CONSTRUINDO IDEIAS SOBRE O TRABALHO CIENTÍFICO
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- Simone Palhares Zagalo
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1 1 CONSTRUINDO IDEIAS SOBRE O TRABALHO CIENTÍFICO Lúcia Helena Sasseron Fundamentos Teórico-Metodológico para o Ensino de Ciências: a Sala de Aula 1.1 Introdução 1.2 O que é a ciência? 1.3 Um pouco sobre o trabalho científico Referências Licenciatura em Ciências USP/ Univesp
2 O material desta disciplina foi produzido pelo Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada (CEPA) do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) para o projeto Licenciatura em Ciências (USP/Univesp). Coordenação de Produção: Beatriz Borges Casaro. Revisão de Texto: Marina Keiko Tokumaru. Design Instrucional: Juliana Moraes Marques Giordano, Melissa Gabarrone, Michelle Carvalho e Vani Kenski. Projeto Gráfico: Daniella de Romero Pecora, Leandro de Oliveira, Priscila Pesce Lopes de Oliveira e Rafael de Queiroz Oliveira. Diagramação: Daniella de Romero Pecora, Leandro de Oliveira e Priscila Pesce Lopes de Oliveira. Ilustração: Alexandre Rocha, Aline Antunes, Camila Torrano, Celso Roberto Lourenço, João Costa, Mauricio Rheinlander Klein e Thiago A. M. S.
3 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo Introdução Os trechos da peça A vida de Galileu apresentam, obviamente, uma versão romanceada de acontecimentos de uma época. Personagens podem aparecer de maneira caricata como uma forma de evidenciar o pensamento de uma classe de pessoas. Daí vermos na peça a figura de um Matemático e de um Filósofo, por exemplo, em vez de uma personagem nomeada para desempenhar a profissão em questão. Nosso objetivo agora não é cuidar disso, mas sim, com base nas discussões anteriores, voltar a nossa atenção para o trabalho científico. Na época de Galileu e Bruno, o estudo da natureza estava a cargo dos filósofos naturais. Os fenômenos naturais eram estudados e o uso da matemática para descrevê-los ganha força com Galileu e Isaac Newton, descortinando uma nova forma de interpretá-los e entendê-los. O episódio apresentado por Brecht mostra-nos o papel de um aparato tecnológico para a consolidação de ideias sobre o mundo natural. Neste caso, mostra-se, de certo modo, decisivo. Mas será sempre assim? Para começarmos a pensar no trabalho científico, vamos voltar um pouco. 1.2 O que é a ciência? Responder à pergunta acima não é tarefa fácil. Há tanto a se considerar sobre as ciências e existem tantas diferenças entre distintas ciências que falar sobre o que elas sejam demanda, inicialmente, refletir sobre o que é usualmente concebido como ciência. Costuma-se pensar que a ciência postula ideias com alto grau de certeza a partir da observação da natureza. Este suposto grau de certeza acaba por conferir à ciência uma posição privilegiada em relação a conhecimentos do cotidiano que sociedades e culturas têm sobre algo. Vinculada a isso mantém-se a ideia de que existe um Método Científico, utilizado por todos os pesquisadores, na investigação de qualquer situação que envolva fenômenos naturais. Cria-se uma imagem de que tudo o que é cientificamente comprovado assim o foi porque esse Método foi utilizado e agora temos um conhecimento infalível. Fundamentos Teórico-Metodológico para o Ensino de Ciências: a Sala de Aula
4 13 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 7 Para pensar! Mas será possível fazer essa afirmação? Há um Método por meio do qual a ciência é feita? Os conhecimentos científicos são à prova de falhas? Bruno Latour e Steve Woolgar, no livro A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos, relatam a experiência de Latour de conviver cotidianamente, ao longo de dois anos, com uma equipe de técnicos e cientistas que trabalhavam em um laboratório de neuroendocrinologia. Sua experiência permitiu contato com etapas realizadas pelos pesquisadores desde experimentos empíricos até a publicação de artigos científicos. Dessa experiência antropológica, os autores analisam os fatos e propõem que a atividade científica não se distingue de nenhuma outra atividade social; consideram, ainda, a necessidade de os cientistas apresentarem suas considerações de modo persuasivo, com o objetivo de garantir que elas sejam aceitas. Apoiando essa perspectiva, destacam as interações entre os cientistas, as interações destes com os materiais presentes, as burocracias internas existentes no trabalho em laboratório e os esforços para propor fatos e artefatos científicos (fatos seriam aquelas proposições legitimadas e artefatos, aquelas não bem-sucedidas). É possível, já por estas poucas ideias, perceber que o trabalho científico não é algo feito isoladamente, ato advindo de cabeças de pessoas iluminadas. Proposições são construídas como forma de apoiar e de sintetizar fatos e evidências em análise. Em uma perspectiva histórica, é possível identificar que as ciências, assim como qualquer empreendimento humano, têm seu avanço associado a questões de ordem social, cultural e mesmo histórica. Essa influência mútua e permanente pode apresentar-nos uma perspectiva diferente para a compreensão do que venha a ser a ciência, pois relata, além da existência de interações entre pessoas anteriormente mencionadas, as relações que vão sendo tecidas entre novas evidências, observações, suposições e experimentos e os conhecimentos já legitimados. 1.3 Um pouco sobre o trabalho científico A crença em um Método Científico único e infalível não é, todavia, a única concepção pouco precisa existente acerca da natureza da ciência. Não é incomum encontrarmos visões distorcidas sobre o trabalho científico e sobre a própria figura do cientista (Kosminsky e Giordan, 2002, Gil-Pérez et al., 2001). 1 Construindo ideias sobre o trabalho científico
5 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 7 14 De maneira geral, tais visões reforçam não apenas a ideia do Método Científico, mas também o estereótipo de cientista como gênio iluminado. Algumas outras ideias geralmente associadas ao fazer científico são: a. Ciência inicia por meio de observação: observar o mundo natural pode ser uma forma de inquietar-se sobre o que ainda não é explicável e, portanto, possibilitar estudos. Contudo, muitos estudos científicos originam-se (e originaram-se) não apenas da observação direta. Além disso, sendo a ciência construída apenas pela observação, muito pouco poderia ser afirmado, pois tornaria necessário examinar casos à exaustão, sempre havendo a possibilidade de que algum não tivesse sido estudado. b. Observações são neutras: quando olhamos para algo, carregamos com nosso olhar nossos pensamentos e experiências. Observar não é apenas olhar: observar, como tarefa humana, está ligada ao esforço de construir relações entre o que se vê e o que já se viu, já se experimentou. Qualquer observação que se faça, seja em nosso cotidiano seja no âmbito da ciência, é uma atividade subjetiva. c. Atividade científica como atividade cumulativa e linear: considerar que a ciência cresce sempre de modo linear, acumulando conhecimento, é esquecer que revoluções e quebras de paradigmas também fazem parte da construção da ciência. Perceber que a ciência rompe com ideias que, em algum momento, foram aceitas é reconhecer o caráter dinâmico e questionável dos conhecimentos propostos. d. Fazer científico aproblemático e descontextualizado: como qualquer atividade humana, o fazer científico precisa ser considerado como uma atividade social, histórica e cultural. A proposição de conhecimentos científicos ancora-se em instâncias sociais, culturais e históricas do contexto em que foram propostos. Nesse sentido, é preciso considerar que a ciência se faz a partir de problemas, podendo esses problemas ser inerentes à própria ciência ou advindos de demandas sociais. e. Atividade individualista e elitista: é bastante comum a ideia de cientista como um gênio extremamente inteligente, isolado de tudo e de todos, trabalhando em seu laboratório e, isoladamente, propondo conhecimentos. Pelas ideias exploradas acima, podemos começar a considerar alguns pontos sobre o que seja o fazer científico. Iniciamos por ressaltar, entre eles, o caráter problemático que envolve a construção de conhecimento em ciências. Isso não quer apenas dizer que propor conhecimento científico pode ser uma atividade complexa, significa que conhecimento científico se origina Fundamentos Teórico-Metodológico para o Ensino de Ciências: a Sala de Aula
6 15 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 7 de um problema, seja ele um problema advindo da observação e de experiências com o mundo natural, sejam problemas provenientes do contato e conhecimento que o pesquisador tem sobre questões que vêm sendo analisadas por outros pesquisadores ou, ainda, problemas oriundos de demandas da sociedade. Independentemente da forma como se origine o problema, são sempre eles os propulsores da investigação científica. É importante salientar e destacar, uma vez mais, que o problema faz sentido em um dado contexto: características sociais, históricas e culturais legitimam o problema no momento em que ele é apresentado e, portanto, essas mesmas características sociais, históricas e culturais estarão em voga quando da investigação, desde as considerações iniciais, auxiliando na construção de hipóteses e na fundamentação de ideias para a solução do problema e também na proposição de explicações para a situação em estudo. Isso implica que as observações realizadas, os dados coletados e as evidências construídas se pautam em características sociais, históricas e culturais, não sendo possível imaginar uma investigação dissociada do contexto em que ocorre e, consequentemente, dos indivíduos que dela participam. Aceitas essas ideias, torna-se claro que o próprio desenvolvimento da ciência ocorre de modo não linear, pois debates e controvérsias, mediadas e ocorridas devido às condições do contexto social, histórico e cultural, entrarão em cena e condicionarão as proposições feitas. Chegar a essas proposições torna-se uma tarefa complexa, que inclui diversas etapas e, muitas vezes, diversas equipes de trabalho. Essas equipes não apenas analisam dados, mas, a partir de observações, de estudos e de busca por relações entre conhecimentos existentes e novas evidências, constroem proposições por meio de exercícios cognitivos de lógica, sejam processos indutivos, de inferência, dedutivos, a recorrência a exemplos e/ou analogias, busca por classificações e causalidade, sempre objetivando que haja plausibilidade e coerência entre as ideias que estão sendo propostas. Agora é a sua vez... Finalizada a leitura do texto, continue explorando os recursos disponíveis no Ambiente Virtual de Aprendizagem realizando as Atividades On-line propostas, respondendo ao Questionário e participando do Fórum de Discussão. Não deixe de assistir à Videoaula que complementa as discussões aqui apresentadas. 1 Construindo ideias sobre o trabalho científico
7 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 7 16 Referências Brecht, Bertolt. Vida de Galileu. In: Brecht, Bertolt. Teatro completo. v ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999, p Kosminsky, L.; Giordan, M. Visões de Ciências e sobre Cientista entre estudantes do Ensino Médio. Química Nova na Escola, n. 15, mai Gil-Pérez, D. et al. Para uma imagem não deformada do trabalho científico. Ciência e Educação, Bauru, v. 7, n. 2, p , dez Latour, B.; Woolgar, S. A Vida de Laboratório A produção dos fatos científicos. Relume-Dalmará, Fundamentos Teórico-Metodológico para o Ensino de Ciências: a Sala de Aula
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