Aplicações harmônicas
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- Zilda Barbosa Marinho
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1 Artigo Aplicações harmônicas Manfredo P. do Carmo IMPA As aplicações harmônicas generalizam de uma maneira natural dois conceitos fundamentais. Primeiro, o de geodésicas, isto é, aquelas curvas de uma superfície que realizam o menor caminho entre dois quaisquer de seus pontos suficientemente próximos (uma ideia intuitiva de uma geodésica ligando dois pontos p e q de uma superfície S é dada pela posição de equilíbrio de um elástico preso nas extremidades p e q e esticado sobre a superfície S). Segundo, o de funções harmônicas, isto é, funções f (x, y) que satisfazem a equação 2 f x f y 2 = f = (a expressão f é chamada o laplaciano de f ). Entre outras razões, as funções harmônicas devem sua importância ao fato de que as partes reais e imaginárias de uma função analítica complexa são funções harmônicas. O que há de comum entre estes dois exemplos é que ambos são pontos críticos de um funcional que iremos chamar energia e que desempenha um papel importante no que se segue. Procuraremos introduzir a definição de aplicação harmônica através de uma série de exemplos (Seção 1). Na Seção 2 introduziremos os elementos de geometria riemanniana necessários a generalizar os exemplos dados em um conceito geral de aplicações harmônicas entre variedades riemannianas. Nosso objetivo é apresentar os problemas fundamentais da teoria das aplicações harmônicas e descrever alguns resultados obtidos (Seção 3). A maior parte da exposição deve poder ser acompanhada por quem possua um bom conhecimento de Cálculo no R n (incluindo a formulação geométrica da diferencial), e um pouco de imaginação. O trabalho fundamental das aplicações harmônicas é o artigo de Eells e Sampson [7], de 1964, que se encaixa no que hoje está sendo chamado análise geométrica. Nas décadas de 6-9, o assunto teve um intenso desenvolvimento, os quais foram descritos nos artigos [5] e [6] de Eells e Lemaire. Em 1975, fiz uma conferência de divulgação sobre o assunto, no 1 ō Colóquio Brasileiro de Matemática, que foi publicada nas Atas desse Colóquio. O que se segue é uma versão editada dessa conferência. 1 Exemplos Exemplo 1. Seja um domínio (= aberto, conexo) limitado do plano R 2 de coordenadas (u, v). Indicaremos por a fronteira de e por =. Os que quiserem, podem pensar em como um disco aberto; será então o círculo da fronteira e o disco fechado. Seja f : R 2 R n uma aplicação diferenciável dada por f (u, v) = (y 1 (u, v),..., y n (u, v)), (u, v), onde (y 1,..., y n ) indica as coordenadas do R n. efiniremos a energia E( f ) de f por E( f ) = 1 2 = 1 2 ( n ( n { ( ) 2 ( ) }) 2 yi yi + du dv u v ) grad y i 2 du dv, onde grad y i é o vetor do R 2 de componentes grad y i = ( yi u, y ) i v Convém pensar em como uma película elástica que é esticada por meio de f em uma superfície do R n. Neste caso, E( f ) é a energia potencial acumulada pelo espalhamento dos pontos de (Fig. 1).. 28 Matemática Universitária n os 5/51
2 v Figura 1 f (u, v) = (y 1 (u, v),..., y n (u, v)) f u y n y 2 y 1 Fixado o ponto (u, v ), o vetor velocidade da curva: s F(u, v, s) no ponto s = será indicado por F e será chamado o campo variacional da variação F (Fig. 2). Cada aplicação f s tem sua energia e a função real definida por E(s) = E( f (s)), s ( ε, ε), é evidentemente diferenciável. Um cálculo não muito difícil mostra que a sua derivada em s = é dada por ds = s= ( f F ) dudv, Um problema natural nesta situação é o seguinte. ada uma aplicação diferenciável g : R n achar uma aplicação diferenciável f : R n tal que (a) f = g, isto é, a restrição de f a coincida com g; e (b) E( f ) é um mínimo entre todas as aplicações que satisfazem (a). Em outras palavras, dados os valores na fronteira, queremos saber se existe uma película que assuma na fronteira os valores dados e que tenha energia mínima entre todas aquelas que satisfazem a mesma condição. Suponhamos que exista uma tal f e vejamos que condições ela deve satisfazer. Para isto, introduziremos a noção de variação de f, que é uma aplicação diferenciável F : ( ε, ε) R n (u,v) satisfazendo às seguintes condições. F(u, v, s) = f s (u, v) então: (i) f = f e Se indicarmos onde f é o laplaciano da aplicação f, isto é, o vetor em R n de componentes f = ( y 1,..., y n ), e o ponto indica o produto interno em R n. Como admitimos que f é um mínimo para a energia, teremos ds =, para toda variação F de f. (1) s= Não é difícil mostrar que a condição (1) é equivalente a f =, em. (2) A condição (2) é, portanto, uma condição necessária para que f seja um mínimo da energia. Entretanto, esta condição não é suficiente e caracteriza não só os mínimos, mas todos os pontos críticos de f. Como veremos adiante, a condição de mínimo é demasiadamente restritiva às possíveis generalizações do nosso problema. Convém portanto estabelecer a seguinte definição. efinição 1. Uma aplicação diferenciável f : R 2 R n é harmônica se f =. (u, v, s) (ii) f s = g, para todo s ( ε, ε). ε F f s (u, v) Intuitivamente, uma variação é uma família f s : R n de aplicações diferenciáveis dependendo diferenciavelmente de um parâmetro s ( ε, ε). A aplicação f s pode ser pensada como uma oscilação de f em torno da posição inicial f = f (condição (i)) de tal modo que a fronteira é mantida fixa nesta oscilação (condição (ii)). ε F (u, v, ) Figura 2 F(u, v, s) = f s (u, v) f () g( ) vista de perfil Matemática Universitária n os 5/51 29
3 Pelo que acabamos de ver, f é harmônica se e só se f é um ponto crítico para a função energia de qualquer variação de f. Se n = 1, reobtemos as funções harmônicas. O problema de obter aplicações harmônicas de R 2 em R n está resolvido em condições gerais. Em particular, o seguinte resultado é clássico (Problema de irichlet). ada uma aplicação contínua g : R n, sob certas condições que não queremos explicitar, existe uma única aplicação f : R n, contínua em e harmônica em, tal que f = g; uma tal f é um mínimo absoluto da energia. Para maiores detalhes e um apanhado da importância do problema de irichlet no desenvolvimento da Análise, veja o artigo de. Figueiredo [8]. Exemplo 2. Seja S uma superfície regular em R 3 (regular quer dizer que S não tem pontas nem arestas) e sejam p e q dois pontos de S. Seja f : [, 1] S uma aplicação diferenciável (curva parametrizada em S) tal que f () = p, f (1) = q. A energia da curva f é definida por onde d f dt E( f ) = d f dt 2 dt, t [, 1], é o vetor velocidade da curva f. Uma variação de f é uma aplicação diferenciável F : [, 1] ( ε, ε) S t s tal que, denotando F(t, s) = f s (t), teremos: (i ) f = f, (ii ) f s () = p, f s (1) = q, para todo s ( ε, ε). s ε ε Figura 3 1 t F S p F d f dt q Fixado t [, 1], o vetor velocidade da curva s F(t, s) no ponto s = será indicado por F e chamado o campo variacional de F (Fig. 3). Escrevendo E(s) = E( f s ), vemos que a função E : ( ε, ε) R assim definida é diferenciável. Um cálculo não muito difícil mostra que ds = s= 1 ( f (t) F ) dt, onde f (t) é a projeção sobre o plano tangente a S em f (t) de d2 f, isto é, f dt (t) é a aceleração de f como vista da 2 superfície. É usual chamar-se f de derivada covariante de d f em S. dt e maneira análoga ao exemplo anterior é possível provar que f é um ponto crítico da energia, isto é, ds se e só se f (t) =. =, para toda variação de f, s= efinição 2. Uma aplicação diferenciável f : [, 1] S é harmônica se f =. Pelo que foi visto, f é harmônica se e só se é um ponto crítico para a energia de qualquer variação de f. As aplicações harmônicas de um intervalo em S são precisamente as geodésicas de S ligando dois pontos de S. Em uma esfera, por exemplo, elas são arcos de círculos máximos, e em um cilindro elas são arcos de alguma hélice sobre o cilindro (Fig. 4) ou as retas verticais. O problema de achar curvas harmônicas (isto é, geodésicas) ligando dois pontos dados de uma superfície está resolvido para superfícies completas. iremos que uma superfície S é completa se para todo ponto p S qualquer geodésica γ(t) saindo de p = γ() está definida para todo t R (isto significa, intuitivamente, que S não tem buracos nem fronteiras ). Se S é completa, dados p, q S existe uma geodésica de S ligando p a q; uma tal geodésica é um mínimo absoluto da energia (Teorema de Hopf-Rinow, cf. [4], pag. 41). 3 Matemática Universitária n os 5/51
4 Figura 4: Geodésicas na esfera e no cilindro. Observe que, em contraste com o Exemplo 1, a geodésica assim obtida não é necessariamente única. Ademais, além das geodésicas mínimas podem existir outras geodésicas ligando os pontos dados que não são mínimas, mas apenas pontos críticos de energia. Exemplo 3. Considere dois círculos, o primeiro parametrizado pelo ângulo central θ e dado por x = cos θ, y = sen θ, e o segundo parametrizado pelo ângulo central ϕ e dado por u = cos ϕ, v = sen ϕ. Seja ϕ = f (θ) uma aplicação diferenciável do primeiro círculo no segundo. efiniremos a energia de f por E( f ) = 1 2 2π d f dθ 2 dθ. Uma variação de f é uma aplicação diferenciável F(θ, s) = f s (θ), s ( ε, ε), tal que f = f (a condição de fronteira evidentemente não aparece, pois a fronteira é vazia). Escrevendo E(s) = E( f s ) e calculando sua derivada em s = obteremos ds = s= 2π d 2 f ds 2 F dθ, onde F = F (θ, ). Por analogia com os exemplos anteriores, definiremos f como uma aplicação harmônica se f é um ponto crítico da energia para toda variação de f. Como é fácil verificar, f é harmônica se e só se d2 f dθ 2 =, ou seja, f (θ) = kθ + c, onde k e c são constantes. Se normalizarmos f de tal modo que f () =, então c =, e uma aplicação harmônica é da forma f (θ) = kθ, isto é, f enrola o primeiro círculo k vezes no segundo (k é evidentemente um inteiro) de uma maneira uniforme. Uma interpretação física do resultado anterior pode ser obtida pensando no primeiro círculo como um elástico e no segundo como um arame rígido. Uma aplicação qualquer f enrola o elástico no arame (digamos, uma vez) de maneira tanto mais irregular quanto maior for a energia potencial do elástico. A energia potencial mínima corresponde a uma distribuição uniforme do elástico, isto é, a uma aplicação harmônica f (θ) = θ. Podemos evidentemente construir exemplos semelhantes para k = 2, 3,..., n. As considerações acima tornam plausível o teorema seguinte. Toda aplicação contínua f : S 1 S 1 do círculo S 1 em si próprio é deformável continuamente em uma aplicação harmônica. Como veremos a seguir, a generalização desse teorema é um dos problemas fundamentais na teoria das aplicações harmônicas. 2 Elementos de geometria riemanniana Pretendemos agora generalizar os exemplos apresentados. Para isto, introduziremos a noção de variedade riemanniana, que é uma extensão natural da ideia de superfície regular em R 3. Recordemos que uma superfície regular em R 3 é um subconjunto S R 3 tal que para todo ponto p S existe uma bola aberta B ε (p) de R 3, centrada em p, e uma aplicação x : U R 2 B δ (p) S de um aberto U de R 2 sobre B δ (p) S satisfazendo: (1) x é um homeomorfismo diferenciável; (2) a diferencial dx q : R 2 R 3 é injetiva para todo q U. A aplicação x é chamada uma parametrização e seu papel é introduzir as coordenadas (u, v) de U R 2 na vizinhança B ε (p) S de p em S. É possível mostrar que o subespaço vetorial dx q (R 2 ) R 3 não depende da parametrização x; ele é portanto um objeto associado ao subconjunto S que é chamado o plano tangente T x(q) (S) de S em x(q). Matemática Universitária n os 5/51 31
5 Intuitivamente, uma superfície regular é um subconjunto bidimensional S do R 3 de tal modo que em cada ponto tenha sentido falar no plano tangente a S naquele ponto; não são portanto permitidas auto-intersecções, arestas ou pontas (Fig. 5). Uma variedade riemanniana é um subconjunto M n R N (n indica a dimensão da variedade) tal que para todo p M n existe uma bola aberta B ε (p) do R N e uma aplicação x : U R n B ε (p) M n de um aberto U do R n sobre B ε (p) M n satisfazendo: (1 ) x é um homeomorfismo diferenciável; (2 ) a diferencial dx q : R n R N é injetiva para todo q U. Assim, uma variedade riemanniana é como se fosse uma superfície de dimensão n em um espaço euclideano de dimensão N > n. a mesma forma que para superfícies, x é chamada uma parametrização, as coordenadas (u 1,..., u n ) são chamadas coordenadas de x(u 1,..., u n ) B ε (p) M n e o espaço tangente T x(q) (M n ) = dx q (R n ) a M n em x(q) está bem definido independentemente da parametrização x. Associada à parametrização x existe uma base de T x(q) (R n ) dada por [ X 1 = x,..., X n = x ] u 1 u n Os vetores X i = x u i, i = 1,..., n, são chamados os vetores básicos da parametrização x. Usualmente define-se uma variedade riemanniana de maneira mais abstrata. É possível provar, entretanto, que toda variedade riemanniana abstrata é uma variedade riemanniana segundo a definição acima.. Para os nossos propósitos, a definição acima é mais conveniente. Os conceitos de função diferenciável e gradiente se estendem imediatamente a uma variedade riemanniana. Com efeito, seja f : M n R N R uma função real em uma variedade riemanniana M n. iremos que f é diferenciável em p M n se existir uma bola aberta B ε (p) de R N centrada em p e uma função diferenciável F : B ε (p) R tais que F B ε (p) M n = f. Superfície regular Figura 5 Superfícies não regulares Em outras palavras, f é diferenciável em p se pode ser localmente estendida a uma função diferenciável de um aberto de R N. Se indicarmos com (x 1,..., x N ) as coordenadas do R N, F pode ser escrita como F(x 1,..., x N ). O vetor grad F(p) = ( F x 1,..., F x N ) (p) R N não pertence necessariamente a T p (M n ). A sua projeção sobre T p (M n ) é a parte do vetor grad F que é vista da variedade M n. Como F e f coincidem em B ε (p) M n, é natural definir o gradiente de f como grad f (p) = proj. sobre T p (M n ) de grad F(p), onde, aqui e adiante, proj. indica a projeção segundo o complemento ortogonal de T p (M n ). A noção de laplaciano também se estende às variedades riemannianas. Para introduzi-la precisamos, entretanto, de alguns preliminares. Um campo diferenciável de vetores em uma variedade riemanniana M n R N é uma aplicação diferenciável X : M n R N tal que X(p) T p (M n ), para todo p M n. ado um tal campo X e um vetor v T p (M n ), definimos a derivada covariante v X(p) de X relativamente a v em p como a componente tangencial da diferencial de X aplicada a v, isto é, v X(p) = proj. sobre T p (M n ) de dx p (v). Em outras palavras, v X(p) é a parte da derivada direcional de X relativamente a v que é vista da variedade M n. As geodésicas de M n são precisamente as curvas de M n cujos campos de vetores tangentes têm derivada covariante nula (cf. Exemplo 2). ado um campo diferenciável de vetores tangentes X em M n, define-se uma função diferenciável 32 Matemática Universitária n os 5/51
6 div X : M n R, chamada divergência de X, da maneira seguinte. Para cada p M n, considera-se a aplicação linear de T p (S) que faz corresponder a cada v T p (S) o vetor v X(p); o traço desta aplicação linear é, por definição, o valor de div X(p). Com estes preliminares, define-se o laplaciano M n f de uma função diferenciável f : M n R por M n f = div(grad f ). Não é difícil verificar que quando M n = R 2, esta definição coincide com a dada anteriormente. 3 Aplicações harmônicas entre variedades riemannianas Estamos agora em condições de generalizar os Exemplos da Seção 1. Sejam M n R N e M m R M duas variedades riemannianas. Seja M n um aberto conexo e limitado de M n cuja fronteira é a união de um número finito dos fechos de variedades de dimensão n 1 contidas em M n e seja f : M m uma aplicação diferenciável, onde =. Indicando por (x 1,..., x N ) as coordenadas de R N e por (y 1,..., y M ) as coordenadas de R M, podemos escrever: f (x 1,..., x N ) = ( f 1 (x 1,..., x N ),..., f M (x 2,..., x N )), para (x 1,..., x N ). efiniremos a energia de f como usualmente: E( f ) = 1 2 onde ( M grad f i 2 ) e( f ) = dm n = 1 2 M grad f i 2 e( f ) dm n, é a densidade de energia de f. Introduzindo, como antes, variações F : ( ε, ε) M m ( f s (q) = F(q, s), q ) que mantêm a fronteira fixa, concluiremos que ( ds = f (p) F ) dm n, s ( ε, ε), x= onde E(s) = E( f s ), e f (p) é o vetor tensão de f dado por f (p) = proj. sobre T f (p) (M n ) de ( M n f 1,..., M n f M ), p M n. Isto motiva a seguinte definição. efinição 3. Uma aplicação diferenciável f : M n M m é harmônica se f =. O leitor se convencerá facilmente que os Exemplos da Seção 1 são casos particulares de definição acima. Além disto, a experiência destes exemplos nos leva a propor os seguintes problemas fundamentais sobre as aplicações harmônicas. Problema 1. ada uma aplicação contínua g : M m, achar uma aplicação f : M n, contínua em e harmônica em, tal que f = g (vide Exemplo 1). Problema 2. Suponhamos M n e M m compactas. Pergunta-se se toda aplicação contínua f : M n M m pode ser deformada continuamente em uma aplicação harmônica (vide Exemplo 3). O Problema 1 envolve questões de existência, unicidade e minimização da energia da f em questão (vide Exemplo 2). A condição f = é um sistema de equações diferenciais parciais de segunda ordem (isto é, o sistema contém as funções incógnitas f 1,..., f M e suas derivadas parciais até a segunda ordem). Embora seja basicamente um problema de análise, o interesse do Problema 1 para a geometria está ligado, por um lado, ao fato de que as condições para a sua solução devem ser expressas em termos da geometria de M n e M m e, por outro lado, à influência que ele pode ter na solução do Problema 2. O Problema 2 tem recebido considerável atenção e alguns de seus casos particulares foram resolvidos. aremos algumas informações sobre o Problema 2, deixando de lado, inteiramente, o Problema 1. No que se segue, a não ser que mencionado explicitamente, M n e M m são variedades riemannianas compactas e S n indicará a esfera unitária de R n+1. A) Caso em que M n = S 1 As aplicações harmônicas f : S 1 M m são as geodésicas fechadas de M m (convém incluir as aplicações constantes como geodésicas fechadas, ditas triviais). Elie Cartan demonstrou que toda aplicação contínua f : S 1 M m pode ser deformada continuamente em uma geodésica fechada (que pode ser trivial, se toda curva fechada de M m for deformável continuamente a um ponto). Em verdade, é possível provar mais, a saber, que toda variedade riemanniana compacta contém uma geodésica fechada não trivial (Fet e Lusternik, vide [1]). Matemática Universitária n os 5/51 33
7 B) Caso em que M m tem curvatura negativa A curvatura seccional de uma variedade riemanniana M é definida do seguinte modo. Seja p M e seja σ T p (M) um subespaço de dimensão dois do espaço tangente T p (M). Considere segmentos de comprimentos ε (suficientemente pequeno) das geodésicas que saem de p e são tangentes a σ. A curvatura seccional K(p, σ) é o limite 3 2πε L K(p, σ) = lim ε π ε 3, onde L é o comprimento da curva fechada em M descrita pelas extremidades das geodésicas consideradas. izer, portanto, que K(p, σ) < é dizer que as geodésicas que saem de p tangentes a σ se afastam mais rapidamente do que as retas de σ que saem da origem. No caso B), um resultado fundamental devido a Eells e Sampson [7] afirma que toda aplicação contínua f : M n M m é deformável continuamente em uma aplicação harmônica que realiza um mínimo absoluto da energia. A condição de ser negativa a curvatura seccional de M m é, entretanto, muito forte. Ela implica, por exemplo, que se M m é completa, não compacta, e tem a propriedade que toda curva fechada em M m pode ser continuamente deformada em um ponto, então toda aplicação contínua de S 2 em M m (m 2) pode ser deformada continuamente em uma aplicação constante (logo harmônica). O método utilizado no trabalho de Eells-Sampson é essencialmente o seguinte. Procura-se uma aplicação f com f =. Toma-se um f qualquer como condição inicial e considera-se a equação f (p, t) = f t, t um parâmetro real, na variedade produto M n R (esta equação é o sistema parabólico associado ao sistema elíptico f = ). A dificuldade é provar que a equação f (p, t) = f tem uma única solução para todo t t R, satisfazendo a condição inicial f (p, ) = f, e que, quando t, a solução obtida tende para uma solução de f =. Fisicamente, a equação f (p, t) = f t representa uma distribuição instável de energia, a qual tende para um estado estacionário quando t. C) Caso em que M m tem curvatura qualquer Neste caso, os resultados são extremamente incompletos. Para começar, existem exemplos de aplicações f : S n S n, n 3, que não podem ser deformadas em aplicações constantes mas têm energias arbitrariamente pequenas (vide [7], pg. 131). Portanto, se tais aplicações puderem ser deformadas em aplicações harmônicas, estas últimas não serão mínimos absolutos da energia. Não obstante, T. Smith [13] demonstrou que toda aplicação contínua f : S n S n, n 7, pode ser deformada em uma aplicação harmônica. Um resultado mais geral (porém de difícil aplicação) parece ser o seguinte, devido a J. Mitteau [11]. Existe um número real ε > tal que se uma aplicação diferenciável f : M n M m satisfaz sup e( f )(p) < ε, p M onde e( f ) é a densidade de energia de f, então f pode ser continuamente deformado em uma aplicação harmônica. É possível mostrar que se M m tem curvatura negativa o ε acima pode ser tomado como +. Este teorema contém, portanto, o resultado de Eells-Sampson como caso particular. No caso em que M e M têm ambas dimensão dois podemos dizer muito mais. O problema foi tratado por L. Lemaire [1], que demonstrou o seguinte1: exceto para o caso M 2 = S 2, toda aplicação contínua f : M 2 M 2 pode ser continuamente deformada em uma aplicação harmônica que é um mínimo absoluto de energia. O caso em que M = S 2 e M m é qualquer é possivelmente o caso mais interessante. Primeiro, porque a equação de definição de uma aplicação harmônica se simplifica quando tomamos em S 2 coordenadas dadas pela projeção estereográfica de S 2 em um plano (tais coordenadas são chamadas isotérmicas). Sejam (u, v) coordenadas isotérmicas em S 2 e seja f (u, v) = ( f 1 (u, v),..., f m (u, v)) a expressão de uma aplicação diferenciável f : S 2 M m em termos de (u, v) e de uma parametrização de 1 Agradeço a F. umortier por ter me chamado a atenção para a referência [1]. 34 Matemática Universitária n os 5/51
8 M m. Então a condição de f ser harmônica se traduz no sistema de segunda ordem (cf. [2]) ( 1 2 ) f i λ 2 u m ( f i fj v 2 + Γ i jk u f k u + f j v f ) k v j,k=1 i = 1,..., m, =, onde os Γ i jk são definidos por meio dos vetores básicos X i da parametrização de M m e da derivada covariante de M m por Xj X k = m Γ i jk X i, e λ 2 é dado pela métrica ds 2 = λ 2 (du 2 + dv 2 ) de S 2. Segundo, porque este caso se relaciona com o seguinte resultado devido a S. S. Chern [3]. Se f : S 2 M m é uma imersão (isto é, uma aplicação diferenciável com diferencial injetiva) harmônica, então f é uma imersão mínima, no sentido de que uma região S 2 é um ponto crítico para a função área de qualquer variação de f : M m. É provável que este resultado se estenda a uma aplicação harmônica (não necessariamente imersão) de S 2 em M m. aí decorreria que a existência de uma aplicação harmônica de S 2 em M m implicaria na existência de uma superfície mínima em M m homeomorfa a S 2, com possíveis pontos de ramificação 2 As aplicações harmônicas entre variedades riemannianas, das quais demos apenas alguns exemplos motivadores e uma definição mais intuitiva que a usual, continuam sendo um tópico interessante de pesquisa. Referimos o leitor ao Capítulo 8 do livro [9] e ao artigo [6]. Referências [1] Al ber, S. I. The topology of functional manifolds, and the calculus of variations in the large. Russian Mathematical Surveys, v. 25, n. 4, p , 197. [2] Bochner, S. Harmonic surfaces in Riemann metric. Transactions of the American Mathematical Society, v. 47, p , 194. [4] do Carmo, M. Geometria iferencial de Curvas e Superfícies. 3. ed. Rio de Janeiro: SBM, c28. (Textos Universitários) [5] Eells, J.; Lemaire, L. A report on harmonic maps. Bulletin of the London Mathematical Society, v. 1, n. 1, p. 1 68, [6] Eells, J.; Lemaire, L. Another report on harmonic maps. Bulletin of the London Mathematical Society, v. 2, n. 5, p , [7] Eells, J.; Sampson, J. H. Harmonic maps of Riemann manifolds. American Journal of Mathematics, v. 86, p , [8] Figueiredo,. G. O problema de irichlet. Brasília: UnB, (Trabalhos de Matemática, 89) [9] Jost, J. Riemannian geometry and geometric analysis. 2. ed. Berlin: Springer, (Universitext) [1] Lemaire, L. Applications harmoniques des surfaces. Comptes Rendus Hebdomadaires des Séances de l Académie de Sciences. Séries A-B, v. 28, n. 13A, p. A897 A899, [11] Mitteau, J.-C. Sur les applications harmoniques. Journal of ifferential Geometry, v. 9, p , [12] Sacks, J.; Uhlenbeck, K. The existence of minimal immersions of 2-spheres. Annals of Mathematics (2), v. 113, n. 1, p. 1 24, [13] Smith, R. T. Harmonic mappings of spheres. American Journal of Mathematics, v. 97, p , Manfredo P. do Carmo IMPA manfredo@impa.br [3] Chern, S. S.; Goldberg, S. On the volume decreasing property of a class of real harmonic mappings. American Journal of Mathematics, v. 97, p , Esse resultado foi obtido em [12]. Matemática Universitária n os 5/51 35
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