Um mundo repleto de violência - Um relato de docência sobre as diversas formas de violência

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1 Um mundo repleto de violência - Um relato de docência sobre as diversas formas de violência Gabriela Klaus Introdução Este relato apresenta a experiência de Estágio de Docência em Língua Portuguesa que tive no primeiro semestre de 2016 com 35 alunos do 2º ano do Ensino Médio do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O projeto realizado teve o seguinte título: Um mundo repleto de violência, e foi inspirado em uma experiência que tive no PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência) em 2015, que teve a mesma temática. O Estágio foi realizado em nove aulas de dois períodos que tinham 45 minutos cada um. O objetivo do projeto era fazer com que as alunas e os alunos refletissem sobre questões socioculturais e socio-históricas que circundam o tema escolhido, além de fazer com que mobilizassem seus conhecimentos de mundo, valorizando não só o aprendizado proveniente da sala de aula, mas também aqueles que encontram na socialização fora da escola. A ideia de trabalhar a violência foi para a sensibilização, o estranhamento e a indignação em relação a um tema que está presente em nosso cotidiano, no meio literário e midiático. Pressupostos Teóricos Para o embasamento teórico necessário para este projeto, busquei o que nos diz os Referenciais Curriculares do Rio Grande do Sul de Língua Portuguesa e Literatura (2009) sobre o ensino de Língua Portuguesa e Literatura. Segundo o documento, ambas devem estar reunidas em uma única disciplina, e suas orientações pretendem dar suporte às outras disciplinas; além disso, a ligação entre elas deve dar ao aluno condições de ampliar suas competências para agir no mundo através do uso de línguas, de amadurecer e constituir-se como ser da linguagem que é (R.C.R.G.S., 2009, p. 53). Para que isso aconteça, a orientação é a de que o texto seja o ponto de partida, paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº

2 o principal objeto de estudo nas aulas, e que é necessário que o ensino dessas disciplinas esteja focado em quatro práticas: compreensão oral, leitura, escrita e fala. Ainda, segundo os Referenciais, o ato de ler implica diálogo entre sujeitos históricos, e esta atividade visa - o desenvolvimento de competências para colocar o aluno em interações com o ponto de vista e o conjunto de valores expressos no texto, ou seja, para reagir diante dele e tomar posição (R.C.R.G.S., 2009, p.55). Ainda, busquei referências nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio de Língua Portuguesa que dizem que a unidade básica da linguagem verbal é o texto, compreendido como a fala e o discurso que se produz e a função comunicativa como o principal eixo de sua atualização e razão do ato linguístico (P.C.N.E.M., 2000, p. 18). Assim sendo, foram levados para a as aulas textos de diferentes gêneros, tipologias e contextos históricos, assim como os estudantes foram produtores de textos escritos e argumentações orais através dos debates que ocorreram. Também tendo o texto como instrumento de partida é que foi abordada a gramática normativa e descritiva, levando em conta o caráter sociointeracionista da língua, e utilizando o saber do aluno como eixo de partida para a análise linguística. Para a escrita dos textos que foram produzidos pelos alunos ao longo do Projeto, recorri ao que nos é dado no livro Da redação Escolar ao texto: um manual de Redação (GUEDES, 2003), seguindo as orientações de que todo o texto deve ter objetividade, concretude, questionamento e unidade temática. A prática: O texto como objeto de estudo Anteriormente à realização deste Projeto, observei as aulas da turma e, antes do início de sua aplicação, questionei os alunos se eles achavam interessante esta temática sobre violência, a resposta foi afirmativa, por ser um tema bastante tangível. Tendo o consenso dos alunos, iniciei as buscas por textos de diferentes gêneros que tratassem da temática. O mais difícil não foi encontrar textos que falavam sobre o tema, visto que a violência está presente desde romances de ficção até os textos paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº

3 jornalísticos, mas sim, selecionar o que de mais interessante havia na imensidão de textos que tratam disso. Por fim, selecionei textos de diferentes gêneros e épocas. Os escolhidos para o projeto foram: Negrinha (Monteiro Lobato), 1500, o ano que não terminou (Eliane Brum), A cultura do Estupro é a expressão mais radical da cultura da superioridade (Vivian Alt), e Passeio Noturno (Ruben Fonseca). Em cada aula, os textos foram trabalhados da seguinte forma, adaptado do que nos é dado nos Referenciais Curriculares de Língua Portuguesa e Literatura (2009): Preparação para a leitura - O objetivo desta etapa é que o aluno faça o reconhecimento do assunto e do gênero. É uma introdução para o que virá depois. Leitura do texto - Esse momento busca construir a finalidade de leitura do texto. Foi feita primeiramente de modo silencioso e depois em grupo, pois é interessante que o aluno tenha mais de um contado com o texto e que faça dois tipos de leitura. Estudo do texto - As tarefas dessa etapa buscam perceber o texto em seu lugar social e mediar a leitura em maiores detalhes quanto ao vocabulário, interpretação, etc. Também é um momento de refletir sobre a língua e os usos gramaticais no texto. Produção textual - Foi a etapa em que o aluno respondia ao texto com uma produção textual escrita ou oral. Abaixo, uma breve descrição do que foi realizado em cada uma das nove aulas de dois períodos: Aula 1 Apresentação do projeto e explicação sobre as atividades que seriam realizadas; Leitura e discussão do texto Negrinha, de Monteiro Lobato, e sobre as principais formas de violência que o texto trazia: social, racial, infantil, doméstica. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº

4 Aula 2 Aula 3 Aula 4 Realização de um trabalho em trios com questões referentes ao texto da aula anterior. Debate sobre o que é adequado conter em um texto a partir do que é dito em Da redação escolar ao texto: um manual de redação (GUEDES, 2003) - como descritos nos parágrafos acima. Leitura de dois textos: um adequado e outro inadequado. Produção textual de texto dissertativo (primeira atividade avaliativa): fazendo uma ligação com o que foi falado na aula anterior sobre violência infantil e doméstica, os alunos escreveram um texto com a temática Lei da Palmada. Debate e leitura do texto 1500, o ano que não terminou, de Eliane Brum. Os alunos tiveram que se reunir em trios para fazer as atividades relacionadas a ele. Esse texto é sobre ao assassinato de uma criança indígena no final de 2015, um texto que fala não só de violência infantil, mas também de violência social e racial, por isso, a atividade de produção textual pedia para que os trios fizessem uma relação entre esse texto e Negrinha. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº

5 Aula 5 Continuação das atividades da aula anterior. Aula 6 Aula 7 Conversamos sobre um fato que ocorreu uma semana antes desta aula: o estupro coletivo de uma menina no Rio de Janeiro. Foram colocados tópicos sobre violência contra a mulher no quadro para que os alunos fizessem, primeiramente, um debate em grupos e, depois, houve o debate entre a turma. O planejado para esta aula era, também, a leitura de um texto sobre o assunto, mas o debate se estendeu mais do que o esperado e a leitura ficou para a aula seguinte. Entrega dos textos sobre a Lei da Palmada corrigidos. Foram colocados exemplos de inadequações no quadro, retiradas dos textos, para serem analisados. No segundo período foi feita a leitura do texto A cultura do estupro é a expressão mais radical da cultura da superioridade, de Vivian Alt, e foram realizadas atividades de estudo do texto e análise linguística referentes a ele. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº

6 Aula 8 Aula 9 Nesta aula os alunos fizeram a escrita de um texto dissertativo com o tema A violência contra a mulher no Brasil (terceira avaliação), retirado da prova do ENEM de Os textos corrigidos foram entregues após o fim do projeto. Leitura do texto Passeio Noturno 1, de Rubem Fonseca e atividades referentes ao texto. Finalização do Projeto e despedida da turma. Avaliação dos alunos - A escrita e a reescrita como principal forma de aprendizagem e avaliação Penso na avaliação como uma atividade contínua, que acompanha o trajeto do aluno pelo processo de construção do conhecimento. Deste modo, a proposta de avaliação deste projeto foi baseada na participação dos alunos, nas suas argumentações orais e na escrita e reescrita. Um projeto que pressupõe o texto como objeto de estudo deve também tê-lo como principal meio avaliativo. Partindo do que foi citado acima nos Pressupostos Teóricos, o foco para a escrita e reescrita foi baseado nos quatro elementos que devem ter em um texto de acordo com Guedes (2003): questionamento, escrita, objetividade e unidade temática. Antes de apresentar isso para os alunos, questionei-os sobre o que era essencial em um texto e levei dois exemplos de textos com uma mesma temática retirados desse mesmo livro, um adequado aos quatro elementos e outro que era inadequado por não conter esses quatro elementos que norteiam a escrita. Desta forma, os alunos usaram esses elementos como guia para a escrita e reescrita dos dois textos que serviram de avaliação, sendo as primeiras versões corrigidas e comentadas por mim. Além dos textos, houve mais uma avaliação, que foi um trabalho em grupo que teve como base o texto 1500, o ano que não terminou. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº

7 Considerações Finais Este projeto foi baseado no que nós, os alunos de Letras, aprendemos ao longo do curso: ter, na aula de Língua Portuguesa e de Literatura, o texto como principal objeto de estudo, e fazer com que o aluno tenha contato com diferentes gêneros e tipologias. Isso foi o principal meio utilizado nas aulas deste projeto, utilizando uma temática que está muito presente nas nossas vidas: a violência, que, numa leitura mais superficial dos textos parecia ser apenas física, mas que, com um olhar mais aprofundado, percebíamos que não. Afinal, em um texto como Passeio Noturno 1, Rubem Fonseca está apenas tratando de um personagem que tem como passatempo sair à noite a atropelar pessoas na rua ou ele está fazendo uma crítica à uma sociedade que tem valores humanos e materiais distorcidos? O resultado de tudo isso foi positivo. Este foi um projeto que mobilizou muito a turma, principalmente nos debates, fazendo com que houvesse um engajamento e um despertar para as questões sociais presentes em tudo que foi lido e discutido, a ponto de, na aula sobre violência contra a mulher, o debate ter ocupado os dois períodos da aula, e não um, como havia sido estimado. O processo de escrita e reescrita foi interessante para analisar os principais problemas que os textos dos alunos continham, e fazer desses problemas um foco de análise. É interessante notar que o número de alunos que precisou reescrever o segundo texto foi menos que a metade dos que precisaram reescrever o primeiro, um ponto que pode ter sido influenciado pela aprendizagem do que é necessário para um bom texto, pelos debates e reescritas. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº

8 Bibliografia ALT, Vivian. A cultura do estupro é a expressão mais radical da cultura da superioridade. Carta Capital, 29 de mai Disponível em < Acesso em: 26 de jun BRUM, Eliane. 1500, o ano que não terminou. El País, 04 de jan Disponível em < Acesso em: 26 de jun FONSECA, Rubem. Passeio Noturno. Disponível em < Acesso em: 26 de jun GUEDES, Paulo Coimbra. Da redação escolar ao texto um manual de redação. Porto Alegre: Ed. UFRGS, LOBATO, Monteiro. Negrinha. Disponível em < Acesso em: 26 de jun MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio), Disponível em < Acesso em 26 de jun SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL. Referencial Curricular: lições do Rio Grande. Volume I. Porto Alegre, Disponível em < Acesso em 26 de jun paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº

9 Gabriela Klaus Estudante de Letras Língua Portuguesa e Língua Inglesa na UFRGS e faz parte do PIBID/Língua Portuguesa desde paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº