Exma. Sra. Procuradora Geral da República, demais presentes, boa tarde.
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- Maria das Neves Castelo Ribeiro
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1 Exma. Sra. Presidente, Exmo. Sr. Ministro Relator, Eminentes Ministros, Exma. Sra. Procuradora Geral da República, demais presentes, boa tarde. Subo a esta bancada para, em nome do Instituto de Direito Sanitário Aplicado, o IDISA, recebido nos autos deste processo como amigo da Corte, trazer considerações que entendo relevantes para a decisão dos senhores. Inicialmente, cumpre destacar que, o tema do financiamento da saúde, um dos aspectos mais centrais da efetiva garantia do direito à saúde, vem pela primeira vez ser debatido perante este Egrégio Supremo Tribunal Federal. Como bem pontuou o Eminente Ministro Gilmar Mendes, quando da realização da paradigmática Audiência Pública em 2009, o que o Poder Judiciário vem se debruçando quanto ao direito à saúde é a microjustiça do acesso à saúde. Diante de nós, nesta Ação Direta, teremos a oportunidade de, pela primeira vez, decorridos 29 anos de Sistema Único
2 de Saúde e todo o seu calvário orçamentário, debater a MACROJUSTIÇA do direito à saúde. Deixaremos de avaliar as consequências da judicialização da saúde e passaremos a avaliar, em grau maior, uma das suas grandes causas - o subfinanciamento desta política pública. O que vier a ser decido hoje por essa Corte poderá trazer impactos significativos nas demandas individuais por medicamentos e procedimentos no SUS. A decisão, portanto, poderá aumentar sobremaneira o fenômeno da judicialização da saúde, com graves impactos a todos os cidadãos brasileiros. Apesar da discussão ser eminentemente jurídica e orçamentária, é preciso ALTERIDADE. É preciso não perder de vista a vida das pessoas; o sofrimento dos que podem ficar sem acesso à saúde; dos que estão nesse momento nas filas dos hospitais e; daqueles que aguardam a liberação de leitos de UTI para seus filhos, nas emergências dos hospitais públicos desse país. Senão vejamos. Desde a promulgação da Constituição Federal a organização e funcionamento do SUS, além de sofrer as dificuldades naturais de implementação de uma política pública inovadora e à frente do seu tempo, enfrentou
3 dificuldades com a garantia de um financiamento adequado. É preciso, assim, para melhor compreensão dos Eminentes Ministros, resgatar, brevemente, esse processo histórico: A saga, Srs. Ministros, começa no ano seguinte à promulgação da Constituição, em 89, quando, mesmo constante na previsão constitucional transitória, a destinação de 30% dos recursos do Orçamento da Seguridade Social para financiar a saúde NUNCA SE EFETIVOU. Em 93, ocorre grave convulsão no Sistema Único de Saúde pelo não repasse de recursos orçamentários. Esse fato deu ensejo a abertura de dois Inquéritos pela hoje Procuradoria Geral da República, a Dra. Raquel Dodge. Um para apurar o financiamento e outro para avaliar o funcionamento do SUS. Foi a primeira oportunidade em que o Ministério Público se debruçou sobre a crise de financiamento da saúde. Mas a saga continua. Em 1994 é criado o Fundo de Emergência Social, precursor da DRU, que retira 20% dos recursos da saúde - hoje elevado a 30%.
4 Ainda no mesmo ano, com a conversão da URV para o Real, houve novamente considerável perda de recursos da saúde. A saga segue, ainda, com a não destinação da integralidade dos recursos auferidos pelo governo com a criação da CPMF, em 97, conforme prometido. Essa fato ocasionou, inclusive, a renuncia do ministro da saúde à época, o Dr. Adib Jatene. Até que chegamos ao ano de 2015, com a aprovação da hoje questionada Emenda Constitucional número 86. Ao pretexto de apresentar alternativa ao Projeto de lei de Iniciativa Popular, que com mais de 2milhões de assinatura, propunha garantir 10% da Receita Corrente Bruta para saúde, o Congresso Nacional aprovou a Emenda 86, fixando um piso de alocação de 15% da receita corrente líquida em ações e serviços públicos de saúde. Só que, NA SURDINA, o Congresso Nacional escalonou o atingimento deste piso pelos 5 anos subsequentes, mediante a fixação de subpisos, inferiores aos PROCLAMADOS 15%. O absurdo, senhores Ministros, foi que, no ano do início da vigência da indigitada Emenda nº 86, o valor previsto para alocação na saúde FOI MENOR do que o valor do ano anterior.
5 A Emenda 86 revogou a regra vigente à época, incluída no texto constitucional por meio da EMENDA CONSTITUCIONAL nº 29, de 2000, que expressamente estabeleceu para o financiamento da saúde o PRINCÍPIO da PROGRESSIVIDADE dos direitos sociais. Isso porque, Excelências, estabeleceu que os valores para alocação na saúde seriam corrigidos pela variação nominal do PIB, VEDANDO a sua diminuição, mesmo quando o PIB fosse decrescente. Ora, a Emenda Constitucional número 86 desrespeitou a regra da vedação ao retrocesso social, fixando subpiso, que representou, EFETIVAMENTE, a alocação à menor de recursos na saúde no ano da sua vigência!! Isso senhores Ministros, no ano de 2016, antes da vigência da Emenda Constitucional número 95 que revogou o art. 2º da EC 86, que fixava os subpisos. Mesmo com promulgação da EC 95 em DEZEMBRO DE 2016, o Ministério da Saúde aplicou as disposições da Emenda Constitucional número 86 naquele ano, como inclusive atesta a peça orçamentária de 2016 e a aplicação efetiva de valores INFERIORES ao do ano anterior. Por essa razão, inclusive, o Ministério da Saúde teve rejeitado o seu Relatório de Gestão pelo Conselho Nacional de Saúde, instância social de controle da política e da execução do orçamento.
6 [PAUSA] Senhores Ministros, Apesar de todo esse calvário orçamentário, é preciso reconhecer que o Sistema Único de Saúde, o único sistema público e universal do mundo em um país de mais de 100 milhões de habitantes, conseguiu, ÀS DURAS PENAS, ser reconhecido como de EXCELÊNCIA NACIONAL E INTERNACIONAL NOS SEGUIINTES PROGRAMAS: 1. No Programa de Imunização, com a redução da mortalidade infantil e erradicação de doenças; 2. No programa de AIDIS; 3. No controle da qualidade do sangue, com hemocentros espalhados em todo o país; 4. No programa de transplantes - o maior programa público de transplantes do mundo. 5. Na política de saúde mental, adotando os parâmetros mais modernos, com a desospitalização; 6. A criação do SAMU, com garantia de atendimento de urgência e emergência; Entre tantos outros, Excelências, como a Estratégia de Saúde da Família e o Programa Mais Médicos.
7 Mas o ataque aqui combatido pode significar o início do fim do Sistema Único de Saúde, deixando 207 milhões de pessoas em risco sanitário. Estamos falando de permitir que haja retrocesso na garantia de direitos sociais. Os senhores devem estar à se perguntar qual o valor da perda que estamos aqui discutindo. Quero deixar claro, para não haver dúvida, que o que está a se discutir é o princípio. Pouco importa se o valor é mil ou um milhão. Ao se permitir que se haja retrocesso, estaremos à admitir que se tenha a regressão de direitos que foram àrduamente conquistados pelo povo brasileiro, por tantos que, antes de mim, lutaram para ter reconhecido, entre nós, a saúde como um direito. Não permitam, Excelências, que se retire da saúde aproximadamente 1bilhão e 200 milhões de reais. Para vossas excelências terem uma ideia, vou listar rapidamente alguns exemplos do que poderia ser feito com esse dinheiro: 1. Custear por um ano inteiro o SAMU;
8 2. Construir novas Unidades Básicas de Saúde; 2. Custear por um ano inteiro quase 89 mil agentes comunitários de saúde; 4. Garantir o pagamento de mais de 2 milhões de diárias de leitos de UTI. São essas as perdas. Para encerar, trago a frase do professor Norberto Bobbio que diz: Não basta garantir direitos; é preciso efetivá-los. Para além de números, há vidas, pessoas, necessidades que não podem ficar tão somente sujeitas à saúde fiscal, sob pena de se criar uma sociedade doente e sem alma. Obrigado.
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