Assistência ou prevenção: eis a questão! A organização da atenção nutricional em um município brasileiro
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- Victoria Bastos
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1 Assistência ou prevenção: eis a questão! A organização da atenção nutricional em um município brasileiro Introdução Ser gestora de alimentação e nutrição de um município é um grande desafio, principalmente em um momento de reestruturação do sistema de atenção à saúde em redes integradas. Sei disso porque conheço uma gestora de alimentação e nutrição municipal, e há muito tempo ouço suas histórias... Antes de ocupar esse cargo de gestão, ela já havia trabalhado em hospital, onde refletia sempre: "por que esse paciente chegou ao ponto de precisar ser internado? Sofrer um Acidente Vascular Encefálico? Estar com câncer? Por que não estamos realizando de maneira suficiente a prevenção para reduzir o número de casos de doenças que podem ser evitadas?". Essa profissional interrompeu o trabalho no hospital após aceitar o convite para coordenar as ações de alimentação e nutrição de um município de aproximadamente 200 mil habitantes. No momento do convite, as ações da área relacionavam-se, principalmente ao Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN e ao Programa Bolsa Família (PBF). As três nutricionistas do município - uma delas lotada em uma unidade que conta com três equipes da Estratégia Saúde da Família e outras duas que atendem em um centro de referência ambulatorial - articulam suas ações com as várias equipes de saúde, pois a prevenção de agravos e a promoção de hábitos de vida saudáveis não são temas exclusivos desses profissionais. Outros trabalhadores de saúde devem e atuam nessa temática. Infelizmente, pela falta de profissionais que temos hoje, não conseguimos atender a toda demanda do município. Muitas equipes e profissionais colaboram com a atenção nutricional na atenção básica: nutricionistas, enfermeiros, técnicos de enfermagem, agentes comunitários de saúde, pediatras, médicos de saúde da família, psicólogos, fisioterapeuta e, às vezes assistentes sociais.
2 Para atender as demandas são realizadas diversas ações, resultado de um grande trabalho de planejamento e de organização da equipe da Coordenação de Alimentação e Nutrição. Veja na figura! Atendimento individual Ações na escola Ações locais de alimentação e nutrição Vigilância alimentar e nutricional (Sisvan) Atenção domiciliar (pacientes acamados) Atividades educativas em grupo As nutricionistas articulam suas ações com as várias equipes de saúde e têm a liberdade de organizar suas agendas para atendimento individual ou, se necessário, para realização de grupos, conforme o cronograma e a necessidade das equipes de saúde. A decisão do(a) gestor(a): foco na assistência ou na prevenção? A gestora costuma dizer: Nós ainda não conseguimos fazer um trabalho efetivo de prevenção que atenda muitas pessoas e que conscientize e sensibilize os usuários. Por outro lado, há que se reconhecer que houve uma evolução também, em relação ao que era há quatro anos. Havia apenas um nutricionista no atendimento na atenção básica, tentando fazer grupos e outras atividades. Hoje já são três profissionais de nutrição, em parceria com outros profissionais de saúde e se pretende aumentar esse número!". 2
3 Para construir um bom planejamento e implementar as ações de alimentação e nutrição, a equipe da área técnica desenvolveu a seguinte estratégia: inicialmente, elaboram um cronograma prévio desde o início do ano, para que todos se organizem e estejam disponíveis para as reuniões mensais. Nos encontros conversam sobre tudo o que está acontecendo e o que pretendem que aconteça. Após cada reunião, um dos presentes faz a memória e registra as informações, para que seja possível identificar os itens que foram solucionados e aqueles ainda pendentes. E assim vão organizando as ações... O Sisvan tem contribuído muito para o planejamento e implementação das ações locais de alimentação e nutrição, como relatou a gestora a seguir: Como vocês utilizam o Sisvan para o planejamento municipal das ações de alimentação e nutrição? Nós utilizamos essa ferramenta para analisar os dados e planejar as ações. Quem preenche a ficha são os agentes comunitários e os técnicos de enfermagem e, às vezes, as enfermeiras. Os nutricionistas e os enfermeiros têm a senha e o cadastro de acesso ao Sistema para poder monitorar, ver relatórios, ver dados, fazer a análise dos usuários que estão cadastrados no Sisvan. Ou seja: não fica restrito à Nutrição! Muitos municípios não têm nutricionista, e não é por isso que não pode ser feita a vigilância alimentar nutricional, não é mesmo? Por meio das reuniões mensais de equipe, foi possível montar o fluxograma de atendimento nutricional do município, utilizado desde Quando há uma alteração nesse fluxograma, por exemplo, por ausência de algum profissional, ele é refeito por toda a equipe. A gestora é responsável por comunicar qualquer alteração às equipes de saúde, garantindo o bom funcionamento do processo. Por termos um bom relacionamento e uma boa articulação, conseguimos nos reunir todo mês para falar sobre o que está acontecendo e planejar a atenção nutricional no município. Essa reunião mensal facilita o processo de evolução, de construção. Se não tivesse, se cada um atuasse de forma independente e da maneira que achasse que deveria atuar, não teria se avançado tanto quanto se avançou. 3
4 estratégico: O fluxograma de atendimento foi montado a partir do seguinte modelo S Diagnóstico Institucional ou Organizacional É um instrumento indispensável de gestão, que consiste numa análise detalhada da instituição para levantar todas as características internas (forças, fraquezas) e externas (oportunidades e ameaças), com vistas ao estabelecimento de prioridades, alvos e objetivos de um possível plano de ação (Chiavenato, 2006). Pode contribuir para uma melhor tomada de decisão, pois é um instrumento que apresenta uma visão global e dinâmica da instituição e oferece a possibilidade de gerar, em todos os níveis, uma excelência organizacional. E o que os relatórios do Sisvan têm revelado? Os relatórios do Sisvan apontam que as maiores demandas de alimentação e nutrição no município são: Casos de crianças com alergia alimentar e desnutrição grave DCNTs* Pacientes acamados A incidência de desnutrição no município não é grande, mas tem muitas crianças com processos alérgicos e gestantes de alto risco. "É feito acompanhamento mensal, vê-se a evolução da criança e, se for necessário, é oferecido suplemento alimentar. Hoje nós conseguimos fornecer as fórmulas infantis para alergia alimentar somente de forma a auxiliar o tratamento da criança. Nós não conseguimos dar o tratamento completo. Nos casos de desnutrição, acionamos o Ministério Público, o gabinete do prefeito, o Conselho Tutelar, a Psicologia, o Serviço Social, quando tem fatores econômicos envolvidos no contexto familiar, se necessário. As DCNTs são as prioridades de ação. Aí estão crianças obesas, adultos obesos, crianças diabéticas. * DCNTs: Doenças Crônicas Não Transmissíveis. Essa demanda está aumentando e não estamos conseguindo atender o fornecimento de fórmula nutricional do paciente acamado. Aqui, o município utiliza recurso próprio, pois não existe uma verba federal para a compra dessa fórmula. Para os acamados, nós fornecíamos cinco latas de fórmula industrializada por paciente, o que não dá para 5% do tratamento do paciente. E esse ano vamos conseguir fornecer até 90% do tratamento. 4
5 Levando em consideração esse quadro de demandas de alimentação e nutrição, e considerando o contexto institucional e populacional do município, nesse momento, há uma ação mais focada nas doenças, embora a gestora reconheça a importância da atuação na prevenção. É importante destacar que as ações de assistência, tem levado à melhora nos indicadores de saúde e atuam de maneira indireta também na prevenção de novos casos e no agravamento dos já existentes. A perspectiva é que este quadro melhore ainda mais à médio prazo com a ampliação e qualificação ainda maior das ações. Uma solução gerencial qualificada Hoje são 30 unidades básicas de saúde no município e aproximadamente 40 equipes de saúde da família. "Como somos poucos, priorizamos os pacientes diabéticos, hipertensos, crianças com desnutrição grave e processos alérgicos, mas sem restringir o acesso das demais pessoas para orientação sobre alimentação saudável. Para facilitar nosso trabalho, montamos o fluxograma de atendimento nutricional no município e nele colocamos tudo aquilo que julgamos prioritário e factível de ser feito no contexto em que nos encontramos". Nesse contexto, a gestora municipal de alimentação e nutrição, de maneira a ampliar o acesso à atenção nutricional da população, tomou decisões gerenciais baseadas na compreensão da realidade e no planejamento de ações diante das prioridades e recursos disponíveis. Para potencializar a atenção nutricional no município, apostou: 5
6 No trabalho em equipe, para que todos os profissionais de saúde entendam que é importante o trabalho cooperativo; e não cada um pensar e agir individualmente. Em falar a mesma língua, pois não adianta criar um fluxograma lindo e maravilhoso e ninguém saber que ele existe, nem saber como que ele funciona, e fazer o usuário de bolinha de pinguepongue, jogando ele para lá e para cá. Na presença de um nutricionista no nível central, para dar visibilidade à agenda, para que todos percebam que existem a equipe e as ações de alimentação e nutrição. Na contratação de mais nutricionistas, para ampliar a atenção. Nos encontros mensais para reflexão e planejamento de ações de alimentação e nutrição, para podermos evoluir. Por fim, embora se tenha optado por focar em ações assistenciais no âmbito da alimentação e nutrição, ações preventivas e de promoção da saúde também têm sido induzidas no município, como, por exemplo, o fortalecimento da Estratégia de Saúde da Família, que conta com 36 equipes multiprofissionais. As equipes visitam regularmente as famílias das áreas de ação das unidades de saúde, fazem ações de prevenção nas comunidades e esclarecem os moradores sobre o que é e como ter uma vida saudável em todas as idades. *** 6
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