MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS

Transcrição

1 INQUÉRITO CIVIL Nº Assunto: Apurar a veracidade da noticiada condição de negligência familiar do Sr. Júlio Souza da Silva e, uma vez assim demonstrado, verificar se através das diligências adotadas pelo Programa de Atendimento Domiciliar do Idoso PADI foi garantida a proteção à saúde, bem como o bem estar social, físico e mental do idoso. Interessado: DISQUE DIREITOS HUMANOS Reclamado: Familiares do Idoso Júlio Souza da Silva PROMOÇÃO DE ARQUIVAMENTO Nº Ínclitos Conselheiros, R. Conselheiro Relator, Trata-se de Inquérito Civil, instaurado a partir de denúncia recebida pelo Disque Direitos Humanos, através da qual se informou que o Sr. Júlio Souza da Silva, 82 anos, estava internado em virtude de ser portador de câncer de próstata e que estava sendo negligenciado pelos seus filhos. Como primeira diligência nos autos, solicitou-se do Programa de Atendimento Domiciliar ao Idoso PADI que realizasse visita ao referido idoso. Nesse sentido, o PADI afirmou que o idoso, em 29 de março de 2012, não se encontrava mais internado, estando com uma de suas filhas, Sra. Alcimar, responsável por ele. Todavia, os profissionais do PADI não obtiveram sucesso em manter contato com a Sra. Alcimar e tampouco verificar a situação em que se encontrava o idoso. Assim, solicitou-se o apoio da Delegacia Especializada em Crimes contra o Idoso DECCI, que informou o endereço exato onde o idoso se encontrava. Diante dessa informação, requereu-se nova visita do PADI, a fim de que os seguintes pontos fossem esclarecidos: Identificação dos habitantes da residência; Descrição do ambiente e da higiene da residência; A adequação da alimentação do idoso;

2 Uso de medicações pelo idoso; Recebimento de aposentadoria. Cumprindo a determinação ministerial, os profissionais do PADI informaram que o idoso estaria residindo com sua filha Sra. Aldacley Andrade da Silva, tendo assim se manifestado sobre o local em que ele se encontrava: O lugar em que residia o idoso era uma quitinete de alvenaria, que possuía apenas um quarto e um banheiro, sendo o aluguel pago por ele mesmo; Não havia água encanada, sendo a água utilizada pelo idoso fornecida pelo vizinho através de uma mangueira que passava pela janela do banheiro; Não havia espaço para cozinhar, de modo que o idoso precisava comprar diariamente suas refeições; A higiene do local era satisfatória no momento da visita, tendo o idoso afirmado que ele próprio era o responsável pela limpeza do lugar. Ainda durante a visita, o idoso informou que não recebia qualquer ajuda dos filhos para realizar suas atividades diárias e nem ajuda financeira. Também afirmou não possuir doenças graves, exceto diabetes, concluindo-se que ele não tinha câncer. Já em dezembro de 2012, durante audiência realizada nesta Promotoria de Justiça, a Sra. Aldacley informou que o pai havia se mudado da quitinete que se localizava próximo a sua residência e que seu irmão, Sr. Hudson Andrade da Silva, era o responsável por comprar a alimentação e pagar o aluguel do quarto do genitor. Ademais, destacou que seu pai tem histórico de pedofilia, tendo ela própria sido vítima de abusos durante a infância. Nesse sentido, aduziu que ele já residiu com diversos filhos, mas como em todas as residências existiam crianças as ocorrências de tentativa de abuso sexual se repetiam, de maneira que todos os irmãos concordaram que o único meio de amparar o pai seria a sua mantença em quarto próprio. Com o fito de verificar a situação do idoso, solicitou-se, mais uma vez, o encaminhamento de ofício ao PADI para que pudesse proceder à visita no seu novo endereço.

3 Durante a nova visita, o PADI constatou que o idoso estava sendo negligenciado, uma vez que havia, segundo relato de um de seus netos, sofrido Acidente Vascular Cerebral, mas não tinha sido levado ao médico para tratamento. Ademais, em virtude da resistência dos filhos em prestar assistência ao pai, a equipe acompanhou o transporte do idoso até o Pronto Socorro João Lúcio. Considerando a complexa situação fática envolvendo o idoso e seus familiares, requereu-se do PADI que os filhos do Sr. Julio fossem ouvidos para que fossem estabelecidas as providências a serem adotadas para garantir os direitos essenciais do idoso.. Nesse diapasão, o PADI realizou, no dia 20 de maio de 2013, reunião familiar com o comparecimento dos filhos: Josias, Aldaclei, Alcimar, Suely, Arilza, Elizete, Ademar e Maria do Socorro. Os filhos Jefferson, Emerson, Hudson, Cristiane e Eliomar não compareceram à reunião. Durante a reunião familiar, os filhos decidiram realizar mudanças quanto ao tratamento concedido ao pai, quais sejam: Tendo em vista que as filhas Alcimar, Socorro, Aldaclei, Suely, Arilza e Elizeth possuem maior disponibilidade em prestar assistência ao pai, foi decidida a mudança de endereço do idoso. As filhas que estão organizadas em prestar a assistência diária e os filhos presentes concordaram que seja alugado, o mais rápido possível, um imóvel no bairro Tancredo Neves, local próximo a casa das filhas, onde deverão encontrar uma pessoa para residir com o idoso realizando supervisão constante devido seu comportamento, visto que na ultima residência o idoso teve problemas com o locatário por manter comportamento suspeito de aliciamento de menor. As filhas ficarão responsáveis pela assistência diária, preparo de alimentos e administração de medicação. O transporte ao médico será revezado pelos filhos Josias e Maria do Socorro, pois ambos possuem carro. [...] Os filhos decidiram ainda, devido ao custeio do aluguel e de um acompanhante, contribuir financeiramente. Estes valores serão administrados pelas filhas sendo destinado unicamente ao sustento do idoso.

4 No dia , as Sras. Aldacley e Maria do Socorro compareceram no MPEAM declarando que os irmãos Hudson e Jeferson estariam se recusando a ajudar nas despesas com o idoso. Dessarte, expediu-se ofício ao Chefe do Núcleo de Apoio Técnico MPEAM para que fosse verificada a situação vivenciada pelo Sr. Júlio Souza da Silva. Da visita realizada pelo NAT ao idoso, conclui-se que: No dia , o idoso passou a residir com sua filha Alcimar; O idoso estava gozando de relativa saúde, boa nutrição e lucidez, tendo em vista que é portador de hipertensão, catarata e estava em recuperação de 3 AVCs; O idoso estava recebendo os cuidados necessários às atividades básicas da vida diária e ao tratamento medicamentoso; Estava havendo sobrecarga física e financeira para as Senhoras Alcimar, Arilza e Socorro, que são as únicas filhas que prestavam auxílio ao pai. Por derradeiro, o PADI encaminhou, em fevereiro de 2014, mais um relatório de visita domiciliar, em que conclui da seguinte forma: Constatamos que o idoso está recebendo os cuidados necessários às atividades básicas de vida diária e ao tratamento medicamentoso, porém está havendo sobrecarga física para a filha Alcimar e financeira para a filha Socorro, o deixa limitada outro tipo de assistência como a médica e a fisioterapêutica ambulatorial; O Programa já esgotou todos os recursos para sensibilização de todos os filhos para prestarem assistência ao idoso, uma vez que já promoveu um encontro, no qual ficou acordada a forma de auxílio que seria prestado por cada filho e agora foi constatado que os mesmos não estão cumprindo o que fora convencionado, destacando que os filhos Jeferson e Hudson recusam-se a qualquer participação, desde o início do acompanhamento. É o relatório.

5 Como se infere da leitura do relatado, o objetivo do presente inquérito civil era a apurar suposta negligência sofrida pelo idoso Júlio Souza da Silva, cujos filhos não estariam dando a assistência necessária à sua subsistência. Nesse sentido, durante toda a investigação ministerial, empreenderam-se esforços, em conjunto com o Programa de Auxílio Domiciliar ao Idoso PADI, para que houvesse conscientização por parte dos filhos do idoso sobre a importância de lhe proporcionar condições de vida digna. Como consequência desse esforço empreendido, o idoso deixou de morar sozinho, passando a viver sob os cuidados de suas filhas Alcimar e Socorro, de maneira que a condição de negligência para com ele, constatada no início da investigação ministerial, deixou de existir, estando bem alimentado e sob tratamento medicamentoso. Desse modo, entende-se como esgotada a incumbência ministerial no vertente episódio no que diz respeito à garantia dos direitos básicos ao idoso (vida, saúde, alimentação e habitação). Quanto ao fato de que os demais filhos não estão colaborando com o sustento do pai, não se olvida de que há necessidade do rateio das despesas, de acordo com a inteligência do artigo 1.698, do Código Civil, no entanto trata-se da defesa do particular interesse das filhas do idoso, pugnando obrigações de fazer contra os seus irmãos, entendendo-se que tal mister deve ser buscado por meio de ação de advogado particular ou através da Defensoria Pública. Sob esses fundamentos, conclui-se pelo arquivamento dos presentes autos nos termos do art. 5º e 1º, da Resolução nº 548/07-CSMP/AM. Para tanto, determina-se seja previamente cientificada o Departamento de Ouvidora Nacional de Direitos Humanos, consoante prevê o art. 5º, in fine, da Resolução nº 548/2007-CSMP, concedendo-se-lhe, nos termos do 1º do mesmo artigo, o prazo legal de 10 (dez) dias para eventual interposição de recurso uma vez pretenda divergir desta manifestação.

6 Uma vez esgotado o prazo normativo acima assinalado, requer-se a homologação da presente promoção de arquivamento por este colendo Conselho Superior do Ministério Público, nos termos do 1 do art. 10 da Resolução 548/07-CSMP/AM. Em definitivo, extraiam-se cópias integrais dos presentes autos a fim de que sejam enviadas às Senhoras Aldacley Andrade da Silva e Maria do Socorro Silva de Andrade para, querendo, por meio de advogado legalmente constituído, ou através da Defensoria Pública, postulem as medidas judiciais cabíveis que seus irmãos, demais filhos do idoso, cumpram o acordo avençado perante o Programa de Auxílio Domiciliar ao Idoso - PADI. É a promoção. Manaus, 04 de junho de LIANI MÔNICA GUEDES DE FREITAS RODRIGUES Promotora de Justiça Titular da 58ª PRODEDIC