A história do rádio na região noroeste: reflexos das fronteiras culturais 1
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- Milena Sintra Covalski
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1 A história do rádio na região noroeste: reflexos das fronteiras culturais 1 João Pedro Pacheco Van Der Sand² Vera Lucia Spacil Raddatz³ UNIJUÍ Universidade Regional do Noroeste do RS, Ijuí, RS Resumo Este artigo visa à discussão da importância de guardar a memória e a história do rádio, a partir das ações do Projeto de Pesquisa Fronteiras: a identidade fronteiriça nas ondas do rádio, desenvolvido pela Unijuí na região noroeste do estado do RS. Os resultados obtidos na pesquisa indicam que a história das rádios da região noroeste registra as vivências das comunidades e, por outro lado, as características culturais encontradas nesta região suscitam novos olhares sobre o conceito de fronteira. PALAVRAS-CHAVE: Rádio; memória; fronteira; fronteiras culturais. INTRODUÇÃO O projeto Fronteiras: A identidade fronteiriça nas ondas do rádio tem por objetivo estudar a presença do rádio no noroeste do Rio Grande do Sul desde o seu surgimento na região até os dias atuais. Este texto busca apresentar de maneira objetiva um recorte dos resultados, tendo em vista a memória do rádio regional e a questão do ambiente fronteiriço. Em alguns municípios da região focada pelo projeto, o rádio já é um veículo presente há mais de 50 anos, e desde então, vem participando de todo o tipo de transformação social vivida pelas comunidades nas quais estas emissoras estão instaladas. Tendo em vista este fato, é possível perceber a importância de trabalhar para o registro da história dos meios de comunicação, não somente para preservar a memória particular destes veículos, mas também para que sejam resgatados os fatos relevantes 1 Trabalho apresentado no GT História da Mídia Sonora do ALCAR RS, Unipampa, São Borja. ² Bolsista CNPq do Projeto Fronteiras: a identidade fronteiriça nas ondas do rádio; acadêmico do Curso de Comunicação Social da Unijuí. jotape91@gmail.com ³ Professora do Curso de Comunicação Social e do Mestrado em Direitos Humanos da Unijuí; Dra em Comunicação; Coordenadora do Projeto Fronteiras: a identidade fronteiriça nas ondas do rádio. verar@unijui.edu.br 1
2 referentes às comunidades, que vem tendo contato direto com este meio de comunicação. Desde seu surgimento, o rádio apresenta-se no Brasil como um dos meios de comunicação mais importantes e presentes na vida das pessoas. Mesmo com a chegada de outros veículos como a televisão e a internet, o rádio procurou adequar-se a estas mudanças e reafirmar seu espaço e sua importância. As emissoras de rádio são mecanismos de formação de identidade, pois informam, proporcionam cultura, prestam serviço e interagem com seus ouvintes. É justamente essa interação com o público que, principalmente em munícipios como os das regiões pesquisadas, faz do rádio um meio tão representativo nas comunidades. Mesmo em um mundo cada vez mais globalizado, em que os meios de comunicação e a tecnologia se introduzem cada vez mais na vida das pessoas, vemos que a transmissão das realidades locais é tarefa própria das rádios, que por uma questão geográfica, dão conta de cobrir os acontecimentos de modo como nenhum outro meio de comunicação o faz, conforme já afirmamos em outras publicações: O rádio é cada vez mais local, apesar de estar integrado à era digital, onde as informações percorrem o mundo em segundos via internet. Justamente porque é um veículo muito próximo das comunidades em que está inserido, torna-se um meio que prioriza pautas do lugar e evidencia as ações do cotidiano. Os principais interesses dos ouvintes de rádio estão no lugar aonde vivem e isso é determinante para quem pensa diariamente as pautas dos programas jornalísticos, porque precisa dar conta desse universo, que nem sempre os outros meios se ocupam de fazê-lo (RADDATZ, 2011, p. 3). No mesmo texto, ressaltamos a importância da relação sujeito radialista-sujeito ouvinte para que o rádio cumpra sua função social nas comunidades. Mesmo que a técnica jornalística prime pela objetividade, o produto radiofônico nas localidades pesquisadas é permeado pela subjetividade do ouvinte que participa da programação, sugerindo, opinando e contribuindo para que a informação que circula na esfera pública do rádio esteja mais próxima de quem a consome (RADDATZ, 2011, p. 3). O conceito utilizado neste estudo para pensar os sujeitos envolvidos nos processos comunicacionais em questão é o mesmo apresentado por Stuart Hall. Entende-se como ator dos fatos analisados o sujeito descentrado ou fragmentado, uma identidade em constante mudança: A identidade torna-se uma celebração móvel : formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). O 2
3 mesmo autor (1992, p.13) afirma ainda que a identidade é definida historicamente e não biologicamente. Outro ponto levado em consideração é o conceito de identidade cultural, mais especificamente o de identidade nacional, abordado também por Stuart Hall. O autor trabalha com a afirmação de que no mundo moderno, as culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural (1992, p.47). As idéias trazidas por Hall sobre este tema vêm ao encontro da forma com que é tratado o objeto de estudo deste projeto, por serem comunidades locais situadas em região de fronteira. O Projeto Fronteiras, além de trabalhar com uma pesquisa bibliográfica sobre a questão das fronteiras, debruça-se sobre a pesquisa de campo e organização dos dados coletados, de forma que possa reconstituir a história do rádio na região noroeste do Estado, abrangendo uma faixa de 150 km, onde se encontram a Fronteira Noroeste e a Fronteira Noroeste Colonial. O projeto preocupa-se não somente com o resgate da história das rádios localizadas nesta região, mas também com a análise crítica das informações encontradas, a fim de observar como o veículo tem representado seu papel diante das comunidades. 1. METODOLOGIA: UM OLHAR ABERTO SOBRE AS RÁDIOS DA FRONTEIRA NOROESTE DO RS A pesquisa que está sendo realizada norteia-se pela teoria da Sociologia Compreensiva, de Michel Maffesoli, que propõe um olhar aberto sobre o objeto de estudo por parte do pesquisador. Com base nesta metodologia, o pesquisador evita postar-se diante de seus objetos e resultados de maneira positivista, onde cada coisa é apenas um sintoma de outra coisa (MAFFESOLI, 1985, p.25), mas busca observar e refletir sobre os temas estudados com o olhar da sociologia compreensiva que descreve o vivido naquilo que é, contentando-se, assim, em discernir as visadas dos diferentes atores envolvidos (p.25). Dessa forma, embora tenha sido desenvolvido um roteiro básico para as pesquisas de campo, sempre esteve destacada a importância da qualidade dedutiva na pesquisa. Este olhar compreensivo permite criar recortes sobre as realidades pesquisadas e ir além do simples registro histórico do rádio regional. Pensar o modo 3
4 como este veículo se comporta frente às mudanças sociais, convida a um exercício de análise crítica, e posterior produção científica. Durante o segundo semestre de 2011 foram realizadas atividades relacionadas à pesquisa de campo em emissoras de rádio de cinco municípios das microrregiões Noroeste Colonial e Fronteira Noroeste. Por meio de entrevistas semiestruturadas com os profissionais destas emissoras, mediante termo de cedência de direitos de uso da imagem, procurou-se levantar dados a respeito da história dessas rádios, sua proposta e programação. Além disso, foi coletado material em áudio, como vinhetas, e imagens, como vídeos de locuções no estúdio, entrevistas, ambiente interno e externo, fotografias do ambiente físico atual, coleta de fotos históricas, etc. O material coletado constitui o acervo do projeto, está organizado em pastas, por município e por emissora. As informações de cada rádio estão agrupadas em três categorias básicas: texto, áudio e imagens, sendo que esta última subdivide-se em fotos e vídeos. A separação propicia uma maior racionalidade do uso e da consulta ao material coletado. Paralelo à pesquisa de campo, foi desenvolvida a pesquisa bibliográfica que dá suporte teórico para a compreensão do objeto de estudo e para a futura produção de artigos científicos sobre o tema estudado. Na fase de organização dos materiais coletados, já descrita acima, são feitas as transcrições das entrevistas, a descrição de fotos e a decupagem dos vídeos, para a socialização organizada dos resultados. 2. A HISTÓRIA DAS RÁDIOS ACOMPANHA A HISTÓRIA DAS COMUNIDADES Com o trabalho de pesquisa realizado até o momento foi possível observar realidades interessantes no que diz respeito às comunidades das regiões Fronteira Noroeste e Noroeste Colonial e as rádios ali atuantes. A relação de proximidade entre as rádios e as comunidades, pôde ser constatada de diversas maneiras, de acordo com as peculiaridades de cada local. O que se percebe com clareza é a importante função que as rádios ocupam em seus municípios e até mesmo nos vizinhos. Alguns depoimentos recebidos durante as saídas a campo podem dar uma boa ideia de como as rádios interagem com a vida social, econômica e política da sociedade. Um exemplo disso pode ser visto em um 4
5 trecho da entrevista realizada com o radialista Leandro Benetti (2011) da rádio Águas Claras de Catuípe: Quando se tem um falecimento na cidade, é hábito tocar o sino. Quando se toca o sino, e quando não é o sino da missa, quando o som do sino é fúnebre, quem não está ligado na rádio automaticamente pluga na rádio. É uma atitude ao natural. Vamos ouvir quem morreu. Já é um ritual que se tem na comunidade. Quando falece um ente querido seu, a primeira coisa que se faz é comunicar à rádio do falecimento. 2 O exemplo trazido na citação atenta para uma prática típica de pequenos municípios como Catuípe e tantos outros que integram as regiões Fronteira Noroeste e Noroeste Colonial do Rio Grande do Sul, região foco desta pesquisa. Exatamente pelo fato de várias emissoras, inclusive as situadas em municípios maiores, cobrirem regiões com pequenas cidades e povoados, é que estes veículos acabam desempenhando este papel na vida social da comunidade. Em lugares onde praticamente todos se conhecem, faz total sentido que se dê a notícia de um falecimento pela rádio mais ouvida por todos na comunidade. Outro exemplo que evidencia o exercício social da rádio pode ser encontrado em um trecho da entrevista realizada com a radialista Daniele Zepe da rádio Ativa FM de Campina das Missões. A locutora chama atenção para uma realidade frequente na rádio onde trabalha. A equipe de jornalismo está sempre alerta para as possíveis informações sobre acidentes em uma curva na estrada entre os municípios de Campina das Missões e Cândido Godoi. Este fato mostra que a rádio está inserida no cotidiano da comunidade, antecipando a notícia de um problema que já é recorrente no local. Assim como se constata a relação das emissoras com a comunidade em aspectos sociais cotidianos, as pesquisas também revelam a função cultural que o rádio desempenha. Na mesma Ativa FM de Campina das Missões, o radialista Adélcio Zepe, em entrevista, conta sobre a programação de final de semana da rádio, que cobre os bailes do interior em dois programas, Sabadaço e Domingaço. Nestas ocasiões, a equipe da rádio faz entrevistas com as bandas de baile que chegam à cidade, intervenções musicais ao vivo com os artistas, e também transmite informações de dentro da festa, com participação direta do público. Assim como a emissora mantém em sua programação um espaço reservado para as bandinhas e seu público, verifica-se 2 Entrevista pessoal concedida em agosto de
6 realidades muito parecidas com esta em várias outras rádios. A presença deste gênero nas seleções musicais ultrapassa o conceito de programação comercial, já que está atendendo a uma demanda cultural que precede a imposição de gênero gerada pela grande mídia, ou seja, durante determinado período da programação, as rádios deixam de tocar as músicas mais populares das paradas nacionais e internacionais para rodarem a música de bandinha, gênero de muito sucesso na região pesquisada e que tem inspiração étnico-alemã. Além dos exemplos já citados, as saídas a campo trouxeram outros dados pertinentes ao Projeto Fronteiras. Política, religiosidade, cultura, mobilização social, e o surgimento de novas rádios comunitárias em pequenos municípios são alguns aspectos recorrentes que vem à tona durante as entrevistas realizadas no projeto. O quadro abaixo representa o resumo do conjunto de resultados dos dados coletados na região pesquisada no decorrido último semestre. Município e Rádios Profissionais Vídeos Fotos Documentos Áudios número de pesquisadas entrevistados (entrevistas, (ambiente históricos (vinhetas, habitantes (locutores, locuções de físico, (fotos de programas, técnicos, estúdio, fachada, arquivo, chamadas...) diretores, etc.) profissionais, atas, cartas repórteres, etc.) (nº de etc.) aproximado) ouvintes...) Catuípe (9.323 hab) Águas Claras 1 X 27 3 AM Liberdade FM 2 X Três de Maio ( hab) Tucunduva (5.901 hab) Colonial AM Cidade Canção 3 X 72 FM Liberdade FM 1 X (parcial) 7 Olinda FM 2 X
7 Tuparendi (8.557 hab) Independência (6.618 hab) Campina das Missões (6.177 hab) Mauá FM 2 X Independência 1 FM Ativa FM 6 X 15 3 Como se pode verificar no quadro acima, foram visitadas um total de seis municípios e nove rádios, sendo sete delas FM e duas AM. Dentre as FM, três são comunitárias: Independência FM, de Independência, Liberdade FM, de Três de Maio e Liberdade FM, de Catuípe. O gráfico aponta também a dificuldade encontrada em coletar áudios e arquivos históricos, o que reforça uma realidade já constatada pelo projeto, ou seja, a falta de preocupação por parte das emissoras com o registro de suas histórias. O conteúdo dos vídeos é basicamente de entrevistas ou locuções em estúdio e as fotos representam em sua maioria o ambiente físico das rádios, fachada, estúdios e equipe de profissionais. O projeto ainda deve visitar quatro municípios no decorrer da pesquisa, três da região Fronteira Noroeste (Doutor Maurício Cardoso, Porto Lucena e Boa Vista do Buricá) e dois da região Noroeste Colonial (Condor e Pejuçara). Assim, pretende-se completar a coleta de dados do projeto, prevista para este ano possibilitando o registro da memória do rádio regional na região noroeste do Estado. 3. QUE FRONTEIRA É ESTA? Normalmente quando se pensa em fronteira, algumas palavras relacionadas vem à mente: limite, baliza, divisão. Refletindo rapidamente sobre o assunto, a palavra fronteira remete simplesmente a uma linha imaginária, física ou não, que divide dois ou mais espaços, como países, espaços e municípios. Porém, é sabido que estes ambientes têm características próprias, justamente por se situarem em áreas limítrofes. Em torno de um espaço de fronteira, criam-se relações distintas daquelas estabelecidas em outros espaços, até mesmo de outras fronteiras. Poderíamos dizer, por exemplo, que a realidade observada na Palestina ao redor do muro da Cisjordânia é parecida com a da fronteira Estados Unidos/México? Ou que a região de fronteira entre a Colômbia e o Equador estaria mais próxima da fronteira do 7
8 Chile com a Argentina? E ainda, o que caracterizaria a fronteira brasileira com o Paraguai, com a Argentina, o Uruguai ou a Bolívia? Estas perguntas são um indicativo de como o conceito de fronteira não pode ser reduzido a uma fórmula simples, pois as realidades fronteiriças variam de acordo com as características políticas, econômicas e culturais de cada lugar. Assim, o projeto fronteiras busca descobrir como se configura a região estudada, e que características ela apresenta. A constituição brasileira define como zona de fronteira a faixa territorial de até 150 km de largura, ao longo das fronteiras terrestres, considerada fundamental para a defesa do território nacional (CRFB/88, art. 20, 2º). A área de abrangência do projeto fronteiras dá conta das microrregiões Noroeste Colonial e Noroeste Fronteira do Rio Grande do Sul. Deste modo, segundo a constituição federal, estaríamos pesquisando justamente esta área denominada zona de fronteira. São vários os aspectos que poderiam ser analisados para que pudéssemos tentar definir melhor a fronteira em questão. Talvez um dos conceitos mais importantes a se explorar seja o de fronteira cultural. Neste trabalho, a faixa de 150 km que configura a zona de fronteira é uma convenção de menor importância. Tratando-se de uma pesquisa que analisa a mídia radiofônica uma região fronteiriça, interessa muito mais os aspectos que dizem respeito ao modo como vivem os habitantes deste lugar, quais seus hábitos, e a como se relacionam com este espaço limítrofe. Sandra Pesavento (2002, p.35) apresenta um conceito interessante sobre as fronteiras, trazendo seu significado para o campo do simbólico: sabemos todos que as fronteiras, antes de serem marcos físicos ou naturais, são sobretudo simbólicas. São marcos, sim, mas sobretudo de referência mental que guiam a percepção da realidade. Nesta linha de pensamento, a fronteira age como referência mental para que o sujeito sinta-se pertencente a um lugar, a um grupo. A autora afirma ainda que as fronteiras são produtos dessa capacidade mágica de representar o mundo por um paralelo de sinais por meio do qual os homens percebem e qualificam a si próprios, ao corpo social (p.35) Pesavento está se referindo às fronteiras culturais: Referimo-nos ao imaginário, este sistema de representações coletivas que atribui significado ao real e que pauta os valores e a conduta. Desta forma, as fronteiras são, sobretudo culturais, ou seja, são construções de sentido, fazendo parte do jogo social das representações que estabelece classificações, hierarquias e limites, guiando o olhar e a apreciação do mundo (2002, p.35). 8
9 Desse modo, a fronteira adquire um caráter de representação. Para o sujeito, a imposição de uma linha divisória entre ele e outro espaço e determinado grupo de indivíduos, representa uma oportunidade de gerar identificação. A fronteira define os nós e os eles. Segundo Adelar Heinsfeld (2007), a geopolítica pode responder sobre este aspecto. O autor defende que o geopolítico não vacila em simplificar exageradamente os temas que aborda (p.20). A fronteira sempre esteve relacionada à segurança nacional, à soberania de um estado, e dessa forma, outros conceitos passam a relacionar-se com estes nós e eles : O maniqueísmo Bom x Mal, amigo x inimigo, está implicitamente determinado por esse enfoque dado às relações nós x eles, estabelecido por uma linha divisória. Essa relação nós x eles, que na realidade estabelece o relacionamento internacional, foi de extrema importância na elaboração de doutrinas e ações geopolíticas. (HEINSFELD, 2007, p.20). Sabemos que a figura do outro é um ponto importante em qualquer fronteira que se estude. Porém, esta representação não está associada apenas ao distanciamento ou estranhamento, mas também à integração. Embora as fronteiras separem as pessoas, elas não conseguem evitar que as pessoas procurem relacionar-se entre si. HEINSFELD (2007, p.23) cita Jacuqes Ancel defendendo a ideia de que as fronteiras não são capazes de separar os homens, razão pela qual a rigidez das demarcações não passam de ilusão linear, uma ilusão cartográfica, já que o desejo de interrelacionamento dos povos é mais forte que as linhas estanques de fronteiras territoriais a separá-los. Como podemos ver, do ponto de vista do estado, as regiões de fronteira são faixas de terra que demarcam até onde vai o domínio de uma nação. Para as pessoas, a fronteira se apresenta tanto como uma referência para a formação de identidade quanto como um espaço de integração. Porém, deve-se lembrar sempre que estes dois aspectos, em um ambiente de fronteira, estão muito próximos, não são imóveis, estáveis. Assim como a fronteira me indica quem eu sou no mundo, também permite que eu me relacione com o outro lado, indo além da ilusão cartográfica. PESAVENTO (2002, p. 36) aborda essa questão. Como realidade transcendente, a fronteira é um limite sem limites, que aponta para um além. É um conceito impregnado de mobilidade, princípio este tão caro à história. Se a fronteira cultural é transito e passagem, que ultrapassa os próprios limites que fixa, ela proporciona o surgimento de algo novo e diferente, possibilitado pela situação exemplar do contato, da mistura, da troca, do hibridismo da mestiçagem cultural e étnica (...) tomar a fronteira como conceito possibilitador para se encontrar novos sujeitos, novas construções, novas percepções de mundo. 9
10 Os conceitos apresentados até aqui se encaixam na região abordada pelo projeto em várias medidas. Como já foi dito, a área de abrangência do projeto não registra apenas a história de rádios situadas em cidades que se encontram próximas da linha divisória entre o Brasil e a Argentina. Por essa razão, em diversas rádios que visitamos, não constatamos características típicas de regiões chamadas normalmente de fronteiriças, ou seja, que representem marcos ou limites geopolíticos. A ideia ou conceito de fronteira sempre leva a pensar na divisa e no limite que se deve respeitar ou atravessar. Mas existem outras fronteiras que estão além do que mostra o mapa porque se constituem de elementos mais culturais do que geográficos. A Fronteira Noroeste e a Fronteira Noroeste Colonial do Rio Grande do Sul contam com municípios que estão distantes até 150 quilômetros da linha divisória com a Argentina, como Ijuí e Condor, e que, portanto, não são vistos por si mesmos como municípios de fronteira. Mas, também, estas regiões são formadas por municípios que estão exatamente no limite com o país vizinho, separados apenas por um rio, como é o caso de Porto Mauá, que se reconhece como fronteira no sentido autêntico do termo. Isso quer dizer que enquanto no exemplo de municípios como Ijuí e Condor a identidade com o conceito de fronteira não se estabelece justamente pelo conjunto de práticas socioculturais que ali se reproduzem mostrarem a fronteira como um lugar aonde se vai para fazer compras ou passear, em lugares como Porto Mauá o sentido de fronteira é vivenciado no quotidiano das pessoas do lugar que atravessam o rio e já se sentem em solo argentino, identificando-se como um estrangeiro vizinho, que encontra no outro uma aproximação na língua e nos costumes. Estas regiões de fronteira são também marcadas pela forte influência da colonização alemã, e mesmo nos locais mais próximos à Argentina, como em Santo Cristo e Santa Rosa, esta característica é muito forte. O que resulta disso é o intercâmbio cultural realizado pelas rádios que chegam até os ouvintes do país vizinho. A música de bandinha, típica das regiões de colonização germânica, é popular também para os que estão do outro lado da linha de fronteira, bem como a música nativista do Rio Grande do Sul, que caiu no gosto popular dos argentinos e também dos uruguaios fronteiriços pela proximidade dos temas das canções que falam do amor à terra, dos campos e dos animais como o cavalo e o gado, cogitando uma apreciação à vida simples e a proximidade com a natureza. Entre os ritmos, a chamarra é comum aos dois países. 10
11 Somado a esse gosto pela música gaúcha no lado argentino, observa-se também uma plena aceitação do tango argentino no Rio Grande do Sul. Não é somente, o tango, um produto cultural que se disseminou no Brasil inteiro, mas um ritmo que está presente na cadência de composições nativistas gaúchas, e dançado à moda local nos CTGs, os Centros de Tradições Gaúchas. Na Argentina se toma tererê com erva-mate, cuia e bomba. Com os mesmos instrumentos, no Rio Grande do Sul há o hábito de tomar chimarrão, porém, enquanto lá a água é fria, aqui, é quente. O mate amargo daqui, às vezes, é o doce de lá. Essas similaridades não são coincidências, mas resultado das influências históricas trazidas pelos colonizadores para os países platinos. Porém estas relações não são tão intensas como se poderia esperar. Segundo os profissionais entrevistados nas visitas às rádios, até existe participação do ouvinte argentino, geralmente com pedidos musicais, porém, nada muito expressivo. Em relação ao exercício jornalístico, vemos a preocupação com os fatos que envolvem diretamente a fronteira física e o trânsito de pessoas, mas não se praticam coberturas jornalísticas no país vizinho ou qualquer intercâmbio maior de informações. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo sobre as emissoras de rádio situadas na região da fronteira noroeste do Rio Grande do Sul com a Argentina mexe também com o imaginário sobre os povos que habitam a região e as suas origens. Ao cruzar os municípios, suas pontes e estradas, logo ali se avista a direção que leva ao outro. Isso inclui outra língua, outra cultura, mas também algo que está próximo e é quase íntimo, porque a intimidade só se atinge com a convivência. E a convivência produz história, aproxima, cria laços e compreende códigos compreendidos muitas vezes somente em contextos determinados. A vizinhança guarda marcas do tempo e das conquistas da terra, do colonizador, que certamente ultrapassam os limites dos campos gaúchos e argentinos. Dessa história, também se faz música, literatura, poesia. E se pintam quadros, cujas cores reproduzem o colorido dos lugares e da vida desses povos. O rádio anuncia pela música e pelas conversas em que tom se fala e para quem se canta. Ora é um tango, ora uma chamarra, ora uma rancheira ou bandinha. O som das rádios reproduz gostos oriundos das tradições culturais dessas regiões. As fronteiras culturais parecem ser mais fortes que as fronteiras geográficas, porque a primeira 11
12 ultrapassa a segunda e cria identidades. A identidade cultural do noroeste gaúcho tem raízes que se fundem entre as heranças dos colonizadores, as marcas trazidas pelos imigrantes e todos que resultaram dessas múltiplas formas de habitar e conviver neste território. Recuperar a história das rádios nestas regiões não é apenas recuperar a memória desses lugares, mas desenhar um mapa que mostra outras fronteiras! REFERÊNCIAS CRFB. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasilia: Senado Federal. Centro Gráfico, HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10 a Edição. Tradução Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DpeA, p. HEINSFELD, Adelar. Fronteira Brasil/Argentina: A Questão de Palmas (de Alexandre Gusmão a Rio Branco). Passo Fundo: Méritos MAFFESOLI, Michel. O Conhecimento Comum. Tradução: Aluizio Ramos Trinta. São Paulo: editora brasiliense, p. PESAVENTO, Sandra Jatahy. Além das fronteiras. In: MARTINS, Maria Helena (Org). Fronteiras Culturais: Brasil Uruguai Argentina. São Paulo: Ateliê Editorial, RADDATZ, Vera Lucia Spacil. Radiojornalismo em emissoras de fronteira. XI Seminário Internacional da Comunicação, da Faculdade de Comunicação Social da PUCRS. Porto Alegre: PUCRS, ENTREVISTAS REALIZADAS BENETTI, Leandro. Entrevista pessoal. Rádio Águas Claras: Catuípe, agosto de ZEPPE, Daniele. Entrevista pessoal. Rádio Ativa FM: Campina das Missões, dezembro de ZEPPE, Adélcio. Entrevista pessoal. Rádio Ativa FM: Campina das Missões, dezembro de
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