TRABALHOS TÉCNICOS Divisão Jurídica O CONTRATO DE ADESÃO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. Letícia Mariz de Oliveira Advogada
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1 TRABALHOS TÉCNICOS Divisão Jurídica O CONTRATO DE ADESÃO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO Letícia Mariz de Oliveira Advogada Numa economia de escala, cada vez mais globalizada, diante da necessidade de simplificação e uniformização contratual e da premência do tempo para conclusão de negócios jurídicos bilaterais, prolifera a formação de contratos de adesão. O conceito único de contrato de adesão no âmbito da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências e é conhecida como Código de Defesa do Consumidor (CDC), aglutina o que a doutrina civilista define e distingue como contrato de adesão e contrato por adesão, como se pode depreender da leitura do caput do artigo 54 do CDC, a seguir transcrito: Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. [in verbis] As cláusulas gerais desse contrato são uniformes, predeterminadas pelo Poder Público ou pelo fornecedor e aplicáveis a qualquer interessado em adquirir o produto ou serviço por estes ofertado. Não são, portanto, passíveis de negociação entre as partes contratantes, cabendo ao consumidor meramente aceitá-las integralmente, se desejar concluir o processo de contratação. Ademais, o fato de se acrescer uma ou outra cláusula escrita, no instrumento desse contrato, a respeito de seus elementos essenciais ou acidentais, não descaracteriza a sua natureza de adesão. É o que dispõe o 1º do artigo 54 do CDC. São elementos essenciais do contrato o consentimento (acordo de vontade), a causa (destinação do contrato) e os preconizados no artigo 104 do Código Civil (CC) de 2002 em vigor, quais sejam: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não da defesa em lei. Por sua vez, são elementos acidentais cláusulas que encerram condição (artigos 121 a 130 do CC), termo (artigos 131 a 135 do CC), modo ou encargo (artigos 136 e 137 do CC), modificando a estrutura e efeitos jurídicos do contrato, como,
2 2 por exemplo, a que fixa data (termo) posterior à da assinatura do contrato, para que este produza os efeitos jurídicos pertinentes. Note-se que, de qualquer modo, nenhuma cláusula contratual pode conter obrigações passíveis de serem caracterizadas como práticas abusivas do fornecedor, ex vi do disposto nos incisos I e V do artigo 39 do CDC, abaixo: Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos; [...] V exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; [...] [in verbis, grifo nosso] Nesse contexto, reputa-se inválida condição que imponha venda casada de produtos ou serviços ao consumidor ou que só lhe permita adquirir certa quantidade de produtos específicos, ainda que disponíveis no estoque do fornecedor. Também não tem validade encargo que importe em vantagem exagerada para o fornecedor ( 1º, do artigo 51 do CDC), tal como a cláusula de não indenizar. Em todos estes casos há presunção de lesividade ao consumidor. Tratando-se efetivamente de contrato que regula relação jurídica de consumo, sob a forma de adesão, suas cláusulas serão sempre interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor (artigo 47 do CDC), considerado como a parte mais fraca dessa relação, ex vi do disposto no inciso I, do artigo 4º do CDC. Este entendimento encontra respaldo na atual interpretação do princípio da isonomia, previsto no inciso I, do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil (CF), que considera a igualdade substancial real (de fato) e não meramente formal entre as partes, o que na prática se traduz em tratar desigualmente os desiguais para assegurar o necessário equilíbrio da relação contratual. Aliás, o próprio CDC, no inciso V, de seu artigo 6º, visando proteger o consumidor, especialmente no que tange à celebração de contrato de adesão, considera como um de seus direitos a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. Trata-se da aplicação do princípio da conservação do contrato. É também nesse contexto, calcado no princípio da defesa do consumidor previsto no inciso V, do artigo 170 do Capítulo I (Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica), do Trabalhos Técnicos
3 3 Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira) da CF, que são consideradas nulas de pleno direito e, portanto, sem eficácia jurídica, as chamadas cláusulas abusivas ou potestativas recorrentemente inseridas em contratos que regulam relações de consumo, sob a forma de adesão, em prejuízo do consumidor. A respeito da matéria, o legislador relacionou, exemplificativamente, no artigo 51 do CDC, vários tipos de cláusulas prejudiciais aos direitos do consumidor. São estas, por exemplo, as cláusulas que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos (inciso I, do artigo 51 do CDC). De qualquer forma, como em todo e qualquer negócio jurídico bilateral, a liberdade de contratar deve ser exercida em razão e nos limites da função social do contrato, conforme preceitua a norma geral do artigo 421 do CC, implicitamente inserida no artigo 4º do CDC, eis que não merece tutela jurídica do Estado cláusula contratual que venha a contrariar os objetivos e princípios preconizados pela Política Nacional de Relações de Consumo. A relevância desta diretriz, chamada de princípio da socialidade, é tamanha, que norteou inclusive a redação do parágrafo único do artigo do Ato das Disposições Finais e Transitórias do CC, no que tange à aplicabilidade e interpretação do direito intertemporal nos contratos de trato sucessivo (ex: contrato de seguro-saúde regido pelo CDC), constituídos antes da vigência do Código Civil de As partes contratantes, portanto, devem sempre respeitar o princípio da socialidade, como esclarece o Enunciado nº 23 adotado pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da Justiça Federal: A função social do contrato prevista no art. 421 do novo Código Civil não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana. [in verbis] É de se destacar, no 2º do artigo 54 do CDC, a admissão de cláusula resolutória alternativa em contrato que regula relação de consumo, sob a forma de adesão, cabendo ao consumidor aderente optar pela resolução (rescisão) ou manutenção do contrato, observados os princípios da boa-fé e do equilíbrio das relações de consumo (inciso III, do artigo 4º do CDC) e da proporcionalidade, o qual indica a proibição de o fornecedor auferir vantagem excessiva em detrimento do consumidor. Outrossim, é terminantemente vedada a inserção de cláusula, naquele contrato, que importe em renúncia do consumidor ao direito previsto no citado dispositivo legal, sob pena de sua nulidade, fundamentada no abordado inciso I, do artigo 51 do CDC. Trabalhos Técnicos
4 4 Por força da Lei nº , de 22 de setembro de 2008, que Altera o 3º do art. 54 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 Código de Defesa do Consumidor CDC, para definir tamanho mínimo da fonte em contratos de adesão, estes devem ser obrigatoriamente redigidos de forma clara, sendo vedado o uso de caracteres (letras, números, sinais, etc.) cujo tamanho de formatação no texto seja inferior ao corpo 12. Reforça-se aqui o respeito ao princípio da legibilidade das cláusulas contratuais, que tem por objetivo coibir a redação de contratos, dessa natureza, de forma propositadamente confusa, assistemática e com caracteres (fontes) minúsculos, preocupação esta inclusive externada pelo legislador na redação do artigo 46 do CDC: Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. [in verbis] O dispositivo supra nos permite considerar como abusiva e nula de pleno direito a corriqueira cláusula de presunção de conhecimento, inserida nos contratos de adesão e por meio da qual se afirma que o consumidor leu e compreendeu o inteiro teor do contrato, assim como de documentos que integram o contrato e que sequer lhes foram exibidos ou, ainda, que apresentem dificuldade para a sua obtenção. No que se refere aos contratos de adesão, no âmbito do CDC, fica ainda o fornecedor obrigado a destacar (ex: negritar o texto), no respectivo instrumento contratual, todas as cláusulas que implicarem em limitação de direito do consumidor ou desvantagens para o aderente, a fim de permitir sua imediata e fácil compreensão. É o que reza o 4º do artigo 54 do CDC. Na sistemática do CDC, os contratos de adesão são especificamente tratados na Seção III, do Capítulo VI (Da Proteção Contratual), do Título I (Dos Direitos do Consumidor) do CDC. Portanto, dentre os dispositivos que lhes são aplicáveis, destacamos ainda, neste trabalho, o contido no artigo 48 do CDC, abaixo transcrito: Art. 48. As declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor, ensejando inclusive execução específica, nos termos do art. 84 e parágrafos. [in verbis] Logo, deve o consumidor manter sob a sua guarda todos os documentos citados no artigo supra e, também, todo material publicitário relativo à oferta de produtos e serviços no mercado, assim como fazer cumprir todas as obrigações e promessas neles contidas, por Trabalhos Técnicos
5 5 serem exigíveis do fornecedor, inclusive judicialmente, por integrarem o contrato de adesão firmado. Como se vê, viabilizar a celebração de um contrato para regular uma relação consumerista, ainda que sob a forma de adesão, requer mais do que mera vontade das partes, pois seu conteúdo material deve sempre assegurar o respeito ao sistema de proteção do consumidor. Trabalhos Técnicos
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