AS TROCAS VOLUNTÁRIAS COMO EXPRESSÃO DA RACIONALIDADE HUMANA: A ANÁLISE DE ADAM SMITH SOBRE A LIBERDADE DE COMÉRIO
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- Luiza Amaral Chaves
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1 DOI: /4cih.pphuem.753 AS TROCAS VOLUNTÁRIAS COMO EXPRESSÃO DA RACIONALIDADE HUMANA: A ANÁLISE DE ADAM SMITH SOBRE A LIBERDADE DE COMÉRIO Itamar Flávio da Silveira Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá. A DIVISÃO DO TRABALHO E O AUMENTO DA RIQUEZA Ao analisarmos a obra A Riqueza das Nações, do filósofo e economista escocês Adam Smith, concluímos que a questão central é o enfrentamento da legislação restritiva que impediam que os países se desenvolvessem de acordo com a potencialidade natural e a capacidade produtiva de cada um. Seus argumentos são direcionados para demonstrar que as normas do Mercantilismo eram contrárias a liberdade dos indivíduos e obstaculizavam o desenvolvimento da produção da riqueza. Smith inicia seu texto com a essência daquilo que vai permear todo seu texto. Os títulos dos três primeiros capítulos já favorecem na compreensão daquilo que pretende passar aos interlocutores de sua época: A Divisão do Trabalho, O princípio que dá origem a divisão do trabalho e A Divisão do Trabalho delimitada pela extensão do mercado. Estes capítulos dão conta de mostrar os argumentos que ele utiliza para combater os privilégios mercantilistas. No capítulo primeiro, A Divisão do Trabalho, ao demonstrar como era a produção manufatureira, Smith mostra como a divisão das tarefas dentro de uma fábrica multiplica a capacidade produtiva de cada trabalhador e, consequentemente, multiplica também a capacidade produtiva da nação como um todo. Tomando o exemplo da fábrica de alfinetes, citada por Smith, em que um artesão executando todas as etapas da arte produz no máximo vinte peças por dia enquanto o trabalhador da manufatura produz quatro mil e oitocentas peças, ocorre uma multiplicação de 240 vezes na capacidade produtiva de cada trabalhador: no trabalho manufatureiro o operário pode produz em um único dia aquilo que na forma artesanal se levaria quase um ano.
2 3858 Um operário não treinado para essa atividade (que a divisão do trabalho transformou em uma indústria específica) nem familiarizado com a utilização das máquinas ali empregadas (cuja invenção provavelmente também se deveu à mesma divisão do trabalho) dificilmente poderia talvez fabricar um único alfinete em um dia, empenhando ao máximo de trabalho: de qualquer forma, certamente não conseguirá fabricar vinte. (SMITH: 1985, p.41). É uma mudança fantástica, nos parâmetros da produção, a substituição do trabalho artesanal, controlado pelas corporações de ofícios, pelo trabalho das oficinas manufatureiras. Cremos que neste primeiro capítulo esteja contida a questão essencial da obra smithiana. Vale lembrar que a divisão do trabalho não é um princípio inventado por Smith, como muitos supõe, mas de uma mera constatação daquilo que os homens reais faziam no dia a dia sem nunca ter lido seus escritos. AS TROCAS COMO CARACTERÍSTICA DA RACIONALIDADE HUMANA No capítulo segundo, O princípio que dá origem a Divisão do Trabalho, Smith procura mostrar que a divisão das tarefas faz parte de uma forma social que é viabilizada através das trocas. Sem as trocas não se viabilizaria a divisão do trabalho dentro das oficinas manufatureiras e, possivelmente, elas nem existiriam. Ele faz questão de ressaltar que somente o ser humano é dotado da característica que permite o intercâmbio de bens e serviços com seus semelhantes. Esta divisão do trabalho, da qual derivam tantas vantagens, não é, em sua origem, o efeito de uma sabedoria humana qualquer, que preveria e visaria esta riqueza geral à qual dá origem. Ela é conseqüência necessária, embora muito lenta e gradual, de certa tendência ou propensão existente na natureza humana que não tem em vista essa utilidade extensa, ou seja: a propensão a intercambiar, permutar ou trocar uma coisa pela outra. Não é nossa tarefa investigar aqui se essa propensão é simplesmente um dos princípios originais da natureza humana, sobre o qual nada mais restaria a dizer, ou se _ como parece mais provável _ é uma conseqüência necessária da faculdade de raciocinar e falar. De qualquer maneira, essa propensão encontra-se em todos os homens, não se encontrando em nenhuma outra raça de animais, que não parecem conhecer nem essa nem qualquer outra espécie de contratos. (...) Ninguém jamais viu um cachorro fazer uma troca justa e deliberada de um osso por outro, com um segundo cachorro. Ninguém jamais viu um animal dando a entender a outro, através de gestos ou gritos naturais: isto é meu, isto é teu, estou disposto a trocar isto por aquilo. (SMITH:1985, p.49). Segundo Smith, a troca é uma característica da racionalidade humana.
3 3859 Intercambiar um bem por outro bem, trocar mercadorias por outras mercadorias ou por meio circulante são atitudes que demonstram superioridade nas relações humanas. O comércio é o meio pelo qual um grupo de pessoas, ou uma nação, pode adquirir os bens que necessita para ter uma vida mais confortável e prazerosa sem a necessidade de uma a ação bélica. Em outras palavras, povos bárbaros e primitivos apelam à pilhagem e à guerra enquanto homens e governos de nações civilizadas realizam o comércio. Quanto menos embaraço tiver as pessoas e as nações para realizar suas trocas mais os homens poderão usufruir da abundância e da paz. Obviamente, quanto mais livres forem as relações comerciais, mais ricas seriam as nações envolvidas no processo. No capítulo terceiro, A Divisão do trabalho delimitada pela extensão do mercado, explicita que o aumento da produtividade dos trabalhadores depende também do tamanho do mercado no qual as mercadorias produzidas poderão ser comercializadas. O raciocínio é muito simples: quanto mais extenso for o mercado consumidor mais divido poderá ser o trabalho. Quanto mais dividido for o trabalho maior será a produtividade por hora de trabalho dentro de uma unidade produtiva. Quanto maior a produtividade mais rica será a nação. Portanto, a liberdade de comércio era indispensável para aumentar a riqueza de uma nação e reduzir os problemas de escassez de bens e serviços que a população enfrentava. Os problemas da fome e do desconforto poderiam ser amenizados se as leis dos países não obstaculizassem o curso natural das coisas. Se a divisão do trabalho possibilita a multiplicação da produtividade de cada trabalhador, é preciso defender o livre comércio entre as nações para que as mesmas pudessem ter a produção cada vez mais desenvolvida e racional, com produtos sendo ofertados aos consumidores cada vez com preços mais acessíveis. Qual seria a alternativa à liberdade de comércio? A alternativa era a legislação protecionista do Mercantilismo que conduzia, inevitavelmente, as nações à pobreza e à guerra, com grande sofrimento a todos os envolvidos, principalmente aos derrotados no conflito. Ao combater as restrições mercantilistas que impediam o livre curso das mercadorias, Smith estava defendendo um modelo de sociedade em que todos concorriam para produzir a prosperidade pública sem que ninguém tivesse deliberadamente a intenção de fazer o bem ao próximo. A detecção deste fato, apesar de óbvio, constitui uma revolução na forma de pensar a sociedade. Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que
4 3860 esperamos nosso jantar, ma da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à sua auto-estima, e nunca lhes falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que advirão para eles. Ninguém, a não ser o mendigo, se sujeita a depender, sobretudo, da benevolência dos semelhantes.(smith:1985,p.50) Mesmo sendo uma frase extremamente simples ela se tornara praticamente incompreensível para boa parte dos pensadores que vieram posteriormente. Para Smith o mais essencial que o Estado teria que fazer era deixar que os múltiplos interesses individuais se encarregassem de prover a sociedade daquilo que ela necessitava. A soma dos interesses individuais contribuiria para o bem público. Não ficaria sob responsabilidade do Estado a direção dos negócios. Somente a ordem de mercado, através da mão invisível, teria tanta inteligência e habilidade para atender os múltiplos desejos de milhões de pessoas que concorriam todos os dias para que as coisas pudessem ser feitas de forma rápida e eficiente. Vale lembrar que a idéia de que a ação estatal, com seus regulamentos e seus aportes de investimentos, é indispensável para promover o desenvolvimento nacional ainda está presente nas ações dos governos de quase todas as nações. É uma espécie de boçalidade intelectualizada que insiste em afrontar a racionalidade humana. CONCLUSÃO Smith escreve numa época em que muitos segmentos da produção e do comércio, em quase todos os países, estavam protegidos por privilégios e monopólios. França, Espanha e Portugal entre outros, tinham leis muito rigorosas que obstaculizam a liberdade de comércio e a liberdade dos indivíduos. Os regulamentos dificultavam a produção e movimentação das mercadorias inclusive dentro do próprio país, dificultavam até mesmo a movimentação dos pobres em busca de novas ocupações de trabalho. A Inglaterra e Holanda eram os países onde as leis mercantilistas foram menos intensas, possibilitando um desenvolvimento mais acentuado. A crítica de Adam Smith ao Mercantilismo objetivava a defesa da liberdade dos indivíduos. A legislação restritiva, criada pelo Sistema Mercantil, concedia privilégios aos comerciantes e produtores nacionais. Esta proteção aos ricos, alinhados com o poder, tinha como resultado direto para o restante da população menos bens e serviços ofertados no mercado.
5 3861 Tomando como base o texto de Smith podemos concluir que as normas restritivas da produção e circulação de mercadorias, estabelecidas pelo Mercantilismo, eram inadequadas para promover o desenvolvimento da riqueza, por dois motivos básicos: primeiro, porque se tratava de uma legislação estabelecida com a finalidade de gerar vantagens aos produtores e comerciantes monopolistas e isto, consequentemente, implicava em ônus para o restante da população que bancava o benefício; segundo, pelo fato do planejamento por parte do Estado _ ao eleger prioridades _ na direção dos negócios da nação impedir o planejamento e o esmero de milhões de outros habitantes, também havidos para utilizar seus pecúlios e suas habilidades de forma mais eficientes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FRIEDMAN, Milton & FRIEDMAN, Rose. Liberdade de Escolher. Rio de Janeiro: Record, HEILBRONER, Robert L. Introdução à história das Idéias Econômicas. RJ: Zahar, LIST, Georg Friedrich. Sistema Nacional de Economia Política. São Paulo: Abril,1983. RICARDO, David. Princípios de Economia Política e Tributação. São Paulo: Abril Cultural,1982 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. São Paulo: Nova Cultural, 1985.
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