ESPONDILOPATIA CERVICAL OU SÍNDROME DE WOBBLER:

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Transcrição:

Revista Lusófona de Ciência e Medicina Veterinária 2: (2008) 21-28 ESPONDILOPATIA CERVICAL OU SÍNDROME DE WOBBLER: DIAGNÓSTICO IMAGIOLÓGICO. WOBBLER S SYNDROME: IMAGIOLOGY DIAGNOSIS Diana Jacinto 1, Tiago Marques 1, Fábio Correia 1, Hugo Ferreira 1, António Patrício 1, Alexandre Mourato 1, Carolina Brito Monteiro 2, Ana Santana 2. 1) Mestrado Integrado em Medicina Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 2) Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Campo Grande 376 1700 Lisboa, Portugal, aniaid@sapo.pt. Resumo: A espondilopatia cervical uma patologia de etiologia multifactorial, que leva a um estreitamento do canal vertebral e consequentemente compressão da medula espinhal cervical caudal e das raízes nervosas, devido a alterações anatómicas e posicionais ao nível das vértebras cervicais (C5, C6 e C7). Os animais afectados, mais frequentemente raças grandes (Dobermen e Dogue Alemão) podem apresentar ataxia dos membros pélvicos, com ou sem dor cervical, que pode progredir para défices neurológicos dos membros anteriores e em última instância quadriplegia. O diagnóstico desta patologia é feito com base na sintomatologia clínica e exames de imagem (mielografia, tomografia axial computorizada e/ou ressonância magnética). O tratamento pode ser médico ou cirúrgico de acordo com o grau de afecção sendo também o prognóstico variável. Abstract: The cervical spondylopathy is a disease of multifactorial aetiology, which leads to a narrowing of the medulary channel and consequently vertebral compression of the spinal cord and nerve roots, because of anatomical and positional changes on the level of the cervical vertebrae (C5, C6 and C7). The affected animals, most often large breeds (Dobermann and Great Dane) may have pelvic limbs ataxia, with or without neck pain, which can progress to neurological deficits of for limbs and ultimately quadriplegia. The diagnosis of this condition is based on clinical signs and imagiology exams (myelography, computerized axial tomography and / or magnetic resonance). Treatment can be medical or surgical according to the degree of affection and the prognosis is also variable. INTRODUÇÃO A espondilopatia cervical é um distúrbio neurológico, caracterizado pela compressão da medula espinhal cervical caudal e das raízes nervosas. Existem expressões distintas para descrever a condição: espondilomielopatia cervical caudal, má formação/má articulação cervical caudal, instabilidade vertebral cervical e Síndrome de Wobbler. É frequentemente identificado nas raças Doberman pinscher, Grand D Anois e outras raças caninas grandes e gigantes. Alguns casos foram relatados em cães da raça Basset Hound. Os animais afectados apresentam, geralmente, de 3 a 10 meses de idade mas esta patologia também poderá ser observada em cães adultos, sendo os machos mais afectados do que as fêmeas. Existem várias alterações vertebrais descritas associadas a esta patologia (deformação e má articulação, subluxação, osteocondrose, defeitos da cartilagem, estreitamento dos aspectos craniais das vértebras afectadas, hiperplasia do ligamento amarelo e hiperostose das lâminas vertebrais) e a compressão da medula espinhal pode resultar de estenose do canal vertebral (por malformação das lâminas vertebrais, expansão das facetas articulares e/ou hipertrofia dos tecidos moles periarticulares), instabilidade vertebral ou secundariamente a 21

Jacinto D, et al. Espondilopatia Cervical ou Síndrome de Wobbler alterações dos tecidos moles, como protusão do disco intervertebral. As vértebras C5, C6 e C7 são aquelas onde normalmente ocorrem estas alterações. Porém, as vértebras cervicais 2, 3 e 4 também podem estar envolvidas. O afastamento (extensão do pescoço) das vértebras cervicais é útil para avaliar se uma lesão é dinâmica (evidente somente na flexão ou na extensão) ou não dinâmica (mau alinhamento permanente). Esta diferenciação é importante quando se pondera recorrer a uma intervenção cirúrgica. Os sinais clínicos variam de ataxia dos membros pélvicos até tetraplegia e pode existir dor cervical. O diagnóstico da espondilopatia cervical resulta da identificação do animal, anamnese, observação clínica e exame neurológico. A confirmação do diagnóstico é obtida por radiografias simples, análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) para exclusão de outras patologias e mielografia. Estudos recentes indicam que a ressonância magnética (MR) é uma importante ferramenta de diagnóstico. ETIOPATOGENIA patologia (1). Quanto à patogenia, a espondilopatia cervical é pouco compreendida, mas supõem-se que a instabilidade vertebral seja um factor preponderante. O desenvolvimento anormal das vértebras cervicais (má formação vertebral) ou a articulação anormal concomitante dessas vértebras podem comprimir a medula espinhal directamente. Frequentemente, estas características provocam a compressão da medula espinhal pela indução de alterações secundárias nos tecidos moles (disco intervertebral, ligamento interarqueado, facetas articulares) (2, 3). Lesões compressivas ósseas A estenose óssea do foramen vertebral cranial é mais acentuada em cães jovens, quando há uma má formação vertebral de grau grave e podem mesmo existir múltiplos locais de compressão. A flexão e a extensão da coluna vertebral podem influenciar o grau de compressão da medula espinhal, com a flexão tendendo a exacerbá-la. As lesões compressivas que se alteram com a flexão ou a extensão são dinâmicas. Nas lesões estáticas, o grau de compressão da espinhal medula não é influenciado pela posição da coluna (2, 4, 5). A etiologia desta patologia tem, provavelmente, um carácter multifactorial. Visto que a incidência do Síndrome de Wobbler é bastante alta em determinadas raças, suspeita-se que haja factores genéticos envolvidos na sua etiologia. Porém, ainda não foi estabelecido um padrão de transmissão nas raças que usualmente são mais afectadas. É possível que factores nutricionais também possam ter influência no desenvolvimento da coluna vertebral. Por exemplo, a suplementação excessiva de cálcio pode diminuir a reabsorção óssea e contribuir para a estenose do canal vertebral. Apesar disso, correcções feitas ao nível da alimentação do cão não previnem o aparecimento desta Lesões compressivas dos tecidos moles Os tecidos moles que mais frequentemente induzem a compressão da medula espinhal são o disco intervertebral e o ligamento interarqueado (ligamento amarelo). O envolvimento destas estruturas surge principalmente em cães que desenvolvem a patologia em adultos e nos quais o grau de má formação vertebral, embora variável, se apresenta de uma forma menos severa (2). Em Dobermans adultos ocorre protrusão de disco associada à espondilopatia cervical, quando a degeneração do disco intervertebral antecede a protrusão do anel fibroso dorsal (lesão de disco Hansen tipo II). Os discos 22

Revista Lusófona de Ciência e Medicina Veterinária 2: (2008) 21-28 cervicais caudais C6-C7, e em menor grau C5-C6, são os mais frequentemente afectados. Aproximadamente 20% dos cães apresentam lesões em ambos os locais (2, 6). A compressão da medula espinhal dorsal pode ser causada por hipertrofia do ligamento interarqueado (amarelo). A compressão lateral pode resultar da proliferação da cápsula articular da faceta articular, assim como de osteofitose e formações císticas sinoviais. A compressão do tipo ampulheta da medula espinhal pode ser decorrente de uma combinação de alterações do disco intervertebral, do ligamento interarqueado e da faceta articular (2). Afecção da medula espinhal As alterações histopatológicas na medula espinhal ocorrem em casos de compressão crónica, com o envolvimento focal de substância branca e cinzenta e degeneração Walleriana nos extractos situados cranial e caudalmente á lesão. Desde que a velocidade da compressão seja gradual, a alteração poderá vir a ser tolerada pela espinhal medula, porém podem ocorrer alterações patológicas irreversíveis e atrofia (2, 3). ASPECTOS CLÍNICOS Embora a idade de apresentação desta patologia seja extremamente variável, a espondilopatia cervical tende em ocorrer com maior frequência em Grand D Anois e Basset Hounds jovens, bem como em Doberman pinshers adultos. Os machos tendem a ser mais frequentemente afectados do que as fêmeas (5). Os sinais clínicos reflectem a compressão crónica da medula espinhal cervical (mielopatia) e/ou das raízes nervosas espinhais (radiculopatia) (2, 3, 5). Apesar do início dos sinais poder ser súbito (em alguns casos um episódio traumático resulta em exacerbação aguda dos sinais clínicos), este caracteriza-se por uma evolução lenta e progressiva de parésia e incoordenação ou oscilação da marcha, em particular dos membros pélvicos. Também pode ser observada postura baixa da cabeça, postura em base ampla, arrastamento dos dedos ou marcha rígida dos membros torácicos que parece descompassada dos membros pélvicos. Os deficits da marcha são normalmente mais graves nos membros pélvicos, com graus variados de ataxia e paresia. Muitas vezes, estas características são exacerbadas mediante a elevação a partir de uma posição inclinada e a mudança de direcção em pisos escorregadios (4, 5, 7). No momento do exame, os deficits neurológicos podem ser localizados na espinhal medula cervical. O envolvimento dos membros pélvicos é invariavelmente mais grave que o dos torácicos, talvez em virtude da posição superficial das vias do neurónio motor superior (NMS) em direcção aos membros pélvicos. Algumas das modificações neurológicas dos membros pélvicos são: propriocepção consciente deprimida, reflexos espinhais segmentares exagerados e respostas extensoras cruzadas (2, 4). Os deficits dos membros torácicos costumam ocorrer mais tarde e são geralmente menos graves, sendo mais evidentes durante os testes de carrinho de mão ou de salto, especialmente se o pescoço for mantido em extensão. Embora o aumento do tónus nos membros torácicos seja comum, as alterações neurológicas podem ser subtis ou indetectáveis. O único indício de que a patologia envolva o neurónio motor inferior (NMI) nos membros torácicos é a atrofia muscular acentuada nos músculos supraespinhoso e infra-espinhoso e a flexão reduzida do cotovelo (4, 5). Determinados cães são resistentes á manipulação do pescoço, particularmente à extensão, mas a dor cervical evidente é rara. Em função do espaço epidural relativamente grande na coluna cervical, a ataxia ou a tetraparesia são muito mais comuns que a (1, 2, tetraplegia ou o distúrbio de continência 4). DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS 23

Jacinto D, et al. Espondilopatia Cervical ou Síndrome de Wobbler Existem várias condições que podem gerar sinais similares á espondilopatia cervical, daí a importância do exame físico e neurológico. Estes vão permitir excluir outras patologias com sintomatologia semelhante (4). Em cães jovens poderão estar presentes: subluxação atlantoaxial, quisto aracnóide, quisto sinovial, siringomielia, neoplasia, patologias inflamatórias (particularmente infecciosas) do SNC, discoespondilite e traumatismo (1,4). Em cães adultos as causas mais prováveis serão os quadros de protrusão degenerativa do disco intervertebral (lesão de disco Hansen tipo II), mielopatia degenerativa, neoplasia e mielopatia isquémica (como por exemplo, embolia fibrocartilaginosa) (2, 4). Em cães com membros torácicos aparentemente normais poderá existir uma lesão toracolombar. O envolvimento bilateral do ligamento cruzado lateral e a tendinopatia do gastrocnémio podem provocar alterações da marcha, que podem ser confundidas com a paraparesia decorrente de uma lesão cervical precoce (2, 4). As situações em que haja comprometimento intracraniano também podem ocasionar dor cervical aparente com déficit sensorial e motor. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da espondilopatia cervical baseia-se na identificação do animal, na anamnese e nos achados clínicos observados durante o exame geral e neurológico (4, 8). A radiografia, análise do LCR e a mielografia surgem como meios complementares de diagnóstico sem os quais seria impossível formular um diagnóstico definitivo (3, 8). A radiografia simples possibilita e facilita a exclusão de determinados diagnósticos diferenciais potenciais, como neoplasias, discopatias, meningoencefalite e doença inflamatória infecciosa. As radiografias cervicais normalmente revelam o desalinhamento das vértebras, no entanto não evidenciam a compressão a nível da espinhal medula (1, 8, 9). Um mielograma é uma radiografia obtida após a introdução de um líquido de contraste dentro do canal da espinhal medula. Este contraste circunda a medula e se for visível interrupção Quadro 1 - Diagnósticos Diferenciais da Espondilopatia Cervical (adaptado 4 ) Alterações degenerativas Alterações do desenvolvimento Neoplasias Alterações inflamatórias ou infecciosas Alterações isquémicas Mielopatia degenerativa Leucodistrofia Cistos articulares Prolapso do disco Malformação vertebral congénita Subluxação atlantoaxial Hidromielia Siringomielia Cisto aracnóide Dermoid sinus Meningioma Outras neoplasias Discoespondilite Abcesso epidural Meningomielite Hematoma da espinhal medula Neuromiopatia isquémica Mielopatia embólica fibrocartilaginosa 24

Revista Lusófona de Ciência e Medicina Veterinária 2: (2008) 21-28 ou estreitamento da sua passagem significa que existe compressão medular a esse nível. A mielografia permite estabelecer o diagnóstico definitivo e determinar se estamos perante uma lesão dinâmica ou estática, entre outros aspectos (8, 9). Figura 2 Imagem radiográfica lateral das vértebras cervicais de um cão com o pescoço em extensão. Radiografia Simples O diagnóstico radiológico desta síndrome exige um posicionamento preciso e adequado do cão, e torna-se necessário recorrer à anestesia geral (2, 8). Nas seguintes figuras podemos observar a aparência radiográfica das vértebras cervicais, em posição lateral com o pescoço em tracção (fig. 1), em posição lateral com o pescoço em extensão (fig.2), e em posição lateral com o pescoço em flexão (fig.3). Figura 1 Imagem radiográfica lateral (mielografia) das vértebras cervicais de um cão com o pescoço em tracção. Figura 3 Imagem radiográfica (mielografia) lateral das vértebras cervicais de um cão com o pescoço em flexão (em cima) Embora as radiografias possam estar normais em alguns cães com espondilopatia cervical, a maioria dos cães apresenta determinadas alterações radiográficas. Estas podem ser: má formação do corpo vertebral, inclinação da face cranial do corpo vertebral no canal espinhal, estenose do canal vertebral, alinhamento anormal das vértebras, estreitamento do espaço intervertebral (colapso dos espaços de disco) e alterações degenerativas das facetas articulares (fig. 4). Apesar de ser possível constatar estas alterações numa radiografia simples, não é possível localizar o local de compressão de espinhal medula com precisão. E podemos observar estas alterações mesmo em radiografias de cães que não apresentam sinais do ponto de vista clínico. 25

Jacinto D, et al. Espondilopatia Cervical ou Síndrome de Wobbler Figura 4 Imagem radiográfica lateral das vértebras cervicais de um cão com estreitamento do espaço intervertebral, espondilose na porção caudal da C6 e porção cranial da C7 e estreitamento do canal vertebral.. Mielografia A mielografia consiste na introdução de um meio de contraste no espaço sub aracnóide e é utilizada para demonstrar lesões no interior ou extrínsecas ao canal medular, que causam pressão sobre ela (fig. 5) (8). Este procedimento é essencial para a determinação do local, da gravidade e da natureza da lesão que causa a compressão da medula espinhal e deve ser efectuado sempre que se considere a cirurgia uma opção terapêutica. As alterações podem ser encontradas no delineamento de todo o espaço sub aracnóide cervical (2, 12). As principais alterações observáveis através de uma mielografia são: compressão medular dorsal por um ligamento amarelo hipertrofiado, compressão ventral devido á protrusão dorsal do disco intervertebral, compressão lateral por malformação das facetas articulares e compressão circunferencial devido a estenose do canal vertebral (8,13). Figura 5 Mielografia laterolateral da coluna vertebral cervical de um cão. Devem ser avaliadas as projecções lateral e ventrodorsal da coluna cervical O grau de compressão da medula espinhal pode ser avaliado mediante o posicionamento da coluna vertebral cervical em postura de tracção, flexão ou extensão. Estes posicionamentos devem ser executados com cautela e mantidos durante o menor tempo possível, devido ao potencial de exacerbação do processo de compressão da medula espinhal. As lesões compressivas dinâmicas sofrem uma redução acentuada com a tracção ou mesmo com a flexão/extensão (como por exemplo, devido à hipertrofia do ligamento amarelo) enquanto que as lesões estáticas não apresentam melhoria (como por exemplo, no caso de malformações ósseas) (2, 3, 4). Esta avaliação, assim como a definição da existência de compressão em um ou mais locais, bem como a sua natureza dorsal ou ventral e estático ou dinâmica é importante, pois auxilia nas decisões terapêuticas e no prognóstico (2,3,5). Técnicas avançadas de diagnóstico por imagem As técnicas avançadas de obtenção de imagem, como a tomografia computadorizada e a imagem por ressonância magnética, podem fornecer informações extras no que diz respeito a alterações vertebrais, bem como de compressão da medula espinhal e das raízes nervosas. Além disso, a ressonância 26

Revista Lusófona de Ciência e Medicina Veterinária 2: (2008) 21-28 magnética ou a mielografia tomográfica computorizada permitem detectar atrofia de medula espinhal, contribuindo para o prognósticos da patologia. Estes dois tipos de exame também podem ser utilizados para a definição de lesão como dinâmica ou estática (3,4). Alguns estudos recentes indicam que a mielografia permite a identificação do local da lesão na maioria dos pacientes. Porém a ressonância magnética é o método mais exacto para prever o local, severidade e natureza da compressão medular (14). Análise do líquido do cefalorraquidiano O LCR é recolhido e analisado antes da mielografia, para a exclusão de patologias inflamatórias de medula espinhal e das meninges. A única alteração que, habitualmente, se verifica no caso de protrusão de disco associada á espondilopatia cervical é uma ligeira elevação do nível proteico ou das contagens celulares no LCR (5). TRATAMENTO E PROGNÓSTICO Tratamento A evolução clínica da espondilopatia cervical é cronicamente progressiva caso não seja submetida a tratamento (5). A restrição rigorosa da actividade física é importante e deve ser utilizada uma coleira peitoral e não cervical. Em cães com sinais mínimos de disfunção neurológica, o tratamento prolongado com a administração de corticosteróides isolados e restrição de actividade é satisfatório (1,2,5). Porém, em cães com sintomatologia mais acentuada, mesmo que haja uma melhoria inicial com a administração de corticosteróides, a compressão e instabilidade persistem e geralmente evoluem se não houver um tratamento mais definitivo. Nestes casos a é recomendável a cirurgia. Existem inúmeros tratamentos cirúrgicos descritos para a espondilopatia cervical. Os principais factores determinantes na escolha do procedimento cirúrgico específico são a natureza da lesão compressiva (compressão causada por tecidos moles ou ósseos) e a sua classificação em dinâmica ou estática (2,4). Prognóstico Os cães com espondilopatia cervical apresentam um prognóstico extremamente variável, dependendo do estado neurológico, da evolução temporal da doença e da presença de alterações específicas (1,5). Cães que conservam a capacidade de se deslocarem e com uma história de apenas uma única lesão apresentam bons resultados cirúrgicos, com relatos de até 80% de êxito (5). A existência de lesões múltiplas, doença crónica e dificuldades de deslocamento estão associadas a um prognóstico mais reservado (5). CONCLUSÃO A espondilopatia cervical é uma patologia caracterizada pela compressão da espinhal medula cervical. Essa compressão pode ter diversas causas e a sua etiologia é ainda desconhecida. É uma patologia relativamente comum em determinadas raças, nomeadamente Grand D Anois e Doberman pinshers. O seu diagnóstico passa obrigatoriamente, para além da história clínica e um exame do estado geral e neurológico cuidado, pela análise de imagens radiográficas. A mielografia é, aliás a única forma de obter um diagnóstico definitivo. Os principais sinais radiológicos observados são: alteração no formato de uma vértebra ou de várias vértebras, estreitamento do aspecto cranial de uma vértebra (que fornece ao canal vertebral uma aparência triangular ou em forma de funil), um processo articular cranial deformado ou ausente, luxação, extremidade cranial das vértebras afectadas com uma protrusão dorsal em direcção ao interior do 27

Jacinto D, et al. Espondilopatia Cervical ou Síndrome de Wobbler canal vertebral, o deslocamento de uma vértebra, espaço entre o disco cranial e uma vértebra afectada alargado, discos calcificados, formações inflamatórias e esclerose das placas das extremidades vertebrais. Actualmente existem outros métodos de diagnóstico que, de acordo com alguns estudos, se mostram mais precisos para prever o local, severidade e natureza da compressão medular. Estes são a ressonância magnética e a mielografia tomográfica computorizada. Porém, a mielografia continua a ser o método de diagnóstico mais utilizado. Referências bibliográficas 1. Platt SR, Olby NJ. BSAVA Manual of Canine and Feline Neurology, 3rd edition. BSAVA, 2004, p. 218-220. 2. Slatter D. Manual de Cirurgia de Pequenos Animais, 3ª edição, vol 1, Editora Manole, 2007, p. 1180-1193. 3. Braund KG. Clinical Neurology in Small Animals - Localization, Diagnosis and Treatment, International Veterinary Information Service (www.ivis.org), Ithaca, New York, USA. 4. Sharp NJH, Wheeler SJ. Small Animal Spinal Disorders Diagnosis and Surgery, 2nd edition. Elsevier Mosby, 2005, p. 211-232. 5. Nelson RW, Couto CG. Medicina Interna de Pequenos Animais, 3ª edição. Elsevier Mosby, 2006, p. 1004-1006. 6. Bagley RS. Acute Spinal Disease. In: Proceedings of the North American Veterinary Conference, 2006, 20: 705-707. 7. Kahn CM. The Merck Veterinary Manual, 9th edition, Merck & CO, INC, 2005, p. 1002. 8. Kealy KJ, McAllister H. Diagnostic Radiology and Ultrasonography of the Dog and Cat, 3rd edition. W. B. Saunders Company, 2000, p. 396-401. 9. Thrall DE. Textbook of Veterinary Diagnostic Radiology, 4th edition. W. B. Saunders Company, 2002, p. 101; 10. Coulson A, Lewis N. An Atlas of Interpretative Radiographic Anatomy of the Dog & Cat, 1st edition. Blackwell Science, 2002, p. 202-211. 11. Schebitzs H, Wilkens H. Atlas de Anatomia Radiografica Canina y Felina. Grass-Latos Ediciones, 1994, p. 44-50. 12. Llabrés-Díaz FJ. Radiology of the spine: is myelography still the gold standard?. SCIVAC 56th International Congress, 2007, p. 38-39. 13. Graham JP. Diagnostic Imaging of Dogs and Cats, 1st edition. Nestlé Purina Clinical Handbooks, 2002, p. 35-36. 14. da Costa RC, Parent J, Dobson H, Holmberg D, Partlow G. Comparison of magnetic resonance imaging and myelography in 18 Doberman pinscher dogs with cervical spondylomyelopathy. Vet Radiol Ultrasound, 2006, 47: 523-531. 28