Fusariose. em pacientes. oncológicos
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- Thais das Neves Miranda
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1 D i s c u s s ã o d e a s o l í n i c o Fusariose em pacientes oncológicos
2 Fusariose em pacientes oncológicos Dra. Raquel Keiko (RM: SP) Médica do Instituto do âncer do Estado de São Paulo (Icesp) s infecções por Fusarium spp. são consideradas uma importante causa de morbimortalidade em pacientes imunodeprimidos, em especial aqueles com doenças oncológicas. O Fusarium é um fungo encontrado no solo e na água das diversas regiões do planeta 1,2, sendo, na atualidade, a segunda causa de infecção por fungo filamentoso em pacientes imunodeprimidos em várias séries 1,3,4. aso clínico Paciente de 46 anos, sexo feminino, foi internada para investigação e tratamento de leucemia mieloide aguda, secundária à quimioterapia (essa paciente era previamente acompanhada no Instituto do âncer do Estado de São Paulo Icesp devido a um câncer de mama tratado seis anos antes). Iniciou quimioterapia com esquema FLG, que foi suspenso no D1 e modificado para indução com D37. Evoluiu com quadro de neutropenia febril no D7 do esquema D37, sendo tratada com vancomicina, meropenem e amicacina, que foram suspensos no D7, após resultados de culturas negativas. No dia seguinte à retirada dos antibióticos (no D17 do esquema D37), a paciente voltou apresentar febre e lesões em pele hiperemiadas com halo eritematoso no dorso do pé direito e na coxa esquerda. omo ela ainda apresentava neutropenia intensa (contagem absoluta de neutrófilos em sangue menor do que 100 neutrófilos/mm³) foi introduzido um esquema antimicrobiano de amplo espectro, incluindo cobertura para fungos, com anfotericina B lipossomal, associada ao voriconazol, devido à suspeita de fusariose. lém disso, foram 2
3 s infecções por Fusarium spp. são consideradas uma importante causa de morbimortalidade em pacientes imunodeprimidos, em especial aqueles com doenças oncológicas solicitados exames de imagem (tomografia computadorizada de pulmão e seios da face) e foi realizada coleta de hemoculturas e de galactomanana sérica. Também foi solicitada a avaliação das lesões cutâneas pela Dermatologia e uma biópsia de pele. Os exames de imagem não mostraram sinais de doença fúngica invasiva pulmonar ou de seios da face e as hemoculturas foram negativas. O resultado da galactomanana sérica também foi negativo. Entretanto, na avaliação da Dermatologia, foram observadas lesões nodulares, eritematosas, com necrose central em coxa esquerda, antebraço direito, dorso de pé esquerdo e porção medial de pé direito. Foi realizada a biópsia da lesão em pé direito, cujo resultado do exame histopatológico foi sugestivo de dermatite espongiótica com pústula subcórnea. O estudo histoquímico foi negativo para fungos, mas houve o crescimento de Fusarium na cultura do aspirado da pústula no pé direito. paciente evoluiu com melhora da febre e regressão das lesões, além de resposta medular (recuperação dos neutrófilos em sangue periférico). Recebeu alta hospitalar após duas semanas de terapia antifúngica e manteve tratamento com anfotericina B lipossomal e voriconazol em regime de hospital-dia. endoftlamites, devido ao uso de lentes de contato ou cirurgia de catarata; sinusite alérgica ou crônica, pela inalação de conídios; e onicomicoses e celulites após a inoculação do agente por trauma ou procedimentos cirúrgicos 1,2. Em imunodeprimidos, a fusariose geralmente evolui para formas invasivas e disseminadas 1. persistência de febre, mesmo em uso de antibioticoterapia de amplo espectro, é uma apresentação clínica frequente nos pacientes neutropênicos 1,5. fusariose disseminada é a apresentação mais comum nos pacientes imunocomprometidos não HIV, em especial os onco-hematológicos, com o aparecimento de múltiplas lesões cutâneas e o isolamento do fungo em hemoculturas 2,6. No Icesp, a maioria dos pacientes com infecção por Fusarium eram portadores de doença onco-hematológica, em especial a leucemia mieloide aguda. neutropenia prolongada resultante de quimioterapia, radiação, falência medular ou infiltração da medula óssea por células neoplásicas e o uso de corticosteroides foram considerados os principais fatores de risco 1,3,4,6. Em nossa casuística, a neutropenia e o uso de terapias imunossupressoras (quimioterapia e/ ou corticosteroides) foram as condições mais associadas à fusariose em pacientes oncológicos. s lesões cutâneas podem surgir como o sítio primário de infecção ou como manifestações metastáticas da doença disseminada e podem se apresentar como máculas ou pápulas avermelhadas ou acinzentadas, nódulos, áreas de necrose, micetomas ou bolhas 7. Máculas avermelhadas ou acinzentadas com uma ulceração central ou uma escara negra são características da infecção por Fusarium 6 (figura 1). Essas lesões podem estar associadas ao desenvolvimento da forma disseminada, precedendo o isolamento do fungo no sangue 7. Figura 1: Lesões cutâneas de fusariose disseminada em paciente com doença onco-hematológica Discussão Nos pacientes imunocompetentes, as infecções por Fusarium geralmente são localizadas, relacionadas à porta de entrada do micro-organismo: ceratites e 3
4 Outra forma clínica da infecção pelo Fusarium encontrada com frequência nos pacientes onco-hematológicos é a doença pulmonar, caracterizada pela presença de sintomas respiratórios e nódulos ou cavitações bilaterais. Em alguns casos, pode haver acometimento dos seios da face 1,2,6. Os órgãos mais acometidos nos pacientes com doença disseminada no Icesp foram pele, pulmão e seios da face. om menos frequência, o Fusarium pode causar osteomielite, artrite, otite, sinusite e abscesso cerebral 1,2. s formas associadas ao uso de dispositivos invasivos, como infecção de corrente sanguínea relacionada ao cateter vascular central, e peritonite nos pacientes em diálise peritoneal, também são raras 1,2. O diagnóstico da fusariose pode ser difícil, uma vez que os achados radiológicos e histológicos não são específicos e podem ser confundidos com a aspergilose, que requer um manejo clínico diferente 4,6. Os biomarcadores, como a galactomanana e a 1,3-B-D-glucana, possuem um valor diagnóstico limitado 6. s hemoculturas são positivas em 40% a 60% dos pacientes com doença disseminada 6. Portanto, a realização de procedimentos invasivos, como broncoscopia com lavado broncoalveolar e biópsia de tecidos, é importante para a identificação do agente por microscopia direta, cultura, histopatologia, imuno-histoquímica e métodos moleculares 6 (tabela 1). Tabela 1: Recomendações para o diagnóstico de Fusarium População Teste Grau de recomendação Grau de evidência Observação Qualquer população (imunocomprometidos) Microscopia direta Investigação básica ultura (identificação de espécie) Investigação básica Histopatologia Investigação básica Imuno-histoquímica inda não foi avaliado β-d-glucana B Geralmente positiva em pacientes com fusariose Galactomanana B Pode ser positivo em alguns casos de fusariose Pan PR para fungos Em combinação com métodos convencionais lto valor preditivo negativo PR Multiplex inda não foi validado Não cobre todas as espécies Hibridização in situ inda não foi avaliado (testes in house) Perfil de sensibilidade Pode ser útil na escolha da terapia antifúngica ulturas ambientais Em caso de surtos 4 Pacientes onco-hematológicos Tomografia computadorizada de tórax Nenhum paciente apresenta exame normal (nódulos pulmonares em 82%) Grau de recomendação: fortemente recomendado / B recomendação moderada / recomendação fraca / D não recomendado Grau de evidência: I baseado em pelo menos um estudo randomizado e controlado / baseado em: pelo menos um estudo clínico sem randomização; estudos de coorte ou caso-controle (preferencialmente de mais de um centro); múltiplas análises de séries temporais; resultados expressivos de estudos não controlados / baseado em: opiniões de especialistas; experiência clínica; séries de casos descritivas; comitês de experts daptado de: Tortorano et al., 2014.
5 maioria das espécies de Fusarium apresentam elevados valores de concentração inibitória mínima para os antifúngicos disponíveis, incluindo os azólicos de amplo espectro O esquema terapêutico de escolha para a fusariose ainda não foi determinado, pois os estudos que existem estão restritos a alguns centros de Oncologia e incluem um pequeno número de pacientes 1,3,6. lém disso, a maioria das espécies de Fusarium apresentam elevados valores de concentração inibitória mínima para os antifúngicos disponíveis, incluindo os azólicos de amplo espectro 6,8,9. om base nos dados disponíveis, o voriconazol e as formulações lipídicas de anfotericina B são considerados as drogas de escolha para o tratamento da fusariose pelo consenso do European Fungal Infection Study Group of the European Society of linical Microbiology and Infectious Diseases (ES- MID) e da European onfederation of Medical Mycology (EMM) 6 (tabela 2). Tabela 2: Recomendações para o tratamento da fusariose em pacientes imunocomprometidos Tipo de tratamento ntifúngico Grau de recomendação Grau de evidência Observação Primeira linha Voriconazol Requer monitoramento do nível sérico da droga Resposta clínica de acordo com condições clínicas de base e sítio de infecção nfotericina B lipossomal B Pode haver resistência à anfotericina B nfotericina B complexo lipídico Evidência limitada a relatos de casos nfotericina B desoxicolato D Pode haver resistência à anfotericina B Infecções por fungos resistentes podem ocorrer durante o tratamento Toxicidade elevada Equinocandinas D Resistência intrínseca Terapia combinada Poucos relatos Terapia combinada não superior à monoterapia com voriconazol Resgate Posaconazol Taxa de sucesso de 50% Infecções por fungos resistentes podem ocorrer durante o tratamento Requer monitoramento do nível sérico da droga Voriconazol Eficácia considerável Requer monitoramento do nível sérico da droga daptado de: Tortorano et al.,
6 Dentre as formulações lipídicas de anfotericina B, a lipossomal possui maior grau de recomendação (B=recomendação moderada), uma vez que o grau de recomendação de uso do complexo lipídico (=recomendação fraca) foi baseado em relatos de casos. Devido a sua alta toxicidade, o uso de anfotericina B desoxicolato não é recomendado para o tratamento de fusariose em pacientes imunocomprometidos. associação de anfotericina B e voriconazol é utilizada para proporcionar uma ampla cobertura, principalmente quando os resultados dos testes de perfil de sensibilidade aos antifúngicos ainda não se encontram disponíveis 6,10. Devido à identificação de cepas de Fusarium com MI (concentração inibitória mínima) elevada para voriconazol e alguns casos com resistência à anfotericina, a terapia combinada tem sido utilizada para o tratamento de fusariose no Icesp, com objetivo de manter uma cobertura ampliada para fungos. lguns estudos mostram ação sinérgica in vitro da combinação de dois ou mais antifúngicos 11. Entretanto, há poucos dados clínicos relacionados à importância dos testes de suscetibilidade a antifúngicos para fungos filamentosos. lém da terapia antifúngica, o manejo clínico dos pacientes com fusariose inclui o debridamento cirúrgico de tecidos infectados, a remoção do cateter vascular central, nos casos de infecção relacionada a esse dispositivo, e a redução do grau de imunossupressão desses pacientes 6. Tabela: Resumo das recomendações para o tratamento da fusariose em pacientes imunocomprometidos 12. Estratégia Terapia antifúngica Imunoterapia Tratamento cirúrgico uidados com dispositivos invasivos nfotericina B lipossomal (3 mg/kg/d) ou Voriconazol (6mg/kg 12/12h nas primeiras 24h e 4 mg/kg 12/12h a partir de 24h) Uso de fatores de crescimento de linhagem mielóide (G-SF ou GM-SF) ou transfusão de granulócitos em pacientes com neutropenia Debridamento de tecidos necróticos Remover cateter vascular central Observação onsiderar associação de uma segunda droga se não houver melhora em 3-4 dias Usar com cuidado em pacientes com indicação de transplante alogênico de células tronco hematopoiéticas ssociado a desfechos favoráveis Se fungemia isolada ou infecção relacionada ao dispositivo invasivo daptado de: Nucci e naissie, 2007; Tortorano et al, 2014; Nucci e naissie, mortalidade dos pacientes com doença disseminada pelo Fusarium é muito elevada (75%), em comparação com a forma localizada (36%), mesmo após análise multivariada incluindo as condições de base dos pacientes 2,3. inda que estudos recentes tenham demonstrado um aumento da sobrevida dos indivíduos com infecção por Fusarium, devido ao esforço para reduzir o tempo de imunossupressão nesses pacientes e ao uso de terapia antifúngica combinada, a mortalidade nos 90 dias após o diagnóstico de fusariose ainda se mantém por volta de 40% 8. No Icesp, observamos uma redução da mortalidade nos pacientes com doença onco-hematológica que parece estar associada a um maior grau de suspeita clínica e início de terapia mais precoce nesta população. mortalidade associada à fusariose nos pacientes com tumor sólido permanece alta (80% a 100%). onclusões s condições mais associadas à fusariose em pacientes oncológicos são a presença de doença onco -hematológica, a neutropenia e o uso prévio de terapia imunossupressora (quimioterapia e/ou corticosteroides). doença disseminada é a forma clínica mais frequente nesses indivíduos. Uma abordagem diagnóstica ampliada, incluindo a realização de procedimentos invasivos é recomendada para a identificação do agente. taxa de mortalidade se mantém elevada, assim como a resistência aos antifúngicos, em especial aos azólicos. Embora a melhor opção terapêutica ainda não tenha sido determinada, o voriconazol e as formulações lipídicas de anfotericina B são considerados as drogas de escolha para o tratamento da fusariose. 6
7 Referências 1) Dignani M, naissie E. Human Fusariosis. lin Microbiol Infect. 2004;10(Suppl. 1): ) Nucci M, naissie E. Fusarium Infections in Immunocompromised Patients. lin Microbiol Rev. 2007;20(4): ) Horn DL, Freifeld G, Schuster MG, zie NE, Franks B, Kauffman. Treatment and outcomes of invasive fusariosis: review of 65 cases from the PTH lliance registry. Mycoses. 2014;57(11): ) Guarro J. Fusariosis, a complex infection caused by a high diversity of fungal species refractory to treatment. Eur J lin Microbiol Infect Dis. 2013;32: ) Muhammed M, nagnostou T, Desalermos, Kourkoumpetis TK, arneiro H, Glavis-Bloom J et al. Fusarium infection: report of 26 cases and review of 97 cases from the literature. Medicine (Baltimore). 2013;92(6): ) Tortorano M, Richardson M, Roilides E, van Diepeningen, aira M, Munoz P et al. ESMID and EMM joint guidelines on diagnosis and management of hyalohyphomycosis: Fusarium spp., Scedosporium spp. and others. lin Microbiol Infect. 2014;20: ) Varon G, Nouer S, Barreiros G, Trope BM, Magalhães F, kiti T et al. Superficial skin lesions positive for Fusarium are associated with subsequent development of invasive fusariosis. J Infect. 2014;68(1): ) Nucci M, Marr K, Vehreschild MJ, de Souza, Velasco E, appellano P et al. E. Improvement in the outcome of invasive fusariosis in the last decade. lin Microbiol Infect. 2014;20(6): ) Espinel-Ingroff, olombo L, ordoba S, Dufresne PJ, Fuller J, Ghannoum M et al. International Evaluation of MI Distributions and Epidemiological utoff Value (EV) Definitions for Fusarium Species Identified by Molecular Methods for the LSI Broth Microdilution Method. ntimicrob gents hemother. 2015;60(2): ) Walsh TJ, Gamaletsou MN. Treatment of fungal disease in the setting of neutropenia. Hematology m Soc Hematol Educ Program. 2013;2013: ) Martin-Vicente, Guarro J, apilla J. Does a triple combination have better activity than double combinations against multiresistant fungi? Experimental in vitro evaluation. Int J ntimicrob gents. 2017;49(4): ) Nucci M, naissie E. How we treat invasive fungal diseases in patients with acute leukemia: the importance of an individualized approach. Blood Dec 18;124(26): RJ Estrada do Bananal, 56 - Freguesia/Jacarepaguá - EP: (21) SP v. Santa atarina, Sala Vila Mascote - EP: (11) US 4929 orto Drive - Orlando - FL (321) atendimento@doccontent.com.br Diretor: Renato Gregório Gerente editorial: Bruno ires oordenadora editorial: Thaís Novais (MTB: RJ) Editor: Marcello Manes oordenador técnico-científico: Guilherme Sargentelli (RM: RJ) oordenador de revisão: Leonardo de Paula Designers gráficos: Douglas lmeida, Monica Mendes e Tatiana outo Gerentes de relacionamento: Karina Maganhini, Katia Martinez, Sâmya Nascimento, Selma Brandespim e Thiago Garcia ssistentes comerciais: Heryka Nascimento e Thais raújo Produção gráfica: Pedro Henrique Soares e Tiago Silvestre opyright 2018 by DO ontent. Todas as marcas contidas nesta publicação, desenvolvida exclusivamente pela DO ontent para o laboratório United Medical, bem como os direitos autorais incidentes, são reservados e protegidos pelas leis 9.279/96 e 9.610/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, da DO ontent. Publicação destinada à classe médica. O conteúdo deste material é de responsabilidade de seu autor, não refletindo necessariamente a opinião da United Medical. 7
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