PEQUENAS MENTES. Acalmando as

Documentos relacionados
Dra Nadia Bossa PALESTRA DISTÚRBIOS DE ATENÇÃO E DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

A PRÁTICA DE MINDFULNESS POR PROFISSIONAIS DA SAÚDE

COGNIÇÃO e DOR. Fabiana Goto. Neuropsicóloga Especialização em Dor HCFMUSP LINEU Laboratório de Investigações em Neurociências IPq HCFMUSP

STRESSOCUPACIONAL E PRÁTICAS MINDFULNESS

Aspectos Anatômicos: CÉREBRO E TDAH

Parcerias Família- Escola: Práticas estruturais e relacionais que apoiam o sucesso estudantil

Funções Executivas. Drª Ana Raquel Karkow. Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo Psicóloga Mestranda em Psicologia Cognição Humana (PUCRS)

Antes de mais nada.uma pequena prática. [mente aberta]

Neurobiologia e Comportamento. CÉREBRO E TDAH

Memória. Dr. Fábio Agertt

Luciana Brooking T. Dias

A INFLUÊNCIA DO TRABALHO NO NÍVEL DE ESTRESSE EM ESTUDANTES DE PSICOLOGIA

Unidade: Atuação do enfermeiro em Terapias complementares. Revisor Textual: Profa. Dr. Patricia Silvestre Leite Di Iorio

MINDFULNESS. Um pouco sobre mindfulness para adolescentes. Se é difícil com crianças pequenas, definitivamente nós não iremos

O QUE ESPERAMOS DA AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA EM NEUROLOGIA

Transtornos de Aprendizagem. Carla Cristina Tessmann Neuropsicóloga

Capacitação Multidisciplinar Continuada. TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO (TDA-TDAH) e NEURODESENVOLVIMENTO

CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO DE BRASÍLIA UM PROJETO PEDAGÓGICO COMPATÍVEL COM O MUNDO ATUAL: CONTRIBUIÇÕES DAS NEUROCIÊNCIAS. Dra.

CURSO DE CAPACITAÇÃO EM PSIQUIATRIA DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA 2017

II curso Transtornos Afetivos ao Longo da Vida GETA TDAH (TRANSTORNO DE DEFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE)

IMPACTOS DA GINÁSTICA FUNCIONAL NA AUTOESTIMA DE IDOSOS NA MAIOR IDADE

PROGRAMA DE MÉTODOS E HÁBITOS DE ESTUDO

Questionando o sentido de algumas ações: bullying, vício em tecnologias e outras questões

Mindfulness e Psicologia Positiva

2 Acordar para o piloto automático

Síntese CÉREBRO. Qual é sua importância?

Grupo Bem-me-quero: Intervenção para pais na APAE em Juiz de Fora/MG

Guia das Atividades extracurriculares

O funcionamento cerebral da criança com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade - TDAH

Memória & Atenção. Profa. Norma M.Salgado Franco

14/09/2017. Desafio (3 amigos), a postar sua foto de refeição em família. #campanhacruzazul #refeicaoemfamilia

TDAH nas Escolas Como Identificar?

TEATRO - EMPRESARIAL

MÚSICA COMO INSTRUMENTO PSICOPEDAGÓGICO PARA INTERVENÇÃO COGNITIVA. Fabiano Silva Cruz Educador Musical/ Psicopedagogo

DIRETRIZES SOBRE COMORBIDADES PSIQUIÁTRICAS NA DEPENDÊNCIA DO ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS ABEAD 2002

Prof. Coordenador - Escola Sup. de Enfermagem do Porto. Presidente da Sociedade Port. de Enf. de Saúde Mental

NEUROCIÊNCIA NA EDUCAÇÃO: Desafios e conhecimentos

7 segredos para gerir o estresse no trabalho (sem surtar)

dificuldades de Aprendizagem X distúrbio de Aprendizagem

Educação de Alunos Superdotados: Desafios e Tendências Atuais

Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Dislexia e TDAH. Profa. Dra. Marilene T. Cortez Universidade do Estado de MG

FERRAMENTAS DE HEALTH COACHING COMO APLICAR NA CONSULTA DE NUTRIÇÃO. Annie Bello, PhD

Carinho de mãe ajuda no desenvolvimento da linguagem de crianças com autismo e perda auditiva

5 E X E R C Í C I O S D E MINDFULNESS P A R A C R I A N Ç A S. Sheila Drumond

A PRÁTICA DE MEDITAÇÃO PODE ALIVIAR DÉFICITS COGNITIVOS DA DOENÇA DE ALZHEIMER

PÓS-GRADUAÇÃO EM NEUROPSICOPEDAGOGIA

VIDEOGAME COMO RECURSO PARA MELHORA COGNITIVA NA TERCEIRA IDADE

Áreas Temáticas BVS Atenção Primária à Saúde

Campanha de sensibilização do pnase

COPATROCINADOR UNAIDS 2015 UNESCO ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA

APRENDIZAGEM. Descobrir. Compreender Estabelecer relações Transformar Criar

Crescimento e Desenvolvimento Humano

Coordenação: Nivea Maria Machado de Melo Mestre em Psicologia (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro RJ)

Foco da 2a semana A natureza da mente; treinar o cérebro

Gestão da política educacional: o caso do município do Rio

Neuropsicologia: entendendo processos que otimizam o desenvolvimento cognitivo e socioemocional de crianças e adolescentes

HABILIDADES PSICOLÓGICAS E SOCIAIS DO DEPENDENTE QUÍMICO ALANA SIEVES

Apresentação: Instrumentos de avaliação psicológica.

Newsletter Setembro 2013

TRANSTORNOS DE HUMOR

TDAH E A LEI DA INCLUSÃO 1 ADHD AND THE INCLUSION LAW. Isabela Albarello Dahmer 2

Sumário. Parte I VISÃO GERAL. Parte II COMUNICAÇÃO E RELAÇÃO. Introdução A medicina da pessoa...31

Lobo frontal e funções executivas

O trabalho do psicopedagogo domiciliar para a reabilitação cognitiva e neuroaprendizagem de pessoas com deficiências severas

O TRANSTORNO POR DÉFICIT DE ATENÇAO E HIPERATIVIDADE?

NOÇÕES DE PSICOLOGIA DO RELACIONAMENTO

NEUROBIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL EXPOSTO AO ESTRESSE E TRAUMA

Total Worker Health (Saúde Total do Trabalhador)

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

- estabelecer um ambiente de relações interpessoais que possibilitem e potencializem

Michael Zanchet Psicólogo Kurotel Centro Médico de Longevidade e Spa

Sistemas de monitoramento de pacientes

O trabalho mental Fernando Gonçalves Amaral

O ESTILO EMOCIONAL DO CÉREBRO

CRDA CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM DISORTOGRAFIA E DISCALCULIA

NEUROPSICOLOGIA BÁSICA

COACHING DESPORTIVO PREPARAÇÃO MENTAL PARA A COMPETIÇÃO MIGUEL LUCAS

Afinal, crianças e adolescentes precisam da meditação para serem felizes?

PROVA PARA AVALIAÇÃO DE CAPACIDADE PARA FREQUÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR DOS MAIORES DE 23 ANOS 2013/2014. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais

Psicologia Aplicada em

A Realidade dos Serviços de Psicologia da Educação Públicos e Privados

Projeto de Acessibilidade Virtual RENAPI/NAPNE. Julho de 2010

1 ª sessão. Sessão com o treinador. Participantes. Treinador. Psicólogo. Motivação para o programa

ESPORTE SEM LIMITES 2015

Gestão de Controles Internos COSO e as 3 Linhas de Defesa

Estresse. O estresse tem sido considerado um problema cada vez mais comum, tanto no

Chá verde retarda envelhecimento cerebral

As descobertas da primeira infância

DISLEXIA, O DIAGNÓSTICO TARDIO E SUA RELAÇÃO COM PROBLEMAS EMOCIONAIS.

A EFICÁCIA DAS INTERVENÇÕES EM LUTO

Centro Universitário Maurício de Nassau Curso de Psicologia Disciplina de Neurofisiologia

O Atendimento Psicopedagógico dentro das Escolas de Educação Infantil. A Psicopedagogia Positiva e Afetividade na Aprendizagem

Uma heurística para a modificação da cognição humana. João Lourenço de Araujo Fabiano

DIRETRIZES SOBRE COMORBIDADES PSIQUIÁTRICAS EM DEPENDÊNCIA AO ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS

AS RELAÇÕES INTERATIVAS EM SALA DE AULA: O PAPEL DOS PROFESSORES E DOS ALUNOS. Zabala, A. A prática Educativa. Porto Alegre: Artmed, 1998

CORPO E MOVIMENTO NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM

PSICOLOGIA DA SAÚDE. Conceitos, Personalidade, Comportamento e Transtornos Mentais no Trabalho

Associação Catarinense das Fundações Educacionais ACAFE

Transcrição:

dossiê Acalmando as PEQUENAS MENTES A prática do yoga em crianças, inclusive nas escolas, pode ajudar no tratamento de TDAH, pois as práticas contemplativas têm como uma das características deixar a pessoa mais atenta às sensações corporais e experiências sensoriais O TDAH é responsável por profundas alterações no comportamento das crianças. Por isso, alternativas que buscam amenizar os efeitos do distúrbio são bem- -vindas. O yoga é um exemplo. Uma das principais características de práticas contemplativas, como o yoga, é a ênfase dada ao processo de se tornar mais atento às sensações corporais, às experiências sensoriais e aos próprios pensamentos. O aumento da percepção do corpo e dos processos mentais (atenção) pode ser benéfico não só do ponto de vista cognitivo, mas para a saúde e para a autorregulação, pois reflete uma melhor habilidade em observar sinais do corpo e da mente sem se envolver com eles. Comparado às práticas puramente sentadas, o componente do movimento, típico do yoga, pode aumentar a intensidade de sinais interoceptivos e proprioceptivos e subsequentemente facilitar o processamento e a integração desses sinais, melhorando a atenção. Esse, segundo Laura Schmalzl, da Universidade de Califórnia, nos Estados Unidos, é o principal diferencial do yoga. De acordo com a pesquisadora, a eficácia da prática Por Camila Ferreira Vorkapic do yoga na atenção e na concentração decorre do fato de esta prática desenvolver diversos tipos de atenção: a atenção alerta, necessária para rastrear sensações corporais; a atenção de orientação, que envolve a leitura ativa do ambiente e dos estímulos, assim como a seleção de alvos específicos para a execução de determinado movimento (no yoga, este tipo de atenção ajuda o delicado processo de feedback neuromuscular e a consequente eficiência do engajamento muscular, necessário para a execução do movimento); e atenção executiva, que se refere à habilidade de prestar atenção de modo seletivo a estímulos relevantes e inibir informação irrelevante (no yoga, a atenção executiva é usada para manter a atenção nos estados mentais e físicos e simultaneamente esquecer das distrações irrelevantes). Além disso, práticas contemplativas também desenvolvem a percepção de metacognição, definida como um monitoramento intencional dos processos mentais e comportamentos. Um possível benefício desse monitoramento metacognitivo e não crítico do processamento espontâneo de pensamentos é a redução no autorreferencial negativo e na ruminação, além da sensação de equanimidade, que, no caso específico do yoga, pode ser resultado das sensações corporais e feedback proprioceptivo relacionado ao movimento e à respiração. Estudos mostraram que as melhoras nessas funções cognitivas estão relacionadas a alterações estruturais em áreas do cérebro envolvidas no processamento de sensações corporais, como os córtices sensório- -motor primário e secundário, o giro cingulado anterior e, especialmente, a ínsula, uma estrutura-chave para a percepção extra e interoceptiva. Pesquisadores do National Institute of Health, nos Estados Unidos, liderados por Chantal Villemure, encontraram um aumento de massa cinzenta e massa branca em praticantes de yoga. Todas essas melhoras nos níveis de atenção fizeram os pesquisadores Camila Ferreira Vorkapic é doutora em Psicologia pela UFRJ, com pós-doutorado em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Sergipe e pesquisadora de Desenvolvimento Científico Regional CNPq\Fapitec no Laboratório de Neurofisiologia da Universidade Federal de Sergipe. 46 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br DOSSIE.indd 46 12/08/2015 17:04:03

O yoga proporciona às crianças uma melhora na habilidade em observar sinais, tanto do corpo quanto da mente, sendo, por isso, benéfico do ponto de vista cognitivo Psicologia e Educação DOSSIE.indd 47 12/08/2015 17:04:04

dossiê Comparado às práticas sentadas, o componente do movimento, típico do yoga, pode aumentar a intensidade de sinais interoceptivos e proprioceptivos e subsequentemente facilitar o processamento e a integração desses sinais, melhorando a atenção se perguntar se as práticas contemplativas podiam auxiliar crianças com dificuldades de aprendizagem, como no transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Uma recente revisão sistemática feita por Gurjeet Birdee, da Universidade de Medicina de Harvard, mostrou que a quantidade de estudos de qualidade com crianças com TDAH era muito pequena. Os poucos estudos existentes na literatura mostram resultados inconsistentes, mas sugerem benefícios em potenciais da prática de yoga. Pesquisas futuras com o yoga devem observar a eficácia destas práticas em deficiências cognitivas diversas, mas os estudos atuais se restringem à observação em crianças saudáveis, talvez pela necessidade de primeiro se elucidarem os mecanismos de ação do yoga para depois se extrapolarem os estudos para crianças com dificuldades de aprendizagem. Nas escolas Apesar dos conhecidos efeitos restaurativos do yoga na saúde mental (principalmente em adultos), hoje essa prática não está limitada ao uso terapêutico e vem sendo utilizada em uma grande variedade de situações e condições, incluindo contextos educacionais e escolares, já que o bem- -estar e a saúde constituem objetivos primários da própria educação. Além disso, o desempenho escolar depende diretamente dos níveis de atenção e concentração e, como mencionado, o yoga tem se mostrado eficaz no desenvolvimento dessas variáveis. Pesquisas concluíram que avanços nas funções cognitivas se relacionam a alterações em áreas do cérebro envolvidas no processamento de sensações corporais Pesquisa O National Institute of Health (Instituto Nacional da Saúde) é uma agência governamental do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. Com sede em Bethesda, Maryland, desenvolveu um trabalho com pessoas praticantes de yoga. A pesquisa concluiu que existe aumento de massa cinzenta na ínsula, córtex cingulado e córtex pré-frontal, além de maior conectividade (massa branca) intrainsular em quem desenvolve essa prática. De acordo com um relatório das Nações Unidas (Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, 2007), crianças e adolescentes ao redor do mundo passam, em média, 10 a 15 anos na escola. Sendo assim, a instituição de ensino tem um grande potencial para ensinar hábitos saudáveis, desde idades mais jovens, e promover o bem-estar e a saúde de crianças. Para crianças que lidam com estressores extremos como traumas, abuso, ansiedade, dificuldades de aprendizagem, evasão escolar e bullying, a prática de técnicas contemplativas pode ser a diferença entre sucesso e fracasso, acadêmica, profissionalmente e na vida em geral. Além disso, o início da maioria dos transtornos mentais em adultos ocorre numa idade muito jovem, com 7,5% dos adolescentes preenchendo critérios para DSM-IV para uma ou mais condições mentais. A solução para se lidar com ansiedade, estresse e dificuldades de aprendizagem certamente depende de muitos fatores, mas as evidências sugerem que muitos ou todos esses 48 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br DOSSIE.indd 48 12/08/2015 17:04:07

problemas podem ser amenizados pela prática de técnicas contemplativas. A prática dessas técnicas em escolas é capaz de redirecionar a atenção, melhorar a concentração, aumentar o autocontrole e fornecer mecanismos mais saudáveis e confiáveis de se lidar com o estresse. O Dr. Sat Bir Khalsa, professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, observou que a implementação de um programa de yoga nas escolas foi essencial na recuperação da autoestima, confiança e saúde mental das crianças, assim como na promoção de atitudes positivas e melhoras na concentração, estresse e ansiedade. Uma revisão sistemática (no prelo) deste ano conduzida por mim analisou apenas estudos controlados e randomizados sobre o ensino de yoga em escolas. O estudo observou o efeito de programas de yoga nas funções cognitivas e saúde mental de crianças e adolescentes. A revisão mostrou efeitos benéficos do ensino do yoga em escolas, mas afirmo que em alguns estudos os resultados são inconclusivos e demandam a reaplicação dos resultados, pois em muitos deles não há padronização ou adequação ao tipo de prática que deve ser realizado em crianças. Do mesmo modo, a frequência e a duração das práticas também não costumam ser apropriadas a uma faixa etária menor. Além disso, técnicas de yoga, como respiração e meditação, requerem alto controle atencional, uma função executiva que ainda não está madura em crianças e adolescentes. À medida que os lobos frontais do cérebro amadurecem, a capacidade de exercitar o controle da atenção aumenta, mas, ainda assim, as capacidades atencionais de crianças e adolescentes permanecem mais pobres comparadas às de adultos. Os efeitos negativos encontrados em alguns estudos podem ser explicados pelos seguintes fatores: processo As sensíveis melhoras nos níveis de atenção indicam que as chamadas práticas contemplativas podem ajudar crianças com dificuldades de aprendizagem Estudos atuais com yoga se restringem à observação em crianças saudáveis, talvez pela necessidade de primeiro se elucidarem os mecanismos de ação do yoga para depois extrapolar os estudos para crianças com dificuldades de aprendizagem de adaptação, controle de atenção e inadequação da prática para crianças. Desafio O processo de se tornar consciente de tudo, incluindo as próprias emoções e sensações, e o fato de o yoga ser uma prática que demanda esforço e disciplina podem fazer com que o primeiro contato com o yoga seja desafiador. Quando a prática de yoga é adicionada às atividades extracurriculares, a criança pode experimentar níveis mais altos de estresse em curto prazo. De acordo com a pesquisadora Adele Hayes, do Departamento de Psicologia da Universidade de Miami, nos Estados Unidos, esse aumento YOGA: O QUE AS PESQUISAS MOSTRAM? ADULTOS menores níveis de ansiedade e estresse menos depressão menos ataques de pânico maior autoregulação emocional melhoras cognitivas melhoras nos níveis de atenção maior resiliência para saber mais CRIANÇAS melhoras cognitivas melhoras na autoestima melhoras na capacidade de autorregulação maior autocontrole melhoras nos níveis de atenção e memória melhoras em capacidades mentais diversas como no teste de Stroop Psicologia e Educação www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 49 DOSSIE.indd 49 12/08/2015 17:04:10

dossiê Crianças e adolescentes ao redor do mundo passam, em média, 10 a 15 anos na escola. Sendo assim, a instituição tem um grande potencial para ensinar hábitos saudáveis desde idades mais jovens, e promover o bem-estar e a saúde de crianças temporário nos níveis de estresse pode fazer parte do processo de se tornar consciente de tudo (mindful), à medida que as crianças começam a reconhecer seus padrões típicos de reação ao estresse. Além disso, a realização no yoga depende de autoconfiança adquirida. A princípio, tentar algo no qual não temos habilidade pode aumentar a sensação de inadequação. Segundo Lisa Kaley-Isley, da Divisão de Psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, à medida que adultos e crianças passam de um estágio pré- -contemplativo (início da prática) para o contemplativo, eles podem experimentar mais distresse (aflição, ansiedade e estresse), já que nesse momento há mais conscientização da necessidade de mudar, mas o indivíduo ainda TESTE STROOP AVALIA CAPACIDADE DE ATENÇÃO não desenvolveu as ferramentas necessárias para realizar a mudança. Pesquisadores sugerem que esse achado seria revertido com uma intervenção de longa duração, mas estudos assim ainda não foram realizados. Ainda, no que diz respeito a alguns achados negativos, além do processo de adaptação há também a questão do controle precário da atenção em crianças. Técnicas de yoga, como as respirações e a meditação, requerem alto controle atencional, uma função executiva que ainda não está madura em crianças e adolescentes. À medida que lobos frontais amadurecem, a capacidade de exercer o controle da atenção também aumenta, mas a habilidade ainda permanece muito mais precária em crianças e adultos. Paradoxalmente, o yoga tem se para saber mais psicólogo norte-americano John Ridley Stroop (1897-1973), especialista em O Psicologia Experimental, desenvolveu o teste Stroop em 1935, com o objetivo de avaliar a atenção seletiva, a capacidade de manter a concentração e a meta em uma atividade e inibir a tendência de fornecer respostas impulsivas, além da velocidade no processamento das informações. O teste exercita os lobos frontais do cérebro, responsáveis pelo planejamento e pela ação elaborados e desenvolvidos pelas pessoas. Tem sido muito difundido na Neuropsicologia no sentido de avaliar, além da atenção seletiva, os aspectos de funções executivas, como flexibilidade cognitiva e suscetibilidade à interferência, relacionadas às disfunções do lobo frontal. Relaciona-se, também, com a chamada memória de trabalho, ativação semântica e habilidade para resistir a uma resposta característica. O teste consiste em que a pessoa precise ler a cor do que está escrito, independentemente das palavras que estão pintadas com essas cores. Em suas pesquisas, Stroop descobriu que os dados sensoriais conflitantes retardam o processo de percepção e aumentam as possibilidades de erro. demonstrado uma ferramenta importante na melhora da atenção em adultos e crianças. Desse modo, a prática de yoga deve ser especificamente adaptada para crianças, para que elas possam se beneficiar dos efeitos positivos observados em adultos, levando em consideração a maturidade de seus cérebros. Ainda assim, de modo geral os estudos observaram reduções nos níveis de fadiga, raiva, inércia, ansiedade e estresse. Assim como aumentos na autoestima, autorregulação e capacidade de autocontrole. No que diz respeito às funções cognitivas, a prática de yoga em contextos escolares mostrou efeitos significativos na atenção, memória e habilidades de desenvolvimento, assim como melhoras em capacidades mentais diversas e no teste de Stroop (um conhecido teste de atenção). Alterações negativas do humor estão associadas a declínios na função cognitiva. Então, é possível que os efeitos do yoga na saúde mental das crianças tenham refletido nas melhoras de funções cognitivas como a atenção. O foco da atenção é um aspecto-chave da prática de yoga e produz efeitos similares aos do relaxamento, já que também promove o autocontrole, a concentração e a conscientização do corpo. Evolução Estudos com crianças que sofrem de transtorno de déficit de atenção com hiperatividade demonstraram melhoras significativas em escalas e tarefas de atenção após a prática de yoga. Estudos de neuroimagem mostraram que a meditação (uma das técnicas do yoga) tem efeitos mais significativos no putâmen e no córtex cingulado, estruturas cerebrais envolvidas no processamento da atenção. Melhoras na memória seguidas da prática de yoga também foram demonstradas extensivamente. Estudos 50 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br DOSSIE.indd 50 12/08/2015 17:04:10

O Dr. Sat Bir Khalsa, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, observou que a implementação de um programa de yoga nas escolas foi essencial na recuperação da autoestima, confiança e saúde mental das crianças observaram a ativação do hipocampo durante estados meditativos, uma estrutura subcortical responsável pela formação de novas memórias. Apesar da grande quantidade de evidências acerca dos efeitos benéficos das técnicas contemplativas, a inserção de um programa de yoga em escolas para crianças e adolescentes está longe de ser uma realidade co- A prática de técnicas contemplativas pode ser determinante entre sucesso e fracasso para crianças que estão expostas a fatores estressores mum, embora escolas em São Paulo e no Rio Grande do Sul já estejam utilizando com sucesso essas técnicas no dia a dia das crianças. Infelizmente, o currículo tradicional foca primariamente no desenvolvimento intelectual, e as escolas vêm progressivamente perdendo a capacidade de adotar programas que promovam a saúde. A habilidade em lidar com o estresse, a ansiedade e a manutenção da saúde física, todas consequências da prática de yoga, é de valor inestimável em todas as esferas da vida de um individuo, incluindo a educação. Além disso, os estudantes precisam estar saudáveis para ser educados, e o desempenho escolar está diretamente relacionado ao status de saúde. Consequentemente, há uma necessidade cada vez maior e urgente de se desenvolver e investigar programas de saúde eficazes, de baixo custo e baseado em evidências, que possam ser utilizados em contextos escolares. É preciso lembrar que as crianças saudáveis de hoje serão os adultos equilibrados de amanhã. Como disse o Dalai Lama: Se a meditação fosse ensinada a toda criança, a violência estaria eliminada do mundo em apenas uma geração. Psicologia e Educação Exemplo Existem exemplos práticos de que o yoga nas escolas traz efeitos bem interessantes. Um deles pode ser observado no Centro de Apoio O Visconde, localizado em São Paulo. Desde o final de 2014, os alunos são submetidos a 20 minutos de yoga antes das aulas. Os resultados são tão animadores que os alunos melhoraram suas notas e seus desempenhos em sala de aula, além de demonstrarem um comportamento mais calmo. REFERÊNCIAS BIRDEE, G. S. et al. Clinical applications of yoga for the pediatric population: a systematic review. Academic Pediatrics, v. 9, n. 4, p. 212-220, 2009. HAYES, A.; FELDMAN, G. Clarifying the construct of mindfulness in the context of emotion regulation and the process of change in therapy. Clinical Psychology: Science and Practice, n. 11, p. 255-262, 2004. KALEY-ISLEY, L. C. et al. Yoga as a complementary therapy for children and adolescents: a guide for clinicians. Psychiatry (Edgmont), v. 7, n. 8, p. 20-32, 2010. KHALSA, S. B. et al. Evaluation of the mental health benefits of yoga in a secondary school: a preliminary randomized controlled trial. Journal of Behavioral Health Services & Research, v. 39, n. 1, p. 80-90, 2012. RAMADOSS, R.; BOSE, B. Transformative life skills: pilot studies of a yoga model for reducing perceived stress and improving self-control in vulnerable youth. International Journal of Yoga Therapy, n. 20, p. 75-80, 2010. SCHMALZL, L.; POWERS, C.; HENJE BLOM, E. Neurophysiological and neurocognitive mechanisms underlying the effects of yoga-based practices: towards a comprehensive theoretical framework. Frontiers Human Neuroscience, n. 9, p. 235, 2015. VILLEMURE, C. et al. Insular cortex mediates increased pain tolerance in yoga practitioners. Cerebral Cortex, n. 24, p. 2732-2740, 2014. www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 51 DOSSIE.indd 51 12/08/2015 17:04:15