Trabalhando artigos de opinião no contexto de PLA

Transcrição

1 Trabalhando artigos de opinião no contexto de PLA Andréa de Araújo Rubert Este relato mostra atividades desenvolvidas em uma turma do curso de Leitura e Produção Textual III do Programa de Português para Estrangeiros (PPE) da UFRGS. O objetivo do projeto foi desenvolver a escrita de artigos de opinião sobre temas de interesse das/os estudantes. A ideia inicial era que esses artigos fossem publicados em um blog 1 da turma. Durante as aulas, foram trabalhados aspectos relativos ao gênero artigo de opinião, textos sobre os assuntos escolhidos pelos alunos para serem tratados nos artigos e recursos linguísticos característicos do gênero. Os alunos escolheram três temas sobre os quais gostariam de escrever artigos. Cada tema foi trabalhado em um módulo com duração de cerca de cinco aulas. Depois de cada um desses módulos, os alunos escreviam a primeira versão de cada artigo, que, após ser avaliada com apoio de uma tabela de avaliação de artigo elaborada por PASIN (2014) a partir de uma adaptação de SCHLATTER, SCHOFFEN E DILLI (2012), era devolvida aos alunos com algumas sugestões para a reescrita. Ao todo, o projeto durou cerca de oito semanas e teve resultados positivos no progresso da escrita dos alunos. Como o próprio nome diz, o curso de Leitura e Produção Textual (LPT) busca desenvolver as habilidades de escrita e leitura dos alunos estrangeiros. Para isso, eles são estimulados a ler e escrever diferentes gêneros de texto, desde s informais até crônicas sobre a vida em Porto Alegre, passando por artigos de opinião. A turma na qual apliquei esse projeto era formada por cinco alunos/as hispanofalantes de nível básico de português que haviam chegado ao Brasil pouco tempo antes de começar o curso. A maioria deles veio ao país com propósitos acadêmicos, por isso a necessidade de desenvolver a produção escrita em português. Alguns deles já haviam estudado um pouco de português e outros nunca haviam tido 1 Visto que o projeto acabou junto com o semestre, os alunos se dispersaram e não concluíram as reescritas extras que seriam necessárias para que os artigos fossem publicados no blog. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 5 nº

2 contato com a língua. No entanto, português e espanhol são línguas muito próximas, o que torna a intercompreensão e a fluência facilmente alcançáveis. Além disso, quando esse projeto teve início, metade do semestre havia transcorrido, portanto, os alunos já conseguiam se expressar em português com certa fluência e desenvoltura. A ideia inicial do projeto era escolher um gênero textual no qual os alunos desejassem focar a sua produção durante o que restava do curso de LPT. Para isso, o primeiro passo foi conversar com a turma para saber quais eram as expectativas ou necessidades deles/as. Após uma breve conversa, foi decidido que o foco do projeto seria o artigo de opinião. O seguinte passo foi decidir quais assuntos seriam temas do projeto, sendo que esses assuntos deveriam estar relacionados com a realidade brasileira. Para isso, foi solicitado que cada aluno trouxesse um artigo ou reportagem sobre um tema que o interessasse para apresentar à turma e dizer por que motivo esse tema deveria ser discutido por todos. Depois dessa apresentação, foram escolhidos três temas: o buraco na camada de ozônio, a (volta da) ditadura militar e a crise na Petrobras. Com os temas decididos, foi hora de dar início, de fato, ao trabalho. Para começar, procurei investigar o que os alunos já conheciam a respeito do gênero artigo de opinião, fazendo perguntas como Para que se escreve um artigo de opinião?, O que se espera de um artigo de opinião?, Onde esse gênero textual costuma ser publicado?, etc. Por serem todos adultos e com formação escolar, eles já apresentavam uma boa noção desse gênero. Depois, dividi a turma em dois grupos e entreguei para cada aluno um texto diferente que falava sobre a produção de artigos de opinião. A tarefa consistia em ler o texto e destacar as características mais importantes do gênero para relatá-las ao outro grupo. Desse modo, os alunos trabalhariam a seleção de informações relevantes e a maneira adequada de repassálas aos interlocutores interessados. Quando começamos a tratar dos assuntos escolhidos, a estrutura das aulas era a seguinte: primeiro eram discutidas algumas perguntas de pré-leitura referentes ao tema do texto que seria trabalhado. Essa pré-leitura foi muito importante, pois, muitas paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 5 nº

3 vezes, as/os alunas/os desconheciam alguns aspectos do texto que eram fundamentais para a sua compreensão (como o que é o pré-sal, por exemplo). Em seguida, o artigo/reportagem era lido. Após a leitura, as perguntas de interpretação do texto eram respondidas e uma nova discussão acontecia; os alunos mostravam sua opinião, apresentavam dúvidas para a turma e tiravam algumas conclusões sobre o assunto. Ao longo de todo o projeto, primeiramente eram feitas discussões em duplas/trios para que todos os alunos tivessem a oportunidade de falar em português durante as aulas; posteriormente, as discussões eram feitas entre toda a turma. No momento da discussão, os alunos constroem a sua argumentação e começam a selecionar as informações e recursos linguísticos que usarão no artigo. Nessa hora também é importante estar atento ao que os colegas dizem, já que, para o autor do artigo de opinião, tão importante quanto ouvir ideias que complementam as suas é ouvir ideias que se opõem e que podem criticar/mostrar falhas na argumentação. Nas primeiras aulas, depois dessa etapa de leitura, acontecia o estudo do gênero, momento em que eram analisados aspectos como título, partes que compõem o artigo, objetivo do artigo, público-alvo, etc. Quando os alunos já estavam mais habituados às características do gênero, essa parte da aula passou a focar na reflexão linguística. Um recurso muito trabalhado ao longo do projeto foi o uso de conectores, pois, além de fundamentais para a coesão de um texto, são partículas que variam muito do espanhol para o português. Usando sempre frases presentes nos textos que eles haviam lido, as tarefas buscavam questionar qual era a função dos conectores nos contextos nos quais se encontravam, por quais outros eles poderiam ser substituídos sem acarretar mudança de sentido, se suas posições nas frases poderiam variar, entre outras. No primeiro artigo que me foi entregue, notei que o uso de conectores não ia além do mas, porém, por isso, além disso e então. Contudo, ao longo do projeto, fui percebendo uma variedade maior no uso de conectores, o que me fez pensar que as aulas estavam sendo úteis e que os alunos estavam se esforçando para progredir. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 5 nº

4 Quando li o primeiro artigo dos alunos, também notei que muitas vezes os pronomes demonstrativos (este, esse, isso ) eram usados de maneira equivocada. Esse ponto não estava no planejamento das aulas, mas concluí que, como era um problema da turma, poderia ser tratado nas aulas. Então, apresentei os usos de cada um dos pronomes e depois reelaboramos coletivamente as frases que haviam sido escritas de maneira equivocada nos artigos, justificando o porquê de usar outro pronome. Além de problemas com os recursos linguísticos, também percebi falhas quanto ao gênero. Inicialmente, todos haviam escrito um texto informativo e alguns não haviam estabelecido um interlocutor adequado, visto que demonstravam ser técnicos demais. Esse fato me deixou um pouco preocupada, pois pensei que o trabalho com o gênero havia sido o suficiente, no entanto, não foi. Em algum momento, a opinião do autor aparecia brevemente, entretanto, ela não ficava clara e o texto não cumpria seu propósito de defender uma ideia. Ao devolver os textos para os alunos, fiz algumas perguntas e comentários por escrito sobre aspectos que poderiam ser melhorados para a reescrita, enfatizando que era necessário que a opinião deles estivesse bem definida. Além disso, conversei com a turma para chamar a atenção para esse aspecto. Também enviei material extra por para que eles lessem antes de escrever o segundo texto. No entanto, decidi que num primeiro momento não retornaria o estudo aprofundado do gênero, mas sim esperaria a reescrita para ver se isso seria necessário. A segunda versão mostrou uma melhora em todos os casos. As frases estavam mais bem construídas e as opiniões eram mais claras. Decidi que o segundo texto, antes de ser avaliado por mim, seria analisado pelos colegas utilizando a mesma tabela de avaliação que eu havia utilizado. Desse modo, os alunos se familiarizariam com a tabela que, embora já tivesse sido apresentada em aula, era algo distante, isto é, um recurso próprio do trabalho da professora, e não dos alunos. A partir de um conhecimento maior da tabela, acredito que eles se tornaram mais conscientes do que era esperado dos artigos. Ademais, acredito que as sugestões de um/a colega que está no mesmo nível podem ser mais paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 5 nº

5 bem aceitas do que sugestões feitas pela professora de uma maneira vertical. Outro ponto positivo de revisar o trabalho dos colegas é que, vendo os erros dos outros, podemos notar mais facilmente os nossos. Após esse trabalho, as produções escritas dos alunos melhoraram, embora a primeira versão de seus textos sempre parecesse um pouco mais informativa e só na segunda eles apresentassem um ponto de vista mais pessoal, posicionando-se sobre o assunto debatido. De certa forma, isso já era esperado, tendo em conta que textos sempre podem ser melhorados e ideias, amadurecidas. Por esse motivo, a reescrita é uma etapa fundamental na elaboração de textos, principalmente quando eles se tornarão públicos. Finalizado o projeto, me senti satisfeita, pois percebi que a escrita dos alunos melhorou muito ao longo desse tempo, tanto na parte linguística quanto na parte de autonomia e posicionamento, o que significa que o objetivo principal do projeto foi alcançado. Ademais, a turma participou ativamente em todas as discussões e trouxe informações que agregaram conhecimento a todos. Os estudantes estavam muito interessados nos problemas do Brasil e em discutir possíveis soluções para eles. Todos também disseram estar muito contentes com a sua vida aqui e acreditam que, apesar desses problemas, o Brasil é um ótimo lugar para se viver. Analisando o projeto, pude perceber algumas falhas que ficam de aprendizado para projetos futuros. A mais significativa dentre elas foi a falta de leitura em aula de artigos de opinião. Muitos dos textos que levei para os alunos foram reportagens sobre os temas escolhidos e isso ficou refletido nas produções deles que, principalmente na primeira versão, se pareciam mais com reportagens informativas do que com artigos de opinião. Caso tivessem lido mais textos do mesmo gênero que deveriam produzir, possivelmente os alunos teriam tido um parâmetro para se espelhar, o que poderia ter facilitado a produção textual. Por outro lado, como ponto positivo do projeto, destaco os exercícios nos quais os alunos deveriam reelaborar frases retiradas dos textos de colegas e de seus próprios. Os estudantes ficaram muito animados ao ler frases feitas por eles mesmos e ter que encontrar problemas. Muitas vezes, percebiam na hora os seus equívocos e paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 5 nº

6 riam por haver escrito daquela maneira, outras vezes, nenhum percebia o erro, já que todos eram falantes de espanhol e escreviam com estruturas semelhantes. Acredito que essas tarefas foram muito proveitosas para o aprendizado dos alunos, além de serem divertidas. Esse projeto foi muito importante para mim como uma professora que está iniciando sua vida docente, pois pude refletir sobre diversos aspectos da minha prática e chegar a algumas conclusões. Em primeiro lugar, destaco que fazer os alunos tornarem-se parte ativa na construção do projeto (escolha de gênero e temas, avaliação dos colegas, etc.), ajuda a aproximação dos alunos com seus colegas e também com a professora, tornando o ambiente mais amistoso e deixando o aluno à vontade para dar sua opinião ou expressar suas dúvidas. Em segundo lugar, enfatizo os benefícios da utilização de uma tabela para avaliar a escrita. Com uma tabela, o professor dispõe de critérios de avaliação claros e não perde de vista os objetivos de escrita propostos aos alunos. Desse modo, o trabalho do professor se torna mais fácil e os conceitos/notas mais confiáveis. Acredito que a experiência também tenha sido muito boa para os alunos, já que houve muitas oportunidades para discussão, possibilitando que conhecessem o ponto de vista de pessoas vindas de realidades diferentes. Além, é claro, do aprendizado sobre o gênero e sobre os recursos linguísticos trabalhados em aula. Por fim, penso que conseguimos construir um aprendizado coletivamente através das discussões, leituras e exercícios realizados. Também posso afirmar que o objetivo inicial desenvolver a escrita de artigos de opinião foi atingido satisfatoriamente e que, mesmo que os textos não tenham sido publicados em um blog, tanto os alunos quanto eu, aprendemos muito com esse projeto. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 5 nº

7 Referências bibliográficas PASSIN, Natália O. Elaboração de tarefa didática e grade de avaliação para leitura e escrita de artigo de opinião. Trabalho de conclusão do curso de Letras - Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, DILLI, C. SCHOFFEN, J. R. e SCHLATTER, M. Parâmetros para a avaliação escrita orientados pela noção de gênero do discurso. Porto Alegre: Editora Bem Brasil, paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 5 nº

8 Andréa de Araújo Rubert Licencianda em Letras Português-Inglês pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Já atuou como bolsista de iniciação científica na área de Linguística Cognitiva. Atualmente é professora no Programa de Português para Estrangeiros da UFRGS. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 5 nº