INTRODUÇÃO À MECÂNICA
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- Edison Salgado Mendonça
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1 DEPARTAMENTO DE FÍSICA INTRODUÇÃO À MECÂNICA para a Cadeira de MECÂNICA E ONDAS das Licenciaturas em Engenharia do Ambiente Engenharia Geológica e de Georecursos Engenharia e Arquitectura Naval Engenharia de Materiais João Fonseca Março de 2004
2 l - Introdução Objectivo da Mecânica; suas subdivisões. A Mecânica é o ramo da Física que estuda o movimento. É habitual considerar as seguintes sub-divisões da Mecânica: - Cinemática, que trata da descrição do movimento; - Estática, que investiga as condições de equilíbrio dos corpos; - Dinâmica, que relaciona o movimento de um corpo com as suas interacções com outros corpos Espaço, tempo e interacções Em Mecânica clássica admite-se a existênca de um espaço absoluto, imóvel, homogéneo e isótropo. A homogeneidade do espaço absoluto significa que as suas propriedades são as mesmas em todos os pontos, ou seja, existe invariância de translacção: as leis da Mecânica (e em geral as leis da Física) não se alteram se passarmos de um ponto do espaço a outro ponto. A isotropia significa que todas as direcções do espaço são equivalentes, isto é, existe invariância de rotação: as leis da Mecânica não se alteram se se mudar a direcção do movimento de um corpo. Além do espaço absoluto, a Mecânica clássica pressupõe a existência de um tempo absoluto, sem princípio nem fim, que se "escoa" de modo uniforme e independente de quaisquer considerações. A Teoria da Relatividade Restrita, de Albert Eistein (1905), veio questionar a existência do espaço absoluto e do tempo absoluto. Como estudaremos mais adiante, numa nave espacial que se mova à velocidade de 0.86 c em relação à Terra (c é a velocidade da luz), se um astronauta diz que decorreu um dia entre dois acontecimentos ocorridos na nave, um observador na Terra dirá que decorreram dois dias, estando ambos correctos. Por outro lado, se a nave medir 100 m de comprimento segundo os seus tripulantes, um observador na Terra dirá que ela mede apenas 50m. Contudo, estes efeitos relativistas só são significativos quando o movimento relativo dos observadores se faz a uma velocidade próxima de c, e não necessitamos de os tomar em conta numa vasta gama de aplicações em que a Mecânica clássica continua a ser adequada. A existência de um tempo absoluto será admitida ao longo do nosso estudo da mecânica clássica.
3 O espaço absoluto, homogéneo e isótropo, descrito no início do parágrafo não corresponde ao que geralmente se observa na vizinhança de um corpo. Próximo do Sol, a energia potencial de um cometa varia de ponto para ponto (porque varia a distância do cometa ao Sol), quebrando-se assim a homogeneidade do espaço. Próximo da superfície da Terra, a direcção vertical é manifestamente distinta de qualquer outra, pelo que não se pode falar de isotropia. Estas quebras de isotropia e homogeneidade resultam da existência de interacções: o cometa ficou sujeito a uma interacção gravítica com o Sol, assim como um fio-de-prumo fica sujeito à interacção gravítica com a Terra. Podemos imaginar o espaço absoluto, homogéneo e isótropo, como um palco vazio. A matéria é a personagem da peça que se desenrola nesse palco. Em torno de um corpo (matéria), o espaço fica alterado: dizemos que existe um campo de forças na região do espaço em torno de um corpo, para traduzir o facto de que outro corpo colocado nessa região fica sujeito a uma interacção. Felizmente para a nossa compreensão do Universo, os tipos de interacções conhecidas são em número limitado. Particularmente importante para a Mecânica é a interacção gravítica, que ocorre entre quaisquer dois corpos, e é determinante na organização do Universo em larga escala. A interacção electromagnética ocorre entre corpos com carga eléctrica, e é objecto de um capítulo próprio da Física. Finalmente, a interacção forte e a interacção fraca são específicas dos fenómenos que ocorrem à escala do núcleo atómico. 1.3 Massa e inércia. Os corpos (a matéria) têm a capacidade de exercer acções uns sobre os outros, mesmo sem estarem em contacto. Já vimos que podemos visualizar este processo admitindo que um corpo altera as propriedades do espaço em seu redor. Traduzimos esse facto dizendo que existe um campo de forças em redor do corpo, e que esse campo actua sobre o outro corpo (ou corpos) colocado na vizinhança do primeiro. Para cada tipo de interacção, é conveniente atribuir a um dado corpo uma grandeza que meça a sua capacidade de actuar sobre os outros. Se considerarmos a interacção gravítica, essa grandeza será a massa gravítica. A interacção gravítica é universal (quaisquer dois corpos se atraiem), pelo que é tentador usar a massa gravítica como medida da quantidade de
4 matéria de um corpo. Este é aliás o procedimento usual: determinamos a quantidade de feijões dentro de um saco medindo com uma balança a intensidade da sua interacção gravítica com a Terra. Porém, a massa como medida da quantidade de matéria de um corpo tem um alcance que transcende o domínio da interacção gravítica. Para o entender é necessário rever o conceito de inércia. Uma das propriedades mais fundamentais da matéria é a sua tendência para manter inalterado o seu estado de movimento: na ausência de uma interacção, o estado de movimento de um corpo não se altera Este resultado foi derivado por observação experimental por Galileu e é conhecido como lei da inércia, ou primeira lei de Newton. Em particular, um corpo em repouso permanecerá em repouso se não for sujeito a uma interacção com outro corpo. Esta característica da matéria é conhecida por inércia. Quando sujeitos a uma mesma interacção, diferentes corpos verão os seus estados de movimento alterados de maneira diferente. E possível atribuir a um dado corpo um índice que meça a sua inércia, isto é a sua "resistência" às alterações de movimento. Tal índice designa-se por massa inercial. Verifica-se experimentalmente que a massa inercial e a massa gravítica de um corpo são proporcionais. Por outras palavras, o quociente das massas inerciais de dois corpos é sempre igual ao quociente das respectivas massas gravíticas. Desta observação resulta que, através de um ajuste criterioso da constante de gravitação universal, a massa inercial e a massa gravítica possam ser representadas pelo mesmo valor numérico. Além disso têm as mesmas dimensões físicas. Pode por isso falar-se indiscriminadamente da massa de um corpo, sem necessidade de especificar qual o tipo que se quer referir. Nota histórica: A noção de inércia resistiu por muito tempo ao espírito humano, tendo sido intuida por Galileu Galilei nos princípios do século 17 a partir do estudo do movimento no plano inclinado. A lei da inércia (na realidade um princípio, visto que não é demonstrável a partir de outras leis) foi consagrada por Isaac Newton como axioma da Mecânica. A teoria aristotética, que prevaleceu durante toda a Idade Média, considerava que apenas o repouso era o estado natural dos corpos, e que um objecto abandonado em movimento tenderia por si só para o repouso, a menos que algo exterior a ele o mantivesse em movimento. Compreender que um corpo em movimento, abandonado a si mesmo, só tende geralmente a parar porque
5 está sujeito a atrito (que resulta da interacção com outros corpos) foi um salto decisivo para o desenvolvimento da Mecânica Partículas, sistemas de partículas, meios contínuos e corpo rígido. O movimento mais geral de um corpo pode ser considerado como a combinação de uma translacção (os vários pontos descrevem trajectórias paralelas) com uma rotação em torno de um ponto fixo e uma deformação (ver figura 1). A descrição de um movimento tão geral é bastante complexa, e por isso a Mecânica lança mão de alguns modelos abstractos para os corpos, que permitem avançar gradualmente no grau de complexidade. Figura 1 - O movimento do objecto pode ser encarado como a sobreposição de uma translacção todos os pontos seguem trajectórias paralelas com uma rotação todos os pontos giram em torno de um ponto fixo com uma deformação. Só a última componente do movimento altera a forma do objecto. O modelo mais simples para um corpo é o ponto material (por vezes usa-se "partícula" com o mesmo significado). O ponto material é um corpo que tem massa finita e volume nulo. Apesar da sua natureza abstracta, o ponto material é útil para estudar a translacção dos corpos. O movimento da Lua em torno da Terra, por exemplo pode ser convenientemente estudado representando o satélite por um ponto material.
6 O modelo que se segue em complexidade é o sistema de partículas, formado por um número finito de pontos materiais, cada qual com a sua massa. Este modelo permite distinguir as interacções entre os diversos membros do sistema das interacções destes com o exterior do sistema. As conclusões que se derivam para um sistema finito de partículas podem ser facilmente alargadas a sistemas de infinitas partículas destribuidas de modo contínuo no espaço, o que se designa por meio contínuo. Esta abordagem é muito útil para estudar os fluidos (líquidos e gases), nas situações em que não é necessário ter em conta a sua natureza discreta. Finalmente, de particular importância por se aproximar de muitos objectos reais cujo estudo é objecto da Mecânica Aplicada, há a considerar o modelo do corpo rígido, que é um sistema de pontos materiais em que a distância entre quaisquer dois deles é invariável (isto é, não há deformação). O modelo do corpo rígido permite contemplar o movimento de rotação de um objecto sobre si mesmo (rotação da Terra, movimento de um pião, etc) o qual fica camuflado quando o corpo é representado por um ponto material.
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