A IDENTIDADE TERRITORIAL ITALIANA E O TURISMO NO ESPAÇO RURAL DO MUNICÍPIO DE PELOTAS/RS: A MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA E A VITIVINICULTURA
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- Mafalda Chaves Antunes
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1 A IDENTIDADE TERRITORIAL ITALIANA E O TURISMO NO ESPAÇO RURAL DO MUNICÍPIO DE PELOTAS/RS: A MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA E A VITIVINICULTURA Tiaraju Salini Duarte Universidade Federal de Rio Grande tiaraju.salini@yahoo.com.br Giancarla Salamoni Universidade Federal de Pelotas. gi.salamoni@yahoo.com.br Resumo A multifuncionalidade da agricultura surge na atualidade como um referencial importante para a compreensão das transformações ocorridas nos espaços rurais, ou seja, as atividades agrícolas passam a não ser as únicas atividades que definem o rural e, também, as únicas fontes geradoras de renda para o agricultor. Partindo dessas concepções, o turismo no espaço rural do município de Pelotas, representa a possibilidade de valorização das paisagens naturais e da herança cultural da imigração italiana presente no município. Além disso, observa-se um processo de identificação dos produtores de uva e vinho- os vitivinicultores- com o território, caracterizando a formação de uma identidade territorial, que acaba por valorizar o referido espaço como um lócus potencial para o desenvolvimento do turismo, atividade geradora de renda complementar nas propriedades rurais. Palavras-chave: Imigração italiana. Vitivinicultura. Identidade territorial. Turismo no espaço rural. Introdução Em um mundo inserido no processo da pós-modernidade 1 onde o movimento global tenderia a desenvolver uma homogeneização de costumes, de culturas e uma uniformização de identidades derrubando fronteiras (tanto materiais como imateriais), o que se percebe, na verdade, é que este movimento tem demonstrado que na era pós moderna cada vez mais as especificidades dos lugares e dos territórios e as diferenças com relação ao outro são apontadas como relevantes para entender a realidade na sua magnitude. Assim, nos dias atuais, observa-se a emergência dos conceitos de identidade, cultura e território para compreender as dinâmicas presentes tanto nos espaços urbanos quanto rurais. Partindo destes pressupostos, observa-se a construção de identidades sobre territórios como práticas sociais e estratégias produtivas de inclusão e reconhecimento, acontecendo, simultaneamente, em diversas partes do mundo. Em um mundo em crise 1
2 de valores e de sentido como o nosso, a questão da identidade volta ao centro das atenções. (HAESBAERT, 1999, p. 170). Esse ressurgimento das identidades territoriais é fruto do processo de construção e reconstrução das sociedades em suas interfaces com a natureza, logo, a identidade nada mais é que uma busca constante por inclusão social, cultural, econômica e política. Contudo, esta inclusão remete, contraditoriamente, a um processo de exclusão social. Ela [identidade] implica uma relação de semelhança ou de igualdade. Este é talvez seu maior paradoxo: encontrar a igualdade num objeto ou pessoa, ou seja, defini-la a partir de características que a revelam na sua totalidade, na sua inteireza, encontrar um significado, um sentido geral e comum.(haesbaert, 2007, p. 42) Por conseguinte, os processos de identificação estão em constante movimento e podem ser concebidos a partir de um referencial que delimita os territórios a partir de dimensões materiais e imateriais, e que definem relações de poder na construção de um território. Toda identidade criada toma como referência um marco histórico/espacial que farácom que uma determinada sociedade se reconheça, gerando uma sensação de pertencimento a essa e, conseqüentemente, de apropriação efetiva do território. Esta apropriação pode acontecer sobre o território, contudo, essa não obedece a uma referencia física e nem é demarcada de maneira arbitrária, seguindo um recorte políticoadministrativo. Logo, a partir de relações e práticas socioculturaiscristalizadas no espaço e no imaginário das pessoas criam-se e recriam-se territorialidades 2, e, por conseguinte, identidades territoriais que fazem dessa fração do espaço um território material e simbólico, a partir das singularidades locais. Conforme explica Haesbaert(1997), O território envolve sempre, ao mesmo tempo (...), uma dimensão simbólica, cultural, por meio deuma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de controle simbólico sobre o espaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma de apropriação). (HAESBAERT, 1997, p. 42). Assim, a identidade territorial justifica-se nesta pesquisa como proposta de compreender a vitivinicultura, a partir dos saberes e práticas herdados pelos agricultores dos seus antepassados e que conformaram a imigração italiana no município de Pelotas. Aliado a isso, ressalta-se a importância dos produtos e dos produtores locais, propiciando a valorização da atividade vitivinicultorae o aumento na procura pelo vinho e pelo saber-fazer, e, por consequência, criando novas dinâmicas locais, como por 2
3 exemplo, o turismo no espaço rural. Com isso, a multifuncionalidade da agricultura pode ser identificada no aumento significativo de atividades não essencialmente agrícolas no espaço rural do município de Pelotas. Para analisar a produção de vinho, as relação com a multifuncionalidade da agricultura e a identidade territorial, partiu-se, primeiramente, de uma revisão bibliográfica acerca da imigração italiana no Brasil, no Rio Grande do Sul e no Município de Pelotas, para compreender a formação da colônia italiana neste município. Posteriormente, analisa-se a multifuncionalidade da agricultura, o turismo no espaço rural e as identidades territoriais. O recorte territorial do trabalho foi o espaço rural do município de Pelotas, mais especificamente o 8º Distrito denominado de Rincão da Cruz, onde se observa a maior concentração de descendentes de imigrantes italianos e, consequentemente, da produção de vinho. (Figura 01) Figura 01 - Município de Pelotas Produção de vinho no distrito de Rincão da Cruz. Fonte: DUARTE, A imigração italiana e a vitivinicultura no Brasil, no Rio Grande do Sul e no município de Pelotas 3
4 A imigração italiana no Brasil tem seu início no segundo quartel do século XIX, a fim de atender as necessidades do mercado de trabalho, ou seja, a substituição da mão de obra escrava pela assalariada nas lavouras cafeeiras do sudeste brasileiro, formando as bases do denominado colonato paulista. Em outro sentido, a política imigrantista dos governos imperial e provincial promoveu a ocupação e colonização no sul do Brasil implantando diversos núcleos formados essencialmente por alemães, pomeranos, poloneses e italianos, denominados de colonos 3. Data oficial da imigração italiana é de 20 de maio de 1875, mas não se sabe ao certo em que data o império tomou a si a empresa de colonizar Conde d' Eu e dona Isabel. Os arquivos são omissos a este respeito. Não há dúvida, porém, quanto à presença de colonos italianos já antes de 1875, disseminados pelas outras colônias da província. (...) Dados do governo provincial revelam que entre 1859 e 1875, teriam entrado no Rio Grande do Sul cerca de 7290 italianos. (DE BONI e COSTA, 1984, p 65) A organização da propriedade dos imigrantes italianos era baseada na mão de obra familiar, em pequenas dimensões territoriais, voltada para a produção de autoconsumo, com a comercialização do excedente no mercado interno. Dessa maneira, vinculada a presença da imigração italiana desenvolve-se a produção vitivinícola, a qual ganha grande expressão no mercado brasileiro a partir do século XX. Contudo, cabe ressaltar, que não foi com a imigração italiana que se deu a introdução da videira e a produção de vinhos no Brasil. Segundo Falcade (2007): A videira foi introduzida no Brasil por Martin Afonso de Souza, em 1532, na capitania de São Vicente, atual estado de São Paulo. Em seguida foi cultivada nas capitanias de Pernambuco e da Bahia. No sul, a expansão esteve relacionada à presença espanhola e aos imigrantes italianos, no final do império e inicio da republica. (FALCADE, 2007, p 225). Todavia, é a partir da imigração italiana que este produto começa a ganhar expressão comercial no território nacional, principalmente, com a fabricação do vinho no Estado do Rio Grande do Sul. O vinho é um produto tradicional da cultura italiana e, inicialmente, esta produção era voltada somente para o autoconsumo, ligada à ideia de manutenção dos traços culturais e simbólicos herdados dos antepassados. O vinho, ao longo do tempo adquire um caráter de especialização produtiva no interior das unidades familiares, mas também, estimulada pela elevada valorização comercial deste produto. 4
5 O fabrico, no início da colonização era feito artesanalmente pelos imigrantes e as cantinas estavam localizadas nos porões das casas. Esta produção, que a principio era voltada para o consumo da família, começa a ser comercializada com viajantes. Destas relações comerciais surge uma maior procura por este produto e o produtor visando ampliar a renda familiar busca novos canais de comercialização. Os comerciantes consolidam as relações de compra e venda e com isso começam a criar a primeiras vinícolas destinadas a comercialização deste produto. Com a evolução das relações capitalistas o vinho passa a ser industrializado e adquire importância em escala nacional. Desta forma a produção da região da serra gaúcha passa a ser definida como a primeira região-nacional de produção vinícola, isto é, uma indústria regional que atendia as demandas nacionais (FALCADE, 2007). No Rio grande do Sul, a imigração italiana e a vitivinicultura serviram como subsidio para a criação de uma identidade territorial. Hoje, no Brasil, se destacam quatro regiões na produção de vinhos finos e espumantes. Segundo Falcade e Tonietto (1999), destas quatro regiões, três localizam-se no Rio Grande do Sul, mais especificamente na Serra Gaúcha, na Campanha e na Serra do Sudeste. A produção tanto de vinhos finos, como de vinhos de mesa se expande atualmente por grande parte do Brasil, destacando os estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina como os principais referenciais nesta produção. Quando se trata da presença da imigração italiana no Rio Grande do Sul, a região fisiográfica da Encosta Superior do Nordeste, a denominada Serra Gaúcha, é mencionada como a principal área concentradora de imigrantes italianos e de seus descendentes. Contudo, é importante destacar que existem registros de imigrantes italianos em outros municípios, principalmente, na porção sul do Estado. A imigração italiana no município de Pelotas tem seu inicio a partir de 1884, com a chegada dos primeiros imigrantes italianos que se instalam no espaço rural pelotense, principalmente, na Colônia Maciel 4, localizada no distrito de Rincão da Cruz. A Colônia Maciel tem a sua formação por volta de 1883, com a chegada de um antigo proprietário chamado Maciel. Este processo de colonização não foi oficial, de modo que a sua formação foi considerada privada, mesmo com o governo auxiliando os imigrantes recém chegados. Entre os anos de 1884 a 1886 tem-se a chegada dos primeiros imigrantes vindos da região do Vêneto na Itália. Contudo, oficialmente, a Colônia Maciel, segundo Fetter (2002), foi fundada em 1902 pelo governo estadual, com uma 5
6 área inicial de 1400 hectares e com uma população de 440 habitantes, (imigrantes italianos e portugueses). Além disso, outra colônia que ganha importância neste contexto é a Colônia São Manoel, onde também há registros de imigrantes italianos, mas que tem a sua formação marcada pelos imigrantes alemães e a sua fundação, segundo Fetter (2002), ocorreu em 1913, sendo esta uma colônia de caráter particular, com uma área inicial de 400 hectares. Percebe-se, assim, no recorte estudado que a grande concentração de imigrantes italianos no município de Pelotas se encontra na denominada colônia Maciel. Contudo, destaca-se que existe a presença de imigrantes em diversas colônias no espaço rural de Pelotas. Ao lado da formação histórico-espacial, percebe-se que o rural pelotense vem passando por algumas transformações, no qual a agricultura não é mais a única atividade socioprodutiva, geradora de renda e de valorização da cultura local. Multifuncionalidade da agricultura: o turismo no espaço rural O surgimento de um novo conceito, muito utilizado na Europa, principalmente na França, começa a ganhar importância atualmente no Brasil: a multifuncionalidade da agricultura. No Brasil, esse conceito pode ser considerado como uma nova perspectiva de analisar os fenômenos presentes no espaço rural, reconhecendo a existência de outras funções, além da sua principal que é a agricultura. Esta perspectiva provoca um debate sobre quais seriam realmente às funções e/ou as novas funções da agricultura. Na percepção de Carneiro (2003), A abordagem da multifuncionalidade da agricultura se diferencia por valorizar as peculiaridades do agrícola e do rural e suas outras contribuições que não apenas a de bens privados, além dela repercutir as criticas às formas predominantes assumidas pela produção agrícola por sua insustentabilidade e pela qualidade duvidosa dos produtos que gera. A noção de multifuncionalidade rompe com o enfoque setorial e amplia o campo das funções sociais atribuídas à agricultura que deixa de ser entendida apenas como produtora de bens agrícolas. Ela se torna responsável pela conservação dos recursos naturais (água, solos, biodiversidade e outros), do patrimônio natural (paisagens) e pela qualidade dos alimentos. (CARNEIRO, 2003, p. 19) Carneiro (2003) analisa as funções da agricultura familiar centradas, principalmente, em quatro dimensões básicas da multifuncionalidade: a reprodução socioeconômica das famílias, onde analisa as fontes geradoras de renda; as condições de permanência no 6
7 campo e as práticas de sociabilidade; a promoção da segurança alimentar da sociedade e das próprias famílias rurais, abrangendo a produção para o autoconsumo e para a comercialização; a manutenção do tecido sóciocultural, se referindo as condições de vida e da reprodução das culturas locais; preservação dos recursos naturais e da paisagem rural, aqui entendido como referência ao uso e preservação da natureza. Em todas as dimensões apresentadas há a valorização das características dos lugares, portanto, da escala do local. Dentro desta concepção multifuncional da agricultura familiar é que o turismo no espaço rural vem crescendo e se desenvolvendo como uma alternativa de geração de renda para a população que reside no campo ou, mais especificamente, para os agricultores familiares, os quais se encontram, muitas vezes, desamparados pela inexistência de políticas públicas, tanto para a agricultura no seu sentido mais restrito, quanto para o desenvolvimento rural. As mudanças tanto no que concerne ao meio urbano como ao rural irão possibilitar o desenvolvimento das atividades relacionadas ao turismo, de modo que é a busca por novas paisagens, principalmente, por parte da população citadina, demonstrando o sentimento de retorno às origens e a visão idealizada dos espaços naturais como refúgio para os problemas inerentes a vida nas cidades, que estimula os agricultores a disponibilizar serviços, produtos e bens naturais para atender esta demanda. Por conseguinte, podemos compreender duas características do meio rural, a multifuncionalidade e a pluriatividade 5 como estratégias de desenvolvimento e de reprodução social das famílias no espaço rural, que além de geração de renda econômica proporciona a valorização do seu patrimônio cultural. Assim, o turismo, muito além de ser uma pratica promotora do espaço rural e geradora de rendimentos para os seus, é uma alternativa para o desenvolvimento local e regional, que leva a revalorização e a ressignificação do espaço rural, não apenas para aqueles que buscam alternativas de lazer, novas paisagens, lugares mais tranqüilos. Ou seja, há um movimento de redescoberta da tranqüilidade dos territórios rurais. (PANIS, 2007, p 42). Ainda, cabe ressaltar, as diferenças entre o turismo rural e o turismo no espaço rural. O turismo no espaço rural consiste em uma abordagem onde o turista não se direciona para uma propriedade aonde irá se relacionar com as atividades agrícolas. Este tipo de turismo abarca diversas atividades as quais extrapolam os limites das propriedades, dessa maneira, dentro deste conceito têm-se diversas formas de organização do turismo, 7
8 como o ecoturismo, voltado para atividades intimamente ligadas à natureza (preocupação com a flora e a fauna) e a educação ambiental. Por outro lado, existem outras modalidades de turismo no espaço rural, como turismo científico, cultural, religioso, entre outros. Com isso, podem-se destacar alguns aspectos positivos e outros negativos do turismo no espaço rural: Positivos: Constituir a chave na revitalização dos recursos naturais, culturais e históricos de uma área rural. Promover e estimular transformações na organização sócioespacial das propriedades rurais. Estimular a preservação de recursos naturais com valor excepcional. Negativos: Diminuir a qualidade de áreas naturais e históricas pelo número excessivo de turistas e de equipamentos específicos. Aumentar ruídos e afluentes líquidos e sólidos, desencadeando processos de degradação socioambiental. Entretanto, nas palavras de Ruschmann (2000, p.71), Iniciar e desenvolver um programa de turismo em uma área rural constitui um desafio, principalmente, porque a comunidade local tem o poder e a habilidade de decidir sobre o seu desenvolvimento futuro, o que nem sempre ocorre. O turismo no espaço rural, quando bem planejado, tende a desenvolver a economia, e amplia a possibilidade de divulgar a cultura e os costumes locais, tornando-se mais uma fonte de renda, acessória à atividade agrícola, demonstrando, assim, que existem possibilidades para os proprietários familiares garantirem sua reprodução social e permanência no campo. Da identidade territorial italiana ao turismo no espaço rural O território é uma criação humana derivado das relações de poder no espaço, sendo estas materiais ou imateriais. Já a identidade é um processo particular de identificação dos grupos sociais no espaço e no território e uma busca constante por uma sensação de pertencimento que a diferencia de outros grupos e outros territórios. Na atualidade, 8
9 derivada de inúmeras contradições, as identidades territoriais retornam ao foco das discussões teóricas e empíricas sobre o tema. Para Sawaia(1999), Um dos imperativos da modernidade contemporânea, indiscutivelmente, é a busca pela identidade. Isto é da representação e construção do eu como sujeito único e igual a si mesmo e o uso desta como referencia de liberdade, felicidade e cidadania, tanto nas relações interpessoais como intergrupais e internacionais. É inegável a contribuição da referencia identitária neste momento em que indivíduos, coletividades e territorialidades estão redefinindo-se, reciprocamente, em ritmo acelerado. (SAWAIA, 1999, p. 119). Assim, torna-se complexo o entendimento deste conceito e para compreender a construção da identidade devemos partir da premissa que essa é fruto de ações sociais. É interessante pensar que todos os seres humanos estão inseridos neste processo, pois, constantemente são estabelecidas relações simbólicas e subjetivas com o mundo que estão repletas de significados culturais. Manuel Castells vai ao encontro desta perspectiva: Entendo por identidade o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais interrelacionados, o (os) qual (quais) prevalece (m) sobre outras fontes de significados. (CASTELLS, 2000, p. 22). Estes significados são entendidos aqui como uma identificação simbólica dos atores sociais. Por conseguinte, nesse processo recriam-se no imaginário individual valores e práticas que serão mobilizados na construção de uma identidade coletiva, as identidades territoriais. Assim, atores sociais possuem diversas identidades em momentos diferentes de suas histórias, muitas vezes se contradizendo. A pergunta que se faz é: será que mesmo inseridos nestes processos contraditórios e ininterruptos de identificações, pode-se construir uma identidade comum de um grupo para formar uma identidade territorial? Esta resposta perpassa pela ideia de que não existe território sem nenhum tipo de identidade. Neste espaço delimitado, seja concreto ou abstrato, existem símbolos que revelam uma valorização deste pelos seus habitantes. De uma forma muito genérica podemos afirmar que não há território sem algum tipo de identificação e valoração simbólica (positiva ou negativa) do espaço pelos seus habitantes. (HAESBAERT, 1999, p. 172) É relevante destacar que a identidade não faz referência somente a pessoas ou objetos, pois, nela se carrega signos do passado e do presente; representações que criam o 9
10 processo de identificação. O processo de identificação perpassa pela noção de semelhança, igualdade, de um ser humano com outro, com um objeto ou um símbolo. Como afirma Haesbaert (1999, p.173), na sua inteireza, encontrar um significado, um sentido geral e comum. O mesmo autor complementa afirmando que: Ela [a identidade] nunca é construída a partir da mera diferença ou de características próprias, singulares, pois tem sempre um caráter reflexivo, isto é, identificar-se implica sempre identificar-se com, num sentido relacional, dialógico, e a identidade, por mais essencializada que pareça, justamente por seu caráter simbólico, é sempre múltipla e/ou está aberta a múltiplas re-construções. (HAESBAERT, 2007, p. 42) Contudo, transcorre-se a ideia de que esta identidade caminha sempre no campo do irreal, no âmbito simbólico-imaterial. Não obstante,por mais que esta seja pautada nesta dimensão, a mesma necessita do material, ou seja, de um marco concreto, de uma referência espacial. Conforme explica Haesbaert(2007), As identidades não são construções totalmente arbitrarias ou aleatórias, elas precisam ancorar-se em referentes materiais ou, em outras palavras, tem sempre uma fundamentação politica concreta. As marcas da identidade não estão inscritas no real, diz Penna, mas os elementos sobre as quais as representações de identidades são construídas são dele selecionados. (HAESBAERT, 2007, p. 42) A partir desse marco material/ simbólico é que serão construídas as identidades territoriais. Todavia, esta delimitação não necessariamente é material, como no caso de grupos de indivíduos que constroem no espaço territórios simbólicos 6, se sobrepondo ao território do Estado-nação, ou de uma divisão municipal. Juntamente com a formação do território, em todos os processos descritos, tem-se a construção coletiva de uma identidade única, imprimida no espaço e formadora de uma identidade territorial. No caso pesquisado, a identidade herdada e passada de geração em geração, torna-se, na atualidade, um sustentáculo na manutenção de saberes, costumes, práticase tradições culturais. Assim, a presença da imigração italiana no município de Pelotas demonstra que a partir de características comuns como a prática da vitivinicultura, cria-se no espaço uma identidade, oriunda de um processo histórico-espacial. Dentro desta percepção, o saber fazer relacionado à produção do vinho,que foi passado de geração para geração durante séculos, foi sendo aperfeiçoado e mantido 10
11 como traço material e imaterial dessa cultura e que pode ser observado impresso no espaço. As cantinas de pedras, as pipas de madeira para o armazenamento, a plantação de videiras, a preparação do vinho e o dialeto vêneto, entre outros, fazem com que os descendentes de imigrantes italianos se reconheçam enquanto grupo, gerando uma sensação de pertencimento ao território. Um exemplo deste processo é a casa de pedra localizada na propriedade do produtor João Bento, construída em 1888, e que ainda é utilizada pela família Casarin(figuras 02 e 03). Cabe ressaltar, que na propriedade tem-se a fabricação de vinho, que é utilizado para a comercialização e para o próprio consumo. Além desta casa, ainda se encontram outras quatro casas de pedras construídas por imigrantes italianos. Figura 02: Casa da Família de Giusto Casarin Figura 03: Placa com a identificação da data de construção da casa da família Casarin Fonte: Pesquisa de Campo, Fonte: Pesquisa de Campo, Outra propriedade que se destaca é da família Camelatto, onde hoje existe uma dedicação ao plantio de uva e a produção de vinhos de mesa (figura 04), em torno de dois hectares de terra e produzindo por volta de 25 toneladas de uvas por hectare. Além do plantio da uva, se sobressai a produção artesanal (figura 05) oriunda dos produtos agrícolas da propriedade, destacando a prática do saber fazer. Figura 04: Espaço utilizado para a fabricação de vinho Figura 05: Produtos coloniais 11
12 Fonte: Pesquisa de Campo, Fonte: Pesquisa de Campo, A identidade italiana nesta localidade é tão significativa que foi criado um museu etnográfico da imigração. Este projeto foi desenvolvido pela Universidade Federal de Pelotas, com apoio da comunidade, visando não somente dar valor ao patrimônio material, mas também aos valores históricos de sua presença neste território, demonstrando a importância da colonização italiana para o desenvolvimento da colônia (Figura 06). Figura 06: Museu Etnográfico da Colônia Maciel Fonte: Pesquisa de Campo, Percebe-se, assim, que a identidade desta colônia se constrói a partir de uma coletividade oriunda da imigração e da apropriação de um referencial material (o vinho) e um referencial simbólico (o saber fazer).essa, por sua vez, cria novas dinâmicas no espaço (a multifuncionalidade), como o turismo no espaço rural, atividade que vem crescendo durante os últimos anos no município, principalmente ligado vitivinicultura e às paisagens naturais. 12
13 Logo, ao promover valorização da cultura e dos costumes locais, o turismo no espaço rural pode tornar-se mais uma fonte de renda, acessória à atividade agrícola, demonstrando, assim, que existem possibilidades para os proprietários familiares garantirem sua reprodução social e permanência no campo. Desse modo, a vitivinicultura, pelo valor simbólico do produto, pela sua qualidade, resultado da prática do saber-fazer herdada dos antepassados juntamente com a identidade territorial italiana, constitui elemento importante para entender os processos e as novas dinâmicas presentes no rural, na escala local. Considerações finais O saber fazer na produção da uva e fabricação do vinho foi passado de geração para geração durante séculos, sendo aperfeiçoado e mantido com traços materiais e imateriais impressos no território na escala local, é registrado concretamente, mas também através do imaginário da sociedade criando signos, designando o que Hall (1997, p.76) denominou de geografias imaginárias, nas quais uma paisagem que foge ao aspecto essencialmente material do espaço, é uma paisagem imaginária. Nesse caso, a apropriação territorial não obedece a uma referencia física e nem é demarcado de maneira arbitrária, limitada a um recorte administrativo, mas sim a partir de um objeto que cristalizado no espaço e no imaginário cria e recria uma territorialidade, por conseguinte, relações culturais que fazem dessa fração do espaço um território simbólico, a partir das singularidades dos grupos sociais. Estas singularidades presentes no espaço rural do município de Pelotas, vinculadas as práticas sócioespaciais introduzidas pelaimigração italiana é quecriam no território uma identidade própria, marcada, principalmente, pela vitivinicultura. Esta identidade territorial propicia, hoje, a multifuncionalidade da agricultura local. Destaca-se que,cada vez mais este processo se reveste de significativa importância para os agricultores familiares, de modo que, a combinação de renda agrícola com rendas não-agrícolas possibilita a manutenção e reprodução social no campo. Dessa forma, os agricultores do8 Distrito de Rincão da Cruz vêm buscando novas maneiras de se inserir no mercado, de modo a não ser completamente esquecido pelas políticas públicas. O turismo no espaço rural nesta localidade surge para tornar-se uma atividade acessória à produção agrícola, possibilitando um incremento na renda destas famílias. 13
14 Cabe ressaltar, que o turismo no espaço rural não significa o fim das atividades agrícolas, de modo que, muitos turistas buscamparticipar do cotidiano rural, das tarefas nas propriedades, interagindo com os agricultores e com os seus afazeres cotidianos. As propriedades que praticam esta forma de turismo devem estar cientes da necessidade de preservação do ambiente e manutenção da paisagem rural, que é o seu principal atrativo. Além das práticas agrícolas, é evidente a importância do patrimônio cultural relacionado àimigração e colonização italiana neste local. Assim, aidentidade territorialpassa a ser um atrativo para a atividade turística. E, a vitivinicultura se insere neste contexto social e produtivo de mudanças no espaço rural e na agricultura familiar. Notas 1 Não quero ser entendido erroneamente como se afirmasse haver uma mudança global de paradigma nas ordens cultural, social e econômica; qualquer alegação dessa natureza seria um exagero. Mas, num importante setor da nossa cultura, há uma notável mutação na sensibilidade, nas práticas e nas formações discursivas que distingue um conjunto pós-moderno de pressupostos, experiências e proposições do de um período precedente (HARVEY, 2002, p. 4) 2 A territorialidade pode tanto situar-se num campo eminentemente simbólico, como pode levar a ações efetivas na construção ou na defesa e/ou manutenção material de espaços de identidade. (HAESBAERT, 2007, p. 45). 3 O termo colono tem sua origem na administração colonial, segundo Seyferth (1990) eram colonos todos aqueles que recebiam um lote de terras em áreas destinadas à colonização. 4 No sul do Brasil, segundo Seyferth (1990, p.25) o termo colônia designa tanto uma região colonizada ou área colonial demarcada pelo governo em terras devolutas, como também é sinônimo de rural. No caso do recorte empírico desta pesquisa, os termos colônia e colonial se referem, simultaneamente, às áreas de colonização européianão-portuguesa e ao caráter familiar camponês das propriedades rurais. 5 A pluriatividade trata-se de um fenômeno no qual os componentes de uma unidade familiar executam diversas atividades com o objetivo de obter remuneração pelas mesmas, que tanto podem desenvolver-se no interior como no exterior da própria exploração, através da venda da força de trabalho familiar, da prestação de serviços a outros agricultores ou de iniciativas centradas na própria exploração (industrialização em nível da propriedade, turismo rural, agroturismo, artesanato e diversificação produtiva) que conjuntamente impliquem no aproveitamento de todas as potencialidades existentes na propriedade e/ou em seu entorno (SACCO DOS ANJOS, 2003, p ). 6 Símbolo aqui entendido não como sinônimo de representação ou substituição. o símbolo mantem uma relação mais direta com a coisa nomeada e ao mesmo tempo, mais carregado de subjetividade, ele teria abertura para levar a outros sentidos, indiretos, secundários e, de alguma forma, inesperados. (HAESBAERT, 1999, p. 178) Referências CARNEIRO, Maria José. "Rural" como categoria do pensamento.ruris, Campinas, v. 2, n. 1, pp. 9-38, mar
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