Revisão: 2015 Página: 1 de 10 OBJETIVO Diagnosticar os pacientes com quadro clínico suspeito e propor tratamento adequado revisado por literatura recente. RESPONSABILIDADE Equipe multiprofissional: Equipe médica indicar e realizar diagnóstico, tratamento e alta do paciente; Equipe de enfermagem preparar e realizar o processo de admissão e alta do paciente; Equipe administrativo e higienização Realizar o procedimento de admissão e alta da enfermaria; Equipe da farmácia prover medicações específicas e antimicrobianas, bem como derivados hemoterápicos; e Equipe laboratorial realização rápida e efetiva dos exames diagnósticos e controle. DEFINIÇÃO A glomerulonefrite difusa aguda (GNDA) ou glomerulonefrite pósestreptocócica (GNPE) é o exemplo clássico da síndrome nefrítica aguda. É uma doença aguda de base imunológica, caracterizada pelo processo inflamatório que acomete todos os glomérulos de ambos os rins. Juntamente com a febre reumática, é considerada uma sequela tardia, e não supurativa, de uma infecção estreptocócica prévia. Clinicamente é caracterizada pela tríade clássica: edema, hipertensão e hematúria. O quadro clínico completo inclui oligúria, queda do ritmo de filtração glomerular e proteinúria.
Revisão: 2015 Página: 2 de 10 EPIDEMIOLOGIA A GNPE pode ocorrer de forma esporádica ou durante epidemia pelos estreptococos beta-hemolítico do grupo A.O sexo masculino, em geral, é mais acometido, na proporção 2:1, embora alguns autores relatam que quando o processo é secundário à estreptococcia cutânea, não há predomínio de sexo. É rara em menor de 2 anos, cerca de 5%, atingindo o pico ao redor dos 7 anos. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A história típica é precedida de infecção estreptocócica e o intervalo entre a ocorrência da estreptococcia e a glomerulonefrite é, geralmente, de 10 a 20 dias (no máximo seis semanas) após o quadro inicial. Os sinais e sintomas na GNDA são bastante diversos, podendo incluir casos assintomáticos com evidência subclínica (edema subclínico, hipertensão e complemento diminuído) ou laboratorial de envolvimento renal (hematúria microscópica). Na maioria das vezes, o paciente encontra-se em bom estado geral, com queixas vagas como indisposição, inapetência, cefaleia e edema periorbital. Outros sintomas, menos frequentes, podem acompanhar o quadro, como mal-estar, letargia, cólicas abdominais ou dor nos flancos, hipertermia e vômitos. O quadro clínico clássico constitui-se de: 1- Edema: aparece em 85% dos casos com intensidade variável, geralmente leve, frio, mole e gravitacional, sendo mais evidente em região periorbitária e no período matutino, mas pode atingir as extremidades inferiores e as regiões lombar ou genital; 2- Hipertensão arterial: presente em cerca de 60 a 80% dos casos;
Revisão: 2015 Página: 3 de 10 3- Hematúria macroscópica: presente em aproximadamente 25 a 35% dos casos e microscópica observada em praticamente todos os casos na forma persistente ou intermitente. DIAGNÓSTICO Diante de um paciente com síndrome nefrítica, a primeira ação diagnóstica deve ser tentar encontrar, pela anamnese e exame físico, a presença de manifestações extrarrenais que possam indicar uma etiologia específica (p.ex.,rash malar e artrite para o lúpus eritematoso). Caso a síndrome nefrítica seja a única condição do paciente, o médico deve perguntar a ele sobre faringite ou piodermite prévias recentes, verificar se o período entre as infecções estreptocócicas prévias e o início dos sintomas da GNDA é compatível. COMPLICAÇÕES Congestão cardiocirculatória: caracteriza-se por sinais clínicos de hipervolemia como taquicardia, dispneia, tosse, estertores subcreptantes em bases pulmonares e hepatomegalia. Podendo evoluir com insuficiência cardíaca congestiva. Encefalopatia hipertensiva: observam-se hipertensão arterial grave, cefaleia, vômitos, diplopia, amaurose, agitação, sonolência, convulsões e coma. Insuficiência renal aguda: complicação rara e consiste em oligoanuria com retenção de escórias.
Revisão: 2015 Página: 4 de 10 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL Alterações urinárias: Densidade urinaria é conservada ou mesmo elevada. A proteinúria é discreta a moderada. No sedimento existe hematúria, leucocitúria e cilindrúria (hemáticos e granulosos). Bioquímica sérica: Os níveis de ureia e creatinina podem estar elevados. A função tubular costuma estar preservada. Hiponatremia, acidose metabólica e hipercalemia podem ocorrer quando a queda no ritmo de filtração glomerular for importante, causando insuficiência renal aguda. Hemograma e Perfil de Coagulação: Anemia decorrente da expansão do volume, que gera leve diluição da concentração de hemoglobina. Plaquetopenia transitória pela diminuição da meia-vida plaquetária. Fatores de coagulação possivelmente alterados, com diminuição do fator XIII e alfamacroglobulina, diminuição do nível e da atividade da antitrombina III e aumento discreto da alfa-1-antitripsina. ASPECTOS IMUNOLÓGICOS A resposta imunológica à estreptococcia de orofaringe é diferente daquela encontrada na forma cutânea. A infecção de orofaringe leva à elevação dos títulos de antiestreptolisina O (ASLO), anti-hialuronidase e anti-dnase. Na infecção cutânea, porém, títulos de ASLO não se elevam, devendo-se utilizar a anti-dnase para o diagnóstico (detectado em 60 a 70% dos casos), seguido pelo anti-hialuronidase. O complemento total e algumas de suas frações encontram-se diminuídos em aproximadamente 90% dos casos na fase aguda da GNPE. C3, C5 e properdina estão frequentemente diminuídos; C4 está em níveis normais. A hipocomplementemia resolve-se em, aproximadamente, 8 semanas após o início do quadro; 90% dos pacientes apresentam
Revisão: 2015 Página: 5 de 10 hipergamaglobulinemia, com elevação de IgM e IgG; 75% dos casos apresentam crioglobulinemia e 50% apresentam positividade para o fator reumatoide. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP); outras glomerulonefrites pós-infecciosas (p.ex., endocardite bacteriana aguda); Glomerulonefrite lúpica; Glomerulonefrite rapidamente progressiva; Púrpura de Henoch-Schönlein (PHS); Doença de Berger (Nefropatia por IgA). Todas essas condições podem ser facilmente excluídas por critérios clínicos e laboratoriais, com exceção da GNMP, que pode ocorrer após infecções estreptocócicas em crianças e ainda apresentar um padrão semelhante de ativação da via alternada do complemento. A GNMP pode ser suspeitada caso haja proteinúria nefrótica, ou caso a hipocomplementemia persista por mais de oito semanas. TRATAMENTO O tratamento da GNDA é geralmente sintomático e ambulatorial. A hospitalização do paciente nem sempre é obrigatória, tornando-se necessária em casos de complicações. É indicada a avaliação diária do paciente, visando reconhecer a evolução do edema e o peso, com controle da pressão arterial e do débito urinário.
Revisão: 2015 Página: 6 de 10 Repouso Deve ser limitado pelo próprio paciente. É recomendado enquanto persistirem a hematúria macroscópica, a hipertensão e o edema. Dieta A restrição dietética é importante durante a fase de oligúria, edema e hipertensão. Superada a fase aguda, a dieta é gradativamente transicionada para a dieta comum. A restrição hídrica está indicada e o volume hídrico prescrito depende da gravidade do quadro clínico, oferecendo-se inicialmente 400 ml/m 2 /dia (ou 20 ml/kg/dia) para cobrir as perdas insensíveis. Adiciona-se a esse volume inicial uma fração gradualmente maior de volume, dependendo do débito urinário de 24 horas e da melhora do edema e da hipertensão arterial. A ingestão de sódio deve ser diminuída (menos que 2g de NaCl/m²/dia) A restrição proteica está indicada quando a filtração glomerular permanecer muito diminuída (ureia maior que 150mg/dL ou sintomas urêmicos). Devem ser prescritas dietas com baixo teor proteico (0,5 g/kg/dia) e a restrição de potássio deve ser iniciada apenas em presença de oligúria importante (diurese < 240 ml/m 2 /dia), isto é, nos primeiros 2 a 3 dias de doença. Antibióticos Utiliza-se penicilina benzatina nas doses de 600.000 UI para crianças menores de 25 kg e 1.200.000 UI para maiores de 25 kg dose única ou, Amoxacilina 50 mg/kg/dia, VO, por 10 dias, ou, nos alérgicos à penicilina, usase eritromicina na dose de 30 a 40 mg/kg/dia, VO, por 10 dias. A
Revisão: 2015 Página: 7 de 10 antibioticoterapia não altera a evolução da doença, mas evita a disseminação da cepa nefritogênica para outras crianças. Diuréticos Estão indicados nos pacientes com hipervolemia com sintomas congestivos ou repercussão hemodinâmica (taquicardia, B3, taquidispnéia, creptações pulmonares, hepatomegalia, ingurgitamentos venosos). Nos casos graves, usa-se 1 a 2 mg/kg/dose por via endovenosa, quanto for necessário. Hipotensores Nas hipertensões mais graves, com níveis pressóricos mais de 20mmHg acima do percentil 95 para a idade e estatura, iniciarnifedipinaretard na dose de 1 a 2 mg/kg/dose, VO, a cada 12 horas. A anlodipina, em dose única ou fracionada em duas doses, é uma boa alternativa à nifedipina. Os IECAs (captopril ou enalapril) são a terapêutica de segunda escolha para controle da hipertensão. Insuficiência renal A insuficiência renal na GNPE, em geral, é transitória e de curta duração. No entanto, quando severa e duradoura, podem ocorrer hipercalemia, hipocalcemia, hiperfosfatemia e acidose metabólica. A hipercalemia leve, sem alterações ecocardiográficas, pode ser conduzida com restrição dietética de potássio e uso de furosemida. Podem ser utilizadas também a resina trocadora de cálcio pelo potássio (Sorcal 0,5 a 1 mg/kg até 4 a 6 horas), a glicose hipertônica a 25% (1 a 3 ml/kg/h), junto com a insulina (3 U/3 a 5 g de glicose), e o bicarbonato de sódio a 3% (2 meq/kg IV em 10 a 15 minutos). Na presença de hipercalemia severa, com alterações
Revisão: 2015 Página: 8 de 10 eletrocardiográficas graves, como ausência de onda P, alargamento de complexo QRS e arritmias, deve-se acrescentar o gluconato de cálcio a 10% (0,5 a 1 ml/kg IV, 5 a 10 minutos, com monitoração eletrocardiográfica) e indicar a diálise. A diálise peritoneal remove efetivamente o potássio corpóreo e está indicada nas seguintes situações clínicas: anúria com duração de 48 horas, sobrecarga de volume (resultando em insuficiência cardíaca congestiva), acidose metabólica intratável, hipercalemia refratária ao tratamento, uremia sintomática, pericardite urêmica e hiponatremia grave. PREVENÇÃO Medidas relacionadas à higiene pessoal podem diminuir a incidência de piodermites, consequentemente, da GNDA. As pessoas expostas devem fazer pesquisa e cultura de secreção de amigdalas à procura de estreptococos beta-hemolíticos do grupo A e tratados, se a cultura for positiva. Após o início da antibioticoterapia adequada, o doente deve ser mantido em isolamento respiratório por 24 horas, para evitar a disseminação das cepas nefritogênicas dos estreptococos. A antibioticoterapia sistêmica precoce das infecções orofaríngeas e cutâneas estreptocócicas não elimina o risco de glomerulonefrite. EVOLUÇÃO e PROGNÓSTICO A recuperação completa ocorre em mais de 95% das crianças com GNPE aguda. Em torno de uma semana após o quadro inicial, há a normalização da pressão arterial, aumento da diurese e queda dos níveis de ureia e creatinina séricas.
Revisão: 2015 Página: 9 de 10 A resolução da hematúria macroscópica ocorre em torno de 2 a 3 semanas, enquanto a microscópica pode persistir por um ano ou mais, sem que isso seja indicação de mau prognóstico. A proteinúria tende a se resolver em torno de 3 a 6 meses. A hipocomplementemia retorna em níveis normais em 6 a 8 semanas. Uma minoria de pacientes (1 a 5% dos casos) evolui de forma desfavorável. Podem complicar com GN rapidamente progressiva, proteinúria crônica, glomeruloesclerose focal e insuficiência renal crônica. A mortalidade no estágio agudo é evitável por tratamento apropriado da insuficiência renal ou cardíaca aguda. As recorrências são raríssimas. INDICAÇÕES DE BIÓPSIA RENAL Oligoanúria com duração maior que 48 a 72 horas; Oligúria e/ou azotemia persistente por mais de 4 semanas; Hipertensão arterial persistente por mais de 4 semanas; Hematúria macroscópica por mais de 4 semanas; Complemento total e frações persistentemente baixas por mais de 8 semanas; Proteinúrianefrótica (> 50 mg/kg/dia) presente por mais de 4 semanas. Pacientes com história anterior sugestiva de nefropatia ou antecedentes familiares sugestivos de afecções renais hereditárias devem ser observados com atenção e eventualmente biopsiados, se apresentarem evolução atípica.
BIBLIOGRAFIA Revisão: 2015 Página: 10 de 10 1. Tratado de pediatria: Sociedade Brasileira de Pediatria/ organizadores Dioclécio Campos Júnior, Dennis Alexander Rabelo Burns. 3.ed.; Barueri, SP; Manole, 2014. 2. Nefrologia Pediátrica - Manual Prático - Maria Goretti Moreira Guimarães Penido e Marcelo de Sousa Tavares, Livraria Balieiro, 2014. 3. Toporovski J, Mello VR et al. Nefrologia pediátrica. 2.ed. 2006. 4. Barros RT, Alves MAR, Dantas M. Glomerulopatias. Patogenia, clínica e tratamento. 2.ed. Sarvier; 2006.