Artigo 3 Maio 2011 CENÁRIO ECONÔMICO E PERSPECTIVAS PARA A POLÍTICA MONETÁRIA DOS EUA? O ano de 2011 teve início com um elevado otimismo com respeito à recuperação da economia norte-americana, fruto direto do forte crescimento do consumo e dos cortes de impostos sobre os salários ocorridos no último trimestre de 2010, levando muitos analistas a projetar uma taxa de crescimento superior a 4% para a economia norte-americana em 2011. Entretanto, uma série de choques externos voltou a atingir a economia (crise no Oriente Médio, elevação do preço das commodities, impasse no congresso) e os dados surpreenderam consistentemente para baixo, gerando uma onda de reduções nas expectativas de crescimento, de modo que, atualmente, ela se encontra na casa dos 3% para 2011. A prévia do PIB do 1Q2011, divulgada na semana passada, confirmou essa tendência e mostrou desaceleração significativa da economia. O PIB cresceu 1,8% anualizado frente ao trimestre passado, abaixo dos 3,1% registrados no 4Q2010, mas a surpresa positiva foi o forte consumo privado (crescimento de 2,7% frente ao trimestre anterior). As Vendas Finais (VF: PIB - Estoques) e a Absorção Doméstica (AD: Consumo Privado + Consumo do Governo + Investimento) também apresentaram desaceleração significativa, mostrando crescimento anualizado de 0,8% e 0,9% frente ao 4Q2010. 1
mar/00 mar/01 mar/02 mar/03 mar/04 mar/05 mar/06 mar/07 mar/08 mar/09 mar/10 mar/11 Gráfico 1: PIB, Vendas Finais (VF) e Absorção Doméstica (AD) 10 8 6 4 2 0-2 -4-6 -8 PIB VF AD Fonte de Dados: Bureau of Economic Analysis. Independentemente da medida, a atividade econômica apresentou contração significativa, gerando certo desconforto com a solidez da recuperação da economia norte-americana. De que forma esse dado fraco altera as perspectivas para os EUA? O crescimento para o restante do ano deve permanecer robusto ou devemos presenciar uma nova onda de desaceleração tal como em meados de 2010? Com o objetivo de responder a essas questões e de determinar qual variável de demanda apresenta maior poder preditivo sobre o comportamento futuro da atividade, estimamos, usando dados trimestrais entre 1Q1990 e 1Q2011, o seguinte modelo simples: 2
em que: PIB t é a variação tri a tri anualizada do PIB real do trimestre t; Demanda t-1 representa a variável de demanda empregada (PIB, VF ou AD) no período t-1; ISM t é o ISM do setor manufatureiro do período t; e CI t é a variação tri a tri anualizada do Conference Board Leading Index do período t. Os resultados das estimações são reportados na tabela abaixo: Tabela 1: Resultados do Modelo 1 1 2 3 4 5 6 PIB t-1 0.48*** -0,12 VF t-1 0,53*** 0.06 ConPriv t-1 0,66*** 0,35** Invest t-1 0,63*** 0,05 ConPub t-1-0,42-0,23 ISM_Manuf t 0,12** 0,10** CI/CI(-1) t 240*** 209*** 0,08* C 1,30*** -244*** 1,16*** -212*** 1,13*** 178,25*** R 2 Ajustado 0,22 0,57 0,23 0,52 0,40 0,59 Nota: *** significativo a 1%; ** significativo a 5% e; * significativo a 10%. Os resultados indicam que o PIB t-1 é significativo para explicar o PIB t (Coluna 1), mas quando incluímos outras variáveis contemporâneas, o PIB t-1 perde relevância (Coluna 2). Os mesmos resultados se aplicam às Vendas Finais, nas colunas 3 e 4. O que esses resultados indicam é que, em média, o PIB t-1 e o VF t-1 não fornecem informações confiáveis acerca do comportamento futuro da economia, já que as variáveis a serem divulgadas reduzem sobremaneira o seu poder preditivo. 3
Quando utilizamos o consumo privado (ConPriv t-1 ), o consumo público (ConPub t-1 ) e o investimento (Invest t-1 ), que somados resultam na absorção doméstica, os resultados mudam de maneira significativa. Vemos que o consumo privado fornece informações relevantes para o comportamento prospectivo do PIB, mesmo quando incluímos outras variáveis contemporâneas (Colunas 5 e 6). A lógica por traz desse resultado é que a elevação do consumo privado engendra um ciclo de investimentos e de contratações de trabalhadores, o que volta a elevar o consumo e torna a recuperação da economia autossustentável (esse mecanismo de transmissão foi constatado por meio da estimação de um modelo VAR, mas, para fins de concisão, omitimos os resultados). Baseado nos resultados acima, e na força do consumo ao longo dos últimos trimestres, continuamos com uma visão construtiva para a evolução da economia norte-americana ao longo dos próximos trimestres. O grande risco para a concretização desse cenário é a continuidade da elevação no preço das commodities, o que deprimiria a renda real dos consumidores e afetaria a evolução do consumo real. Quais as implicações desse cenário, que combina fraco crescimento no começo de 2011 com perspectivas positivas, sobre a política monetária do Federal Reserve (Banco Central Norte-Americano)? Na conferência após a reunião da última semana, Ben Bernanke (presidente do Federal Reserve) foi enfático ao dizer que a desaceleração da economia foi passageira e que as perspectivas continuam sólidas. De fato, as projeções de crescimento continuam otimistas para este e para os próximos anos. Além disso, achamos que Bernanke já começou a implementar a estratégia de saída de sua política monetária extremamente frouxa, em função de três motivos: i) decretou o fim do QE2, sinalizando que o período de expansão do afrouxamento monetário acabará em breve; ii) sinalizou que o Federal Reserve reverá periodicamente o tamanho e a composição do seu balanço, deixando espaço para futuras medidas restritivas; e iii) sinalizou o primeiro passo a ser adotado em uma futura estratégia de saída, i.e., sinalizou o fim dos reinvestimentos dos ativos vincendos. 4
Assumindo que o Federal Reserve (Fed) queira normalizar a política monetária unicamente via o fim dos reinvestimentos, qual será a velocidade desse movimento de forma a tornar a política monetária justa ao longo dos próximos anos? Para responder a esta pergunta, estimamos uma Regra de Taylor que leva em consideração o tamanho do balanço do Federal Reserve. Assumimos também que o Fed responde à taxa de desemprego estrutural (NAIRU) estimada pelo Congressional Budget Office (CBO) e que o seu cenário central para a inflação e o desemprego irá se materializar em 2011 e 2012. Os resultados sugerem que se o Fed mantiver sua taxa de juros constante até o fim de 2012, ele deveria reduzir seu balanço em US$ 2,4 trilhões (dos US$ 2,7 trilhões ao fim de junho/2011 para US$ 300 bilhões em dezembro/2012). Tal velocidade de ajuste não é condizente unicamente com o fim dos reinvestimentos, requerendo a venda de ativos. Em nossa avaliação, o Fed está mais disposto a implementar um ajuste gradualista no tamanho de seu balanço, já que este é um instrumento relativamente desconhecido e de difícil calibragem. Desse modo, um processo de normalização de política monetária deverá envolver o fim dos reinvestimentos (escalonados e divulgados com antecedência), concomitantemente com a elevação da taxa de juros. O fato de existir uma elevada taxa de desemprego, um baixo núcleo de inflação e expectativas de inflação ancoradas dá certo conforto para a adoção de um processo de normalização gradualista da política monetária, dando tempo para que o Fed tenha uma melhor leitura do real estado da economia e aja com mais segurança, de modo que não esperamos ações restritivas no curto prazo. CONCLUSÃO Embora tenhamos observado uma desaceleração da atividade no primeiro trimestre deste ano, achamos que as perspectivas para a economia ainda continuam sólidas. O ponto central para essa tese é o comportamento recente do consumo privado, que deve gerar ciclos de 5
investimentos e de contratações, tornando a recuperação autossustentável. Acreditamos também que a última reunião do Fed marcou o início do processo de saída da política monetária extremamente frouxa dos últimos anos. Tal fato se deve a três fatores: i) o Fed assumiu que cessará a compra de ativos; ii) deixou a porta aberta para a redução do tamanho de seu balanço; e iii) sinalizou o primeiro passo para fazê-lo: o fim dos reinvestimentos. Pensamos que é mais plausível um processo de normalização monetária que envolva o fim dos reinvestimentos e a concomitante elevação da taxa de juros, mas isso não deve ocorrer num horizonte próximo, dado o elevado desemprego, o baixo núcleo de inflação e a ancoragem das expectativas. De fato, esse cenário benigno deixa o Fed mais confortável e com maior tempo para obter mais e melhores informações sobre o ritmo da recuperação. 6