Física Matemática I. November 21, Números
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- Aníbal Ribas Coimbra
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1 Física Matemática I November, Motivação. Números Uma vez desenvolvida a escrita é inquestionável a importância prática de se inventar símbolos para designar as quantidades. Neste sentido surgem naturalmente os números naturais N. A necessidade de se expressar a posse ou a falta (ou ainda se você vai ganhar ou perder uma certa quantidade) faz surgir o símbolo n, com n N, e, conseqüentemente, a idéia de números inteiros. Além disso, o conceito de se dividir um objeto em n partes inteiras (onde n N) é também bastante intuitiva. Assim, é de importância prática se inventar um símbolo para resumir a expressão dados objetos e dividindo cada um deles em sete 7 eu quero pegar (ou dar) uma destas partes de cada objeto. A invenção deste símbolo me permite dizer que eu quero 7 (ou 7) do total de objetos. Surgem então os números racionais Q. Mesmo na estrutura matemática mais rigorosa os racionais são construídos a partir dos inteiros (racionais são classes de equivalência de inteiros). Mas de onde vem os chamados números reais R? Quando se coloca todas as idéias acima numa estrutura matemática rigorosa, observa-se que existem quantidades que não podem ser expressas como números racionais. Estas quantidades são chamadas de números irracionais. Mas que quantidades são estas? Apesar de geometricamente estas quantidades poderem ser construídas (e.g., pelo teorema de Pitágoras), na verdade elas não possuem respaldo no nosso mundo cotidiano. Neste sentido poderíamos dizer que os números irracionais não possuem uma utilidade prática (além da matemática pura). Entretanto, a descrição do mundo através da Física adquiriu uma so sticação matemática tão grande que os conceitos envolvidos na construção dos números reais possuem hoje conseqüências diretas nas teorias e modelos que descrevem o universo. Por exemplo, aplicando as mesmas idéias que levam aos reais, mas seguindo um caminho diferente, é possível construir um outro conjunto, diferente de R (i.e., cujos elementos têm propriedades diferentes). Além disso, é possível se fazer Física utilizando este conjunto no lugar dos reais. Uma destas possibilidades são os chamados números p-ádicos. O ponto aqui é que números são construídos pela nossa necessidade de que não exista nada que não possamos expressar. Dentro desta idéias, de onde surgem os números complexos?
2 . Teorema fundamental da álgebra Vivamos num mundo sem os complexos. Um dia, resolvendo um problema real do nosso mundo, nos deparamos com a equação 3x + : () Fácil ver que, neste nosso mundo onde só existem os reais, esta equação não possui soluções. Obviamente, a incapacidade de tratar uma expressão matemática qualquer, além de frustrante, implica numa série de limitações práticas no tratamento de problemas do mundo real. A inexistência de soluções reais da equação () é uma manifestação do fato do conjunto dos números reais não formar um corpo algebricamente fechado. Um corpo (abaixo veremos o que é um corpo) F diz-se algebricamente fechado se qualquer polinômio de uma variável de grau maior ou igual a, com coe cientes em F, tiver pelo menos uma raiz em F. Para não corrermos mais o risco de obter equações polinomiais intratáveis, de nimos então um novo conjunto maior, dos quais os R fazem parte, mas que qualquer polinômio neste novo conjunto possua soluções que também sejam elementos deste conjunto. Este processo é chamado de fechar algebricamente o conjunto. Fazendo isso com os reais, o que se obtém é precisamente o conjunto dos números complexos. Disse então que é o fecho algébrico de R. Esta característica dos números complexos é uma conseqüência do Teorema fundamental da álgebra. Theorem Qualquer polinômio p(z), z, com coe cientes complexos e de grau n tem alguma raiz complexa. Em outras palavras, o corpo dos números complexos é algebricamente fechado e, portanto, tal como qualquer outro corpo algebricamente fechado, a equação p(z) possui n soluções não necessariamente distintas..3 Teorema da identidade O teorema da identidade (identity theorem) para funções holomór cas (funções de variáveis complexas diferenciáveis) estabelece que: Theorem Dada duas funções holomór cas f e g de nidas num aberto (conexo) D, se f g em alguma vizinhança de z contida em D, então f g em D. Assim, uma função holomór ca está completamente determinada uma vez conhecido seu valor numa vizinhança arbitrariamente pequeno. Esta propriedade não é válida para funções reais diferenciáveis. É graças à propriedade acima que podemos tão facilmente estender uma função real para o plano complexo, por exemplo, e x e z. Além disso, a noção de diferenciabilidade é muito mais forte para funções complexas, pois a existência da diferencial de primeira ordem implica na existência das diferenciais de qualquer ordem. Assim, mostrando-se
3 que uma função complexa possui uma primeira derivada, automaticamente se mostra que ela é in nitamente diferenciável e, conseqüentemente, que ela é uma função analítica (pode ser expandida em série de Taylor). O fato de uma função possuir uma expansão em série de nida em todo seu domínio é de fundamental importância tanto em matemática quanto em física. Assim, dada uma certa função real f (x), se conseguirmos entender esta função para o plano complexo, i.e., encontrar uma função diferenciável f (z) de nida em que para Im z seja igual a f (x), esta função será única (pelo teorema da identidade) e analítica. Assim, o estudo das propriedades de funções com variáveis complexas é de fundamental importância não apenas teóricos, mas também práticos. Números complexos Assim como os reais, os números complexos foram inventados originalmente apenas por razões matemáticas. Entretanto, seu estudo posterior apresentou uma série de aplicações práticas. omecemos então com uma olhada na estrutura matemática por trás dos números complexos. Um número complexo é um mapa z : R R onde de nimos duas operações binárias (+; ) com as seguintes propriedades algébricas z i z (x i ; y i ) ; x i ; y i R ; z (x ; y ) + z (x ; y ) z (x + x ; y + y ) z + z ; z (x ; y ) z (x ; y ) z z z (x x y y ; y x + x y ) z z : hamemos o conjunto de todos os z de. Vejamos porque esta escolha de operações, aparentemente arbitrária, é tão importante. Das de nições acima é fácil ver que z (x; y) + z (; ) z (x; y) ; _x; y ; (identidade) () z + (z + z 3 ) (z + z ) + z 3 ; (associativo) (3) _ z (x ; y ) 9 z ( x ; y ) j z + z z (; ) ; (inverso) (4) z + z z + z (comutativo). (5) A existência do elemento z z(; ) () e as propriedades (3) e (4) acima fazem deste conjunto um grupo pela primeira operação binária (a soma, +).O fato da soma ser comutativa (5), faz deste um grupo abeliano. Operações que envolvem dois elementos do conjunto. 3
4 Além disso, podemos ver também que z (x; y) z (; ) z (x; y) ; _x; y ; (identidade) (6) z (z z 3 ) (z z ) z 3 ; (associativo) (7) (a inexistência do elemento inverso para z (; ) faz com que, assim como R, não seja um grupo pelo produto). A existência do elemento z(; ) (6) (identidade do produto) acima e da associatividade do produto (7), fazem deste conjunto um monóide pelo produto (um grupo é um monóide onde todos os elementos têm inversa). Um conjunto que é simultaneamente um grupo abeliano (por +), um monóide () e além disso, respeita a propriedade distributiva pela composição das duas operações z (z + z 3 ) z z + z z 3 (distributivo): (8) é chamado de um anel. A comutatividade da multiplicação (z z z z ) faz deste um anel abeliano. Finalmente, todas estas propriedades, mais o fato do conjunto z (; ) formar um grupo pela multiplicação (z (; ) é o único elemento sem inversa pelo produto), devido às propriedades seguintes z (z z 3 ) (z z ) z 3 ; (associativo) _ z (x ; y ) ; x + y 6 9 z x x + ; y y x + y j zz z (; ) ; fazem deste anel abeliano um corpo. É pelo fato de ser um corpo que podemos fazer com z tudo que fazemos com os números reais. Assim, polinômios estão bem de nidos, bem como as séries in nitas. Destarte podemos de nir funções trigonométricas, exponenciais etc. E, o mais importante, podemos procurar pelo inverso de todas estas funções.. Realização ou representação de Vamos começar de nindo o seguinte símbolo para nos referirmos aos elementos de : z (x; y) x + iy ; x; y R ; onde x é chamado parte real de z (x Re z) e y parte imaginária (y Im z). É importante ter em mente que a quantidade acima é apenas um símbolo, não representando nenhuma soma, ou qualquer coisa parecida. 4
5 Para efetivamente trabalharmos (manipularmos) este símbolo, precisamos encontrar uma de nição baseada em entidades que já saibamos trabalhar. Ou seja, precisamos realizar esta quantidade em algum espaço conhecido. Vejamos três possibilidades para esta realização... Representação matricial Podemos de nir o símbolo introduzido acima como uma matriz x y z (x; y) x + iy y x ; e especi carmos que a soma e o produto deste símbolo respeita a álgebra usual de matrizes. Exercise 3 Veri que que o símbolo assim de nido obedece às propriedades de soma e multiplicação de nidas na seção anterior. Agora que temos uma representação concreta para o nosso símbolo, podemos efetuar cálculos completos. Por exemplo, para z i, podemos calcular e z e i e i exp " # n X n X () n n n + n + () n + () ::: observando que temos e i ; 3 () () X ( ) n () n + X ( ) n () n+ (n) (n + ) n n cos + sin + i i z (; ) : ; ::: + ::: 5
6 Da mesma forma e i + i z (; ) : Observe que o símbolo da igualdade acima não tem o mesmo signi cado (apesar de compartilhar as mesmas propriedades) do símbolo R como elemento dos reais. Mais especi camente, o nosso aqui é uma matriz. De forma geral, usando a notação introduzida acima, e i conhecida como fórmula de Euler. cos () + Exercise 4 Podemos escrever e z+z e z e z? sin () cos () + i sin () (9) De forma geral, " # e x+iy e x cos y + sin y e x cos y sin y e x (cos y + i sin y) : () sin y cos y Exercise 5 Obtenha a relação acima. Remark 6 Os resultados obtidos numa certa representação são válidos em qualquer representação... Representação algébrica Outra forma de se representar um elemento de (talvez a mais conhecida) é a rmar que a quantidade x + iy respeita a álgebra usual dos reais (i.e., passamos a considerar este símbolo como uma soma usual) acrescida da seguinte de nição i:i : Exercise 7 Veri que que esta de nição reproduz as operações de soma e produto de nidas na seção anterior. A veri cação da compatibilidade desta de nição com a anterior é imediata i:i + :i : 6
7 ..3 Representação geométrica Uma terceira forma de se representar os elementos de é a rmar que estes são pontos no plano x y e identi car a operação de soma com a álgebra (usual) dos vetores que partem da origem até o ponto x; y. Neste caso é conveniente utilizar a representação polar deste ponto z ^xr cos + ^yr sin ; r x + y ; y x tan : Neste caso costuma-se ainda introduzir a notação ^y i ; ^x ) z r (cos + i sin ) : Usando o resultado (9), que deve ser válido em qualquer representação, temos z r (cos + i sin ) re i ; r; R : Nesta notação r é a magnitude (ou módulo, ou valor absoluto) de z (r jzj) e a fase ou argumento ( arg z). Partindo das de nições é fácil ver que jzj r (Re z) + (Im z) : A operação de múltimplicação de dois números z r e i e z r e i é identi cada como o aumento da magnitude de z por um fator r seguido de uma rotação deste vetor de um ângulo. O que, na representação polar, possui uma forma bastante simples z z r e i r e i r r e i(+) : Exercise 8 Veri que que a introdução dos símbolos acima é compatível com a representação algébrica, i.e., veri que que na representação geométrica i:i. Exercise 9 Use a representação geométrica para mostrar a desigualdade triangular jz + z j jz j + jz j : 7
8 As vezes é importante usar a representação polar fora da origem z z exp (i) ) z exp (i) + z ou seja, z são pontos com coordenadas polares e com relação a z. Exercise Desenhe no plano x y os pontos jz + ij : Remark Todas as representações apresentadas são, obviamente, equivalentes. A utilização de uma certa representação depende apenas das conveniências do problema...4 Extração de raízes Vejamos agora como funciona uma determinada operação em. O ponto é que, apesar de podemos fazer em tudo que fazemos em R, os resultados que obtemos são bem diferentes. Por exemplo, vamos extrair a raiz n-ésima de um número complexo z ( np z ou z n ). Isso equivale a encontrar z tal que: (z ) n z : Este problema é mais facilmente tratado na representação polar z r (cos + i sin ) z r (cos + i sin ) Ou seja, dados r e (reais) precisamos encontrar números reais r e tais que r (cos + i sin ) r n (cos + i sin ) n Usando a fórmula de Euler (9) temos (cos + i sin ) n e i n e in cos (n ) + i sin (n ) conhecido como teorema de De Moivre. om isso nossa igualdade toma a forma r (cos + i sin ) r n (cos (n ) + i sin (n )) 8
9 que pode ser resolvida fazendo (pois e r são parâmetros independentes) r r n ) r np r n k ; k N ) n k n Agora, para n k (ou n mk com m N) temos n + o que representa o mesmo ponto. Então, existem n valores de k k ; ; :::; n que representam pontos distintos e satisfazem a nossa igualdade. Assim, para z 6, a expressão np z z n possui n raízes z n z np r cos + k + i sin + k n n Exercise alcule 3p, com. Resp. ; k ; ; ::; n : cos + i sin ) r ; 3 cos k k + i sin ; k ; ; 3 3 z cos + i sin 3 3 z cos 3 + i sin 3 z cos i sin 4 3 Observe que para R; 3p. Remark 3 Antes de efetuarmos qualquer operação com uma quantidade (um número), precisamos especi- car a qual conjunto esta quantidade pertence.. Funções Uma função W (z) : de uma variável complexa é também um número complexo, cuja parte real U Re W e imaginária V Im W dependem, na nossa representação geométrica, da posição de z no plano x y. Usando as notações introduzidas anteriormente escrevemos W (z) U (x; y) + iv (x; y) : 9
10 Podemos escolher duas diferentes representações grá cas para W. A primeira é representar U (x; y) e V (x; y) como superfícies sobre o plano complexo x y. Esta representação, que é útil em certas ocasiões, possui o inconveniente de não explicitar a relação das duas funções U e V como elementos de. Outra possibilidade é representar o próprio número complexo W como um ponto no plano U V. Neste último caso, a função W (z) fornece um mapa (R R ) do plano z x y no plano W U V e, para cada ponto no plano z, corresponde um (ou, como veremos, mais de um) valor ponto no plano W. Exemplo: onjugação complexa: W (z) z (x; y) z (x; y) x + iy x iy A representação grá ca do mapa R R é a re exão dos pontos em relação ao eixo x. omo pode ser veri cado pela de nição, esta operação respeita as propriedades z + z z + z z z z z z + z Re z z z Im z Além disso, pelas de nições na seção da representação geométrica, temos z:z x + y jzj ) jzj z:z A noção de norma nos permite escrever desigualdades do tipo jz j > jz j ; i.e., z são todos os pontos mais distântes da origem que z. Mas a rmações como z > z não fazem
11 sentido algum (a menos, é claro, que Im z Im z ). Exercise 4 Mostre que jz z j jz j jz j :
12 .. Funções multivalentes Vejamos agora uma função um pouco mais complicada, W (z) z (x + iy) x y + ixy r e i ; U x y ; V xy : O semi-circulo no plano z é mapeado num círculo no plano W e a linha x é mapeada na parábola 4U 4 V. Exercise 5 O que acontece com um circulo de raio R centrado em (a; b)? Rint: use a equação do circulo em coordenadas polares r ar cos br sin R a b : Esta gura foi retirada do livro Mathematical Methods of Physics, J. Mathews, R.L. Walker (nd. Edition Addison Wesley, 97)
13 Exercise 6 Estude a função z. Para motivar a discussão a seguir, considere a seguinte questão: Exercise 7 Onde está o problema na seguinte demonstração p p e i e i e i??? Antes de responder esta pergunta, voltemos ao estudo das características de z. No exemplo W (z) z os pontos z e z são mapeados no mesmo ponto W. O principal problema desta característica é que isto implica em problemas na de nição do mapa inverso W (z) z p re i : Uma vez que na função acima z arg z (arg W ) W ; os pontos z e z +, que representam os mesmos pontos no plano z, são dois pontos distintos W e W +. Ou seja, o para inverso W z não é monovalente. A rigor o conceito de função se refere apenas a mapas monovalentes. Entretanto, isso ocorre com tanta freqüência para mapas complexo que usamos um certo abuso de linguagem e dizemos que W z (a partir daqui chamaremos W simplesmente de W ) é uma função multivalente. Obviamente, como tal coisa não existe nos reais, precisamos desenvolver certas ferramentas para tratar este tipo de função. Uma curva fechada no plano z que circule a origem ( z ) não retornará para o mesmo ponto no plano W. De outra forma, qualquer curva fechada que circule a origem no plano z não gera uma curva fechada no plano W. Um ponto com esta característica é chamado ponto de rami cação. Por exemplo, a função W p z a tem um ponto de rami cação em a. Neste exemplo, na verdade, estamos falando mais especi camente de um ponto de rami cação algébrica. 3
14 Figure : Esta gura foi retirada do livro Mathematical Methods of Physics, J. Mathews, R.L. Walker (nd. Edition Addison Wesley, 97) Assim as funções multivalentes estarão bem de nidas apenas se não circularmos um ponto de rami cação. Para garantir isso, traçamos no plano z uma linha deste ponto até o in nito, chamada linha de rami cação (ou corte de rami cação) e, ao trabalharmos com a função, concordamos em nunca cruzar esta linha. No caso da rami cação na origem é conveniente tomar como linha de rami cação o semi-eixo real positivo ou negativo. O plano z cortado desta forma é chamado uma folha de Riemann da função em consideração. Esta folha é mapeada de forma unívoca numa parte do plano W chamada de ramo da função. No nosso caso de W z a metade deste plano. A outra metade do plano W (o outro ramo da função) também é mapeada em todo o plano z. Podemos evitar o problema da multivalência do mapa (ou da função ) dizendo que existem várias cópias (ou folhas) do plano z assim cortado e, ao cruzar a linha de rami cação, passamos de uma folha para outra. As curvas se comportam como se estas folhas fossem ligadas na linha de rami cação (Figura). As folhas assim ligadas formam uma superfície de Riemann S. Esta superfície mapeia sem ambiguidade todo o plano W, i.e., W : S é uma função legítima (monovalente). Agora uma curva fechada no plano W é também uma curva fechada na superfície de Riemann S. Então, quando escrevemos W (z) z, precisamos ser bem claros se estamos falando de W : ou W : S. Estas são duas funções diferentes. A segunda possui uma inversa (raiz quadrada), enquanto a primeira não. 4
15 Voltando agora ao problema da nossa prova. O problema está em que, quando escrevemos p estamos falando de um ramo (e, consequentemente, de uma especí ca folha de Riemann) da função z. Mais especi camente, o valor desta função no ponto z (; ). Se dermos agora uma volta completa até o ponto z (; ) estaremos cruzando uma linha de rami cação (independente de onde ela esteja) e, conseqüentemente, passaremos para uma outra folha de Riemann. Ou seja, quando nos movemos na superfície de Riemann S (onde z está bem de nida como função) saímos do ponto z e i e chegamos num outro ponto z e i, com z z em z, mas com z 6 z em z S e, consequentemente, W (z ) 6 W (z ). O erro da nossa demonstração foi considerar W (z ) W (z ) e com isso a rmar que p e i? p e i )? : Resumindo: a função W z está de nida com z S que são duas cópias do plano z e possui dois ramos. No primeiro ramo (de nido no primeiro plano z) temos W (e i ) p, já no segundo ramo (segundo plano z) W (e i ) p. Sempre que falamos no valor de uma função multivalente, não basta dar a forma da função, mas precisamos também dizer de qual ramo estamos falando. om o desenvolvimento do curso vamos ver algumas aplicações (e implicações) práticas das de nições acima. O número de folhas ligadas de ne a ordem do ponto de rami cação. Outras raizes (r n e in ) podem ser descritas da mesma forma. A função W (z) z 3 necessita de 3 folhas e tem a origem como ponto de rami cação de ordem 3. No caso de funções com mais de um ponto de rami cação, por exemplo, W (z) p (z a) (z b) ; temos diferentes formas de traçar a linha de rami cação. Na função acima podemos construir duas linhas partindo uma de a e outras de b até o in nito, ou podemos traçar apenas uma linha de a até b. A forma das superfícies de Riemann dependem desta escolha. Exemplo: Para resolver o problema de Kepler (da forma das órbitas) usando variáveis de ângulo ação temos de resolver a integral r me + mk r Este problema, resolvido por Sommerfeld, envolve uma integral complexa com dois pontos de rami cação. Esta descrição mostra que, apesar de todos os benefícios vindos da extensão das funções para o plano complexo, este procedimento não é uma tarefa trivial nem mesmo para um caso simples como x. L r dr 5
16 .3 Diferenciação Para uma função f : R R ser diferenciável num ponto x R, os seguintes limites f (x) lim dx f (x + dx) dx f (x) ; devem existir e serem iguais. Por exemplo, a função f (x) x jxj ; não tem o limite lim x f (x) de nido no ponto x. Outro exemplo, a função (contínua) f (x) jxj não é diferenciável em x, porque f ( + dx) f () f ( + dx) f () lim ; lim : dx+ dx dx dx O mesmo critério pode ser usado para se analisar a diferenciabilidade de uma função complexa. Precisamos assim analisar o limite lim f (z) u ; w; z; u : zw A única diferença entre este limite e o conceito usual na reta real e que, sendo w um ponto no plano (f : R R ), existem várias formas diferentes de se aproximar do ponto w. Um problema semelhante ao que ocorre em uma dimensão, onde os limites pela direita e pela esquerda podem ser diferentes. Quando isso ocorre dizemos que este limite não existe. Da mesma forma, se o limite para w depender do caminho escolhido no plano, dizemos que o limite não existe. Uma função f é diferenciável num ponto z se existir o limite f (z) lim dz f (z + dz) dz f (z) df dz () e este for independente do caminho pelo qual z + dz se aproxima de z. Uma função é analítica 3 (regular ou holomór ca) numa região E se for diferenciável nesta região. Remark 8 Praticamente toda a teoria de funções de uma variável complexa se aplica apenas a funções analíticas. 3 Para funções reais o termo analítica numa região signi ca que a função é igual a sua série de Taylor nesta região. 6
17 Exemplo: a função f (z) jzj. Precisamos analisar jz + dzj dz jzj (z + dz) (z + dz) zz dz zdz + zdz + dzdz dz z dz + z + dz : dz zz + zdz + zdz + dzdz zz dz z dz dz dz + z + dz dz dz dz Fazendo dz pelo eixo real dz dx dz df dz z dx + z + dx z + z : dx Fazendo dz pelo eixo imaginário dz idy dz df dz z ( idy) idy + z + dz z + z : Para ser diferenciável devemos ter z + z z + z ) z z : Esta função só pode ser difereciável em z. O que é verdade, porque neste ponto df dz dz + + dz dz ; z dz independente do caminho. Assim, f (z) jzj é diferenciável apenas no ponto z e não é analítica em nenhuma região. Remark 9 Funções são analíticas em regiões. Remark Da seção anterior temos que a região de regularidade de uma função multivalente deve ser de nida numa superfície de Riemann. Pode-se provar 4 que se uma função f (z) possui uma derivada numa região, esta derivada é necessariamente contínua. Assim, uma função f (z) sempre pode ser expandida numa série de Taylor em torno de um ponto z numa região onde esta função é analítica f (z) a + a (z z ) + ::: + a n (z z ) n ; a f (z ) ; a n n f (n) (z ) : () O raio de convergência desta expansão é um circulo cujo raio se estende até o ponto onde a função é singular, 4 Veja, e.g., Konrad Knopp, Theory of Functions, Parts I. 7
18 i.e., um ponto onde a função deixa de ser analítica. O contrário também é verdade, qualquer série de potência convergente numa região representa uma função analítica nesta região..3. Equações diferenciais de auchy-riemann Se uma função W (z) U (x; y)+iv (x; y) é analítica e fazemos dz dx+idy em () podemos fazer dz pela horizontal (dy ) ou pela vertical (dx ). Se a função é analítica devemos obter o mesmo limite () para estas duas variações de dz, dw dz dw dz dx dx @x i dy dz ; dx dz ; dy dz ) @x ; (3) se usarmos agora a nossa representação matricial de W W (z) U @y U V V @y o @x : (4) Estas são as equações diferenciais de auchy-riemann (R) e fornecem condições necessárias e su cientes para uma função W U +iv ser analítica numa região, desde que as quatro derivadas parciais existam e sejam contínuas. De outra forma, as condições de R são necessárias, mas não su cientes, para estabelecer a diferenciabilidade da função. omo mapas de R R estas funções são diferenciáveis se as derivadas parciais existirem e forem contínuas, mas como mapas de, estes mapas, além de serem contínuos, precisam satisfazer as condições de R. É muito importante compreender o signi cado das igualdades acima. omo vimos anteriormente, toda função complexa pode ser vista como um mapa de R R. Existe uma in nidade de mapas que são diferenciáveis como funções reais (todas as derivadas parciais acima existem), mas que não satisfazem as 8
19 relações acima. Estes mapas não são funções complexas diferenciáveis. Para que exista a derivada de uma função complexa (e ser chamada de diferenciável) esta função tem de obedecer as equações de auchy- Riemann. Está é uma restrição bastante forte e implica que funções reais diferenciáveis não serão necessariamente funções complexas diferenciáveis. 9
20 Exemplo: f (z) jzj x + y ) U x + y as funções U e V acima são diferenciáveis (como funções reais) em qualquer ponto. Mas as condições de ) y ; ) x ; Que só são satisfeitas na origem x y. Vemos (novamente) que a função f (z) jzj só é diferenciável no sentido complexo (f : ) na origem, mesmo que, como uma função de R R, U e V sejam diferenciáveis em todos os pontos. Assim, se a derivada de uma função W U + iv existe num ponto z (as derivadas parciais de U e V existem neste ponto) e obedecem a condição de R, então a derivada W pode ser calculada como (3) W (z ) dw @ (U + @x + : (5) Ou, usando @y : (6) Remark Dada uma função complexa diferenciável, valem também as regras usuais de diferenciação de somas e produtos de funções. Todos os argumentos usados para demonstrar estas regras para funções reais continuam válidos. Exercise Veri que se e onde é diferenciável a função: W z. Resp: z (x + iy) (x + iy) x y + ixy U x y ; x Esta função é diferenciável em todos os pontos e, consequentemente, analítica em qualquer região. Exercise 3 A conjugação complexa z (ou z ) de um número z de nida por z x + iy ) z z x iy re i
21 Veri que se e onde é diferenciável a função: W z. Exercise 4 Veri que se e onde é diferenciável a função: W jzj zz. Resp: U x + y x esta função só pode ser diferenciável na origem. Para veri car se esta função é realmente diferenciável na origem, precisamos veri car se as derivadas parciais são contínuas. O que de fato é verdade. Então, a função acima é diferenciável na origem. Mas esta função não é analítica em nenhuma região. omo vimos, a última função é uma função real perfeitamente diferenciável. omo um mapa R em W U + iv x + y, U x + y ; V ambas as funções são perfeitamente diferenciáveis. Assim, a condição de diferenciação complexa é algo mais forte que a diferenciação real. Se uma função f : derivada complexa desta função existe e é dada por R satisfaz as equações de R e as derivadas parciais existem e são contínuas, a f (z) U (x; y) + iv (x; y) ) + : Exercise 5 Mostre que, em coordenadas polares, as condições de R se ; r e que a derivada de uma função pode ser calculada como: + Resp: Veja o livro do hurchil pg (cos i sin + De nition 6 Se f : possui diferencial complexa em todos os pontos num aberto centrado em z, dizemos que f é analítica, ou holomór ca, em z. : De nition 7 Uma função f : de. é dita inteira (entire function) se for analítica em qualquer ponto De nition 8 Uma função f : possui uma singularidade no ponto z se ela não for analítica neste ponto. Isto inclui o caso em que f não está de nida em z. Proposition 9 Se f e g são funções analíticas num domínio E então:. f + g é analítica em E
22 . f g é analítica em E 3. wf é analítica em E para todo w complexo ou real 4. fg é analítica em E 5. fg é analítica em E exceto nos zeros de g. Proposition 3 Se f; g : são funções analíticas, então a composta f g : é analítica. Exercise 3 Veri que que se f (z) e f (z) são ambas analíticas numa região D, então f é constante em D. Resp: pg 73 hurchill.
23 3 Funções harmônicas omo vimos, a característica de uma função ser diferenciável complexa é uma restrição bastante forte nesta função (bem mais forte que diferenciabilidade real). Estas condições estão relacionadas com a equação de Laplace. Por exemplo, a distribuição de calor num corpo u obedece r u no regime estacionário (@u@t ) em duas dimensões temos a equação (7). A equação de difusão do calor e a equação de onda, no caso estacionário se reduz a equação de Laplace. omo veremos nos exemplos a seguir, esta equação possui uma in nidade de aplicações, em especial, no eletromagnetismo e na dinâmica dos uidos. Uma função H : R n R é chamada harmônica num certo domínio D se suas derivadas parciais de primeira e segunda ordem forem contínuas em D e H satisfaz a equação diferencial nx n conhecida como equação de Laplace. No que segue, estamos interessados no caso em duas dimensões H : R R, Falar sobre unicidade da solução. H xx (x; y) + H yy (x; y) ; (7) Funções harmônicas possuem a notável propriedade de que se você traçar um círculo ao redor de um ponto, e encontrar o valor médio da função dentro deste círculo, este valor é sempre igual ao valor da função no centro deste círculo, que é igual a média do valor da função na fronteira. Desde que a função esteja de nida dentro de todo o círculo e em sua fronteira. Esta propriedade pode ser usada para resolver, de forma iterativa, o problema de Dirichlet, i.e., xada a condição na fronteira, qual o valor da função numa região. Este efeito pode ser observado numa chapa quente. Vejamos como estas funções se relacionam com as funções analíticas. Theorem 3 Se uma função f (z) u (x; y) + iv (x; y) é analítica, então as funções u e v são harmônicas. Assumindo que f é analítica em D, então nesta região ela deve obedecer às condições @x (8) 3
24 diferenciando ambos os lados destas igualdades em relação a x u u Da mesma forma, diferenciando com relação a y u u Lembrando que a continuidade da derivada parcial garante que u u v v v u u v v : Ou seja u e v são harmônicos em D. Por outro lado, se duas funções u e v são harmônicas em D e suas derivadas parciais satisfazem às condições de R, ou seja, é possível construir uma função complexa analítica u + iv com estas funções, então v é chamada de harmônica conjugada de u. Theorem 33 Uma função f (z) u (x; y) + iv (x; y) é analítica em D apenas se v é a harmônica conjugada de u. É importante notar que se v é a harmônica conjugada de u, isso não garante que u é a harmônica conjugada de v (observe que as condições de R (8) não são simétricas em u e v). Por exemplo, as funções u (x; y) x y ; v (x; y) xy : Enquanto a função é analítica. A função f u + iv z f v + iu ; não é analítica em nenhum ponto. Exercise 34 Veri que a a rmação acima. É possível mostrar (ver hurchill) que se uma função u é harmônica em D, então ela é a parte real de 4
25 alguma função analítica em D. Além disso, se a harmônica conjugada existe, ela é única a menos de uma constante aditiva. Assim, dada uma função harmônica, podemos sempre construir uma função analítica. Por exemplo, u (x; y) y 3 3x y é harmônica. Pela primeira relação de R (8) sua harmônica conjugada deve obedecer usando agora a ) 6xy ) v (x; y) 3xy 3y 3y 3x ) 3y (x) 3y 3x ) (x) 3x ) (x) x 3 + Assim v (x; y) 3xy + x 3 + é a harmônica conjugada de u e a seguinte função é analítica f (z) y 3 3x y + i 3xy + x 3 + : Utilizando as propriedades das funções analíticas é possível concluir uma série de propriedades para as funções harmônicas quando estas são conjugadas. Por exemplo, se f é analítica então f u + iv ) f u v + i (uv) também será. Assim o produto e a diferença do quadrado de duas funções harmônicas conjugadas também são funções harmônicas. Remark 35 O produto de duas funções harmônicas não é em geral uma função harmônica. Remark 36 Toda solução da eq. de Laplace pode ser expandida em série de potências numa região sem singularidades. (Soluções são tabeladas) Encontrar soluções da equação de Laplace (e de equações diferenciais em geral) não é uma tarefa trivial. Por isso as soluções conhecidas são compiladas em tabelas que possam ser consultadas por quem deseje resolver um determinado problema prático. aracterísticas e o método de construção da conjugada descrito acima permite, a partir do conhecimento de uma solução, construir um par de soluções conjugadas e, consequentemente, encontrar vários outros elementos para compor estas tabelas. 5
26 Remark 37 Se f : R é harmônica e g : é analítica então f g é harmônica. Dizemos que mapas analíticos preservam soluções da equação de Laplace, ou que a equação de Laplace é invariante por transformações analíticas. 3. ampos irrotacionais de divergência nula Uma grande quantidade de problemas em física envolve a presença de campos conservativos, i.e., campos cujo trabalho necessário para se movimentar sob sua ação independe do caminho seguido. Por exemplo, o movimento de uma massa num campo gravitacional, ou de uma carga num campo elétrico constante (r Estes campos são irrotacionais. Se estes campos não possuírem fontes ou sorvedouros (e.g., num campo elétrico estamos tratando uma região sem cargas r:e " ) eles também possuem a sua divergência nula. Por exemplo, um uido newtoniano incompressível de viscosidade constante é descrito pela seguinte particularização da equação de + v:rv rp + r v ; no caso estacionário onde não há nenhum tipo de aceleração (@v@t + v:rv ) e não há gradiente de pressão (rp ) temos a equação de Laplace para as componentes de v. A incompressibilidade implica ainda r:v, e se não houver rodamoinhos no uído r v. 6
27 onsideremos então campo vetorial num plano, que pode ser tanto um problema de mecânica dos uidos, como de eletromagnetismo, onde o uido poderia ser o campo elétrico. Podemos descrever este campo vetorial como V (x; y) u (x; y) ^x + w (x; y) ^y : Se este uído é irrotacional (um campo conservativo ou um uído sem rodamoinhos) r V y @y (9) Se não houver nenhuma fonte ou sorvedouro do nosso uído (sem cargas, ou um uido incompressível), então sua divergência também será nula r V (x; @x () Assim, a função f V u iw obedece as condições de R (9) e (). Assim, se V descreve um campo irrotacional sem fontes nem sorvedouros, então a função f V : é diferenciável. Além disso, se as derivadas parciais de V forem contínuas, f será uma função analítica. Ademais temos que as componentes de f são funções harmônicas. pois Lembrando que um campo irrotacional sempre pode ser escrito como o gradiente de uma função escalar, V (x; y) r ^x + ^y ) (onde para trocarmos as derivadas precisamos que : R escrever V (x; y) r (x; y) f @x : R tenha derivadas parciais contínuas) podemos Lembrando a expressão @y : 7
28 que obtivemos anteriormente temos F u + iv ) F i i ) Re F () Vemos que, nas condições acima, a função é a parte real da antiderivada de f. Este resultado também é bastante útil. Example 38 Por exemplo, vamos encontrar o potencial que gera o campo (o encontro de rios) V (x; y) x^x y^y ) V x iy f V x + iy (x + iy) f (z) z Fácil que f é analítica (veri que). Assim V descreve um campo irrotacional sem fontes nem sorvedouros que, consequentemente, pode ser descrito por um escalar. Observando que F z ) F z f Do fato de F ser também analítica e usando a relação () temos Re F x y : E determinamos assim o potencial que gera o nosso campo conservativo. O estudo da equação de Laplace, ou o estudo das funções harmônicas, é chamado de teoria dos potenciais. 8
29 Remark 39 Toda função analítica corresponde a um campo irrotacional de divergência nula. Um uido incompressível sem rodamoinhos, um campo elétrico sem cargas etc. 4 Integral omo f : pode ser vista como composta por um par de funções R R (mais algumas propriedades) é natural supor que, assim como ocorre na diferenciação, o conceito de integral de uma função complexa também se relacione com a integral de funções no plano. Observe que, a princípio, poderíamos tentar de nir a integral de uma função complexa como a integral da parte imaginária e real, i.e., como a integral de duas funções no plano f (z) dz? (U (x; y) + iv (x; y)) dx dy U (x; y) dx dy + i V (x; y) dx dy ; () ou seja, a integral de uma função complexa seria uma integral de área. Mas, neste caso, a integral da função f (z) z seria x dx dy + i f (z) z (x + iy) y dx dy x dx dy + i y dy dx yx + ixy : Mas observe que desta forma a derivada desta "primitiva" F yx + ixy não corresponde a cuja derivada complexa de novamente f (z), pois yx + ixy 6 z ; d dz z z Ou seja, a de nição () não corresponde a uma operação inversa a nossa de nição de diferenciação. Este é um argumento de porque não de nimos a integral desta forma. Nós queremos ter, também para funções complexas, um análogo do teorema fundamental do cálculo. Além disso, lembrando da nossa representação grá ca dos números complexos, temos que dz dx + idy pode ser visto como um vetor in nitesimal no plano x; y, ou seja, se comporta como dr ^{dx + ^ dy. Todos estes argumentos indicam que a de nição de integral que queremos não se relaciona com integrais de áreas, mas sim com integrais de curvas. omo vimos acima, o conceito de limite no plano complexo deve levar em conta que temos vários caminhos possíveis para nos aproximarmos do ponto em questão. Da mesma forma, o conceito de integrar entre dois pontos, possui a mesma questão de qual caminho percorremos para chegar de um ponto a outro. problema também existe na integral de linha de funções no plano. acontece neste último caso. Este Assim, vamos primeiro rever o que 9
30 4. Teorema de Green Um campo vetorial num plano é uma função que a cada ponto deste plano associa um vetor. Tal campo pode ser usado, por exemplo, para descrever o comportamento de um uido, um campo eletromagnético etc. Um dos grandes interesses no estudo de problemas práticos é saber qual o trabalho realizado para se mover neste campo vetorial. Por exemplo, queremos mover uma carga elétrica por um campo elétrico, ou uma massa num campo gravitacional, ou ainda um barco por um rio. Em todos estes casos, o trabalho realizado será: W F:dr (3) onde, num plano, F (x; y) U (x; y)^{ + V (x; y) ^ é o campo vetorial (neste caso a força) e dr ^{dx + ^ dy um elemento de deslocamento na trajetória. Em geral este trabalho depende, não apenas do caminho, mas também do sentido que este caminho é seguido. Exemplo: Vamos calcular a integral de linha do campo F (3x y) i + (x + 5y) j sobre a circunferência unitária. Este caminho pode ser parametrizado como 3
31 x cos t ; y sin t ; t ; onde está relacionado com a velocidade que percorremos a curva. Assim W F:dr (U (x; y) dx + V (x; y) dy) x x (t) ; y y (t) ) dx dx dy dt ; dy W dx dt sin t ; (3x y) dx dt dy dt dt + (x + 5y) dy dt cos t dt dt dt ; W ((3 cos t sin t) ( sin t) + (cos t + 5 sin t) ( cos t)) dt ( (3 cos t sin t) sin t + (cos t + 5 sin t) cos t) dt 3 cos t sin t + sin t + cos t + 5 sin t cos t dt (( 3 + 5) sin t cos t + ) dt sin t cos tdt + sin t dt + sin t dt + : dt cos t ( sin t cos t + ) dt sin t cos tdt + Observe como o valor calculado não depende de, a velocidade com que percorremos a curva. Vamos calcular a integral (3) para um campo F arbitrário, mas para um caminho especí co, por exemplo, um retângulo: (; ) (a; ) (a; b) (; b) (; ) + 3
32 W F:dr (U (x; y)^{ + V (x; y) ^ ) : (^{dx + ^ dy) (U (x; y) dx + V (x; y) dy) : Na primeira parte do caminho (; ) (a; ) ; dr ^{dx ) dy : (a;) W j (a;) (;) (U (x; y) dx + V (x; y) dy) (;) Enquanto na segunda parte (a; ) (a; b) ; dr ^ dy ) dx Da mesma forma (a;b) W j (a;b) (a;) (U (x; y) dx + V (x; y) dy) (a;) a b U (x; ) dx V (a; y) dy W j (;b) (a;b) W j (;) (;b) a b U (x; y) dx V (x; y) dy a b U (x; b) dx V (; y) dy (o sinal de menos vem do fato do percurso ser na direção em que x e y diminuem). O trabalho total é a soma 3
33 do trabalho de cada parte: W W j (a;) (;) + W j(a;b) (a;) + W j(;b) (a;b) + W j(;) (;b) a [U (x; ) U (x; b)] dx + b [V (a; y) V (; y)] dy (4) Um ponto importante é que cada uma das integrais acima é uma integral ordinária em apenas uma variável. Assim, no cálculo de qualquer das integrais acima a função integrada pode ser tratada como uma função de uma única variável. Assim, podemos fazer, por exemplo: U (x; y) f x (y) ) f x (y) df x (y) dy ) b f x (y) dy f x (b) f x () f x (y) df x dy lim dy* f x (y + dy) dy f (y) U (x; y + dy) U (x; y) dy* Da mesma forma b Substituindo em (4) temos f x (y) dy f x (b) f x () ) a dx V (a; y) V dy U (x; b) U (x; W a b a dy @x b dx Assim, para o nosso caminho quadrado W F:dr (U (x; y) dx + V (x; y) da Suponha agora que o nosso quadrado tenha sido dividido, por exemplo, por uma linha vertical no ponto x h < a e calculamos o trabalho para percorrer cada um dos dois quadrados: W W (h;) (;) + W (h;b) (h;) + W (;b) (h;b) + W (;) (;b) W W (a;) (h;) + W (a;b) (a;) + W (h;b) (a;b) + W (h;) (h;b) 33
34 onde W (h;b) (h;) W (h;) (h;b) b b V (h; y) dy V (h; y) dy b V (h; y) dy W (h;b) (h;) Então W + W W (h;) (;) + W (;b) (h;b) + W (;) (;b) + W (a;) (h;) + W (a;b) (a;) + W (h;b) (a;b) Agora observamos que W (h;) (;) + W (a;) (h;) h W (h;b) (a;b) + W (;b) (h;b) W (;b) (a;b) U (x; ) dx + a h U (x; ) dx a U (x; ) dx W (a;) (;) Assim W + W W j (a;) (;) + W j(a;b) (a;) + W j(;b) (a;b) + W j(;) (;b) W Ou seja, não importa que divisão façamos no nosso quadrado todas as contribuições das partes internas irão se cancelar (porque são percorridas na ordem inversa) e sobrará apenas as bordas. Assim, para uma superfície fechada qualquer, podemos subdividi-la em quadrados, somar todas as contribuições dos quadrados e o que teremos será a integral de linha nas bordas da região interna do caminho. É importante notar que qualquer buraco na nossa área, i.e., regiões que não pertencem ao domínio das funções geraram bordas e contribuirão para a integral. Assim, de forma geral, para um caminho fechado que encerre uma superfície simplesmente conexa (sem 34
35 buracos) temos: I I F:dr (U (x; y) dx + V (x; y) da (5) Este é o teorema de Green e permite, através do cálculo de integrais de áreas, que não envolve produtos vetoriais, calcular uma integral de linha. Exemplo: Vamos voltar ao nosso exemplo anterior I F:dr R F (3x y) i + (x + 5y) j U (3x y) ; V (x @y Este teorema também permite ver que, @U ) F:dr ; R [ + ] da R da : para qualquer curva fechada. Ou seja, F é um campo conservativo. Veja que esta expressão concorda com (9) que obtivemos porque F é um campo gradiente. Se F é um campo conservativo temos F:dr para A e B os limites de. Assim dy F:dr B A rf:dr f (B) f ^y : (^{dx + ^ dy) ; df f (B) f (A) ; é uma generalização do Teorema Fundamental do álculo para funções de várias variáveis. omo veremos a seguir, todo o material desenvolvido acima está intimamente ligado com o cálculo de integrais de funções complexas. 4. Integrais complexas Dos resultados anteriores, sabemos que integrais complexas estão intimamente ligadas às integrais de campos vetoriais. Assim, se quisermos obter uma generalização do teorema fundamental do cálculo, assim como () é 35
36 esta generalização para funções no plano, devemos interpretar nossas integrais complexas como integrais de linha. No caso de funções complexas, estas integrais de linha são chamadas de integrais de caminhos. Agora, se tratarmos a integral f (z) dz como uma integral de linha sobre uma curva no plano complexo, podemos, assim como na integral de linha de funções reais, parametrizar esta curva por um parâmetro t qualquer e escrever (t) x (t) + iy (t) ) dx dx dy dt _xdt ; dy dt _ydt dt dt f (z) dz f (x (t) + iy (t)) ( _x + i _y) dt f (z (t)) _z dt Usando as de nições e os resultados acima podemos calcular a integral de funções complexas no plano complexo Exemplo: vamos integrar f (z) z de até i por duas linhas retas de e i linha reta z dz z dz + z dz ; : ; : i Parametrizando por z x + iy temos z dz (x iy) (dx + idy) + (x x dx + + : y dy iy) (dx + idy) E ao longo do arco z dz e i z () _z d ie i d i d i Do resultado acima vemos que a integral, em geral depende do caminho de integração. Exemplo : Vamos integrar a nossa função f (z) z como uma integral de linha, por exemplo, do 36
37 ponto ao ponto + i por uma linha reta f (z) dz E por duas linhas retas e ( + i) x y ) x t ; y t ) _x _y (t + it) ( + i) dt ( + i) tdt ( + i) t f (z) dz x dx + (x + iy) (dx + idy) + +i ( + iy) (idy) x dx + (idy) + i x dx + idy i : idy y dy ( + i) i (x + iy) (dx + idy) y (idy) Repetindo este processo in nitas vezes podemos ver que, neste caso, a integral não depende do caminho. Observe também que neste caso, se assumirmos que a integral é uma antiderivada, temos z dz z +i ( + i) i : Então neste caso, e isso pode ser veri cado para qualquer pontos iniciais e nais, nossa de nição concorda com a idéia de antiderivação. 4.3 Integrais de funções analíticas Vamos agora usar a nossa de nição de integral complexa como uma integral de linha, temos f u + iv ) f (z) dz (6) (u + iv) (dx + idy) (u dx v dy) + i (u dy + v dx) A existência da integral acima depende da existência da integral de u e v e, assim como no caso dos campos, a curva deve ser lisa por partes. Lembrando que é um caminho sobre o plano complexo, i.e., o plano x; y, cada uma das duas integrais 37
38 acima é da forma (u (x; y) dx + v (x; y) dy) ou seja, temos duas integrais de caminho (reais) para os campos vetoriais F u^x v^y ; F v^x + u^y Se a curva for uma curva fechada, podemos então agora usar o teorema de Green (5) para calcular I F :dr I F :dr R da Usando agora as relações de @v ) F :dr ) F @u @v @y R Assim, o teorema de Green para funções no R, as condições de R e a nossa de nição das integrais complexas como integrais de linha no plano complexo, garantem que cada um dos termos em (6) é zero. De outra forma, se f é uma função analítica num domínio E a integral sobre qualquer curva fechada em E, lisa por pedaços (uma exigência para que a integral dos campos esteja bem de nida), então I f (z) dz : (7) Este é o teorema de auchy-goursat. Remark 4 Obviamente o resultado acima já era esperado, uma vez que funções analíticas são campos conservativos e, para tais campos, a integral por um circuito fechado é zero. O ponto aqui é que, para se obter o resultado (7), passamos de uma integral de linha para uma integral de área. Ou seja, este resultado só é válido se a nossa função for analítica em toda a área no interior da curva fechada. De outra forma, mesmo que a função seja analítica em todas as regiões em torno do caminho de integração, se ela for singular num único ponto dentro da região, não podemos mais usar os resultados acima. omo conseqüência, a integral de f de um ponto z até um ponto z depende apenas dos pontos e 38
39 independe do caminho f (z) dz z z f (z) dz : Na verdade, já sabíamos deste fato, uma vez que funções analíticas são campos irrotacionais (conservativos). Obviamente toda a discussão acima depende do fato da função ser analítica e, consequentemente, não possuir singularidades na região em consideração. Em geral a integral de uma curva fechada que envolva uma singularidade não será igual a zero. Remark 4 Para funções não analíticas, temos de calcular uma integral de linha e o resultado irá, no geral, depender da curva e não só dos extremos. 39
40 4.4 Antiderivada Voltemos ao cálculo da integral através da parametrização f (z) dz com o que temos (t) x (t) + iy (t) ) dx dx dt f (z) dz dy dt _xdt ; dy dt _ydt dt f (x (t) + iy (t)) ( _x + i _y) dt f (z (t)) _z dt Vamos primeiro supor que os pontos iniciais e nais estão sobre o eixo dos reais. Para o caso de caminhos também sobre o eixo dos reais (d y ) a integral acima é da forma R f (z (t)) _z dt b a w (t) dt ; a; b R : Onde w é uma função complexa, mas com argumentos reais, w : R domínio de f sobre o eixo real.. Ou seja, w é uma restrição do Vamos ver o que acontece com a integral da função w (z (t)) w (t) u + iv. Onde, como estamos caminhando apenas no eixo real, u u (x) e v v (x) são funções reais de uma única variável real, u; v : R R. Assim, usando o teorema fundamental do cálculo para funções reais temos b a w (t) dt b a (u + iv) dt b a u dt + i U (t)j b a + i V (t)jb a W (t)jb a ; b a v dt onde Da expressão acima vemos que U du dt u ; V dv dt v ; W U + iv b a w (t) dt W (t)j b a ; W w ; (8) onde, obviamente, a mesma parametrização z (t) deve ser usada para w e W. O resultado acima diz que: Remark 4 Para funções complexas com argumentos reais, temos uma generalização do teorema fundamental do cálculo. Obviamente, assim como no caso de integrais reais, a função deve estar bem de nida em todo o eixo real. 4
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