1 O Átomo de Hidrogênio
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- Alexandre Camarinho Bennert
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1 O modelo de Bohr para o átomo de hidrogênio, embora forneça valores corretos para as energias dos estados atômicos e do espectro da radiação emitida, não pode ser correto do ponto de vista da mecânica quântica, pois estabelece órbitas bem denidas para o elétron, que certamente violam o princípio de incerteza. A descrição correta deve ser obtida resolvendo-se a equação de Schoedinger para um elétron sob a ação do potencial coulombiano V (r) = e 4πɛ 0. A solução completa deve ainda incluir o spin, uma propriedade r relativística do elétron, que classicamente é equivalente a uma rotação em torno de um eixo passando por seu centro. O spin é responsável, por exemplo, pela estrutura na dos espectos atômicos, mas não será incluido nesta discussão. O tratamento que vamos descrever, assim como o modelo de Bohr, pode ser aplicado a qualquer átomo Z, com somente um elétron ligado (íon). Portanto vamos utilizar aqui a energia potencial de um elétron em um núcleo com Z prótons: V (r) = Ze2 4πɛ 0 r. Também, vamos considerar que a massa do núcleo é muito maior que a do elétron, de modo que o CM do átomo coincide com o centro de seu núcleo. Isso é equivalente a usar, nas equações, a massa reduzida do elétron, µ = M m, onde M é a massa do núcleo e m a do elétron. M+m Vimos no capítulo anterior, a equação de Schroedinger em 3 dimensões, para a partícula em uma caixa cúbica: 2 2m ( 2 x y z )Ψ(x, y, z, t) + V Ψ(x, y, z, t) = i Ψ(x, y, z, t) 2 (.) t as derivadas parciais espaciais podem ser escritas de forma compacta, denindo-se o operador Laplaciano: 2 = : x 2 y 2 z 2 2 2m 2 Ψ + V Ψ = i t Ψ Para o caso do átomo de hidrogênio, e para todo problema envolvendo um potencial central, é muito conveniente resolver o problema em um sistema de coordenadas esféricas: x = r sin θ cos ϕ y = r sin θ sin ϕ z = r cos θ pode-se vericar que o Laplaciano, em coordenadas esfericas pode ser escrito como: 2 = r 2 r (r2 r ) + r 2 sin θ θ (sin θ θ ) + r 2 sin 2 θ 2 ϕ 2
2 Figura.: Sistema de coordenas esféricas e portanto, a equação de Schroedinger para o átomo de hidrogênio, em coordenas esféricas é escrita como: 2µ r 2 r (r2 r ² )Ψ ² 2µ [ r 2 sin θ θ (sin θ θ ) + r 2 sin 2 θ 2 Ze² ]Ψ ϕ2 4πɛ 0 r Ψ = i t Ψ A parte angular dessa equação pode ser expressa em termos do operador ˆL 2, o módulo quadrado do momento angular. Classicamente, o momento angular de uma partícula é expresso como L = r p. Em coordenas cartesianas, os componentes do operador para o momento angular são então dados por: ˆL x = (yˆp z z ˆp y ) = i (y z z y ) ˆL y = (z ˆp x xˆp z ) = i (z x x z ) ˆL z = (xˆp y yˆp x ) = i (x y y x ) escrevendo-se esses componentes em termos das coordenas esféricas, temos: ˆL x = i (sin ϕ θ ˆL y = i ( cos ϕ θ ˆL z = i ϕ + cot θ cos ϕ ϕ ) + cot θ sin ϕ ϕ ) e então, ˆL 2 = ˆL.ˆL = ˆL 2 x + ˆL 2 y + ˆL 2 z, em coordenadas esfericas é escrito como: ˆL 2 = 2 [ sin θ θ (sin θ θ ) + sin 2 θ 2 ϕ 2 ] 2
3 . Separação de variáveis e a equação de Schroedinger para o átomo de hidrogênio, em termos do operador ˆL 2 é dada por: Ze2 2µ r 2 r (r2 )Ψ r 4πɛ 0 r Ψ + 2µr ˆL 2 Ψ = i 2 t Ψ ². Separação de variáveis A solução dessa equação pode ser encontrada empregando-se sucessivamente a técnica de separação de variáveis. Como o potencial não depende explicitamente do tempo, a parte temporal da função de onda será e iet/ e podemos então escrever a equação de Schroedinger independente do tempo: 2µ r 2 r (r2 r ) Ze2 ]Ψ(r, θ, ϕ) + 4πɛ 0 r 2µr ˆL 2 Ψ(r, θ, ϕ) = EΨ(r, θ, ϕ) 2 [ ² no lado esquerdo da equação o termo entre colchetes depende somente de r e o operador ˆL 2 depende somente das variáveis angulares, pode-se facilmente vericar que a solução para Ψ pode ser fatorada em dois termos: que substituido na equação resulta em: Ψ(r, θ, ϕ) = R(r).Y (θ, ϕ) Y (θ, ϕ)[ ² 2µ r 2 r (r2 r ) Ze2 R(r) ]R(r) + 4πɛ 0 r 2µr ˆL 2 Y (θ, ϕ) = ER(r)Y (θ, ϕ) 2 multiplicando-se a equação por 2µr 2 / 2 RY e deixando somente o termo em ˆL 2 no segundo membro, temos: R (r2 R r r ) + 2µr2 Ze2 (E + 2 4πɛ 0 r ) = 2 Y ˆL 2 Y portanto, como o lado esquerdo só depende de r e o direito de θ e ϕ, devem ser iguais a uma constante. Por conveniência, como será discutido posteriormente, vamos denominar a constante de separação de variáveis na forma L 2. A equação para a parte radial da função de onda será portanto r (r2 R(r) r ) + 2µr2 2 Ze2 (E + 4πɛ 0 r )R(r) = L2 R(r) e a da parte angular, substituindo a expressão para o operador ˆL 2 : sin θ θ Y (θ, ϕ) (sin θ ) 2 Y (θ, ϕ) θ sin 2 = L 2 Y (θ, ϕ) θ ϕ 2 3
4 .2 Solução da parte angular da equação A solução para a parte angular da equação pode ainda ser separada no produto Y (θ, ϕ) = Θ(θ)Φ(ϕ) Φ d dθ(θ) (sin θ sin θ dθ dθ ) Θ d 2 Φ(ϕ) sin 2 θ dϕ 2 multiplicando a equação por sin 2 θ/θ(θ)φ(ϕ), temos: sin θ Θ d dθ a solução para Φ(ϕ) é imediata: = L 2 Θ(θ)Φ(ϕ) dθ(θ) (sin θ dθ ) + L2 sin 2 θ = d 2 Φ(ϕ) = m 2 Φ dϕ 2 d 2 Φ(ϕ) dϕ 2 = m 2 Φ = Φ(ϕ) = Ce imϕ impondo-se a condição de que a função deve ser periódica, Φ(ϕ + 2π) = Φ(ϕ), resulta que m deve ser um número inteiro (0, ±, ±2,...). O termo em θ pode ser escrito como: Expandindo-se as derivadas, temos sin θ d dθ(θ) (sin θ dθ dθ ) + [L2 sin θ m 2 ]Θ = 0 sin 2 θ d2 Θ dθ 2 dθ + sin θ cos θ dθ + [L2 sin 2 θ m 2 ]Θ = 0 A solução para o termo em θ é mais complexa. Vamos reescrever essa equação, em termos da variável x = cos θ. Chamando Θ(θ) = P (cos θ) = P (x) e usando d = sin θ d dθ e d2 dθ 2 = cos θ d dx + sin2 θ d2 dx 2, temos: sin 2 θ[sin 2 θ d2 P (x) dx 2 cos θ dp (x) dx ou, dividindo a equação por sin 2 θ: sin 2 θ d2 P (x) dx 2 dp (x) ] + sin θ cos θ[ sin θ dx ] + [L2 sin 2 θ m 2 ]P (x) = 0 dp (x) dp (x) cos θ cos θ dx dx + [L2 m2 sin 2 ]P (x) = 0 θ agora, substituindo cos θ = x; sin 2 θ = x 2, temos nalmente ( x 2 ) d2 P (x) dx 2 dp (x) + 2x dx + [L2 m2 ]P (x) = 0 x2 Essa é a chamada equação associada de Legendre. Só existem soluções bem comportadas para L 2 = l(l + ), onde l é um inteiro tal que l m l. Essas soluções são os chamados polinômios associados de Legendre: dx, 4
5 .3 Solução da parte radial Pm(x) l = ( )m ( x 2 m/2 dl+m ) 2 l l! dx i+m (x2 ) l A solução completa e normalizada da parte angular é normalmente reagrupada na forma abaixo, conhecida como harmônicos esféricos: Y lm (θ, ϕ) = ( ) m (2l + )(l m )! P l 4π(l + m )! m(cos θ)e imϕ.3 Solução da parte radial Finalmente temos a equação para a parte radial da equação: ou d dr (r2 dr(r) dr ) + 2µr2 2 Ze2 (E + )R(r) = l(l + )R(r) 4πɛ 0 r d dr (r2 dr(r) dr ) + ( 2µr2 E + 2µr2 Z e 2 l(l + ))R(r) = 0 2 4πɛ 0 r denindo f(r) = rr(r), o primeiro termo da equação ca: d dr(r) (r2 ) = d d dr dr dr (r2 dr )r f(r) = d dr [r2 ( r 2 df f(r) + r dr )] = d df ( f(r) + r dr dr ) = r df 2 dr 2 a equação radial, em termos de f(r) então é escrita como: d 2 f(r) + ( 2µ dr 2 E + 2µZe2 l(l + ) )f(r) = 0 2 4πɛ 0 r r 2 denindo agora ( α 2 )2 = 2µ E (lembre-se de que como estamos tratanto de estados 2 ligados, a energia total E é negativa) e denindo a variável x = rα, e como d2 = α 2 d2 a dr 2 dx 2 equação ca ou α 2 d2 f(x) dx 2 + ( 2µZe2 α 4πɛ 0 2 x α2 l(l + ) α2 )f(x) = d 2 f(x) + ( 2µZe2 dx 2 4πɛ 0 2 αx l(l + ) )f(x) = essa equação é semelhante à conhecida como equação associada de Laguerre e suas soluções, que existem somente para determinados valores de α tais que 2µZe2 = n = 4πɛ 0 2 α j + l +, j denido à partir dos polinômios associados de Laguerre: 5
6 f j,l (x) = e x/2 x l+ G j,l (x) Pode-se vericar que ( α 2 )2 = E n = 2 2µa 2 0 n2 onde a 0 = 2 2m ee 2 é o raio de Bohr. Essas soluções podem também serem expressas em termos da função original R(r) como: R nl (r) = e Zr/na 0 ( Zr a 0 ) l G nl ( Zr a 0 ) onde os G nl ( Zr a 0 ) são os chamados polinômios associados de Laguerre e o parâmetro n se relaciona com o l e m como: n =, 2, 3,... l = 0,, 2,..., n m = l, l +,..., 0,..., l, l.3. Funções de onda e distribuições de probabilidades Portanto as funções de onda para o átomo de hidrogênio são Ψ nlm (r, θ, ϕ, t) = R nl (r)y lm (θ, ϕ)e iet/h Essas funções, excluido-se o termo em t. para valores pequenos de n, l, m são dadas por: Ψ 00 = π ( Z a 0 ) 3/2 e Zr/a 0 Ψ 200 = Ψ 20 = Ψ 2 = Ψ 2 = 4 2π ( Z ) 3/2 (2 r a 0 2a )e r/2a 0 4 2π ( Z ) 3/2 ( r )e r/2a 0 cos θ a 0 a 0 8 2π ( Z ) 3/2 ( r )e r/2a 0 sin θe iϕ a 0 a 0 8 2π ( Z ) 3/2 ( r )e r/2a 0 sin θe iϕ a 0 a 0 Por razões históricas, usa-se a nomenclatura da espectroscopia (desenvolvida no século XIX), para classicar os estados correspondentes a essas funções: s - sharp, p - principal, d - difuse, e continuando-se com as letras do alfabeto (f,g,h,...). s corresponde a l = 0, p a l = e assim por diante. 6
7 .3 Solução da parte radial n,l,m notação,0,0 s 2,0,0 2s 2,,(-,0,) 2p 3,0,0 3s 3,,(-,0,) 3p 3,2,(-2,...,2) 3d As distribuições de probabilidade de se encontrar o elétron entre r e r + dr, P nl (r)dr, são dadas por: P nl (r)dr = R nl(r)r nl (r)r 2 dr já que os harmônicos esféricos são normalizados ( Y lm Y lm sin θdθdϕ = ). P nl (r) pode ser visto na gura.2, para os primeiros valores de n e l. Figura.2: Distribuições de probabilidade P nl (r) e as correspondentes funções de onda radiais R nl (r). 7
8 Figura.3: Distribuições de probabilidade para os vários estados com n=,2,3,4. As distribuições de probabilidades em função de r, θ, ϕ, dadas por Ψ(r, θ, ϕ) 2 dv, para alguns valores de n, l, m são vistas na gura O momento angular no átomo de hidrogênio As funções de onda do átomo de hidrogênio, são obviamente autofuncões do operador hamiltoniano: ĤΨ nlm = ( ˆT + ˆV )Ψ nlm = E n Ψ nlm mas são também autofunções do operador ˆL 2 o módulo quadrado do momento angular: ˆL 2 Ψ nlm = 2 l(l + )Ψ nlm bem como do componente L z do momento angular, cujo operador é ˆL z = i ϕ : i ϕ Ψ nlm = mψ nlm Como a energia de um estado só depende de n, estados com mesmo n e l, m diferentes têm mesma energia. Diz-se que são estados degenerados. E lembrando que as transições entre estados devem obedecer a regra de seleção l = ± (conservação do momento angular, ver oscilador harmônico), o diagrama de níveis de energia e as possíveis transições entre eles são vistas na gura.4. 8
9 .3 Solução da parte radial Figura.4: Diagrama de níveis e transições no átomo de hidrog enio. Um estado atômico tem portanto E, L 2 e L z bem denidos (constantes), representados pelos números quânticos n, l e m. O momento angular total L não pode ser constante. Como L = r p, se L fosse bem denido, então r e p também o seriam, violando o princípio de incerteza. Como L = l(l + ) e L z = m são constantes, temos o correspondente à visão clássica do vetor L precessionando em torno do eixo z, como visto na gura.5. Essa precessão mostra que, para m 0, a distribuição de probabilidade da carga eletrônica está girando em torno de z, produzindo assim um campo magnético, na analogia clássica. Isso pode ser associado às propriedades mágnéticas dos materiais. Por isso, o número atômico m é também chamado número quântico magnético. Na mecânica clássica, no problema equivalente (por exemplo, planetas em torno do sol), o momento angular é Figura.5: O vetor L precessiona em torno do eixo azimutal z. 9
10 Figura.6: Direções de L para diferentes valores de L z. conservado e está sempre na direção de z, perpendicular ao plano orbital. Note no limite de grandes números quânticos, o valor máximo de m faz com que a direção de L se aproxime cada vez mais do eixo z, fazendo, nesse limite, L = L zˆk e portanto constante. 0
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