Diogo Cruz 1 Inês Ricardo 2, Inês Colaço 3 Frederica Faria 3, Luísa Pereira 4
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- Zilda Cesário Lobo
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1 Diogo Cruz 1 Inês Ricardo 2, Inês Colaço 3 Frederica Faria 3, Luísa Pereira 4 Revisão Défice de lipase ácida lisossomal Uma causa genética desconhecida de doença cardiovascular Palavras chave: Lípase ácida lisossomal; Doença de Wolman; Doença de depósito de ésteres de colesterol; Doença cardiovascular precoce; Terapêutica de substituição enzimática; Sebelipase alfa. 1 Assistente Hospitalar de Medicina Interna do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, Membro dos Corpos Sociais da Sociedade Portuguesa de Arterosclerose 2 Interna de Cardiologia do Centro Hospitalar Lisboa Norte 3 Interna de Medicina Interna do Centro Hospitalar Lisboa Norte 4 Assistente Hospitalar de Medicina Interna do Hospital Beatriz Ângelo; Secretária do Núcleo de Estudos de Doenças Raras da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna Resumo A deficiência de lipase ácida lisossomal (D LAL) é uma doença de depósito lisossomal, com padrão de hereditariedade autossómico recessivo consequente da mutação no gene LIPA. Este gene codifica uma enzima que, em caso de mutação, tem a sua atividade reduzida, levando a depósitos de ésteres de colesterol e triglicéridos nos lisossomas. Clinicamente, o resultado é a doença cardiovascular precoce e doença hepática, de gravidade variável consoante o nível de atividade da enzima, que pode ir desde virtualmente ausente (Doença de Wolman) até à expressão reduzida (doença de depósitos de ésteres de colesterol). O diagnóstico depende de um elevado índice de suspeita, sendo os critérios para teste altamente sensíveis mas pouco específicos: colesterol LDL acima dos 160 mg/dl, colesterol HDL abaixo dos 40 mg/dl nos homens e dos 50 mg/dl nas mulheres e hipertrigliceridémia, principalmente em doentes não obesos. O gold standard para o diagnóstico é a quantificação da atividade enzimática em gota seca. A doença cardiovascular precoce, compreendendo a insuficiência coronária, a doença aneurismática e o acidente vascular cerebral, acarreta uma elevada morbi mortalidade pelo que o diagnóstico precoce e o recurso a uma nova arma terapêutica a terapêutica de substituição enzimática com a sebelipase alfa são da maior importância no tratamento destes doentes. 35
2 Introdução A deficiência de lipase ácida lisossomal (D LAL) é uma doença de sobrecarga lisossomal, autossómica recessiva, por mutação no gene da lipase ácida lisossomal (LIPA). A atividade enzimática encontra se reduzida em níveis variáveis com depósito progressivo de ésteres de colesterol (EC) e triglicéridos (TG) nos hepatócitos, células de Kupffer e macrófagos de diversos órgãos 1. Clinicamente, a D LAL provoca doença cardiovascular precoce e doença hepática, apresentando se sob a forma de dois fenótipos principais: a doença de Wolman (DW), que representa a forma mais grave da doença, com uma incidência estimada de 1: e a doença dos depósitos de ésteres de colesterol (DDEC) que corresponde a um fenótipo menos agressivo 2. Foi recentemente desenvolvido um estudo na Alemanha que estimou a frequência desta mutação, em heterozigotia, em cerca de 1:200 na população geral, com uma prevalência de DDEC (incluindo homozigóticos e heterozigóticos) de 1/40 000, incluindo as restantes mutações 2. No entanto, existe uma disparidade entre os números de casos esperados e os reportados, indicando que a DDEC estará provavelmente sub diagnosticada, em particular na Europa 3, 4. A gravidade e a idade de início parece correlacionar se com a atividade residual da enzima e a agressividade da doença 1. Aspetos genéticos e fisiopatologia A LAL é uma das enzimas lisossomais 7, também denominada lipase A, hidrolase ácida dos ésteres de colesterol ou esterase ácida dos ésteres de colesterol 5. É uma glicoproteína com 46kDa, codificada pelo gene LIPA (cromossoma 10q ) 6. Não existe uma mutação única que defina a DW 7. A doença é caraterizada por ausência total ou inferior a 1% de atividade 36
3 de LAL 2. Em doentes com DDEC, a mutação mais comum (50 60%) é a mutação no local de splicing no exão 8, normalmente referida como E8SJM 7, 8. Num estudo longitudinal recente, 84% tinham pelo menos BPs]), modulam diretamente a expressão de genes envolvidos na síntese e captação do colesterol. São desta forma responsáveis pela: a) downregulation dos recetores de LDL, resultando numa diminuição da A deficiência de lipase ácida lisossomal (D-LAL) é uma doença de sobrecarga lisossomal, autossómica recessiva, por mutação no gene da lipase ácida lisossomal uma cópia da mutação E8SJM, 21% eram homozigóticos e 63% heterozigóticos 9. As mutações na DDEC estão associadas a atividade residual da LAL (3 5%) 10 12, resultando num fenótipo menos grave que o da DW. A doença ocorre em indivíduos homozigóticos ou heterozigóticos compostos para a mutação 3. As mutações no gene LIPA resultam em deficiência completa ou parcial de atividade da LAL, o que corresponde a DW e DDEC, respetivamente 7. No entanto, além da atividade enzimática, parecem existir outros fatores contribuintes (ex. fatores ambientais) que afetam a progressão da doença 13. A LAL assume um papel importante no metabolismo lipídico por ser a enzima responsável pela hidrólise dos esteres de colesterol nos lisossomas. O metabolismo das LDL (lipoproteína de baixa densidade) segue a seguinte sequência: 1) ligação das LDL a um recetor específico nas membranas das células; 2) incorporação das LDL em vesículas e a sua endocitose; 3) fusão das vesículas de endocitose com os lisossomas; 4) hidrólise dos EC e TG presentes nas LDL pela LAL, em colesterol livre (CL) e ácidos gordos livres (AGL) que são transferidos dos lisossomas para o espaço intracelular 14. Os produtos resultantes da hidrólise, ao interagir com fatores de transcrição (sterol regulatory element binding proteins [SRE- entrada destas lipoproteínas para o espaço intracelular 13 ; b) inibição da 3 hidroxi- 3-methyl-glutaril-CoA (HMG-CoA) redutase que resulta na diminuição da síntese de colesterol 13,15 ; c) estimulação da síntese de Apolipoproteína B 16,17 ; d) estimulação da acil-coa:colesterol aciltransferase (ACAT) com consequente aumento da produção de ésteres de colesterol 13. Assim, a deficiência da atividade da enzima LAL resulta em hidrólise deficiente dos EC e TG e sua consequente acumulação lisossomal, diminuindo o colesterol livre e AGL a nível intracelular, aumentando a endocitose de receptores LDL; reduz a supressão da HMG-CoA redutase com consequente aumento da síntese de colesterol bem como no aumento de ApoB e produção de VLDL 18. Défice de LAL e doença cardiovascular A dislipidémia é um achado comum nos doentes com D LAL e tem sido associada a desenvolvimento acelerado de aterosclerose, doenças cardiovasculares e mortalidade prematura. A Doença de Wolman, pela extremamente reduzida atividade da LAL, torna se letal, aos 3 5 meses de vida 19. As manifestações mais caraterísticas desta doença são: diarreia, vómitos, distensão abdominal secundária a hepatoesplenomegália 37
4 (esta última presente em 100% dos casos) e rápida progressão para falência multiorgânica, nomeadamente insuficiência hepática progressiva, fibrose pulmonar, calcificação e insuficiência da suprarrenal. O depósito de lípidos nos macrófagos das vilosidades intestinais leva também a má absorção grave, diminuição do crescimento e caquexia 13, 19. A DDEC apresenta se de forma mais variável e é uma doença heterogénea. Pode apresentar se em qualquer idade, sendo a média de início de sintomatologia na primeira década de vida, embora já tenha sido documentado até aos 44 anos no homem e até aos 68 anos em mulheres 12. Esta doença manifesta se habitualmente por alterações do perfil lipídico, aumento de transaminases e hepatomegália 20, sendo que, por vezes, os doentes são erradamente classificados como tendo doença hepática (i.e. esteatose A dislipidémia está associada a aterosclerose e doença cardiovascular precoce, incluindo síndrome coronária aguda, doença aneurismática e acidente vascular cerebral 12, Num estudo recente, que incluiu 48 doentes com D LAL, foram relatadas complicações cardiovasculares em 12,5% dos casos (comparativamente aos 4,2% na população geral), sendo que nestes o LDL atingia valores superiores a 350mg/ dl 9. Diagnóstico O diagnóstico depende de um elevado índice de suspeita 12,20. Os critérios para testar um indivíduo para D LAL são abrangentes, por forma a possuírem elevada sensibilidade 13, condicionando uma baixa especificidade. Perfis lipídicos de doentes não obesos com dislipidémia, nomeadamente LDL superior a 160 mg/dl, baixos Clinicamente a D-LAL provoca doença cardiovascular precoce e doença hepática apresentando-se sob a forma de dois fenótipos principais: a doença de Wolman e a doença dos depósitos de ésteres de colesterol hepática ou esteatohepatite não alcoólicas), síndrome metabólica e/ou hipercolesterolémia familiar 9. As alterações do perfil lipídico podem surgir em qualquer idade e podem ser indistinguíveis das da hipercolesterolémia 21 no entanto, como se trata de uma doença autossómica recessiva, a ausência de história familiar pode atrasar o diagnóstico. As crianças e os adultos com D LAL têm habitualmente elevação do CT, LDL, ApoB e diminuição das HDL 21, 22. Num estudo, que incluiu 135 doentes com DDEC, 95% apresentavam valores de LDL superiores ao limite normal e 79% valores superiores a 200 mg/l 12. níveis de HDL (inferior a 40 mg/dl nos homens, a 50 mg/dl nas mulheres) e hipertrigliceridémia deverão levantar a suspeita de DDEC 20. O perfil lipídico é indistinguível do perfil encontrado nas hipercolesterolémias genéticas mais comuns. De salientar apenas que os níveis de LDL e de colesterol total são tendencialmente mais elevados na hipercolesterolémia familiar, e os de HDL mais baixos na D LAL 13. Assim, diagnósticos incorretos são frequentemente realizados, como o de hipercolesterolémia familiar heterozigótica, defeito de ApoB familiar, hiperlipidémia familiar combinada, hipercolesterolémia poligénica, pelo que é extre- 38
5 tinas, com resposta favorável no perfil lipídico 12, 13. A terapêutica de substituição enzimática, tal como em outras doenças de depósito lisossomal com intuito de redução de substrato, parece ser o futuro. A sebelipase alfa (hlal) é uma enzima recombinante produzida a partir de células de galinha, com a mesma sequência de aminoácidos que a LAL nativa humana, com secreção da proteína recombinante para a clara do ovo 34. Existe uma disparidade entre os números de casos esperados e os reportados, indicando que a doença dos depósitos de ésteres de colesterol estará provavelmente sub-diagnosticada, em particular na Europa mamente importante a correta colheita da história familiar. Os testes de determinação da atividade enzimática são o gold standard para a confirmação do diagnóstico e realizam se em culturas de fibroblastos da pele, leucócitos isolados a partir do sangue periférico ou a partir de gota seca (dry blood spot testing, ie. DBS) 20. Neste último método, é determinada a atividade total da lipase no sangue e comparada com a atividade da lipase numa amostra em que é adicionado o inibidor específico, obtendo se assim a atividade total da LAL. Este método diferencia claramente os doentes com deficiência de LAL, os portadores e os indivíduos com atividade normal 29. Na suspeita ou na eventualidade de um teste DBS positivo, o diagnóstico pode ser confirmado pela sequenciação do gene LIPA cuja mutação está na origem da deficiência de LAL 20. Tratamento Com base na patogénese do D LAL, foram tentadas terapêuticas como o transplante hepático ou o transplante de medula óssea, existindo apenas um caso relatado de sucesso terapêutico com o último na DW 19, 20, 31. A dislipidémia e outros fatores de risco cardiovascular devem ser geridas de acordo com as recomendações em vigor 13. Na DDEC, as medidas terapêuticas passam por dieta com restrição lipídica e prescrição de estatinas, ezetimibe e/ou colestiramina 12, 20, 32. Foram descritos casos de doentes com DDEC submetidos a terapêutica com esta- Os ensaios terapêuticos, publicados até ao momento, são unânimes na demonstração de melhoria significativa do perfil lipídico, normalização das transaminases hepáticas e diminuição das dimensões do fígado e baço 34, 35. Numa fase inicial, entre as duas e as quatro semanas de terapêutica, os valores de colesterol total, LDL e triglicéridos aumentam, refletindo a mobilização do conteúdo lisossomal com consequente aumento da secreção de VLDL e downregulation do receptor de LDL Com a continuação da terapêutica, estes valores reduzem se para níveis inferiores aos iniciais 34,35. Adicionalmente, os valores de HDL também aumentam com a terapêutica 34. O último estudo publicado demonstra, após administração de 1mg/Kg de peso de sebelipase alfa em semanas alternadas em 66 doentes, durante 36 semanas, descida de 44,1% nos valores de LDL e de 41,5% no colesterol não HDL; em 31% destes doentes registou se normalização da ALT, e em 42% da AST; a redução no conteúdo de gordura hepática avaliada por RMN foi de 32% 33. Houve também evi- 39
6 dência de que, com a mobilização do substrato, há redução rápida da ferritina e da ativação dos macrófagos 34. Em conjunto, os estudos demonstram que a sebelipase alfa corrige um largo espetro de anormalidades relacionadas com o défice hereditário desta enzima, tendo potencial para melhorar o outcome dos doentes afetados por DDEC. São, no entanto necessários mais estudos para se poder determinar a sua eficácia a longo prazo. Já foram realizados diversos estudos de segurança da sebelipase alfa em humanos com DDEC. A terapêutica foi bem tolerada, com efeitos adversos minor, que não foram considerados terem relação com a enzima. Nos estudos iniciais, não foram detetados anticorpos contra a enzima, o que pode ser hipoteticamente justificado pela rápida clearance da enzima da circulação, pela expressão ubiquitária de lipases homólogas e pelo facto dos doentes com DDEC possuírem alguma atividade residual contra a enzima, não reconhecendo a hlal como um antigénio estranho 34, Num estudo mais recente de fase III, 5 em 35 doentes realizaram um ou mais testes anti anticorpo durante o período de 20 semanas do estudo, sendo os títulos geralmente baixos e mantidos, não afetando a segurança ou eficácia do fármaco 33. Conclusão A deficiência de LAL é uma entidade rara e frequentemente esquecida como causa de doença cardiovascular precoce. Assim, o seu diagnóstico exige um elevado índice de suspeita e os critérios para realização de teste diagnóstico devem ser abrangentes. Este deve ser realizado por determinação da atividade enzimática, por DBS. Com a terapêutica de substituição enzimática em vista, é imperioso reconhecermos precocemente esta entidade, desta forma tratável e com elevado índice de sucesso, prevenindo a elevada morbilidade e mortalidade associadas. Referências bibliográficas 1. Lin P, Raikar S, Jimenez J, et al. Novel Mutation in a Patient with Cholesterol Ester Storage Disease. Case Reports in Genetics. 2015; 2015: Muntoni S, Wiebusch H, Jansen-Rust M, et al. Prevalence of Cholesteryl Ester Storage Disease. Arteriosclerosis, Thrombosis, and Vascular Biology. 2007; 27: Decarlis S, Agostoni C, Ferrante F, et al. Cholesteryl ester storage disease: a rare and possibly treatable cause of premature vascular disease and cirrhosis. Journal of Clinical Pathology. 2013; 66: Decarlis S, Agostoni C, Ferrante F, et al. Combined hyperlipidaemia as a presenting sign of cholesteryl ester storage disease. Journal of Inherited Metabolic Disease : Dubland J and Francis G. Lysosomal acid lipase: at the crossroads of normal and atherogenic cholesterol metabolism. Frontiers in Cell and Developmental Biology. 2015; 3: 3 6. Anderson RA, Rao N, Byrum RS, et al. In Situ Localization of the Genetic Locus Encoding the Lysosomal Acid Lipase/Cholesteryl Esterase (LIPA) Deficient in Wolman Disease to Chromosome 10q23.2-q23.3. Genomics. 1993; 15: Anderson R, Bryson G, and Parks J. Lysosomal Acid Lipase Mutations That Determine Phenotype in Wolman and Cholesterol Ester Storage Disease. Molecular Genetics and Metabolism. 1999; 68: Muntoni S, Wiebusch H, Funke H, et al. Homozygosity for a splice junction mutation in exon 8 of the gene encoding lysosomal acid lipase in a Spanish kindred with cholesterol ester storage disease (CESD). Human Genetics. 1995; 95: Burton BK, Deegan PB, Enns GM, et al. Clinical Features of Lysosomal Acid Lipase Deficiency. Pediatr Gastroenterol Nutr. 2015;61: Scott SA, Liu B, Nazarenko I, et al. Frequency of the cholesteryl ester storage disease common LIPA E8SJM mutation (c.894g>a) in various racial and ethnic groups. Hepatology. 2013; 58: Stitziel NO, Fouchier SW, Sjouke B, et al. Exome Sequencing and Directed Clinical Phenotyping Diagnose Cholesterol Ester Storage Disease 40
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