UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
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1 UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM ODONTOPEDIATRIA DENTE SUPRANUMERÁRIO NA REGIÃO DE MOLARES INFERIORES: RELATO DE CASO ANDRÉIA STANKIEWICZ Canoas, Dezembro de 2004
2 UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM ODONTOPEDIATRIA DENTE SUPRANUMERÁRIO NA REGIÃO DE MOLARES INFERIORES: RELATO DE CASO Monografia apresentada como requisito para obtenção do certificado de especialista em Odontopediatria ANDRÉIA STANKIEWICZ Professor Orientador: Italo Medeiros Faraco Junior Canoas, Dezembro de 2004
3 RESUMO Dentes supranumerários na região de molares inferiores são relativamente raros. Estima-se uma prevalência inferior a 2% dos casos ocorrendo nessa região. O presente estudo tem por objetivo apresentar um caso clínico pouco comum de uma paciente do sexo feminino de sete anos de idade que apresentava um dente supranumerário tubercular entre a raiz distal do dente 75 e o dente 36 incluso. O tratamento proposto foi a remoção cirúrgica do dente supranumerário e acompanhar a erupção do dente 36, que ocorreu em 13 meses. Procurou-se enfatizar a importância do diagnóstico precoce, da intervenção oportuna e da proservação adequada. Assim, é possível prevenir ou minimizar complicações, simplificando a forma de abordagem e favorecendo o prognóstico do paciente. Palavras-chave: anomalias dentárias, dentes supranumerários
4 SUPERNUMERARY TOOTH IN THE MANDIBULAR MOLARS REGION: REPORT OF CASE ABSTRACT Supernumerary teeth in the lower molar region are relatively rare. It is estimated a prevalence lesser than two percent of the cases occurring in this region. The current study has the objective to show a clinical uncommon case of a seven-year-old female patient that had a supernumerary tubercular tooth between the distal root of the tooth 75 and the impacted tooth 36. The intended treatment was the supernumerary tooth s surgical removal and to follow the permanent molar s eruption, that it occurred in 13 months. This survey tried to give emphasis in the importance of the early diagnosis, appropriate intervention and recommended proservation. Thus, it is possible to prevent or reduce the complications, simplifying the way of the approach and favoring patient s prognostic. Keywords: dental anomalies, supernumerary teeth
5 SUMÁRIO INTRODUÇÃO REVISÃO DE LITERATURA RELATO DO CASO CLÍNICO CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 25
6 INTRODUÇÃO Diagnóstico e conduta de anomalias dentárias em Odontopediatria são tão importantes quanto de outras situações clínicas corriqueiras como, por exemplo, doença cárie, doença periodontal, traumatismo alvéolo-dentário ou problemas oclusais. Estas anomalias acontecem a partir de alterações do processo fisiológico de desenvolvimento dentário, resultando em anomalias de número, forma, tamanho, estrutura ou má formação radicular. A odontogênese inicia a partir da atividade proliferativa continuada da lâmina dentária para dentro do ectomesêquima, formando estruturas denominadas germes dentários. Após a formação dos dentes decíduos, a lâmina dentária inicia também a formação de seus sucessores permanentes, a partir da proliferação por lingual, bem como dos molares permanentes, por distal dos dentes decíduos (GUEDES-PINTO, 2000). Assim, as dentições decídua e permanente formam-se, essencialmente, do mesmo modo, em tempos diferentes. Toda a dentição decídua é formada entre a sexta e a oitava semanas de desenvolvimento embrionário; os sucessores permanentes formam-se entre a vigésima semana intra-uterina e o décimo mês após o nascimento; e os molares permanentes, entre a vigésima semana intra-uterina e o quinto ano de vida (TEN CATE, 2001). Para alcançar sua maturidade morfológica e funcional, os dentes decíduos e permanentes passam por um ciclo vital característico composto de proliferação celular, histo e morfodiferenciação, mineralização e rizogênese.
7 Uma interferência que ocorra no estágio de iniciação e proliferação da lâmina dentária pode resultar tanto em falta de dentes anodontia, oligodontia ou hipodontia, como em excesso dentes supranumerários (SRIVASTAVA, SRIVASTAVA, 2001; TEN CATE, 2001). Quando, portanto, existe a formação de um ou mais dentes adicionais à série normal, tanto na dentição decídua como na permanente, caracteriza-se a ocorrência de dentes supranumerários. Esta anomalia pode ocorrer tanto na maxila como na mandíbula, uni ou bilateralmente, sendo que os dentes podem ser morfologicamente mal formados ou normais e podem erupcionar ou permanecer retidos (HATTAB et al., 1994). A importância do diagnóstico precoce de um supranumerário reside nas complicações a ele associadas, tais quais distúrbios de erupção (retenção ou retardo), problemas oclusais (apinhamento, rotação, deslocamento do dente permanente, formação de diastemas), problemas patológicos (formação cística, reabsorção radicular do dente adjacente, erupção no assoalho da cavidade nasal), além de problemas estéticos (HATTAB et al., 1994; GARVEY et al., 1999). Um dente supranumerário que esteja causando qualquer uma dessas complicações requer uma intervenção oportuna, a fim de um prognóstico mais favorável. A proposta deste estudo é revisar a literatura existente a respeito da presença de dentes supranumerários nas dentições decídua e/ou permanente, considerando diagnóstico e conduta desta situação em Odontopediatria e relatar um caso de uma paciente do sexo feminino de sete anos de idade, tratada na clínica de Especialização em Odontopediatria do curso de Odontologia da ULBRA, que apresentava um dente supranumerário tubercular na região do primeiro molar inferior esquerdo.
8 REVISÃO DE LITERATURA Na história da Odontologia, o primeiro relato de dente supranumerário, também conhecido como extranumerário, hiperdontia ou polidontia, é atribuído a Pliny (23 e 79 d.c.), que escreveu que Timarcus, filho de Nicocles de Paphus, tinha duas séries de molares (WEINBERGER, 1948). De fato, esta anomalia já estava presente em homens pré-históricos na África do Sul, conforme relatos, há mais de 1,7 milhões de anos (RIPAMONTI et al., 1999). A etiologia, entretanto, ainda não está bem esclarecida. Evidências histológicas indicam que após a iniciação do germe dentário a lâmina dentária começa a degenerar naquele local. Remanescentes da lâmina dentária, contudo, persistem como ilhas ou pérolas epiteliais nos maxilares. Se estes forem estimulados à iniciação por fatores indutores, um germe dentário extra é formado, podendo resultar tanto no desenvolvimento de um dente supranumerário como de um odontoma. Um dente supranumerário pode surgir ainda independentemente, pela atividade contínua da lâmina dentária após a formação do número normal de germes dentários, ou resultar da completa divisão (dicotomia) de um germe dentário (HATTAB et al., 1994; LIU, 1995; GARVEY et al., 1999). Alguns autores sugerem que dentes supranumerários, representam o reaparecimento de dentes que foram suprimidos durante o processo de evolução do ser humano, de acordo com a teoria da reversão filogenética de primatas extintos ou ainda teoria do atavismo (STAFNE, 1932; GRIMANIS et al., 1991; ZHU et al., 1996). Hereditariedade também constitui um fator importante na ocorrência de supranumerários, constituindo uma mutação genética, uma herança de caráter autossômico dominante ou ainda uma herança ligada ao sexo (GRIMANIS et
9 al., 1991; CAMERON et al., 1997). A etiologia hereditária ainda encontra sustentação nos relatos de dentes supranumerários ocorrendo em irmãos gêmeos (SEDDON et al., 1997), bem como na grande freqüência de dentes supranumerários presentes em pacientes com anomalias maxilofaciais (GRIMANIS et al., 1991). Desordens genéticas, portanto, estão muitas vezes associadas a uma alta freqüência de ocorrência de dentes supranumerários. Uma delas é a síndrome de Gardner, onde além da presença característica de múltiplos supranumerários retidos, o paciente apresenta pólipos no intestino grosso, osteomas, cistos epidermóides ou sebáceos de pele (HATTAB et al., 1994; ALVAREZ, CREATH, 1995; GARVEY et al., 1999). Na displasia cleidocranial, uma doença hereditária de caráter autossômico dominante, caracterizada pela ausência de clavículas, face e cabeça patognomônicas, subdesenvolvimento maxilar e retenção prolongada da dentição decídua, com subseqüente atraso na erupção dos sucessores permanentes, os pacientes também costumam apresentar múltiplos dentes supranumerários retidos (HATTAB et al., 1994; ZHU et al., 1996; GARVEY et al., 1999; YOSHIDA et al., 2002). Fendas de lábio e palato também podem determinar a formação de dentes supranumerários, devido à fragmentação da lâmina dentária durante a formação da fissura (HATTAB et al., 1994; ALVAREZ, CREATH, 1995). Existem ainda outras síndromes associadas à presença de supranumerários tais como síndrome de Down, de Hallerman-Streiff, de Nance- Horan, oro-facial-digital (tipos 1 e 3) e trico-rino-falangeal (ZHU et al., 1996). Atualmente, mais de 20 síndromes e anomalias de desenvolvimento têm sido associadas a dentes supranumerários (Quadro 1). Dentes supranumerários podem ser classificados de acordo com sua forma, localização, número, presença clínica e inclinação axial. Morfologicamente existem dois tipos de dentes supranumerários: os suplementares ou eumorfos, com forma e tamanho normais, semelhantes aos do grupo de dentes da série normal ao qual estão associados; e os rudimentares ou dismorfos, que são freqüentemente menores e de forma irregular (ALVAREZ, CREATH, 1995).
10 Quadro 1: Síndromes associadas com dentes supranumerários. SÍNDROMES Síndrome de Apert Cromossomo 13 Displasia cleidocranial Displasia craniometafísica Doença de Crouzon Síndrome de Down Síndrome de Ehlers-Danlos Fucosidose Síndrome de Gardner Síndrome de Hallerman-Streiff Efeitos dentais da hipertricose Síndrome de Klippel-Trenaunary-Weber Síndrome Laband Retardo mental, macrocefalia, hipotonia, coarse fácies Retardo mental, pterigia, distinctive fácies Síndrome de Nance-Horan Síndrome oro-facial-digital (tipos 1 e 3) Polidactilia Síndrome de Sturge-Weber Síndrome de sobre-crescimento tipo Teebi Síndrome trico-rino-falangeal Retardo mental ligado ao cromossomo X, crescimento marfanóide Retardo mental ligado ao cromossomo X, tipo Prieto FREQÜÊNCIA RELATIVA Baixa Baixa Alta Baixa Baixa Alta Rara Rara Alta Alta Baixa Baixa Rara Baixa Baixa Alta Alta Rara Baixa Baixa Alta Baixa Baixa Fonte: Zhu et al., 1996 Na dentição decídua são em geral normais ou cônicos. Na dentição permanente existe uma grande variedade de formas cônicos, tuberculares, incisiviformes, molariformes, invaginados ou do tipo odontoma, que são dentes sem nenhuma forma regular (HOWARD, 1967; HATTAB et al., 1994). Quanto à localização, os supranumerários podem ser classificados de acordo com a arcada: superior, inferior ou em ambas as arcadas; de acordo com a hemiarcada: lado direito, esquerdo ou na linha média; de acordo com a posição sagital: palatina, vestibular ou intermediária; ou ainda de acordo com a posição específica que o dente supranumerário ocupa na hemiarcada, geralmente relacionada ao grupo de dentes normais aos quais eles estão associados: incisivos centrais, laterais, caninos, pré-molares e molares (LUTEN, 1967; HATTAB et al., 1994; ZHU et al., 1996; PRIMO et al., 1997). A classificação relativa ao número é representada pela quantidade de elementos extras presentes (PRIMO et al., 1997), apresentando-se isoladamente, aos pares ou múltiplos. Clinicamente, o dente supranumerário pode aparecer erupcionado ou não (LUTEN, 1967).
11 A inclinação axial é descrita como normal, oblíqua, invertida ou horizontal, de acordo com a posição em que o dente supranumerário se encontra (BODIN et al., 1981). A prevalência de dentes supranumerários na literatura varia entre 0,05 e 6,4% em diferentes populações (Tabela 1). Em caucasianos ocorrem, em geral, entre 0,08 e 2% (STAFNE, 1932; GRAHNÉN, LINDHAL, 1961; LUTEN, 1967; BODIN et al., 1981; BUENVIAJE, RAPP, 1984; CARVALHO et al., 1998; THONGUDOMPORN, FREER, 1998); na população asiática esse número é superior a 2,5% (PARRY, IYER, 1961; DAVIS, 1987; NIK-HUSSEIN, MAJID, 1996). A dentição permanente é afetada aproximadamente duas vezes mais que a decídua (LUTEN, 1967). A freqüência na dentição permanente gira em torno de 0,9 a 2,7% (STAFNE, 1932; GRAHNÉN, LINDHAL, 1961; PARRY, IYER, 1961; DAVIS, 1987; THONGUDOMPORN, FREER, 1998), enquanto na dentição decídua, entre 0,05 e 0,8% (CARVALHO et al., 1998; MIYOSHI et al., 2000; CAMERON et al., 1997). Embora na dentição decídua não haja diferença significativa em relação ao sexo, os estudos sugerem que na dentição permanente o sexo masculino seja afetado aproximadamente duas vezes mais que o feminino (PARRY, IYER, 1961; BODIN et al., 1981; HATTAB et al., 1994; PRIMO et al., 1997). Quanto à morfologia, aproximadamente 90% dos dentes supranumerários são dismorfos (BODIN et al., 1981). Cerca de 56% deles têm forma cônica, 12% tubercular; 11% com forma semelhante aos dentes normais e 12% com outras configurações (ZHU et al., 1996). Observa-se que cerca de 80 a 90% dos dentes supranumerários ocorrem na arcada superior (STAFNE, 1932; LUTEN, 1967; PRIMO et al., 1997; VAN WAES, STÖKLI, 2002). Aproximadamente 68,6% deles na região anterior da maxila (CUNHA FILHO et al., 2002). O tipo mais comum é o mesiodens, um típico supranumerário conóide situado na linha média, cuja prevalência varia entre 36 e 60% (STAFNE, 1932; LUTEN, 1967; LIU, 1995; PRIMO et al., 1997). Quanto à posição sagital, 72% estão situados por palatino, 4,2% por vestibular e 23% na linha da arcada (BODIN et al., 1981).
12 Tabela 1 Estudos sobre prevalência de dentes supranumerários em diferentes populações. Referência País Amostra Dentição Metodologia Prevalência STAFNE, 1932 EUA Permanente GRAHNÉN, LINDHAL, 1961 SUE Permanente PARRY, IYER, 1961 IND Permanente LUTEN, 1967 EUA Decídua e mista BODIN et al., 1981 SUE BUENVIAJE, RAPP, 1984 EUA Decídua e permanente Decídua e permanente DAVIS, 1987 CHI Permanente NIK-HUSSEIN, MAJID, 1996 MAL 65 Decídua PRIMO et al., Decídua e 1997 BRA permanente Exame radiográfico 0,90% Exame físico e radiográfico 1,7 e 3,1%* Exame físico e radiográfico 2,50% Exame físico e radiográfico 2% Exame físico e radiográfico 0,96% Exame físico e radiográfico 0,45% Exame físico e radiográfico 2,70% Exame radiográfico 6,15% Exame físico e radiográfico 2,96% CARVALHO et al., 1998 BEL 750 Decídua Exame físico 0,08% THONGUDOMP ORN, FREER, 1998 AUS 111 Mista e permanente Exame físico 1,80% MIYOSHI et al., 2000 JAP Decídua Exame físico 0,05% CUNHA FILHO Decídua e Exame et al., 2002 BRA 848 permanente radiográfico 6,40% * Excluindo e incluindo, respectivamente, os casos reportados como extraídos previamente. Liu (1995) fez um estudo analisando as características de 112 casos de crianças de Taiwan com diagnóstico de dente supranumerário na região anterior da maxila, e observou que a maioria estava localizada na região central (96,7%), tinha forma cônica (67,7%) e se encontrava por palatino (78,3%). Cunha Filho et al. (2002) encontraram uma prevalência de 57,8% na região de incisivos centrais superiores (Ânt.-sup.), 10,9% na região de molares superiores (Molar. sup.), 9,4% na região de pré-molares superiores (PM sup.), 9,4% na região de pré-molares inferiores (PM inf.), 7,8% na região de caninos superiores (Can. sup.) e 4,8% em outras regiões (Gráfico 1).
13 Gráfico 1 Freqüência (%) dos supranumerários de acordo com a localização nos pacientes da Disciplina de CTBMF da Faculdade de Odontologia da UFRGS em Porto Alegre. 60% Ânt.-sup. 40% 20% 0% Molar sup. PM sup. PM inf. Can. sup. Outras Fonte: Cunha Filho et al., Supranumerários na região de molares ocorrem aproximadamente quatro vezes mais na maxila do que na mandíbula e se apresentam retidos em 88 a 95% dos casos (BARNETT, 1972; GRIMANIS et al. 1991; MENARDÍA- PEJUAN et al., 2000). Casos de dentes supranumerários na região de molares inferiores são raros (LANGAN, 1975). Estima-se uma freqüência de apenas 1,6% ocorrendo nessa região (CUNHA FILHO et al., 2002). Quanto ao número de dentes supranumerários presentes, em 80 a 90% dos casos são achados únicos, 10% a 20% aos pares e 1 a 3% são múltiplos, geralmente associados a síndromes (STAFNE, 1932; LUTEN, 1967; BODIN et al., 1981; LIU, 1995; PRIMO et al., 1997). Os dentes supranumerários encontram-se retidos em 77,6 a 92% das vezes (STAFNE, 1932; BODIN et al., 1981; BUENVIAJE, RAPP, 1984). Zhu et al. (1996) encontraram apenas 34% dos casos erupcionados. A morfologia não foi um fator decisivo, pois a porcentagem de dentes cônicos e tuberculados erupcionados 32 e 37% respectivamente foi semelhante. Já a inclinação axial do supranumerário sim, pois todos aqueles que estavam posicionados normalmente erupcionaram, enquanto aqueles que estavam em posição transversa ou invertida permaneceram retidos e tiveram que ser removidos cirurgicamente. Nos casos de anomalias na dentição decídua, podem ser esperados problemas semelhantes na dentição permanente (VAN WAES, STÖKLI, 2002). Nik-Hussein e Majid. (1996) ao estudarem agenesia, dentes duplos e supranumerários, sugeriram que as dentições decídua e permanente de um indivíduo podem ser afetadas por uma mesma anomalia em 63% dos casos.
14 Analisando supranumerários isoladamente, a correlação encontrada no estudo foi de 50% dos casos ocorrendo em ambas dentições. A coexistência de anomalias dentárias em um mesmo indivíduo, embora pouco comum, pode acontecer (MATSUMOTO et al., 2001). Zhu et al. (1996) relataram a ocorrência de supranumerários e ausência congênita de dentes concomitantemente, com probabilidade estimada entre 8 a 15 casos em cada indivíduos. A existência de um fator comum causando supressão do epitélio odontogênico e hiperatividade da lâmina dentária nesses casos ainda é desconhecida (MUNNS, 1967). Associações entre anomalias dentárias e distúrbios de erupção foram analisadas estatisticamente por Bacetti (1998). Ele observou correlação significativa entre agenesia de segundo pré-molar, microdontia de incisivo lateral superior, infraoclusão de molar decíduo, hipoplasia de esmalte e deslocamento palatino de canino superior, sugerindo uma origem genética comum para estas condições. Dentes supranumerários constituíram uma entidade etiológica separada em relação aos demais distúrbios examinados neste estudo. A presença de dentes supranumerários pode determinar uma série de conseqüências no complexo dento-facial, tais quais atraso na erupção do dente permanente; não erupção do dente permanente; retenção prolongada do dente decíduo; deslocamento dentário; formação de diastemas; mau posicionamento do dente adjacente; erupção ectópica; dor; reabsorção radicular do dente adjacente, formação de cistos e tumores ou mesmo não ocasionar nenhuma conseqüência, permanecendo assintomático. Aumento da incidência de cáries também tem sido relatado quando existe a formação de zonas de retenção de placa que dificultem a higienização. Em geral, a influência da presença de supranumerários no complexo dento-facial está relacionada a alterações de erupção dos dentes permanentes em 25 a 35% dos casos, e podem estar associadas ou não com outras complicações (LUTEN, 1967; BODIN et al., 1981; GRIMANIS et al., 1991; PRIMO et al., 1997). O diagnóstico precoce é fundamental para evitar ou minimizar complicações estéticas e funcionais decorrentes da presença de supranumerários. Eles freqüentemente são descobertos quando ocorre atraso na erupção de algum dente ou erupção ectópica, através de exame físico e
15 radiográfico cuidadoso (HATTAB et al., 1994; LIU, 1995; CAMERON et al., 1997). A maioria dos supranumerários decíduos erupciona normalmente devido à presença dos espaços interdentais (HATTAB et al., 1994) e pode ser facilmente detectada através do exame físico, contando-se os dentes. No caso de supranumerários retidos, o exame radiográfico é fundamental para determinar o diagnóstico, a posição do supranumerário e sua relação com o dente adjacente, bem como a distância do dente permanente retido do plano oclusal. Para Hattab et al. (1994), a freqüência com que supranumerários ocorrem e seus efeitos deletérios no desenvolvimento de uma oclusão normal justificariam o exame radiográfico em pré-escolares. A radiografia panorâmica, nesse caso, seria a indicada, pois além de favorecer a detecção precoce de anomalias dentárias, reduziria o número de incidências intra-orais necessárias para este fim (BUENVIAJE, RAPP, 1984). A localização vestibular ou lingual do supranumerário pode ser obtida através da técnica do paralelismo, tomando duas radiografias com angulações horizontais diferentes (Técnica de Clark). Se o dente estiver situado por palatino ou lingual, vai acompanhar o deslocamento da fonte de raios-x; se estiver por vestibular, se deslocará na direção oposta (HATTAB et al., 1994; ALVAREZ, CREATH, 1995; GARVEY et al., 1999). O exame pode ser complementado com incidências oclusais e radiografia panorâmica. Em muitas situações, um exame físico completo e avaliação radiográfica intrabucal e panorâmica não contribuem com elementos suficientes para um diagnóstico e tratamento precisos, pois uma das limitações dos exames radiográficos é a projeção bidimensional de um complexo anatômico tridimensional, causando sobreposição de estruturas. A tomografia computadorizada poderia então ser utilizada, por fornecer excelentes detalhes quanto à morfologia e proximidade de estruturas anatômicas. Em relação a dentes retidos, a tomografia computadorizada pode demonstrar claramente o número e posição de raízes, inclinação do dente e sua proximidade com dentes e estruturas vizinhas, facilitando o acesso e a técnica cirúrgica, e conseqüentemente reduzindo o tempo de intervenção, o que constitui uma grande vantagem em se tratando de crianças (OLIVEIRA et al., 2000).
16 A conduta frente a um caso de dente supranumerário vai depender do tipo e posição do mesmo e o potencial efeito sobre a dentição (GARVEY et al., 1999). Os tratamentos propostos para os pacientes portadores de supranumerários podem ser enumerados da seguinte forma: acompanhamento clínico-radiográfico, extração imediata ou extração mediata do dente supranumerário (HATTAB et al., 1994; PRIMO et al., 1997). O monitoramento está indicado quando o dente adjacente erupcionar adequadamente, não houver necessidade de tratamento ortodôntico, nem patologia associada ou ainda quando a remoção prejudicar a vitalidade do dente adjacente (ZHU et al., 1996; GARVEY et al., 1999). A idade da criança também é um fator que deve ser considerado no momento de optar pela proservação. Crianças muito pequenas podem ser incapazes de suportar psicologicamente uma intervenção cirúrgica. A decisão de não avulsionar um dente supranumerário deve ser comunicada ao paciente ou a seus responsáveis, alertando que poderá haver modificação de conduta com base nos achados clínico-radiográficos, que deverão ser feitos periodicamente (GREGORI in: GUEDES-PINTO, 2001). A extração do supranumerário está indicada quando qualquer complicação for diagnosticada, a fim de um prognóstico mais favorável (ALVAREZ, CREATH, 1995; ZHU et al., 1996). Assim, a remoção cirúrgica pode ser realizada imediatamente após o diagnóstico, ou ser postergada até o desenvolvimento radicular completo do dente permanente adjacente (HATTAB et al., 1994). Alguns autores sugerem aguardar a completa formação radicular do dente vizinho, alegando a possibilidade da perda de vitalidade do mesmo e malformações radiculares decorrentes da intervenção precoce (HATTAB et al., 1994). Além disso, a capacidade de colaboração da criança aumentaria com a idade. Por outro lado, retardar a intervenção pode resultar na redução da força eruptiva do dente adjacente, na perda de espaço na arcada, em desvio da linha média e necessidade de tratamento cirúrgico/ortodôntico mais extenso (HATTAB et al., 1994; ZHU et al., 1996).
17 A escolha da técnica cirúrgica vai depender da localização do supranumerário. No caso de dentes retidos, divulsão de tecidos moles, osteotomia e, algumas vezes, até mesmo odontossecção são necessários (GREGORI in: GUEDES-PINTO, 2001). Respeitados os princípios cirúrgicos, o pós-operatório da avulsão de dentes supranumerários demanda as observações de rotina quanto ao controle da dor, do edema, da imobilização tecidual, visando hemostasia e a ingestão de alimentos frios, líquidos ou pastosos nas primeiras 24 horas; bem como o controle clínico-radiográfico periódico (GREGORI in: GUEDES-PINTO, 2001). A maioria dos dentes retidos (aproximadamente 75%) erupciona espontaneamente após a remoção do supranumerário, num período que varia entre 16 meses e 3 anos, considerando o tipo de supranumerário, o grau de deslocamento ou inclinação do dente retido, o espaço disponível na arcada e o período do diagnóstico e intervenção cirúrgica (HATTAB et al., 1994; ZHU et al. 1996). Quando não ocorrer erupção espontânea, exposição cirúrgica e tração ortodôntica podem ser necessárias.
18 RELATO DO CASO CLÍNICO Paciente M. E. L. S., sexo feminino, sete anos de idade, natural de Canoas - RS, procurou atendimento na Clínica de Odontopediatria do curso de Odontologia da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) em agosto de O motivo da consulta era o atraso na erupção do primeiro molar permanente inferior esquerdo (36). Ao exame físico podia-se observar a presença dos demais primeiros molares permanentes (16, 26 e 46), que a mãe relatou já haverem erupcionado acerca de um ano, dos incisivos centrais e laterais superiores permanentes, dos incisivos centrais inferiores permanentes, laterais inferiores permanentes em erupção e todos os demais em boca, decíduos (figuras 1 e 2). Figura 1 Arcada superior apresentando cronologia de erupção normal. Figura 2 Arcada inferior evidenciando a ausência clínica do dente 36. Foi, então, realizado o exame radiográfico e constatou-se a presença de um supranumerário na região do dente 36 (figuras 3 e 4). Dessa forma, foi feita outra tomada periapical, de acordo com a Técnica de Clark (figura 5), bem
19 como uma incidência oclusal (figura 6), para avaliar a localização do supranumerário. Tendo este acompanhado o deslocamento do cone, com a confirmação da radiografia oclusal, verificou-se que o supranumerário estava situado por lingual do dente 36. Figura 3 Imagem compatível com dente supranumerário (seta) intraósseo na região de molar inferior esquerdo em radiografia interproximal. Figura 4 Radiografia periapical da região em posição ortorradial. Observa-se o dente 36 retido. Figura 5 Técnica de Clark: o deslocamento do cone de RX no sentido mesial foi acompanhado pelo dente supranumerário. Figura 6 Confirmação da localização palatina do supranumerário (seta) pela incidência oclusal. Dessa forma, a paciente teve diagnosticado dente supranumerário provocando retenção do primeiro molar permanente inferior esquerdo, com indicação de remoção cirúrgica. Foi então solicitada uma radiografia panorâmica (figura 7) para auxiliar no planejamento da intervenção cirúrgica.
20 Figura 7 Radiografia panorâmica da paciente confirmando o diagnóstico de dente supranumerário tubercular incluso unilateral provocando a retenção do dente 36. A técnica cirúrgica realizada iniciou com a antissepsia do campo operatório, aplicação de anestésico tópico, bloqueio anestésico regional do nervo dentário inferior e lingual e anestesia transpapilar na mesial do 75 (figura 8). Figura 8 Realização da anestesia regional, sendo complementada com a transpapilar. Seguiu-se incisão intrasulcular por lingual desde a face mesial do dente 75, com divertículo, estendendo-se para distal de forma a abranger a região de localização do supranumerário, bem como do permanente (figura 9).
21 Figura 9 Incisão sendo feita por lingual a partir da região distal até a mesial do dente 75. Foi feita a divulsão dos tecidos moles e osteotomia com cinzel aplicado manualmente até visualizar o dente supranumerário retido (figura 10), que foi então liberado e avulsionado com o auxílio de elevadores dentais. Figura 10 Visualização do supranumerário incluso (seta). A região foi curetada, irrigada com soro fisiológico e feita sutura a pontos isolados (figura 11). Figura 11 Sutura a pontos isolados.
22 A paciente tolerou bem a cirurgia e colaborou durante todo o procedimento. Ao final, foi prescrito um analgésico (paracetamol) e foram dadas orientações pós-operatórias quanto à anestesia, sangramento, higiene oral e alimentação. O supranumerário extraído pode ser classificado como rudimentar, em forma de tubérculo e com pouco desenvolvimento radicular (figura 12). Figura 12 Supranumerário tubercular extraído, de tamanho diminuto e praticamente sem formação radicular. O primeiro retorno da paciente ocorreu em sete dias, para controle e remoção de sutura. Na reavaliação radiográfica, 30 dias após o procedimento cirúrgico, já era possível observar um leve deslocamento do dente no sentido do plano oclusal (figura 13). Após seis e dez meses (figuras 14 e 15), clinicamente ainda não tinha havido o irrompimento do dente permanente, porém, radiograficamente, pôdese observar o desaparecimento da tábua óssea e o dente em posição adequada para a erupção. Figura 13 Radiografia periapical 1 mês após a cirurgia. Figura 14 Radiografia periapical 6 meses após a cirurgia. Figura 15 Radiografia periapical 10 meses após a cirurgia.
23 A erupção ocorreu espontaneamente após 13 meses, quando foi então possível observar a presença clínica das cúspides mesiais do primeiro molar inferior esquerdo (figura 16). Nenhuma intervenção adicional se fez necessária e o acompanhamento periódico foi mantido. Figura 16 Início da erupção do 36, treze meses após a remoção do supranumerário.
24 CONSIDERAÇÕES FINAIS Dentes supranumerários representam uma anomalia de desenvolvimento onde ocorre a formação de um número de dentes além do esperado nas séries normais. A etiologia, embora ainda pouco definida, mostra que fatores genéticos e locais estão associados na sua determinação. Sendo assim, a importância do diagnóstico precoce das anomalias dentárias, em particular dos dentes supranumerários, é praticamente consenso entre os autores. Dessa forma é possível prevenir ou minimizar inúmeras complicações oclusais, patológicas e estéticas associadas à presença desses dentes. Para fins de diagnóstico, além do exame clínico minucioso, o exame radiográfico é fundamental. Alguns autores (BUENVIAJE, RAPP, 1984; HATTAB et al., 1994) recomendam a realização de radiografia panorâmica em crianças a partir dos seis anos de idade, o que seria interessante na detecção precoce das anomalias dentárias. Embora a tomografia computadorizada seja um excelente recurso de diagnóstico e planejamento para situações de retenção dentária, devido à sua característica tridimensional, o custo elevado ainda inviabiliza seu uso em um grande número de casos. Verificou-se que a freqüência em relação à presença de dentes supranumerários varia consideravelmente na literatura, de acordo com os diferentes materiais e métodos de investigação utilizados. Estudos que incluem avaliação clínica e radiográfica são os mais adequados para determinar prevalência de dentes supranumerários, já que cerca de 65 a 92% destes
25 encontram-se retidos (STAFNE, 1932; BODIN et al., 1981; BUENVIAJE, RAPP, 1984; LIU, 1995), principalmente em se tratando de dentição permanente. Nos estudos de prevalência em dentição decídua, mesmo que a avaliação seja apenas visual, o risco de subestimar a prevalência de dentes supranumerários é menor, pois a grande maioria dos casos apresenta-se erupcionada (MIYOSHI et al., 2000), devido à existência dos espaços interdentais. A literatura odontológica demonstra que a freqüência de dentes supranumerários nas diferentes populações variou entre 0,05 e 6,4%. Existe uma tendência entre os autores em afirmar que dentes supranumerários estejam presentes mais freqüentemente no sexo masculino, com relação à dentição permanente, demonstrando diferenças significativas em amostras equivalentes de homens e mulheres (PARRY, IYER, 1961; BODIN et al., 1981; DAVIS, 1987; HATTAB et al., 1994; PRIMO et al., 1997, CUNHA FILHO et al., 2002). Os estudos epidemiológicos mostram que a maioria dos dentes supranumerários ocorre na região anterior da maxila, numa freqüência que varia em torno de 50 a 68,6% dos casos (STAFNE, 1932; LIU, 1995; CUNHA FILHO et al., 2002). A maxila é mais afetada que a mandíbula numa proporção aproximada de 8:1 respectivamente (STAFNE, 1932; LUTEN, 1967). A localização preferencial é a palatina em 72 a 78% dos casos (BODIN et al., 1981; LIU, 1995). Em geral, são achados únicos (80 a 90%), sendo que a observação de múltiplos dentes supranumerários em um mesmo indivíduo pode remeter à existência de uma síndrome associada (STAFNE, 1932; PARRY, IYER, 1961; LUTEN, 1967; BODIN et al., 1981; LIU, 1995; PRIMO et al., 1997). A morfologia cônica é a mais freqüente, variando na literatura entre 55,7 e 90,6% (PARRY, IYER, 1961; LIU, 1995; PRIMO et al., 1997; CUNHA FILHO et al., 2002). Observou-se ainda que dentes em posição transversa ou invertida nunca erupcionam e devem ser removidos cirurgicamente (ZHU et al,. 1996). Em relação às propostas de tratamento, foram observadas divergências consideráveis entre os autores. O controle periódico por parte do profissional deve ser avaliado de acordo com as condições psicológicas e clínicas apresentadas pelo paciente no momento do diagnóstico. Outra opção é a intervenção imediata (ZHU et al., 1996), onde muitas vezes se observa a rizogênese incompleta do dente adjacente. Nesse caso, existe a
26 possibilidade de que a intervenção cirúrgica prejudique a vitalidade do dente permanente vizinho. Recomenda-se então aguardar até que a formação radicular se encontre em uma etapa mais avançada a fim de reduzir os riscos. O ideal, portanto, é que a intervenção seja realizada no momento adequado, buscando aproveitar ao máximo o potencial eruptivo do dente e preservar a integridade das estruturas anatômicas e dos dentes adjacentes. A demora na realização do diagnóstico e tratamento implica, muitas vezes, na necessidade de técnicas mais complexas, através de uma interação interdisciplinar. Após a intervenção cirúrgica, a literatura aponta que 75% dos casos de supranumerários retidos erupcionam espontaneamente após 1,5 a 3 anos (HATTAB et al., 1994; ZHU et al. 1996). Sendo a ocorrência de dentes supranumerários na região de molares inferiores um evento pouco comum (inferior a 2% dos casos) pode-se considerar o caso relatado raro. Como o diagnóstico foi realizado em tempo de prevenir outras complicações e seqüelas, a proposta de tratamento consistiu somente na remoção cirúrgica e acompanhamento da erupção do permanente, que ocorreu dentro de 13 meses, período similar àquele estimado pela literatura. Através deste relato de caso, portanto, procurou-se enfatizar a importância do diagnóstico precoce de dentes supranumerários, da intervenção em momento oportuno, a fim de prevenir complicações, simplificar o tratamento e favorecer o prognóstico do paciente; e do protocolo de controle clínicoradiográfico adequado. As evidências científicas encontradas na literatura a respeito de dentes supranumerários estão de acordo com a conduta adotada.
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