CURRÍCULO: O QUE É ISTO?1
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1 CURRÍCULO: O QUE É ISTO?1 Cláudia Valentina Assumpção Galian A diversidade nas Prescrições Curriculares para a Educação Básica pós LDB 9.394/ Introdução 1.2 Currículo 1.3 Conclusão Referências Licenciatura em Ciências USP/ Univesp
2 O material desta disciplina foi produzido pelo Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada (CEPA) do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) para o projeto Licenciatura em Ciências (USP/Univesp). Coordenação de Produção: Beatriz Borges Casaro. Revisão de Texto: Marcia Azevedo Coelho, Marina Keiko Tokumaru e Paulo Barroso. Design Instrucional: Gezilda Balbino Pereira, Juliana Moraes Marques Giordano, Marcelo Alves da Silva, Maria Angélica S. Barrios, Michelle Carvalho e Vani Kenski. Projeto Gráfico: Daniella de Romero Pecora, Leandro de Oliveira, Priscila Pesce Lopes de Oliveira e Rafael de Queiroz Oliveira. Diagramação: Daniella de Romero Pecora, Leandro de Oliveira e Priscila Pesce Lopes de Oliveira. Ilustração: Alexandre Rocha, Aline Antunes, Benson Chin, Camila Torrano, Celso Roberto Lourenço, João Costa, Mauricio Rheinlander Klein e Thiago A. M. S.
3 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo Introdução Neste bloco I, iniciaremos a discussão acerca do tratamento da diversidade nos textos orientadores do currículo na escola desde a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n 9.394/96. Mas, antes de focalizarmos as questões específicas referentes ao tratamento da diversidade, é preciso afinar o nosso entendimento do conceito de currículo, pois disso depende a compreensão dos encaminhamentos que se desenvolvem na tentativa de ajustá-lo às novas demandas da sociedade. Assim, nesta primeira aula, apresentaremos um breve panorama da discussão acadêmica em torno da definição do conceito de currículo; na segunda, o conceito de currículo em processo, com a identificação das dimensões do currículo, e, na terceira aula, o que significa lidar com o tratamento da diferença e com a desigualdade no encaminhamento dos debates sobre o currículo. E, para isso, precisamos tratar do entendimento do que é o currículo. Lidamos com o termo em muitas situações no dia a dia e é preciso definir qual é o significado com o qual estaremos lidando daqui para frente em nossas aulas. 1.2 Currículo Quando estamos, por exemplo, preparando-nos para procurar um emprego ou, em ambientes escolares, quando nos referimos aos documentos produzidos em diferentes esferas no nível do governo federal, estadual ou municipal, no nível da escola, ou de um curso de graduação ou pós-graduação, utilizamos o termo currículo. Nesses contextos, ele assume o caráter de registro do que já se viveu ao longo de um tempo como no caso do Curriculum Vitae, destinado a explicitar suas experiências para um futuro empregador ou de definição do que deve ser vivido, de um plano para a formação como no caso das definições curriculares de um curso. Para nós, importam os entendimentos em torno dessas definições curriculares assumidas para orientar o trabalho da escola e dos seus agentes professores e alunos. Nesse sentido, pensamos em currículo para nos referirmos àquelas listagens de conteúdos, competências, habilidades, objetivos, direitos de aprendizagem, expectativas de aprendizagem etc. que devem ser desenvolvidos ao longo da escolarização. Especificamente quando se trata da escola e de seu trabalho, A diversidade nas Prescrições Curriculares para a Educação Básica pós LDB 9.394/96
4 4 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 8 por vezes, fala-se em currículo como o conjunto de atividades desenvolvidas, às vezes restritas àquelas que envolvem o trabalho com o conhecimento ou, numa perspectiva mais abrangente, incluindo todas as experiências de qualquer natureza vividas no ambiente escolar. No campo acadêmico, também, o currículo vem sendo entendido de diferentes maneiras. Desde uma perspectiva mais técnica, segundo a qual não cabe o questionamento sobre o que se ensina, mas, unicamente, sobre a forma de fazê-lo, até a adoção de visões mais críticas, que ressaltam o viés político do debate sobre o currículo. Os teóricos dessa linha mais crítica enfatizam que o currículo é uma construção social que só pode ser entendida se considerarmos as especificidades do contexto sócio-histórico no qual foi desenvolvido. Consideram, também, que ele expressa as tensões, as lutas de diferentes grupos sociais para verem os seus interesses ali representados. Por isso, é tão importante podermos analisar documentos referentes ao currículo desenvolvidos em diferentes momentos históricos eles deixam explícito o que estava em jogo em cada um desses pontos da história de uma sociedade, quando o assunto era o que se esperava das novas gerações e o que se escolhia para alcançar tal formação. Nessa abordagem, admite-se a relevância de discutir o que a escola ensina e por que ela ensina isso afinal, entende-se que essa escolha responde ao tipo de cidadão a ser formado naquele contexto. Assim, no campo acadêmico, cada forma de teorização do currículo busca explicitar e legitimar essas escolhas referentes ao tipo de cidadão que se pretende formar e ao lote de conhecimentos que devem ser disponibilizados na escola para a sua formação. E, no campo da elaboração de prescrições para orientar o trabalho da escola e dos professores, os documentos curriculares representam acordos provisórios que resultam do debate de diversos interesses, inclusive os que se referem às discussões acadêmicas, mas também os que tratam de aspectos sociológicos, políticos e econômicos. Ao se definir o currículo, portanto, está subentendida uma série de concepções: sobre a função social atribuída à escola, sobre o cidadão que se deseja formar, sobre o que deve saber esse cidadão. Definir currículo, portanto, é fazer escolhas orientadas politicamente. As discussões, dessa forma, não podem restringir-se ao debate sobre a forma de organizar a escola e o trabalho de professores e alunos, ou mesmo sobre os métodos de ensino, sobre materiais didáticos ou mesmo sobre como avaliar a aprendizagem. É preciso também enfrentar a discussão sobre o que se ensina e por que isso é considerado relevante num determinado contexto. 1 Currículo: o que é isto?
5 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 8 5 Forquin (1993) trata da questão da seleção na cultura do que deverá compor o currículo. Confira no Excerto 1 a perspectiva desse autor: Excerto 1 Reconheçamos, a escola não ensina senão uma parte extremamente restrita de tudo o que constitui a experiência coletiva, a cultura viva de uma comunidade humana. [ ] se se considera então a cultura como um conjunto das maneiras de viver características de um grupo humano num dado período, é bastante evidente que o que constitui o objeto de uma transmissão formal explícita e intencional nas escolas não representa senão uma parte muito pequena dela. [ ] O que se ensina é, então, com efeito, menos a cultura do que esta parte ou esta imagem idealizada da cultura que constitui o objeto de uma aprovação social e constitui de qualquer modo sua versão autorizada, sua face legítima. Mas, no interior mesmo do que é tido por legítimo no seio da cultura, isto é, na cultura considerada como patrimônio intelectual e espiritual merecedor de ser preservado e transmitido, acontece também de fato que a educação escolar não consegue jamais incorporar em seus programas e seus cursos senão um espectro estreito de saberes, de competências, de formas de expressão, de mitos e de símbolos socialmente mobilizadores. Que é, pois, que, nos conteúdos vivos da cultura, nas significações que atualmente têm poder de interpelar nossos pensamentos e de regular nossas existências, pode ser considerado como tendo um valor intrínseco ou uma pertinência social suficientes para justificar os gastos de todo tipo exigidos por um ensino sistemático e mantido pelo Estado? Sabe-se que não existe resposta simples, unívoca e universal para a questão. Segundo os países, as épocas, as ideologias políticas ou pedagógicas dominantes, os públicos de alunos aos quais se dirigem, os critérios de seleção cultural escolar irão variar e se contradizer. É possível e pertinente, também, pensar no que esses debates representam para os profissionais que estão atuando na escola. Para refletir! Em que medida as discussões do campo acadêmico auxiliam ou podem auxiliar na compreensão do processo e na tomada de decisões para quem atua no desenvolvimento do currículo nas escolas? A diversidade nas Prescrições Curriculares para a Educação Básica pós LDB 9.394/96
6 6 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 8 Nesse sentido, o Excerto 2, a seguir, é bastante apropriado e instigante. Nele, Moreira (2004) procura destacar a relevância dos estudos de currículo para o desenvolvimento do trabalho das escolas e dos professores, ressaltando o que já enfatizamos anteriormente, que o currículo é uma construção social e que nesse processo de construção participam todos os agentes da escola, por meio das escolhas que fazem. Depois da leitura, vamos destacar alguns aspectos para que você desenvolva uma reflexão sobre o tema da aula 1: Excerto 2 Eu lhes diria que currículo é algo que concerne a todos nós, professores e cidadãos. E aí surge a pergunta: Como é que a gente não consegue dar conta desse assunto mesmo com tantos esforços envidados para esse fim? Toda e qualquer revista hoje traz um artigo sobre currículo, o número de textos que abordam questões curriculares cresceu, os espaços que em cada congresso se dedicam à questão do currículo têm permanentemente aumentado. Apesar disso, não surgem os resultados esperados no que tange ao desempenho do aluno na escola. Neste momento, os professores sempre repetem a pergunta que tem a ver com a sala de aula concreta: De que forma tudo isso que vocês falam, pensam e escrevem sobre currículo (às vezes, de uma maneira um pouco esotérica demais, às vezes de uma maneira que torna a leitura difícil, densa, arrastada) tem a ver conosco concretamente? Será que vale a pena, nós que estamos na sala de aula concreta, lidando com o aluno concreto, gastarmos nosso tempo com o estudo de toda essa publicação intensa que cada vez mais se torna intensa? Eu diria que sim. Vou defender minha posição listando alguns pontos que os estudos de currículo nos permitem compreender melhor. [ ]. Avançamos bastante da época em que os estudos eram por demais voltados para as questões de ordem técnica: como fazer, como elaborar, como implementar currículos. Somente de 1970 em diante é que os estudiosos e pesquisadores de currículo começaram a tratar de questões que vão um pouco mais a fundo. É claro que planejar é importante, mas é necessária uma série de outras reflexões para inclusive se poder planejar melhor. O que temos aprendido nos últimos anos com os estudos de currículo e que pode nos ajudar a entender melhor nossa prática? O primeiro ponto que destaco é o fato de que currículo é uma construção social. Isso hoje é óbvio, inclusive afirmei há pouco que currículo é o resultado de um processo de escolhas situadas e interessadas: logo, é uma construção social. 1 Currículo: o que é isto?
7 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 8 7 Acho que essa ideia nos traz uma outra dimensão, que me parece importante reiterar. Se o currículo é uma construção social, todos nós (secretárias, diretores, professores, orientadores, coordenadores) estamos envolvidos no processo curricular, estamos permanentemente construindo o currículo. Até quando me limito a olhar o índice de um livro didático e repeti-lo nos meus cursos, estou fazendo uma escolha, estou participando do processo de uma maneira que, eu diria, não é tão boa quanto poderia ser. Certamente, nós temos uma contribuição muito melhor para dar. A ideia do currículo como construção social nos leva a concluir que todos estamos envolvidos no processo curricular. Portanto, isso significa que não aceitamos pacotes prontos, não aceitamos processos não democráticos de renovação curricular, não aceitamos imposições. Isso indica que precisamos estar sendo permanentemente criativos, defendendo nossa participação, que precisa se dar de uma forma autônoma, de uma forma bastante refletida. Currículo não tem como característica a inocência, a ingenuidade. Não é um instrumento que sirva para o bem, indistintamente. Não é isso, nem nunca foi. Se a escola atende a uma série de interesses, ela deixa de atender a outros. Quando ela atende bem a certos grupos, ela deixa de atender bem a outros. Portanto, ela também pode contribuir para causar desigualdades. Currículo é instrumento que também pode reproduzir desigualdades. [ ]. Currículo precisa ser visto também como um espaço de resistência, um espaço de resistir a autoritarismos, a escolhas arbitrárias da escola, a justificativas que nada justificam. O aluno faz isso de uma forma que apenas é vista pela escola como rebeldia, como indisciplina, pela qual ele costuma ser punido. Sobre isso, muitos estudos mostram que o aluno, ao resistir, acaba não avançando, não conseguindo ascender em termos sociais. Embora se saiba o quanto ascender está difícil para todo e qualquer jovem, é preciso considerar que a escola deixa de canalizar para outros propósitos a energia jogada na rebeldia, na indisciplina. Assim, ao invés de ajudar, atrapalha. [ ]. Enfim, o que estou tentando trazer para vocês é uma série de exemplos, no âmbito dos estudos de currículo, que me parece que ainda têm muito a dizer a todos nós e que podem enriquecer a discussão, em nossas escolas, sobre questões de currículo. Há também uma série de estudos que procuram identificar ideologias subjacentes ao livro-texto e a outros materiais didáticos, denunciando visões preconceituosas que aparecem nesses textos. Sabemos o quanto é importante que a professora analise e trabalhe bem o livro didático: um mau livro didático na mão de uma professora boa pode se tornar melhor; um bom livro didático, nas mãos de uma má professora, às vezes pouco ajuda. A diversidade nas Prescrições Curriculares para a Educação Básica pós LDB 9.394/96
8 8 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 8 Há também uma série de estudos que me entusiasmam muito: são os estudos sobre a sala de aula, os estudos que tentam entender os mecanismos complexos que se dão na sala de aula quando estamos junto com nossos alunos. Não se trata de entrar na sala de aula e dizer como o professor trabalha mal, mas, inclusive, de se verificar como o professor sabe trabalhar bem, como, em certos momentos, ele transforma aquele cotidiano rotineiro em momentos de alguma coisa extremamente criativa e consegue, a despeito das circunstâncias extremamente adversas, fazer um trabalho que a gente precisa saber admirar e aplaudir. [ ]. Destaco também os estudos que se fizeram sobre o currículo oculto (que é o currículo implícito) e os que hoje se fazem sobre o chamado currículo nulo, que não trata do que está subjacente, mas sim do que fica de fora do currículo, e que poderia ficar dentro. São estudos que tentam responder: a quem pertence esse conhecimento que não teve permissão de entrar na escola? Por que essa permissão foi negada? Quais as consequências disso? São estudos que tentam entender o porquê dessas omissões no currículo, por que alguns temas têm sido considerados difíceis pela escola e pelo professor e como é que se pode fazer diferente. 1.3 Conclusão Feita essa primeira abordagem sobre o que é o currículo num âmbito mais geral, na próxima aula, vamos aprofundar uma determinada concepção que norteará toda a aproximação à discussão acerca das formas encontradas no plano da elaboração de diretrizes curriculares para o tratamento da diversidade nas escolas de educação básica no Brasil, a partir da LDB n 9.394/96. É importante que façamos essa aproximação para entender que a inclusão de temáticas diversas no currículo da educação básica tal como a das relações étnico-raciais, entre outras responde aos interesses presentes na sociedade, em discursos com diferentes possibilidades de expressão segundo a configuração de poder e de controle da sociedade. Agora é sua vez... Finalizada a leitura do texto, realize as Atividades Online para verificar o seu aprendizado sobre o assunto que foi tema de estudo desta aula. 1 Currículo: o que é isto?
9 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 8 9 Referências Forquin, Jean-Claude. Escola e Cultura. As bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993, p. 9. Moreira, A. F. B. Currículo: novas trajetórias para a escola pública básica. In: Geraldi, C. M. G.; Riolfi, C. R.; Garcia, M. F. (Orgs.) Escola Viva. Elementos para a construção de uma educação de qualidade social. Campinas, São Paulo: Mercado das Letras, 2004, p A diversidade nas Prescrições Curriculares para a Educação Básica pós LDB 9.394/96
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