PIBID: percepções de um professor transgênero

Transcrição

1 PIBID: percepções de um professor transgênero Eduardo de Souza Saraiva No ano de 2012, ingressei no curso de Letras-Português/Inglês da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Nesse mesmo período, participei do edital de seleção para uma das vagas a bolsista do subprograma PIBID/Inglês-FURG. No início não tinha muita certeza quais as características do PIBID. O que despertou o meu interesse em participar do programa foi o fato de que o projeto possuía um vínculo direto com a prática docente. O projeto PIBID - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica à Docência - da FURG, foi desenvolvido a partir das estratégias vinculadas no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI/FURG) O objetivo do projeto é o de incentivar a carreira docente de modo a propiciar aos licenciandos da universidade uma imersão nas escolas da rede municipal e estadual de ensino. Desse modo, de 2006 até hoje todos os cursos de licenciatura da FURG possuem seus subprojetos PIBID nos quais desenvolvem ações de integração entre o mundo acadêmico e a escola pública. Assim começou a minha trajetória no subprojeto PIBID/Inglês-FURG, no qual permaneci por dois anos. O PIBID/Inglês, durante minha participação, era constituído de doze acadêmicos bolsistas do curso de Letras-Português/Inglês, duas professoras supervisoras da rede municipal e/ou estadual de ensino e uma professora coordenadora da área de Língua Inglesa do Instituto de Letras e Artes (ILA/FURG). A atuação dos bolsistas se dava de diferentes maneiras. Por exemplo, participação nos eventos de iniciação científica da universidade, escrita reflexiva, elaboração de Portfólio, reuniões semanais para reflexão/discussão da prática docente e encontro anual com a participação de todos os subprojetos. A primeira experiência em sala de aula pelo projeto PIBID/Inglês ocorreu na Escola Municipal de Ensino Fundamental Ferreira Gomes 1, situada em um bairro da 1 Pseudônimo. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 5 nº

2 cidade de Rio Grande/RS. A escola atende a comunidade de seu entorno e funciona nos turnos matutino e vespertino atendendo aos alunos da educação infantil (préescola) e do ensino fundamental (1º ao 9º ano). Recordo do primeiro dia na escola e especialmente na sala de aula. Estava apreensivo se seria aceito pela comunidade escolar, pelos professores, pelos alunos e pelos servidores da escola. Essa apreensão se deu pelo fato de minha orientação sexual, pois sou uma transmulher, ou seja, tenho características biológicas masculinas, mas comportamento e identificação com o gênero feminino. As questões ligadas à sexualidade, gênero e transexualidade continuam silenciadas em sala de aula, e para algumas pessoas um tema que não deve ser discutido com os alunos, sendo esse o motivo da minha apreensão de como seria para aquela comunidade a presença de uma pessoa transgênero no ambiente escolar. A aceitação por parte dos professores da escola foi imediata, no sentindo de que eles não se mostraram receosos quanto a minha presença na escola ou se seria um problema estar em sala de aula com os alunos, visto que questões de gênero e sexualidade ainda não fazem parte do currículo de muitas escolas. Com relação aos alunos, alguns ficaram mais retraídos e não tentaram uma aproximação, apenas ficavam observando ou conversando com os colegas; outros, porém, foram receptivos fazendo uma série de questionamentos desde o primeiro momento, por exemplo, queriam saber meu nome, minha idade, onde estudava, com quem morava, onde trabalhava, o que estava fazendo na sala de aula, se seria o novo professor a assumir a turma, por quanto tempo ficaria na escola. Confesso que a aproximação de alguns dos alunos fez com que eu me sentisse mais confiante. Embora nem todos se mostrassem abertos para um primeiro contato, outros não se importaram com minha orientação sexual, eles desejavam me conhecer melhor e conhecer a minha realidade. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 5 nº

3 Após um ano, nós, PIBIDianos trocamos de escolas. Acredito que minha passagem por aquela sala de aula com aqueles alunos tenha sido um grande aprendizado para mim e para eles em termos de convivência, da aceitação de mim mesmo no sentido de que enquanto profissional docente a minha orientação sexual não pode ser um obstáculo entre os alunos e eu. Devo respeitar a opinião deles mesmo que eles não aceitem a transexualidade, mas o respeito deve ser à base da convivência em sala de aula e será o meu papel mostrar que a diversidade estará presente em qualquer esfera social e que meu desempenho profissional está além da minha sexualidade. E também a aceitação por parte dos alunos que ao final do ano letivo não me consideravam como diferente, e sim, como parte integrante daquela comunidade escolar. A aceitação de que trato aqui diz respeito à percepção quanto ao meu papel como professora e que acima de tudo devo respeitar os alunos e eles a mim. Tenho consciência de que muitos alunos trazem de sua comunidade pré-conceitos do que seja a sexualidade e que opiniões divergentes serão aceitas, mas o respeito ao outro é a peça fundamental da convivência. É necessário perceber a realidade dos alunos que estão à nossa volta, buscando conhecer um pouco mais sobre eles, sobre as suas vontades, seus medos, seus desejos e tentando sempre pensar em uma prática docente que faça sentido ao aluno, que o discente seja beneficiado com o trabalho do professor tentando fazer com que alunos possam perceber sua posição na sociedade do mesmo modo que eles irão perceber o outro. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 5 nº

4 Referências Bibliográficas RIO GRANDE DO SUL, SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, DEPARTAMENTO PEDAGÓGICO. Referenciais curriculares do Estado do Rio Grande do Sul: linguagens, códigos e suas tecnologias. Vol. 1. Porto Alegre: SEDUCRS/DP, Disponível em SCHLATTER, M.; GARCEZ, P. M. Línguas adicionais (espanhol e inglês). Referenciais Curriculares do Estado do Rio Grande do Sul: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Vol 1. Porto Alegre: SEDUCRS/DP, p , Disponível em paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 5 nº

5 Eduardo de Souza Saraiva Licenciado em Letras Português, especializado em Linguística e Ensino de Língua Portuguesa e Licenciando no curso Letras Português/Inglês pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Participou do projeto PIBID/Inglês da FURG, que o propiciou a escrever essa narrativa. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 5 nº