A Evolução da Inflação no Biênio / no Brasil e na Economia Mundial A variação dos índices de preços ao consumidor (IPCs) registrou, ao longo do biênio encerrado em, desaceleração expressiva nas economias maduras e em parte importante das economias emergentes e volatilidade menos acentuada no Brasil. Nesse sentido, enquanto a variação anual do indicador nos Estados Unidos da América (EUA) recuou de,6, em julho de, maior taxa em dezessete anos, para -2,, em julho de, menor variação desde janeiro de, a redução assinalada no indicador brasileiro atingiu, p.p., no mesmo intervalo. O objetivo deste boxe consiste, nesse cenário, em identificar os principais determinantes da diferença entre o comportamento da inflação nas economias mencionadas e no Brasil. Gráfico Índice de preços de commodities agrícolas.2.24 = 44 8 2 26 2 4 8 2.4 8.8.2.4.8.2 4.4 26.8 28. 2. 24. 2. Trigo Milho Soja Agrícolas A trajetória da inflação no biênio / respeita dois períodos definidos. O primeiro, iniciado no terceiro trimestre de, estende-se até meados de e evidencia o impacto da elevação dos preços da energia e das cotações das principais commodities, em especial, agrícolas, em contexto de expansão excessiva da demanda em diversas economias. A esse período, segue-se o processo de desaceleração inflacionária associado ao ambiente recessivo experimentado pela economia mundial após o acirramento da crise financeira. A aceleração nas taxas de inflação ocorreu em cenário de reduzidas taxas de desemprego, níveis recordes de utilização da capacidade instalada e maior especulação financeira no mercado de commodities. Vale mencionar que a evolução dos preços agrícolas, registrada no Gráfico, refletiu as pressões exercidas pelas ampliações da demanda mundial para / Considerados os mesmos períodos, as retrações nas variações dos IPCs relativos a Suécia, Área do Euro e Japão atingiram, na ordem,, p.p., 4, p.p. e 4,6 p.p., enquanto as associadas aos indicadores da Tailândia, Chile e Turquia totalizaram,6 p.p.,,2 p.p. e 6, p.p., respectivamente. Dezembro Relatório de Inflação 6
Gráfico 2 Petróleo Mercado a vista US$ por barril 6 2 6 4 26. Fonte: Bloomberg 2.6.8 4..2 2.2 Brent Tabela Peso dos alimentos na cesta do IPC País Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos, França 4, Itália 6, Canadá, Coréia do Sul 4, Israel, Brasil 2, México 22, Japão 22, Hungria 2, Singapura 2,4 África do Sul 2, Taiwan 2, Chile 2,2 Polônia 2, Turquia 28, Argentina, Malásia,4 China, Arábia Saudita 6, Tailândia 6, Egito 8, Rússia 4,2 Paquistão 4, Indonésia 42, Vietnam 42, Kazaquistão 44,8 Filipinas 46,6 Índia 6,2 Ucrânia 6,8 Fonte: HSBC: Global Research, il de 4... 2. WTI consumo consistente com o aumento da renda nos países emergentes, em especial na China e para produção de biocombustíveis, agravadas pelas restrições de oferta expressas em reduzidos estoques de grãos e quebras nas safras de importantes culturas 2. O movimento crescente registrado nas variações dos preços agrícolas se repetiu no segmento das commodities metálicas e no mercado de petróleo, este expresso no Gráfico 2. Evidenciando a relevância do nível da renda disponível para a determinação do padrão de consumo, a participação dos alimentos nas cestas dos IPCs das economias emergentes mostra-se acentuadamente maior do que nos países desenvolvidos, conforme registrado na Tabela, que revela, por exemplo, que o peso dos alimentos no IPC da Índia e da Ucrânia é cerca de seis vezes superior ao observado na Alemanha e no Reino Unido. É intuitivo concluir, portanto, que o comportamento da inflação acompanhe, mais proximamente, o padrão de variação dos preços dos alimentos nas economias onde os gastos com esta parcela de bens sejam mais elevados, relação ratificada a partir do exame dos Gráficos e 4. Nas economias desenvolvidas, onde o uso da energia é mais intenso, a trajetória do IPC esteve vinculada, em especial, à evolução desses preços, ressaltando-se, nos EUA, o efeito adicional sobre a inflação decorrente do impacto da depreciação do dólar sobre os preços das importações. Nesse cenário, o aumento, de 2,8 para,6, assinalado na variação anual do IPC dos EUA, entre setembro de e julho de, refletiu, em grande parte, a elevação, de, para 2,, registrada na variação anual do preço da energia. Efeito semelhante pôde ser observado no Reino Unido, Área do Euro e Japão, onde ocorreram variações respectivas de,6 p.p., 8, p.p. e,2 p.p., nos preços da energia (Gráficos e 6). A partir de meados de, em linha com o ambiente de redução acentuada da liquidez, perdas expressivas de riqueza e deterioração das expectativas associadas à intensificação da crise mundial, passou a ocorrer o esgotamento do processo de elevação nas taxas de inflação, iniciado em. Nesse período, 2/ Em relação ao nível dos estoques, de acordo com o World Economic look do Fundo Monetário Internacional (FMI), de abril de, os estoques de trigo e milho encontravam-se, à época, nos mais baixos níveis desde o início da década de 8. As quebras de safra foram motivadas, em especial, pela ocorrência de secas na Austrália e na Nova Zelândia e de inundações na Argentina, na Malásia e na Índia. 68 Relatório de Inflação Dezembro
Gráfico Inflação de alimentos 2 2 - - Mai Turquia - - Fev Nov Mai Nov Mai México Coréia do Sul China Mai Ago Nov Fev Polônia Gráfico 4 Inflação nas Economias Emergentes Mai Ago Nov Fev Nov Mai Ago Nov México Coréia do Sul China Turquia Gráfico Inflação de energia 2 - -2 - Jan Jul Jan EUA Japão Polônia Jul Jan Gráfico 6 IPC Economias maduras 6-26 Jul Área do Euro Reino Unido EUA Área do Euro Japão Reino Unido Fontes: BLS, Eurostat, Bloomberg e ONS em que ocorreram processos deflacionários tanto em economias maduras, a exemplo de EUA, Suíça e Canadá, quanto emergentes asiáticas, em especial na China, na Malásia e na Tailândia, a evolução da inflação traduziu, fundamentalmente, a trajetória dos preços das commodities agrícolas e do petróleo. Os processos desinflacionários registrados no Reino Unido, Austrália, República Tcheca, Hungria, Coréia do Sul, México, Turquia, Brasil e África do Sul foram atenuados, em parte, pelas depreciações cambiais assinaladas nessas economias e pela maior resiliência das respectivas demandas domésticas, em especial no Brasil, na Rússia, na Índia e na China (Bric). Embora as variações do Produto Interno Bruto (PIB) surpreendessem positivamente no segundo trimestre de, o ritmo de crescimento da economia mundial manteve-se abaixo do potencial, e os preços das commodities, em particular do petróleo, deprimidos. Nos EUA, a variação em doze meses do IPC atingiu -2, em julho de, menor taxa nas últimas seis décadas, movimento decorrente, em especial, do impacto da retração anual de 28, observada no preço da energia, mas associado, adicionalmente, ao cenário de ampliação do hiato do produto, redução do custo do emprego, deflação nos preços percebidos pelos produtores e redução nos preços dos alimentos e dos bens importados. Na Área do Euro, a variação anual do IPC recuou do valor recorde de 4, em julho de, para -,, em julho de, menor taxa da série histórica, ressaltando-se, no período, a reversão, de, para -4,4, assinalada nos preços da energia. No mesmo sentido, a variação do IPC do Japão recuou de 2, maior taxa desde meados da década de para -2,, com ênfase na deflação de, a.a. observada nos preços da energia. Na China, a variação anual do IPC, de 8, em fevereiro de para -,8 em julho de, refletiu, ainda, o comportamento dos preços dos alimentos, que recuaram de 2, para -,2, no período, enquanto a inflação da energia passou de 6, para -,. O exame do comportamento da inflação no Brasil, no biênio encerrado em, revela a ocorrência de volatilidade semelhante, mas em / Ressaltem-se, adicionalmente, os processos desinflacionários registrados no Reino Unido, Austrália, República Tcheca, Hungria, Coréia do Sul, México, Turquia, Brasil e África do Sul Dezembro Relatório de Inflação 6
intensidade consideravelmente inferior à observada nas economias consideradas anteriormente. Essa distinção, examinada a seguir, está associada a dois fatores principais. Gráfico Câmbio e CRB Setembro/ = 4 2 8 6 Set Nov Jan Mar Mai Jul Set Nov Jan Mar Mai Jul Set Nov CRB em dólares Câmbio Fontes: IBGE e Thompson Inicialmente, é relevante identificar o impacto da correlação inversa registrada, no caso brasileiro, entre os preços das commodities e a taxa de câmbio, que atingiu no biênio e atuou como fator acomodatício para as pressões exercidas pela forte elevação assinalada nas cotações das commodities no período que antecedeu o agravamento da crise mundial (Gráfico ). De fato, a apreciação de 6, experimentada pelo real entre setembro de e julho de contribuiu para a redução do impacto, sobre os preços internos, do aumento registrado nas cotações em dólar das principais commodities, no período. A relação mencionada atuou, naturalmente, como elemento de redução do impacto, sobre a inflação interna, do recuo mais recente registrado nas cotações das commodities. Gráfico 8 Inflação de serviços e de monitorados 8 6 4 2 Set Nov Jan Mar Mai Jul Set Nov Jan Mar Mai Jul Set Nov Fonte: IBGE Gráfico IPCA e inflação de bens Bens duráveis 2 Set Nov Jan Mar Mai Jul Set Nov Jan IPCA Fonte: IBGE Serviços Bens não-duráveis Monitorados Mar Mai Jul Set Nov Bens semi-duráveis Bens duráveis - -2 - -4 A menor volatilidade registrada pela variação dos índices ao consumidor no Brasil refletiu de forma mais importante o comportamento dos preços dos serviços e dos itens monitorados, que representaram, em conjunto, cerca de do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), no biênio considerado 4. Nesse sentido, a inflação relativa a esses componentes apresentou relativa estabilidade no período em que a evolução dos preços das commodities e da energia exerceu, na ordem, impacto mais acentuado sobre os preços nas economias emergentes e maduras e tendência de alta quando a inflação mundial passou, em resposta ao quadro recessivo, a registrar trajetória declinante, e, em algumas economias, deflação. A atuação desses preços se constituiu, portanto, em elemento adicional à estabilidade proporcionada pela correlação negativa entre o câmbio e a variação dos preços das commodities, conforme expresso no Gráfico 8. Vale ressaltar que, de acordo com o Gráfico, a trajetória do IPCA nos segmentos de bens duráveis e não duráveis guarda, no Brasil, correspondência direta com a assinalada pelos IPCs em âmbito mundial. 4/ A variação dos preços dos itens classificados nesses grupos depende, em geral, da inflação passada, de cláusulas contratuais e, em relação aos serviços, do nível de atividade, em especial no que se refere ao comportamento do mercado de trabalho. Relatório de Inflação Dezembro
Nesse sentido, a variação acumulada em doze meses do IPCA relativo a esses segmentos registrou amplitudes respectivas de 4, p.p. e, p.p. no biênio, com as maiores taxas ocorrendo, respectivamente, em junho e em julho de, e as menores, em outubro e em setembro de. Em síntese, foi constatado que a evolução da inflação na economia mundial no biênio encerrado em refletiu, em um primeiro momento, o impacto da aceleração da atividade econômica sobre os preços das commodities e da energia, movimento revertido após o agravamento da crise mundial, quando, no quadro recessivo experimentado, em especial, pelas economias maduras, os preços mencionados registraram trajetória declinante. No Brasil, a volatilidade dos preços mostrou-se menos intensa do que na maior parte das economias consideradas, desempenho associado, fundamentalmente, aos efeitos acomodatícios proporcionados tanto pela correlação inversa observada entre a evolução do câmbio e dos preços das commodities, quanto, em particular, pela representatividade acentuada dos serviços e dos itens monitorados na composição do IPCA. A evolução recente dos preços e as perspectivas de manutenção do processo de recuperação gradual da atividade econômica mundial sugerem a proximidade do efetivo esgotamento do período de redução nas taxas de inflação. O novo cenário poderá se configurar em novo período de aceleração dos preços, impulsionado, mesmo em ambiente de ociosidade dos fatores de produção, pelos efeitos defasados da liquidez ofertada pelos bancos centrais ao longo dos últimos trimestres e pelas pressões de preços associadas às cotações das commodities. Em relação ao Brasil, o aumento recente assinalado no nível de utilização da capacidade da indústria de transformação, em cenário de dinamismo acentuado da demanda interna e de perspectivas de consolidação da retomada da economia mundial, reforça a importância da postura cautelosa na condução da política monetária para a preservação da variação de preços, de acordo com o estabelecido no âmbito do regime de metas para a inflação. / Em relação à Ásia emergente, levantamento do HSBC (What s Cooking with Rice?, de..) aponta o ressurgimento de preocupações em relação à alta dos preços de alimentos, em especial do arroz, cujo aumento já alcançou 2 nas operações realizadas nos últimos meses nos EUA. Os efeitos dessa alta, impulsionada pelas recentes tempestades nas Filipinas e seca na Índia, têm impactos importantes sobre os IPCs dos países da região, em particular da Indonésia, da Índia, do Paquistão e do Vietnam. Dezembro Relatório de Inflação