Variedades Riemannianas Bidimensionais Carlos Eduardo Rosado de Barros, Romildo da Silva Pina Instituto de Matemática e Estatística, Universidade

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Transcrição:

Variedades Riemannianas Bidimensionais Carlos Eduardo Rosado de Barros, Romildo da Silva Pina Instituto de Matemática e Estatística, Universidade Federal de Goiás, Campus II- Caixa Postal 131, CEP 74001-970 - Goiânia, GO, Brasil E-mail: carlos-eduardo-rosado-de-barros@hotmailcom; romildo@matufgbr

Objetivos : Nosso objetivo neste trabalho é estudar variedades Riemanninas bidimensionaisapresentaremos alguns resultados de Geometria Riemanniana, definiremos superfície abstrata, superfície geométrica, vetor tangente, superfície completa, entre outras coisas 1 Superfície Abstrata O maior defeito da definição de superfície regular é a sua dependência em relação a R 3 A idéia natural que se tem de uma superfície é a de um conjunto que seja, de certo modo, um conjunto bi-dimensional e ao qual se possa aplicar o cálculo diferencial de R 2 A presença desnecessária de R 3 é uma imposição de nossa natureza física Apesar da necessidade de uma idéia de superfície abstrata já ter sido percebida desde Gauss, foi nescessário quase um século até que atingisse a forma definitiva apresentada neste trabalho Um estímulo importante foi a aplicação dos métodos da Geometria Riemanniana à Teoria da Relatividade Definição 11 Uma superfície abstrata (variedade diferenciável de dimensão 2) é um conjunto S munido de uma família de aplicações bijetoras x α : U α S de conjuntos U α R 2 em S tal que: (1) α x α (U α ) = S (2)Para cada par α, β com x α (U α ) x β (U β ) = W, temos que x 1 α (W ), x 1 β (W ) são conjuntos abertos em R2, e x 1 β x α, x 1 α x β são aplicações diferenciáveis Exemplo 11 O plano euclidiano com o sistema de coordenadas usual e a identidade é um exemplo de superfície abstrata Exemplo 12 O conjunto P 2 das retas de R 3 que passam pela origem é uma superfície abstrata P 2 é chamado de plano projetivo real

2 Superfície Geométrica Para definir superfície geométrica precisamos associar um plano a cada ponto de uma superfície abstrata Assim, precisamos definir o que é o vetor tangente de uma curva em uma superfície abstrata Definição 21 Uma aplicacção diferenciável α : (0, 1) S é chamada uma curva em S Suponhamos que α(0) = p e seja D o conjunto das funções em S que são diferenciáveis em p O vetor tangente à curva α em t = 0 é a função α (0) : D R dada por α (0)(f) = f D Um vetor tangente em um ponto p S é o vetor tangente em t = 0 de alguma curva α( ɛ, ɛ) S com α(0) = p Segue-se do que foi visto acima, que o conjunto dos vetores tangentes em p, com as operações usuais para funções, é um espaço vetorial bidimensional T p S chamado de espaço tangente de S em p Também temos que a escolha de uma parametrização X : U S em torno de p determina uma base {( / u) p, ( / v) p } de T p S para todo p X(U) Definição 22 Uma superfície geométrica (Variedade Riemanniana de dimensão 2) é uma superfície abstrata S munida de uma escolha de um produto interno <, > p em cada T p S, p S, que varia diferencialmente com p no seguinte sentido Para alguma (logo para todas) parametrização X : U S em torno de p, as funções : E(u, v) = u,, F (u, v) = u u,, G(u, v) = v v, v são funções diferenciáveis em U O produto interno <, > é frequentemente chamado de uma métrica (Riemanniana) em S Exemplo 21 O espaço euclidiano bidimensional S = R 2 com o produto interno usual é um exemplo de superfície geométrica

Exemplo 22 Seja S = R 2 um plano com coordenadas (u, v) e defina o produto interno em cada ponto p = (u, v) R 2 colocando E(u, v) = 1, F (u, v) = 0, G(u, v) = e 2u S munida desse produto interno é uma superfície geométrica H, chamada de Plano Hiperbólico Exemplo 23 Também S = R 2 com coordenadas (u, v) munida em cada ponto p = (u, v) do produto interno E(u, v) = e (u2 +v 2), F (u, v) = 0, G(u, v) = e (u2 +v 2) é uma superfície geométrica 3 Superfície Completa Definição 31 Uma superície regular (conexa) S é chamada estendível se existe uma superfície regular (conexa) S tal que S S como um subconjunto próprio Se não existe tal S, S é dita não-estendível Definição 32 Uma superície regular S é denominada completa quando, para qualquer ponto p ɛ S, qualquer geodésica parametrizada, γ : [0, ε) S de S, começando em p = γ(0), pode ser estendida em uma geodésica parametrizada γ : R S, definida sobre toda reta real R O Teorema de Hopf-Rinow afirma que em uma superfície completa S sempre existe uma geodésica minimizante ligando dois pontos p, q ɛ S dados Exemplo 31 Pode-se provar que o plano Hiperbólico H é completo Exemplo 32 O cone de uma folha sem o vértice dado por z = x 2 + y 2, (x, y) ɛ R 2

é uma superfície regular S não completa, pois as geratrizes não podem ser estendidas para todo valor do comprimento de arco sem atingir o vértice Exemplo 33 A superfície do exemplo 23 é completa Para justificar isto usaremos o seguinte resultado Teorema 31 Sejam S e S superfícies regulares e seja ϕ : S S um difeomorfismo Suponha que S seja completa e que exista uma constante c > 0 tal que I p (v) ci ϕ(p) (dϕ p (v)) para todo p ɛ S e todo v ɛ T p S, onde I e I denotam as primeiras formas fundamentais de S e S, respectivamente Nessa condições, S é completa Condideremos então S = R 2 o plano euclidiano com coordenadas (x, y) e produto interno usual, S = R 2 com E = e (u2 +v 2), F = 0, G = e (u2 +v 2) e o difeomorfismo ϕ : S S, ϕ(p) = p dado pela identidade I ϕ(p) (dϕ p (v)) = I p (v) = e (x2 +y 2) (x 2 + y 2 ) (x 2 + y 2 ) = I p (v) Logo, pelo teorema 31, S é completa 4 Teorema Egregium de Gauss O teorema de Gauss é considerado, pela extensão de suas consequências, um dos fatos mais importantes da geometria diferencial Teorema 41 A curvatura Gaussiana K de uma superfície é invariante por isometrias locais, ou seja, depende apenas da primeira forma fundamental É um fato extraordinário que um conceito como a curvatura Gaussiana, cuja definição usa de maneira essencial a posição da superfície no espaço, não dependa desta posição mas apenas da estrutura métrica (primeira forma fundamental) da superfície Exemplo 41 A curvatura da superfície do exemplo 23 é

K = 1 2 EG [( E v ) v +( G +v 2 ) u ) u ] = e(u2 [( 2v) v +( 2u) u ] = 2e (u2 +v 2 ) EG EG 2 Exemplo 41 A geometria do plano Hiperbólico H é diferente da geometria usual de R 2 A curvatura de H é K = 1 2 EG [( E v ) v + ( G u ) u ] = 1 EG EG 2e u (2e2u e ) u u = 1 Em verdade, o plano hiperbólico é um modelo exato para a geometria não euclidiana de Lobatchevski, na qual todos os axiomas de Euclides, exeto o axioma das paralelas são válidos Levanta-se uma questão se uma tal superfície pode ou não ser encontrada com uma superfíficie regular de R 3 O contexto natural para essa questão é a seguinte definição Definição 42 Uma aplicação diferenciável ϕ : S R 3 de uma superfície abstrata S em R 3 é uma imersão se a diferencial dϕ p : T p S T ϕ(p) R 3 é injetiva Se, além disso, S tiver uma métrica <, > e < dϕ p (v), dϕ p (w) > ϕ(p) =< v, w > p, v, w ɛ T p S, dizemos que ϕ é uma imersão isométrica Isto significa que, para uma imersão isométrica, a métrica induzida pelo R 3 sobre S coincide com a métrica dada por S 5 Teorema de Hilbert Teorema 51 Uma superfície geométrica completa S com curvatura constante negativa não pode ser imersa isometricamente em R 3

Portanto, o teorema de Hilbert, afirma que não existe uma imersão isométrica em R 3 de todo o plano hiperbólico Em particular, não se pode encontrar um modelo da geometria de Lobatchevski com uma superfície regular em R 3 Não precisamos no restringir ao R 3 A definição acima faz sentido se trocarmos R 3 por um R n arbitrário Portanto, podemos perguntar para quais valores de n existe uma imersão isométrica de todo plano hiperbólico em R n O teorema de Hilbert afirma que n 4 e caso n=4 ainda está em aberto Assim, a introdução de superfícies abstratas nos traz novos objetos e lança uma nova luz sobre questões importantes Referências [C1] Carmo, M P do - Differential Geometry of Curves end Surfaces, Prentice- Hall, 1976 [K] kulnel, W, Differential Geometry, Curves - Surfaces - Manifolds, Translated from the 1999 german original by bruce Hunt Student Mathematical library, 16 American Mathematical Society, Providence, RI, (2002) [PT2] Pina, R, Tenenblat, K, On metrics satisfying equation R ij Kg ij /2 = T ij for constant tensors T, Journal of geometry and Physics 40(2002), 379-383 [PT3] Pina, R, Tenenblat, K, Conformal Metrics and Ricci Tensorson the Sphere, Proc Amer Math Soc V 132 P 3715-3724, 2004 [PT4] Pina, R, tenenblat, K, On the Ricci and Einstein equations on the pseudo-euclidean and hiperbolic spaces, Differential Geometry and its Applications Vol 24 101-107 [S] Sottomayor, J - Lições de Equações Diferenciais Ordinárias, IMPA, Projeto Euclides [T] Tenenblat, K - Introdução à Geometria Diferencial, Editora UNB, Brasilia, 1988 [C2] Carmo, M P do - Geometria Riemanniana, IMPA, Projeto Euclides [AC] Tenenblat, K - Acogeo Versão 30, Brasília, 2006