos; conhecimentos sobre a dimensão cultural, social, política e econômica da educação;
4 11484 conteúdos das áreas de conhecimento que serão objeto de ensino; conhecimentos pedagógicos; e conhecimentos advindos da experiência. O curso de Licenciatura necessita, então, de um projeto curricular que não se limite a um rol de disciplinas, mas esteja fundamentado em diretrizes próprias, caracterizando-se como um programa de formação de professores. Buscando atividades contextualizadas culturalmente e socialmente, para que o futuro professor possa estabelecer relações internas e externas a disciplina que leciona, além de considerar estruturas curriculares mais criativas que a tradicional organização linear. Pensar a formação inicial como um projeto organizado em torno da função e do saber necessários ao desempenho profissional (ROLDÃO, 2007, p.40). Ao elaborar um projeto curricular de um curso de Licenciatura, considerando a problemática apontada anteriormente, algumas diretrizes essenciais estão subentendidas, tais como: formação ampla, abrangente, interdisciplinar, para a autonomia, articulada com a pesquisa, estimuladora da competência leitora e escritora e que faz uso das tecnologias da informação e comunicação. Considerar a pesquisa como uma das diretrizes do projeto curricular do curso de Licenciatura fundamenta-se principalmente no fato de que a formação inicial propiciará espaços de construção coletiva de conhecimento sobre o ensino e a aprendizagem, permitindo que a pesquisa constitua-se como um conteúdo de aprendizagem na formação do futuro professor. A pesquisa pode favorecer a construção de uma atitude cotidiana de busca de compreensão dos processos de aprendizagem e de desenvolvimento dos alunos, a autonomia na interpretação da realidade escolar e a compreensão de conhecimentos que constituem seus objetos de ensino. Essa nova maneira de considerar os cursos de Licenciatura pretende provocar alterações e mudanças também nos cotidianos escolares. Entretanto, para Sampaio (2006, p.73), os professores das escolas se declaram impedidos de exercer seu trabalho, confusos pela imposição de novas formas de organizar o ensino e acuados pela ameaça da desordem e da violência; utiliza-se o tempo e o espaço da escola para ocupar e distrair os alunos, ofertar lazer para as famílias e grupos do entorno, organizar projetos sociais e tentar a conciliação entre grupos perigosos, polícia e seu pessoal interno. Hoje nos sistemas de ensino existem escolas tradicionais, populares de massa, nos pequenos municípios e nos grandes centros urbanos, todas com características próprias, apresentando diferenças e semelhanças entre as rotinas de trabalho, o tempo para reflexão e seu funcionamento. Como conhecer essas escolas que serão os locais de trabalho do futuro professor? Esse é um dos desafios dos atuais cursos de Licenciatura.
5 11485 Lüdke e Boing (2007, p.1197) chamam a atenção para um dos pontos-chave da formação, que é a preparação de um profissional mais fortalecido, para enfrentar os embates e desafios de um trabalho docente mutante, frente a uma população discente ainda mais mutante. Ao considerar que os cursos de Licenciatura pretendem fornecer uma formação para os futuros professores que atuarão em diferentes escolas, a tarefa parece ser a de propor, segundo Alves (2006, p. 177), um ensino eficaz que se assentaria num equilíbrio entre uma aquisição de conhecimentos cuidadosamente seleccionados, um desenvolvimento de capacidades, transversais por natureza, e um desenvolvimento de competências, mais objectivas, centradas nas aquisições de todos os tipos: conhecimentos, capacidades, automatismos, atitudes, aquisições da experiência. É comum encontrar ainda em cursos de Licenciatura a predominância de uma concepção de professor como aquele que transmite, oralmente e ordenadamente, os conteúdos veiculados pelos livros didáticos e por outras fontes de informação e uma concepção de aluno como agente passivo e individual no processo de aprendizagem. Nessas concepções, a aprendizagem é entendida como um processo que envolve meramente a atenção, a memorização, a fixação de conteúdos e de procedimentos, principalmente por meio de exercícios mecânicos e repetitivos. Roldão (2007, p.36) se contrapõe a essas concepções e diz que a função específica definidora do profissional professor não reside, pois, na passagem do saber, mas sim na função de ensinar, e ensinar não é apenas, nem sobretudo, passar um saber.[...] A função de ensinar, caracterizadora do profissional que somos, ou quereríamos ser, na minha perspectiva, consiste, diferentemente, em fazer com que outros adquiram saber, aprendam e se apropriem de alguma coisa. E é aí que nós, professores, somos uma profissão indispensável, e talvez cada vez mais indispensável, porque não basta pôr a informação disponível para que o outro aprenda, é preciso que haja alguém que proceda à organização e estruturação de um conjunto de ações que levem o outro a aprender. Assim, um dos principais problemas da formação inicial está relacionado à formação pedagógica do professor, ou seja, a desarticulação entre os conhecimentos específicos e os pedagógicos, que são trabalhados de forma descontextualizada, sem significado para os futuros professores, não conseguindo, assim, conquistar os alunos para sua importância em suas futuras atividades docentes. Nos dizeres de Roldão (2007, p.37), um saber científicoprofissional integrador de todos os saberes que se mobilizam para a prática da ação de ensinar enquanto fazer aprender alguma coisa a alguém. A formação inicial de professores é, então, entendida como uma tarefa que pode propiciar novas soluções, novas discussões e novos problemas, mas é importante esclarecer
6 11486 que procurar esse equilíbrio não significa eliminar as tensões, mas sim enfrentá-las, desafiálas e conviver com elas. Desenvolvimento Realizamos uma pesquisa em uma instituição privada de ensino superior que possui Curso de Licenciatura em Matemática e investigamos, por meio de entrevistas com o coordenador e professores formadores, saberes e práticas ocorridas nesse curso. Essa instituição é uma Faculdade Integrada situada em uma cidade da Grande São Paulo e o Projeto Pedagógico da Instituição (2006, p. 5) afirma que os objetivos do curso de Licenciatura em Matemática são os mesmos da instituição, e que: garantem um ensino de excelência e propõem uma estreita articulação com as dimensões teóricas e práticas, considerando os conhecimentos específicos, os pedagógicos, os curriculares e as políticas educacionais, como base para a formação de seus alunos. A instituição tem vários laboratórios instalados em ambientes modernos, climatizados com equipamentos de alto desempenho e grande versatilidade de uso, preparados para situações que viabilizam a prática eficaz das áreas a que se destinam, entre eles o laboratório de ensino de matemática, o de física, o de informática e o de tecnologias educacionais. O Projeto Pedagógico afirma que essa instituição busca desenvolver habilidades no emprego da tecnologia como ferramenta no processo ensino-aprendizagem da Matemática e fazer com que os alunos compreendam, critiquem e utilizem novas idéias e tecnologias para a resolução de problemas. O Curso de Licenciatura em Matemática tem duração de três anos, com regime semestral, ou seja, o curso é composto de seis períodos. Atualmente, o curso de Licenciatura em Matemática tem 219 alunos matriculados, sendo que 63 alunos estão no 1º ano, 76 no 2º ano e 80 no 3º ano. O coordenador, sendo também professor do curso de Licenciatura em Matemática, tem uma visão muito próxima dos desafios e progressos que seu grupo de professores enfrenta. Na entrevista, o coordenador afirma que as reuniões com os professores são, geralmente, no começo e no fim do semestre, mas sempre que avaliam a necessidade, se encontram e discutem assuntos referentes ao curso e à Educação Matemática. Quanto a número de alunos por sala, o coordenador considera viável e quanto a equipamentos disponíveis, a instituição fornece equipamentos excelentes, como laboratórios de informática, equipamentos de multimídias, materiais de manipulação, laboratório de física
7 11487 e enfatizou o laboratório de ensino da matemática, onde os alunos têm oportunidade de planejar aulas de forma contextualizadas. Entrevistamos treze professores, incluindo o coordenador do curso que também é professor desse curso. Desses professores, onze são da área de Matemática, um de Letras e um outro da Psicologia. Três são doutores, sete mestres e três especialistas. Temos oito professores com pelo menos de 10 anos de experiência como formadores e 4 com mais de 15 anos de experiência. Trabalham em mais de uma instituição e mais de um nível de ensino, por isso os que denominamos de professores itinerantes. Nove desses professores também tiveram experiências profissionais fora da área educacional. Eles foram motivados a trabalharem com a formação de professores devido a docentes que tiveram na graduação ou pós-graduação, pelo trabalho como assistentes em formações de professores, pelo estágio que realizaram durante a graduação e pelas amizades que possuem. Em relação ao seu trabalho no Curso de Licenciatura em Matemática, esses professores valorizam a experiência profissional que possuem na educação básica. O que considero ter sido muito importante para mim, foi o contato com as séries iniciais, eu ter sido professora do ensino fundamental e médio para eu conhecer o que é a sala de aula nessas séries. Como eu trabalhei muitos anos, trabalhei 27 anos, até me aposentar, acho que tive oportunidade de observar bem as questões dos alunos, as dúvidas. Acho isso importante para ser professor de Licenciatura, porque você consegue falar com os alunos, trabalhar as propostas com mais propriedade, e eles percebem que a gente tem traquejo com a sala de aula, traquejo com o aluno. Acho que essa experiência fala alto, na sala de aula para os licenciandos. (Profa. de Prática de Ensino) Em relação aos saberes docentes para trabalhar com os cursos de Licenciatura, uma professora aponta que sua formação em Educação Matemática foi muito importante para a atuação nesses cursos. Considero importante é minha formação em Educação Matemática. Isso foi também fundamental para mim. Essa formação foi algo que me deu suporte, porque muitas coisas que às vezes concluía sem saber bem, coisas que a gente percebe que não estão adequadas, mas que também não tem idéia de que caminho tomar. Essa formação em Educação Matemática deu o suporte que eu precisava. (Profa. de Prática de Ensino) Dos saberes para trabalhar nos cursos de Licenciatura, essa professora pontua seu trabalho de conscientização dos alunos em relação a postura que um professor necessitar ter para atuar em sala de aula. por estarmos num curso de licenciatura os professores precisam ter uma postura tal em sala de aula que promova nos alunos uma outra postura como professores. Então nós não podemos ser professores de giz e lousa, temos que ter uma proposta diferente em sala de aula (...)de nós sermos um pouco mais de modelo para eles, nas nossas aulas, quer dizer se nós não tivermos uma postura diferente em nossas aulas, os nossos alunos não vão ter. (Profa. de Prática de Ensino)
8 11488 Essa professora refere-se também a postura que o futuro professor necessita ter em relação ao conteúdo matemático. Uma das coisas que pontuo como professor de Licenciatura é o desenvolvimento da postura do aluno frente a Matemática, sempre discutir o que é Matemática para eles (...) eu passo para os alunos, também eles sentem, pois quando eu falo da profissão com eles, eles sentem, se entusiasmam. (Profa. de Prática de Ensino) Os desafios que esses professores enfrentam são grandes, principalmente os de conteúdo específico, alegando que seus alunos não possuem condições mínimas para o desenvolvimento de um trabalho coerente de formação de professores de Matemática. assim parar para ler 03 páginas foi uma luta, eu tive que quase que fazer a leitura com eles, mas eu não queria fazer a leitura com eles, eu queria que eles fizessem a leitura e discutíssemos, mas eu fiquei surpreso, por que eu achava que a coisa ia mais afundo, eu acreditava que conseguiria ir mais a fundo no conteúdo, mas tinha que ser tudo que meio superficial, infelizmente, por conta dos 03 anos. (...) os alunos chegam sem saber o conteúdo da educação básica,(...) um grande obstáculo que eu sinto é, eles entram na licenciatura, muitos não pretendem dar aula, mas estão fazendo o curso de licenciatura em matemática que vai torná-los professores de matemática e não outro senão professor de matemática e ter o nome ou a palavra matemática no final eles acreditam que sabem matemática ou que saberão muita matemática e as outras coisas não são importantes,(...) talvez pelo curso, pelo tempo curto que nós temos, 03 anos para formar um professor de matemática para professores ou para estudantes que chegam sem dominar o conteúdo básico, eu acho que é impossível. (Prof. de Álgebra) Outro desafio diz respeito à formação cultural dos alunos que ingressam nesse curso de Licenciatura em Matemática. a nossa clientela é de uma pobreza cultural enorme, nós temos gente muito boa, gente muito interessada, mas culturalmente pobre, além de que muitos são pessoas que pararam de estudar a muito tempo, fizeram supletivo (...) alunos com um rombo de conhecimento enorme, com total dificuldade de leitura, às vezes eles param para perguntar o significado de uma determinada palavra que a gente falou, não que falemos difícil, procuramos ter a linguagem mais simples possível, e mesmo assim algumas coisas eles não entendem, então é essa nossa clientela (...) Eles querem ser professores para melhorar de vida, quer dizer o patamar de ganho deles é muito baixo. (Profa. de Prática de Ensino) Em relação às condições de trabalho que esses professores possuem, a professora de Psicologia da Educação expressa sua angústia em relação ao tempo da disciplina e ao número de alunos em sala de aula. Hoje uns setenta, o que você faz com duas aulas de psicologia num semestre que você sabe que não é..., são três meses, se for; tirando as provas e tudo com os setenta alunos na sala, o que você faz? (...) Me desanimou muito, porque eles me deram o dobro de alunos com a metade do tempo, e a minha disciplina é de formação, não é de conteúdo, e aí fica muito complicado, eu não consigo trabalhar a questão da sensibilização deles, eu não consigo trabalhar. (Profa. de Psicologia da Educação) Considerando que nessa instituição é o coordenador sozinho o responsável pela elaboração e implantação do currículo do curso, entendemos que uma forma de superar essas
9 11489 dificuldades encontra-se nas discussões coletivas com professores e coordenadores, como espaços para reflexão na tentativa de buscar soluções para a reformulação dos cursos de Licenciatura, na intenção de adequá-lo às Diretrizes para o Ensino Superior e a formação almejada para o futuro professor. Nesse sentido, em relação ao planejamento das disciplinas a professora de Prática de Ensino relata que a instituição possibilita ao professor autonomia para decidir sobre suas aulas. Total autonomia, o coordenador quando me chamou disse o que ele gostaria que tivesse no curso, vimos as Diretrizes para os cursos de Licenciatura e a partir delas montei como eu quis. Tanto que é a única disciplina que a avaliação é semestral, não é bimestral. Esses professores relatam em suas entrevistas que socializam saberes e experiências; permitem-se aceitar sugestões dos colegas em relação aos conteúdos e a postura deles como profissionais em sala de aula; atendem aos alunos nos corredores; e afirmam que a instituição disponibiliza os recursos materiais que precisam. Considerações A gente até tentou montar um grupo de pesquisa aqui, porque nós somos um grupo de professores bastante unido, com raras exceções. (Profa. de Prática de Ensino) Ao tomarmos como objeto de estudo professores que lecionam em cursos de graduação, em especial em cursos de Licenciatura, temos que considerar que eles exercem sua função em uma realidade que atualmente podemos considerar bastante complexa, com diversas mudanças e cheia de conflitos; além disso, os problemas acadêmicos que se apresentam não podem ser facilmente categorizáveis e exigem muitas vezes soluções particulares. Isso implica que refletimos a respeito de sua formação acadêmica e pedagógica, porque esses profissionais exercem funções em salas de aula e trabalham com um conteúdo específico. Mizukami (2006, p.7) apresenta mais algumas atividades desenvolvidas por professores do ensino superior: devem estar envolvidos com o projeto político pedagógico do curso, construir parcerias com escolas e setores da comunidade, trabalhar coletivamente e de forma integrada, elaborar documentação a ser apresentada a órgãos oficiais, orientar Trabalhos de Conclusão de Curso, orientar pesquisas de Iniciação Científica, publicar regularmente etc. Tais indicadores envolvem, igualmente (mesmo no caso de instituições de ensino superior que não enfatizem a pesquisa acadêmica), condução de pesquisa e regularidade de publicação. Consideramos também como um componente importante, que influencia a atuação do professor, a instituição acadêmica, considerada como lugar e agente de formação. A instituição pesquisada apresenta uma dimensão física, constituída da construção, dos espaços
10 11490 internos e externos, dos recursos materiais, que podem facilitar ou impossibilitar as atividades realizadas pelos professores. Tavares (2003, p.101) afirma que as instituições apenas são possíveis e se justificam pelas pessoas, com as pessoas e para as pessoas que nelas crescem, se desenvolvem, se formam e educam. Essas pessoas incluem os alunos, os professores, o pessoal administrativo e técnico da instituição, ou seja, existe uma dimensão psicológica institucional a ser considerada. Entretanto, essas pessoas co-constroem suas experiências, associando-se e comunicando-se com os outros, revelando a dimensão sociológica da instituição. Tavares (2003, p.102) mostra essa dimensão como as relações entre os diferentes sujeitos que integram essas instituições e nelas actuam, isto é, os comportamentos sociais que manifestam as pessoas em grupos mais ou menos alargados e complexos em relação às formas de convivência e organização, à distribuição do trabalho e partilha dos bens, à autodefesa dos próprios grupos, da cultura, dos costumes, etc. A dimensão organizacional e de gestão traz subjacente tanto a dimensão psicológica quanto a sociológica, por não podermos pensar as instituições sem as pessoas que a integram e sem as relações que nela se estabelecem. E as dimensões anteriores necessitam da dimensão política e cultural para serem compreendidas, por serem as ideologias, as políticas e as culturas que orientam o desenvolvimento da instituição. Essas dimensões devem ser consideradas tanto no estudo do professor quanto das condições de trabalho oferecidas pela instituição. Nesse sentido, os dados apresentados neste trabalho refletem muito mais a cultura e a política existentes na instituição do que propriamente a capacidade desses docentes pesquisados. Muitos dos professores possuem vínculo empregatício com outras instituições de ensino e pesquisa, realizando atividades científicas e culturais também nessas instituições. REFERÊNCIAS ALVES, M.P.C. O desenvolvimento do currículo e a avaliação por competências. In: Cultura e política de currículo. Lopes, A.R.C., Macedo, E.F., Alves, M.P.C. (org.). Araraquara, SP: Junqueira & Marins, p , BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP n.1 (18/02/2002). Disponível: IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional. Forma-se para a mudança e a incerteza. São Paulo: Cortez, (Coleção Questões da Nossa Época, v.77) INSTITUIÇÃO. Projeto Pedagógico de Licenciatura em Matemática. São Paulo, 2006.
11 11491 LÜDKE, Menga, BOING, Luiz Alberto. O trabalho docente nas páginas de Educação & Sociedade em seus (quase) 100 números. In: Educação & Sociedade. Campinas, vol. 28, n. 100 Especial, p , out MIZUKAMI, Maria da Graça N. Aprendizagem da Docência: Professores Formadores. Revista E-Curriculum. São Paulo: PUC/SP, p.1-17, v.1, n.1, ROLDÃO, Maria do Céu. (2007). Formar para a excelência profissional pressupostos e rupturas nos níveis iniciais da docência. In: Educação e Linguagem. São Paulo/São Bernardo do Campo: UMESP, p.18-42, ano 10, n.15. SAMPAIO, M.M.F. Currículo e sujeitos da escola. In: Currículo, Cotidiano e Tecnologia. Moreira, A.F.B., Alves, M.P.C., Garcia, R.L. (org.). Araraquara, SP: Junqueira & Marins, p.65-91, TARDIF, M. O que é o saber de experiência no ensino? Palestra proferida no VII Congresso Nacional de Educação EDUCERE. Curitiba: PUC/PR TARDIF, M., LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Tradução de João Batista Kreuch. Petrópolis, RJ: Vozes, TAVARES, José. Formação e Inovação no Ensino Superior. Portugal: Porto Editora, 2003, 160p. (Coleção CIDInE, n.15)
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