A HISTORIOGRAFIA SEGUNDO R. G. COLLINGWOOD ( )
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- Luna Azenha di Azevedo
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1 A HISTORIOGRAFIA SEGUNDO R. G. COLLINGWOOD ( ) META Caracterizar o pensamento historiográfi co de R. G. Collingwood. OBJETIVOS Ao final desta aula, o aluno deverá: elencar e explicar os principais aspectos do pensamento historiográfi co de R. G. Collingwood.
2 Teorias da História II INTRODUÇÃO Examinaremos hoje a noção de história do filósofo e historiador inglês Robin George Collingwood ( ). Tomaremos como base trechos de sua obra famosa, o clássico A Idéia de história publicada postumamente em Esse livro era o texto básico da disciplina Teoria da história, quando cursei a disciplina na primeira metade dos anos de 1980, sob a regência do saudoso professor José Silvério Leite Fontes ( ). O autor é classificado, pelos dicionários de filosofia, como adepto do idealismo, crença filosófica que postula a centralidade da ideia ou do espírito ou, nos termos de um dicionarista, interpreta a realidade do mundo exterior ou material em termos de um mundo interior, subjetivo ou espiritual (JAPIASSU, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2001). O idealismo foi muito vituperado por Karl Marx na aula anterior. Consideremos a ideia de história do autor no tocante ao objeto, ao método e à ontologia histórica. Consideremos a visão historiográfica de Robin Georges Collingwood. A DISTINÇÃO ENTRE HISTORIOGRAFIA E CIÊNCIA NATURAL R.G. Collingwood distingue o fazer do cientista natural do fazer do historiador. O autor diferencia, nos comportamentos humanos, duas dimensões ou aspectos: a factualidade e a intencionalidade, o exterior e o interior de um acontecimento, de um feito humano, de um comportamento. Assim sendo, o historiador se interessa pela exterioridade como expressão de algo interno, de uma intencionalidade ou nos termos do autor de um pensamento. Ele vai do externo para o interno, do factual para o intencional. Os fatos interessam ao historiador como indícios de um pensamento, como concreções de ideais. Tem-se, portanto, que o fazer do historiador é distinto daquele do cientista. Enquanto o cientista busca causas e leis, o historiador, por sua vez, investiga o pensamento subjacente ao acontecimento. Ao cientista basta a exterioridade, já o historiador precisa ir além da factualidade, precisa elucidar o sentido mental visado pelo agente histórico investigado, pesquisado ou inquirido. Para o historiador nos diz o autor - o fato é somente uma janela ou indício para o pensamento que lhe deu origem, que lhe dá sentido ou sustentação. Os fatos interessam somente como materialização de ideias, manifestação de ideias. 92
3 A historiografia segundo R. G. Collingwood ( ) O MÉTODO HISTORIOGRÁFICO Como Collingwood concebe o método histórico, a forma de conhecer peculiar à historiografia? Para ele basicamente historiar é representar o passado no pensamento. É revivê-lo no plano das ideias, na mente do historiador, no intelecto do investigador. Assim sendo, se quero entender o Código de Teodósio (438 d.c.), devo representar, em meu pensamento, a experiência do imperador. Num exemplo mais próximo, imaginemos diante de nós o documento da abdicação de Dom Pedro I ( ) em favor de seu filho. No entender de Collingwood, para compreender tal documento, o historiador carece de representar em si as ideias do governante. O que se passou em sua cabeça na ocasião? Qual a ideia ao assinar ou redigir o documento? Para exemplificar o modo da compreensão histórica, o autor menciona a intelecção histórica do pensamento de Platão. Para bem entendê-lo, o historiador precisa: a) conhecer seus textos, lê-los, decodificá-los; b) repensálos; c) e, por fim, à luz de outros conhecimentos, julgá-los quanto ao seu valor ou verdade. No dizer do autor aqui examinado, a compreensão histórica implica acompanhar intelectualmente o movimento do raciocínio platônico, refazendo o caminho percorrido pelo filósofo. Não se trata de uma revivência no plano emocional, passional. O que Collingwood propõe é idear o que o pensador antigo ideou ou pensou. Não é sentir o que o filósofo antigo sentiu ao escrever... é repensá-lo. Tomemos, como exemplo, uma prédica de Antônio Vicente Mendes Maciel ( ), o conhecido Antônio Conselheiro. Na concepção de Collingwood, só poderei apreender os ideais do líder, materializados nos textos, se fizer um esforço no sentido de repensar em mim os ideais que animam o líder carismático de Canudos. Para o autor, o método da historiografia é, portanto, essencialmente mental ou intelectual. Todo o esforço do historiador consiste em, no pensamento, transportar-se para a cabeça de Antônio Conselheiro. Repensar o pensamento do líder messiânico. Tal tarefa, no entanto, não implica conforme Collingwood, rendição passiva ao outro. O historiador julga o valor do pensamento investigado. Inteligir historicamente não é aceitar passivamente, acriticamente o pensar alheio. Historiografar é pensar o pensamento alheio, e não comungar com ele. OS OBJETOS DA HISTORIOGRAFIA A natureza dos objetos da historiografia é temática deste último segmento selecionado de a Idéia de história (1946). O autor volta a perguntar: quais os objetos peculiares da pesquisa histórica? Ele responde: Os atos humanos reflexivos. Collingwood explica: o historiador aborda atos 93
4 Teorias da História II humanos premeditados, idealizados antes de se efetivarem. Feitos humanos de propósito. Atos irrefletidos ou naturais não constituem na visão do autor objeto da historiografia. São temas da psicologia Em seguida, o autor considera a opinião de que a atividade teorética não é o objeto da história, pois o pensador não tem um propósito antecipado; para ele, tal opinião não se sustenta. Collingwood apresenta duas respostas a essa tese sobre a natureza da atividade teorética, a seu ver, incorreta: a) A atividade teórica não se efetiva sem propósito. O cientista, o filósofo e o historiador têm um propósito: solucionar uma questão que orienta a investigação. Todos partem de um problema orientador. Tais ações humanas são finalizadas, possuem uma meta consciente, um objetivo prévio. b) O conceber e o realizar não são esferas estanques. A ideia já é algo prático. Assim sendo, o fito do historiador é, ou deve ser, acompanhar o pensamento originário e a sua efetivação. Collingwood estabelece ainda as condições necessárias para um objeto ser abordado historicamente: a) ser uma experiência, ou seja, um feito cultural, e não natural. Conforme o autor, não pode haver conhecimento historiográfico da natureza, a não ser se ela for concebida de modo animista (movida por deuses); b) ser uma experiência intencional, isto é, um comportamento carregado de sentido. Os atos automáticos não constituem objeto legítimo dos historiógrafos. São objetos da ciência psicológica ou da biologia, diz o autor. c) ser uma experiência racional, um pensamento comum, compartilhado. Uma manifestação da natureza humana comum, um pensamento universal. d) Ser uma experiência com a qual o historiador tenha certa afinidade intelectual. A afinidade objeto/historiador vence os ruídos do tempo. O bom tema de investigação no entender de Collingwood é um fato nem totalmente estranho, nem totalmente familiar. Noutros termos, nem muito distante, nem muito próximo. Não considerar tal condição ocasiona no entender do autor a ruína. Tematizar assuntos com os quais não se tem a mínima afinidade produz ossadas nuas, e não obra histórica. No plano pessoal, produz ruína moral e mental. É como casar-se com a alma gêmea ou com uma mulher completamente estranha. Ambas as situações dificultam o matrimônio feliz... Você não acha? Você conhece alguma obra histórica sem alma? 94
5 A historiografia segundo R. G. Collingwood ( ) OBRAS DE ROBIN GEORGES COLLINGWOOD - Religião e Filosofi a Speculum Mentis Esboços de Filosofi a da Arte A Arqueologia da Britânia Romana Um Ensaio sobre o Método Filosófi co Britânia Romana Os Princípios da Arte Uma Autobiografi a Um Ensaio Sobre Metafísica O Novo Leviatan A Idéia de Natureza A Idéia de História Ensaio de Filosofi a da História Ensaio de Filosofi a Política Os Princípios da História 1999 SOBRE COLLINGWOOD, CONSULTAR HADDOCK, B.A. História e Ciência Social. Uma Introdução ao Pensamento Histórico. Lisboa: Gradiva, p HUGUES-WARRIGTON, Marnie. Collingwood. Cinqüenta Grandes Pensadores da história. São Paulo: Contexto, p MORA, José Ferrater. Collingwood. Dicionário de Filosofia. 3. ed. Buenos Aires: Sudamericana, tomo 1, p. 309, WALSH, W. H. A Teoria da história de Collingwood/Crítica da Teoria da história de Collingwood. Introdução à Filosofia da História. Rio de Janeiro: Zahar, p TEXTO BÁSICO COLLINGWOOD, Robin Georges. A História como Representação da Experiência Passada. In: GARDINER, P. (Org.) Teorias da história. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p
6 Teorias da História II ATIVIDADES 1. Qual a questão central do texto? 2. Conforme o texto, o que diferencia o cientista natural do historiador? 3. No entender do autor, que requisitos deve possuir um objeto para ser abordado pelo historiador? 4. Por que o objeto da história é o pensamento? 5. Como se dá a compreensão histórica? CONCLUSÃO Assim, fazendo a história girar em torno do pensamento, ou melhor, de fatos que materializam pensamento, o autor delimita os objetos peculiares da historiografia. Nem todas as ações humanas são, assim, objeto da pesquisa histórica. O historiador investiga somente os fatos humanos que materializam ou exteriorizam pensamento. Portanto, diz Collingwood, comer, dormir e copular não são objetos da historiografia, são fatos naturais. Tais ações só se tornam tema de história quando recobertos pela cultura, isto é, quando materializam pensamento. Em tempos atuais, os objetos da historiografia seriam objetos culturais, e não naturais. O universo histórico é o universo da cultura, dos costumes, do simbólico. Essa é, em largos traços, a ideia de história de Collingwood. O que você acha dela? RESUMO Aprendermos, nesta última aula, a noção de história de Robin George Collingwood adepto do idealismo, crença filosófica que postula a centralidade da ideia ou do espírito, que interpreta a realidade do mundo exterior ou material em termos de um mundo interior, subjetivo ou espiritual. Para o autor, o historiador se interessa pela exterioridade somente como expressão de algo interno, ou seja, investiga o pensamento subjacente ao acontecimento. Os fatos são indícios de um pensamento. O método histórico de Collingwood é representar o passado no pensamento do historiador. É revivê-lo no plano das ideias, na mente do historiador, no intelecto do investigador. O autor pondera que historiografar é repensar o pensamento alheio, e não comungar com ele. Assim, o objeto da historiografia são atos humanos reflexivos, ações premeditadas, idealizadas, antes de se efetivarem. No entender do autor, atos irrefletidos ou naturais são temas da psicologia. Collingwood estabelece que, para um objeto ser abordado historicamente, deve ser um feito cultural, e não natural; uma experiência intencional e racional, um pensamento comum, compartilhado. Afirma ainda que o objeto historiográfico deve ser uma experiência com a qual o historiador tenha certa afinidade intelectual. Nem totalmente estranho, nem totalmente familiar. 96
7 A historiografia segundo R. G. Collingwood ( ) REFERÊNCIAS HADDOCK, B.A. História e Ciência Social. Uma Introdução ao Pensamento Histórico. Lisboa: Gradiva, p HUGUES-WARRIGTON, Marnie. Collingwood. Cinquenta Grandes Pensadores da História. São Paulo: Contexto, p MORA, José Ferrater. Collingwood. Dicionário de Filosofia. 3 ed. Buenos Aires: Sudamericana, tomo 1, p. 309, WALSH, W. H. A Teoria da história de Collingwood/Crítica da Teoria da história de Collingwood. Introdução à Filosofia da História. Rio de Janeiro: Zahar, p
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